Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00506/09.6BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/24/2017
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:ACIDENTE DE VIAÇÃO; QUEDA DE ÁRVORE EM ESTRADA NACIONAL; PRESUNÇÃO DE CULPA;
INDEMNIZAÇÃO; EQUIDADE; IMOBILIZAÇÃO DE VEÍCULO.
Sumário:1. À responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos por facto ilícito de gestão pública é aplicável a presunção de culpa prevista no artigo 493.°, n.º1, do Código Civil, decorrente da propriedade de coisas.
2. Para ilidir esta presunção, no caso de acidente de viação causado pela queda de uma árvore em Estrada Nacional no meio da estrada, é necessário que a entidade publica responsável pela via alegue e prove não só que exerceu a devida vigilância e fiscalização sobre as árvores sob a sua responsabilidade mas também o modo e a periodicidade média desse controlo.
3 – O mero uso do veículo constitui uma vantagem suscetível de avaliação pecuniária, em face do que a sua privação constitui um dano ressarcível, com recurso a critérios de equidade. Mesmo tratando-se de um veículo relativamente ao qual inexista qualquer utilização lucrativa, não está afastada a ressarcibilidade por danos tendo em conta a sua mera indisponibilidade.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:OMCF,
Recorrido 1:EP – Estradas de Portugal SA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Sumária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não foi emitido parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
OMCF, devidamente identificado nos autos, no âmbito da ação administrativa comum, intentada contra a EP – Estradas de Portugal SA, na qual peticionou a atribuição de uma indemnização global de 8.000€, em resultado de ter sido atingido “por eucalipto propriedade da demandada que se precipitou sobre as viaturas”, inconformado com a Sentença proferida em 31 de maio de 2016, no TAF de Aveiro, na qual a ação foi julgada “improcedente”, veio interpor recurso jurisdicional da mesma, em 8 de julho de 2016 (Cfr. fls. 305 a 312 Procº físico).

Formula o aqui Recorrente nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões:

“1 - A sentença que antecede é nula porque omite em absoluto a fundamentação.

2 - A juiz que proferiu a Sentença ora em crise não realizou qualquer diligência de prova, pelo que, não estava apta a explicar de forma racional o motivo por que dá como provados certos factos e como não provados outros.

3 - No caso dos autos já havia sido proferido Acórdão de onde resulta que “Só com base numa factualidade formalmente verdadeira (no sentido de corresponder às respostas dadas e justificadas pelo tribunal, após a audiência de discussão e julgamento) poderão as partes reagir, quer impugnando a materialidade fáctica consignada na sentença, quer a posterior análise jurídica, se assim o entenderem, sendo certo que,

4 - A sentença recorrida ao omitir essa fundamentação totalmente, impede as partes de perceber o raciocínio lógico do julgador, inquinando de nulidade a Sentença que antecede.

5 - Ficou provado que a viatura do A. foi atingida por uma árvore propriedade da R., sendo certo que era a R. que tinha de provar que a R. cumpriu com o dever de zelo que lhe incumbia.

6 - A presunção legal que decorre do Art.º 493.º n.º 1 do C.C. obriga a R. a provar que aquele facto não se deveu a culpa sua, bastando ao A. alegar, como fez o facto gerador de responsabilidade.

7 - Para ser ilidida tal presunção terá a Administração que demonstrar que os seus agentes cumpriram o dever de fiscalizar, de forma sistemática e adequada, a coisa móvel ou imóvel, à sua guarda, ou que o evento danoso se ficou a dever a caso fortuito ou de força maior, sendo que,

8 - No caso dos autos, a R. alegou que os intensos golpes de calor terão desencadeado o processo de fratura, no entanto, a R. não provou que no dia do sinistro ou nos anteriores se verificaram condições climatéricas anormais, seja,

9 - A R. não demonstrou que existiram circunstâncias excecionais que afastassem a sua responsabilidade na eclosão do sinistro, pelo que, não se conseguindo determinar a causa da queda do ramo é contra a R. que a falta de prova deve operar, devendo em consequência nesta parte ser revogada a sentença recorrida, ou seja, terá de recair sobre a R. a obrigação de indemnizar o A. porquanto sobre si recai a presunção da ocorrência de facto ilícito por omissão dos deveres de vigilância.

10 - Termos em que, deverá a sentença que antecede ser revogada e substituída por outra que, dando cabal cumprimento às normas violadas condene a R. a indemnizar o A. pelos prejuízos sofridos e dados como provados, assim se fazendo a tão costumada JUSTIÇA.”

O Recurso Jurisdicional foi admitido por Despacho de 5 de setembro de 2016 (Cfr. fls. 346 Procº físico).

A Recorrida/Estradas de Portugal, veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 13 de outubro de 20116, nas quais concluiu (Cfr. Fls. 354 a 357 Procº físico):

“1. O recurso interposto alicerça-se na discordância da convicção do tribunal a quo dos factos provados.

2. Ora, o Recorrente não fundamenta as suas alegações com o rigor que se mostra necessário, para que o tribunal a quo, mude, agora, os factos dados como provados.

3. Aliás, nem tão pouco faz uso de transcrições de passagens da gravação da prova testemunhal que permitiria tirar as conclusões pretendidas.

4. O A./Recorrente demandou a R./Recorrida, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito.

5. O Autor fazia-se circular num veículo, na EN 1, sentido Sul Norte, tendo sofrido um acidente de viação, em resultado da queda da copa de um eucalipto.

6. Os serviços da ex-Direcção de Estradas de Aveiro, órgão descentralizado da Recorrida, vigiam aturada e constantemente as condições de circulação na EN 1.

7. Os técnicos de conservação adstritos à ex-Direcção de Estradas de Aveiro, passam com regularidade naquela via.

8. Da matéria provada, resulta que a árvore não evidenciava qualquer sinal de decrepitude ou doença, pelo contrário a árvore em apreço encontrava-se viçosa e em bom estado vegetativo, nada fazendo supor a sua queda.

9. Provou-se que em face da verificação deste acidente, foi solicitado ao Gabinete do Ambiente da Recorrida, uma vistoria à árvore em questão, tendo-se o Gabinete do Ambiente, pronunciado, através da CS n.º 2544/2006/GAMB, de onde se retiram as seguintes conclusões:

“… Da observação efetuada no local e por consulta do histórico fotográfico exibido a fratura do ramo não se terá ficado a dever a podridão ou a qualquer outra causa de ordem sanitária causadora do enfraquecimento, mas presumivelmente a sucessivos e intensos golpes de calor, ocorridos na altura, que terão desencadeado um processo mecânico de fratura …”

10. A matéria dada como provada permite concluir que não se mostram preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual com a consequentemente obrigação de indemnizar.

11. Face à prova produzida, pode concluir-se, que a Ré/Recorrida cumpriu o dever de vigilância, que sobre si lhe impendia.

12. No âmbito dos poderes que competiam à EP – Estradas de Portugal, S.A., determinados pelo Decreto-Lei n.º 374/2007, de 7 de Novembro, foi zelada a manutenção e conservação das condições das infraestruturas rodoviária sob a sua jurisdição, a EN 1.

13. A factualidade provada aponta toda ela no sentido de a Ré/Recorrida ter adotado medidas concretas no sentido de evitar o dano ocorrido, no que respeita ao cumprimento do dever de vigilância relativamente à manutenção e conservação da árvore, cuja copa caiu, ou seja, o acidente ocorreu não só independentemente deste cumprimento, mas tão-somente por causas fortuitas e imprevisíveis.

14. De facto, está provado que a Recorrida cumpriu todos os deveres que lhe eram imputados, desde logo, e no ano de 2006 elaborou uma listagem contendo o levantamento, em todas as estradas na sua jurisdição, de todas as árvores que constituíam perigo para a via e nessa listagem não constava a árvore – eucalipto, cuja ramada caiu,

15. Nada há a apontar à conduta da Ré/Recorrida, no que aos cuidados de conservação, guarda e vigilância das árvores diz respeito e que só por circunstâncias anómalas o acidente em apreço terá ocorrido.

16. De igual forma no âmbito da fiscalização levada a cabo pela ex-Direção de Estradas de Aveiro, não foi detetada qualquer situação de perigosidade relativamente às árvores que ladeavam a EN 1.

17. Face ao sobredito, não se demonstrou que foi, qualquer omissão da Recorrida, que constituiu causa adequada do evento danoso, já que nada fazia prever a queda de um eucalipto viçoso e em bom estado vegetativo como ficou devidamente provado, tratando-se, deste modo, de um facto anómalo.

18. Ou seja, não se demonstrou, como seria mister que fosse feito, para o Autor da ação lograr êxito, que nas descritas circunstâncias, foi qualquer omissão de conservação das árvores que ladeiam a EN 1, da entidade Recorrida que deu causa à produção do acidente.

19. A Recorrida, ilidiu, como se lhe impunha, que exerceu a devida vigilância e fiscalização sobre as árvores sob sua responsabilidade, nomeadamente, na EN 1.

20. A Recorrida organizou os seus serviços de modo a assegurar um eficiente sistema de prevenção e vigilância de anomalias previsíveis, e no caso concreto exerceu efetivamente uma adequada e contínua fiscalização, pelo que também não existiria culpa da Ré .

21. A vigilância exercida pela Recorrida foi levada a cabo no respeito das regras técnicas e de prudência comum adequadas à situação concreta e à prevenção do resultado.

22. A douta sentença recorrida cumpriu a lei, devendo-se, por isso, ser mantida.

Nestes termos e nos melhores de Direito, que serão por V. Exªs. doutamente supridos, deve a douta sentença recorrida ser mantida, com todas as legais consequências, assim se fazendo, como sempre a costumada JUSTIÇA!”

O Ministério Público junto deste Tribunal, tendo sido notificado em 30 de Janeiro de 2017 (Cfr. fls. 373 Procº físico), nada veio dizer, requerer ou promover.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
As principais questões a apreciar resultam predominantemente da invocada “falta de fundamentação da decisão”, ao que acresce a circunstância da “juiz que profere a decisão não foi a mesma que efetuou o julgamento”, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
Sublinha-se desde logo que a originária decisão proferida pelo tribunal a quo veio a ser revogada por este TCAN exatamente em resultado de deficiências e incongruências na fixação da matéria de facto, tendo então sido determinada a baixa dos Autos à 1ª instância para que “reproduza, com toda a fidelidade, a matéria de facto provada”.
Em qualquer caso, é manifesto que o tribunal a quo, ainda que através de juiz já diferente, não deu cumprimento ao determinado, antes tendo fixado a matéria de facto, de modo parcialmente incongruente e contraditório, situação que importará corrigir, nos termos do nº 1 do Artº 662º do CPC.
Refiram-se a título exemplificativo alguns lapsos, incongruências e contradições constantes dos factos provados:
- Os factos 4 e 6 mostram-se duplicados;
- Em momento algum se referência o local, dia e hora em que terá ocorrido o acidente participado;
- Os factos 18 e 31 estão em contradição.
No facto 18 diz-se que “A viatura não pode circular por não ter sido reparada e, em consequência não conseguir passar nas inspeções obrigatórias”, enquanto o facto 31 refere que “Os eventuais danos sofridos na viatura, por pouco significativos e não estruturais, não a impediram de facto de circular.

Acresce que não é suposto que em matéria de factos provados se faça alusão a “eventuais danos”.

- O facto 30 reflete duas circunstâncias diversas, insuscetíveis de serem incluídas num único facto. Aí se diz:
“No mês de Agosto de 2006 estava muito calor e um ramo de um eucalipto caiu na faixa de rodagem no sentido de marcha Albergaria-a-Velha, Águeda, na Estrada Nacional sobre as viaturas com a matrícula **-**-IT e com a matrícula **-**-TI.”
Assim, nos termos do nº 1 do Artº 662º do CPC, fixa-se a seguinte matéria de facto, na qual se sintetizará aquela que releva para a decisão a proferir, tendo como matriz e ponto de partida, aquela que foi fixada pelo tribunal a quo:
1) O A. é proprietário do veículo automóvel com a matrícula **-**-IT.

2) No dia 29 de Agosto de 2006, pelas 09:20 horas, o veículo com a matrícula **-**-IT seguia na Estrada Nacional, n.º 1, Km 239,200, no concelho de Águeda, área dessa comarca, sentido Albergaria-a-Velha;

3) No referido local foi abalroado por um eucalipto, propriedade da Ré EP Estradas de Portugal SA, que sobre ele se precipitou, tendo igualmente embatido no veículo pesado com a matrícula **-**-TI.

4) Por carta dirigida ao Autor, datada de 14/03/2008, da Direção de Estradas de Aveiro, aquele foi informado que esta não aceitava “qualquer responsabilidade relativamente aos factos invocados e que alegadamente terão originado o acidente”.´

5) O condutor do veículo **-**-IT encontrava-se a proceder a uma manobra de ultrapassagem ao veículo pesado com a matrícula **-**-TI.

6) A via onde circulavam ambos os condutores é dotada de duas faixas de rodagem no mesmo sentido.

7) Após investigações levadas a efeito pelo posto de Águeda da G.N.R. foi apurado que a árvore em causa era propriedade da Estradas de Portugal, S.A.;

8) A viatura do autor sofreu danos após a queda do ramo da árvore.

9) Como consequência do acidente ficou a viatura propriedade do Autor com o capot danificado – não fecha – com amolgadelas na parte lateral esquerda, partiu o espelho retrovisor direito e amolgou ainda o para-choques;

10) Em resultado da queda do ramo da árvore sobre a viatura de matrícula **-**-IT, é necessário proceder às reparações constantes no orçamento n.º 007595, elaborado pela empresa A. Fontes, SA., concessionário da Renault, datado de 06 de Outubro de 2006 e dirigido ao autor, onde se descrevem as intervenções necessárias na viatura Renault, modelo Clio, no valor total de 1.704,24€.

11) Encontra-se a viatura imobilizada desde a data do sinistro.

12) A viatura não pode circular por não ter sido reparada e, em consequência não conseguir passar nas inspeções obrigatórias.

13) Os serviços da Delegação Regional de Aveiro da Estradas de Portugal vigiam as condições de circulação da EN 1, um dos eixos rodoviários do Distrito, com significativo movimento,

14) Os técnicos de conservação adstritos à Delegação Regional de Aveiro passam com regularidade naquela via.

15) Não evidenciando qualquer sinal de decrepitude ou doença, pelo contrário a árvore em apreço encontrava-se viçosa, em bom estado vegetativo, inexistindo ramos secos com ameaça de queda.

16) Face à verificação deste acidente foi solicitado ao Gabinete do Ambiente das Estradas de Portugal uma vistoria à árvore em questão, tendo-se aquele gabinete pronunciado através da CS nº 2544/2006/GAMB do qual se retiram as seguintes conclusões: “Pela observação efetuada no local e pela consulta do histórico fotográfico exibido, a fratura do ramo não se terá ficado a dever a podridão ou a qualquer outra causa de ordem sanitária causadora do enfraquecimento, mas presumivelmente a sucessivos e intensos golpes de calor, ocorridos na altura, que terão desencadeado um processo mecânico de fratura, concomitantemente com a eventual ocorrência de fortes rajadas de ventos”.

IV – Do Direito
Importa agora analisar e decidir o suscitado.
A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas, no domínio dos atos de gestão pública, rege-se pelo disposto no Decreto-Lei n.º 48.051, de 21.11.1967, aplicável à data dos factos em apreciação.

Determina o seu art.º 2º, nº1, que:
“O Estado e demais pessoas coletivas públicas, respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas aos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de atos ilícitos culposamente praticados pelos respetivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício”.

São assim pressupostos deste tipo de responsabilidade civil:
a) o facto, comportamento ativo ou omissivo voluntário;
b) a ilicitude, traduzida na ofensa de direitos de terceiros ou disposições legais destinadas a proteger interesses alheios;
c) a culpa, nexo de imputação ético - jurídica do facto ao agente ou juízo de censura pela falta de diligência exigida de um homem médio ou de um funcionário ou agente típico;
d) a existência de um dano, ou seja, a lesão de ordem patrimonial ou moral, esta quando relevante;
e) o nexo de causalidade entre a conduta e o dano, segundo a teoria da causalidade adequada (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27.01.1987, de 12.12.1989 e de 29.01.1991, in Ac. Dout. n.º 311, p. 1384, n.º 363, p. 323 e n.º 359, p. 1231).

Esta responsabilidade corresponde pois, no essencial, ao conceito civilístico de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos que tem consagração legal no artigo 483º, nº1, do Código Civil (acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 10.10.2000, recurso n.º 40576, de 12.12.2002, recurso n.º 1226/02 e de 06.11.2002, recurso n.º 1311/02).

Efetivamente, a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas por atos ilícitos e culposos, pressupõe a existência de um facto ilícito, imputável a um órgão ou agente e a existência de danos que tenham resultado como consequência direta e necessária daquele.

Refira-se desde já que se acompanhará no presente aresto muito do invocado e fundamentado no acórdão deste TCAN nº 00219/08.6BEMDL, de 22/10/2015, e naturalmente no Acórdão igualmente desde TCAN nº 00507/09.4BEAVR, 09/09/2016, o qual se refere ao mesmo acidente, ainda que relativo ao outro veículo interveniente, que por sua vez assentam em inúmera jurisprudência do STA, que citam.

Da presunção de Culpa
Desde logo, e tal como se enunciou já supra, o ato ilícito pode integrar quer um ato jurídico quer um ato material, podendo consistir num comportamento ativo ou omissivo, sendo que, neste último caso, a ilicitude apenas se verifica quando exista, por parte da Administração, a obrigação, o dever de praticar o ato que foi omitido.

De qualquer forma, a verificação de um facto ilícito pressupõe sempre uma ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.

In casu, importará verificar o cumprimento por parte da Estradas de Portugal dos seus deveres de promover as condições de conservação do património arbóreo sob a sua responsabilidade.

O conceito de ilicitude consagrado naquele preceito é pois, mais amplo que o consagrado na lei civil (vd. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10º ed., vol. II, p. 1125; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10.05.1987, in Ac. Dout. 310, p. 1243 e segs.).

A propósito do requisito da ilicitude refere aquele Professor na citada obra que: “É necessário, em primeiro lugar, que tenha sido praticado um facto ilícito. Este facto tanto pode ter consistido num ato jurídico, nomeadamente um ato administrativo, como num facto material, simples conduta despida do carácter de ato jurídico. O ato jurídico provém por via de regra de um órgão que exprime a vontade imputável à pessoa coletiva de que é elemento essencial. O facto material é normalmente obra dos agentes que executam ordens ou fazem trabalhos ao serviço da Administração. O artigo 6º do Decreto-lei n.º 48 051 contém, para os efeitos de que trata o diploma, uma noção de ilicitude. Quanto aos atos jurídicos, incluindo portanto os atos administrativos, consideram-se ilícitos “os que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis”: quer dizer, a ilicitude coincide com a ilegalidade do ato e apura-se nos termos gerais em que se analisam os respetivos vícios. Quanto aos factos materiais, por isso mesmo que correspondem tantas vezes ao desempenho de funções técnicas, que escapam às malhas da ilegalidade estrita e se exercem de acordo com as regras de certa ciência ou arte, dispõe a lei que serão ilícitos, não apenas quando infrinjam as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis, mas ainda quando violem as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração”.

No mesmo sentido Jean Rivero, Direito Administrativo, pág. 320, e Margarida Cortez, Responsabilidade Civil da Administração por Atos Administrativos Ilegais e Concurso de Omissão Culposa do Lesado, página 96.

No que toca à culpa "Agir com culpa significa atuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo" – Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 6ª edição, p. 531).

É também jurisprudência firme e reiterada que à responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos por facto ilícito de gestão pública é aplicável a presunção de culpa prevista no artigo 493.°, n.º1, do Código Civil, decorrente da propriedade de coisas (por todos, ver os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 25.10.2000 (Pleno), recurso n.º 37 510, de 20.03.2002, recurso n° 45 831, e de 03.10.2002, recurso n° 45 621).

Este regime radica nas seguintes razões: 1ª - nas regras da experiência comum, segundo as quais normalmente os danos provocados por coisas procedem de falta de adequada vigilância;
2ª- na necessidade de acautelar o direito de indemnização do lesado contra a extrema dificuldade de provar, neste tipo de casos, os factos negativos que consubstanciam a violação do dever objetivo de cuidado;
3ª na conveniência de estimular o cumprimento dos deveres de vigilância que recaem sobre o detentor da coisa (Antunes Varela, "Das Obrigações Em Geral" volume I, páginas 590-591; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16.05.1996, Apêndices ao D.R., de 23.10.1998, p. 3697).

É ainda pacifico o entendimento de que, por beneficiar dessa presunção, o autor só tem que demonstrar a realidade dos factos causais que servem de base àquela para que se dê como provada a culpa do réu, cabendo a este ilidir a presunção (artigos 349º e 350.° n.ºs 1 e 2, do Código Civil; Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 20.03.2002, recurso n° 45 831, e de 03.10.2002, recurso n° 45 621).

A elisão de uma presunção (iuris tantum) só é feita com a prova do contrário, não sendo bastante a mera contraprova (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09.02.2005, proc. n.º 1758/03).

Face ao supra explanado, dúvidas não subsistem de que no caso em apreciação nos autos e face à matéria factual dada como provada, estão verificados factos que permitem concluir que foi praticado um facto ilícito e danoso e que esse facto ilícito foi a causa adequada da produção dos danos que determinaram os danos participados.

Tanto basta para que funcione a presunção de culpa da Estradas de Portugal, nos termos do art. 493º nº 1 do Código Civil.

Reproduz-se, parcialmente o teor do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no proc. nº 0373/10, datado de 22/06/2010, relatado por São Pedro, aqui aplicável, mutatis mutandis, com o qual, naturalmente, se concorda:
“O art. 493º, 1, do C. Civil consagra a responsabilidade civil das pessoas com o dever de vigiar coisas ou animais, impondo uma presunção legal de culpa, desde que se prove que o dano foi causado «pela coisa ou animais». Com efeito, diz-nos concretamente o art. 493º, 1 do C. Civil que a pessoa com o encargo de vigiar a coisa «responde pelos danos que a coisa causar…»”.
O recorrente não põe em causa que tenha o dever de vigiar a Estrada e as árvores “implantadas” junto à sua berma. O que põe em causa é a prova dos factos que justificam a presunção, ou como diz a fls. 222: cabia ao autor provar “a base de presunção, ou seja, da ocorrência do facto causal e dos danos, que, em nossa opinião não logrou demonstrar”.
Todavia, no caso dos autos tal nexo de causalidade verifica-se de modo muito claro.
O dano foi causado pela queda de árvore na estrada, que o réu tinha o dever de vigiar.
Há, neste caso, um nexo de causalidade adequada evidente entre a queda da árvore na estrada (coisa vigiada) o embate do veículo com a árvore e o dano que este embate provocou no veículo. Na verdade para além da causalidade naturalística (a queda da árvore ser uma condição do dano) é evidente que essa condição só deixaria de poder como tal considerar-se se fosse de todo indiferente para a produção do dano e só se tivesse tornado condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, o que não sucede em geral, uma vez que uma árvore a beira da estrada, pode sempre cair sobre um carro.
Estabelecido esse nexo de causalidade adequada entre a “coisa” e o “dano” (base da presunção) o réu para afastar a responsabilidade civil deveria provar (art. 493º, 1, 2º parte) que (i) não teve culpa ou (ii) que – tendo culpa - o dano se verificaria mesmo que a não tivesse. O “non liquet” sobre qualquer destes aspetos (falta de culpa, ou relevância negativa da causa virtual) é decidido contra o réu.
Dos factos não resulta que o réu tenha cumprido todas as regras de prudência exigíveis na vigilância da estrada e, sobretudo, no estado das árvores que a circundem de modo a evitar que, em casos de chuva intensa e persistente as mesmas não caíssem na faixa de rodagem. Em boa verdade sobre o modo como esse dever de vigilância, em concreto, foi exercido nada se provou. Há, nesta medida, um claro “non liquet”.
O réu sustenta ainda a tese, segundo a qual a queda da árvore foi devida a um caso de força maior, imprevisível e, portanto, inevitável. Mas, em boa verdade os factos provados não permitem essa conclusão.
Provou-se, é certo, que estava mau tempo, com chuva intensa e persistente e que o pinheiro foi arrancado pela raiz.
Mas não se alegou que, naquela ocasião e local, todos os pinheiros (ou a maioria deles) tenham sido arrancados pela raiz e, embora tal tenha sido tenha sido alegado não se provou que o pinheiro que caiu estava viçoso “nada fazendo prever a sua queda” (al. b) dos factos não provados).
Ora, mesmo perante o mau estado do tempo (chuva intensa e persistente) fica de pé a possibilidade de aquela concreta árvore não estar nas condições que lhe assegurassem a devida estabilidade e, por isso, não ter resistido ao mau tempo. Daí que, não existam factos provados suficientes para podermos concluir que ocorreu um caso de calamidade impossível de prever e desse modo evitar o dano (força maior).
Ou seja, a matéria de facto dada como assente não permite, de modo algum, considerar provado que “nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”.

Em concreto, a recorrida Estradas de Portugal, não põe em causa que tenha o dever de vigiar o seu património arbóreo, invocando, no entanto, por assim dizer, a verificação presumível de “sucessivos e intensos golpes de calor, ocorridos na altura, que terão desencadeado um processo mecânico de fratura, concomitantemente com a eventual ocorrência de fortes rajadas de ventos”.

Não há dúvida de que os danos foram causados pela queda de árvore em cima do veículo, designadamente, do aqui Recorrente, quando este circulava no local indicado.

Também é indubitável que a Estradas de Portugal tinha o dever de vigiar essa árvore e as demais existentes ao longo da referida estrada nacional.

A recorrida invoca a realização de inspeções regulares, sem que, no entanto, objetive o modo como o faz.

Para se considerar ilidida a presunção, necessário se tornava alegar e provar o modo, profundidade e adequação desse controlo, vigilância e fiscalização para se aferir da eficácia e eficiência no cumprimento do respetivo dever, bem como para desvalorizar a circunstância de não ter sido detetado pelos serviços qualquer motivo a justificar a sua intervenção (neste sentido se pronuncia o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no proc. nº 0566/08, o de 27-05-2009).

Pela sua relevância, reproduz-se igualmente, parte deste último Acórdão referenciado, aqui igualmente aplicável, mutatis mutandis:
“Com efeito integrando-se a árvore caída no Parque Florestal de Monsanto, e sendo este património arbóreo da responsabilidade do Município de Lisboa, sobre este impendia o correspondente dever de vigiar e fiscalizar de forma sistemática, adequada e eficaz as condições de implantação, desenvolvimento e estado fitossanitário das suas árvores, em particular, as existentes junto das vias, de modo a prevenir a queda das mesmas e consequentes danos aos utentes. Tal prova não foi, porém, produzida, de modo cabal e suficientemente persuasivo, pelo Réu. Não obstante ter alegado, o Réu não logrou provar que a fiscalização, patrulhamento e manutenção do Parque de Monsanto levado a efeito é executado de modo regular, periódico e adequado. A mera execução de tal atividade de fiscalização e manutenção, sem qualquer referência ao modo e à respetiva periodicidade média, afigura-se marcadamente insuficiente para aferir da eficácia e eficiência no cumprimento no respetivo dever, bem como desvaloriza a circunstância de não ter sido detetado pelos Serviços motivo algum a justificar a sua intervenção. Por outro lado, a demonstração feita em julgamento que a análise visual aos cepos de duas acácias caídas na zona do acidente não evidenciou doença ou podridão pouco releva para se concluir pela licitude da conduta do Réu desde logo, porque não se provou que a árvore tombada na viatura fosse uma das acácias visualizadas, e, mesmo que o fosse, a análise visual é marcadamente insuficiente para se poder afirmar se a árvore está ou não de boa saúde, pois, para tanto seria necessário proceder a exames laboratoriais específicos, tal como o reconheceu um dos técnicos responsáveis pela manutenção do Parque ouvido em Tribunal.
Assim sendo, face à matéria fáctica demonstrada, é forçoso concluir pela ilicitude da conduta do Réu por omissão do dever de vigilância e fiscalização sistemática, adequada e eficaz das condições de implantação, desenvolvimento e estado fitossanitário da árvore caída.
Por outro lado, no que tange à culpa, o Réu não logrou ilidir a presunção legal que sobre ele impende, pois, não provou ter cumprido com eficácia o referido dever de fiscalização da árvore em causa, em obediência às regras técnicas e de prudência comum exigíveis naquela situação concreta, nem que a mencionada queda do elemento arbóreo se ficou a dever em exclusivo a circunstâncias anormais e imprevisíveis, a causa alheia e estranha ao controlo do Réu. Na realidade, a exemplo do já decidido no STA, a prova do registo de período de chuva, por vezes intensa, e vento moderado a forte com rajadas é insuficiente para atribuir a queda da árvore a um caso de força maior ou fortuito, em sobreposição dos deveres de fiscalização a que a Administração está adstrita (cfr Ac. STA 11/03 de 15.10.2003). Aliás, as condições climatéricas registadas de chuva intensa e vento forte são, plenamente, normais e previsíveis no Inverno, o que exigia por parte da Administração uma atenção redobrada, ou melhor, uma atuação adequada às adversidades previsíveis do tempo invernoso, eventualmente, até o corte pontual do trânsito nas artérias de maior densidade florestal do Parque, face ao comunicado do Serviço Nacional de Proteção Civil, que entrou em alerta amarelo a partir das 14 horas (tendo o acidente ocorrido sete horas depois), e o comunicado da previsibilidade de queda de árvores.
Portanto, a atuação do Réu é ilícita e culposa.”
Não se vê razão para censurar esta ponderação da sentença recorrida, que a argumentação do Réu, a que acima se fez referência, não é suficiente para pôr em causa.
Efetivamente, por um lado, apesar de ser incluído na base instrutória, um quesito (23º) onde se indagava se no dia 6.12.2000 a queda da árvore teve origem em chuvadas e ventos anómalos que assolaram Lisboa, apenas se provou que, nesse dia, na região de Lisboa, ocorreram períodos de chuva, por vezes forte, e o vento tornou-se moderado e forte com rajadas. (cfr. fls. 123 e resposta ao quesito 23, a que corresponde o item 22 dos factos provados).
Ou seja, não se provou uma relação de causalidade entre as condições climatéricas do dia em que ocorreu o acidente – a que o Recorrente faz apelo na sua argumentação – e a queda da árvore que provocou os danos.
E, assim sendo, o Réu não logrou provar que a aludida queda se verificou devido a caso de força maior.
Por outro lado, embora o Réu, ora Recorrente, tenha alegado que, “através dos seus serviços, e agindo no âmbito das suas legais atribuições procedeu à fiscalização de todo o Parque Florestal de Monsanto incluindo os elementos arbóreos sitos no local referenciado nos autos, por forma regular e periódica, não detetando no decurso das mesmas qualquer motivo atinente aos exemplares existentes, que justificassem a sua intervenção ao nível de prevenção ou tratamento”, e tenha sido incluído, na base instrutória, um quesito (19º) com esse exato conteúdo, apenas se provou que “os serviços da Ré fiscalizam o Parque Florestal de Monsanto, incluindo os elementos arbóreos existentes, patrulham e procedem à sua manutenção, não tendo detetado no decurso das mesmas qualquer motivo que justificasse a sua intervenção” (resposta ao quesito 19º; 18 dos factos provados).
Não se provou, assim, designadamente, ao invés do invocado na contestação, que a fiscalização do Parque de Monsanto pelos serviços do Réu, fosse efetuada “de forma regular e periódica”.
Como a sentença recorrida considerou e bem, sobre o Réu, em cujo património se integrava a árvore causadora do acidente, “impendia o correspondente dever de vigiar e fiscalizar de forma sistemática, adequada e eficaz as condições de implantação, desenvolvimento e estado fitossanitário das suas árvores, em particular, as existentes junto das vias, de modo a prevenir a queda das mesmas e consequentes danos aos utentes”.
O Autor tinha, neste caso, a seu favor a presunção legal de culpa a que se refere o artº. 493º, nº 1 do Código Civil, conforme é, a este propósito, jurisprudência generalizada do Supremo Tribunal Administrativo (v. entre muitos outros, acs. do Pleno de 29.4.98, p. 36463; de 3.10.02, p. 45160; de 20.3.2002, p. 45831).
Para ilidir essa presunção, é insuficiente a simples prova em abstrato, de que “Os serviços do Réu fiscalizam o parque florestal de Monsanto, incluindo os elementos arbóreos existentes na zona do acidente, patrulham e procedem à sua manutenção, não tendo detetado no decurso das mesmas qualquer motivo que justificasse a sua intervenção”.
Como a sentença recorrida considerou e bem, “a mera execução de tal atividade de fiscalização e manutenção, sem qualquer referência ao modo e à respetiva periodicidade média, afigura-se marcadamente insuficiente para aferir da eficácia e eficiência no cumprimento do respetivo dever, bem como desvaloriza a circunstância de não ter sido detetado pelos Serviços motivo algum a justificar a sua intervenção”.
Conforme este Supremo Tribunal repetidamente tem afirmado, a alegação e consequente possibilidade de prova da inexistência de “faute de service” tem de ser feita a partir de factos que esclareçam o Tribunal sobre as providências que em concreto foram tomadas pelos serviços do Réu para obviar a eventos danosos como o que ocorreu (v. entre outros acs. do STA de 14.4.05, p. 86/04; de 5.5.04, p. 1203/03; de 12.7.07, p. 321/07), prova que, como a sentença corretamente considerou, não foi feita.”

Reproduz-se ainda parcialmente, igualmente pela sua relevância e aplicabilidade à situação aqui controvertida, o acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no proc. nº 0566/08, datado de 14-01-2010, relatado por Pires Esteves:
“(…) um caso de força maior é todo o acontecimento natural ou ação humana que, embora, previsível ou até prevenida, não se pode evitar, nem em si mesmo nem nas suas consequências (Acs. do STJ de 9/1/1970-proc. nº62941, de 10/12/85-proc. nº73169, de 26/5/1988-proc. nº75721, de 27/9/1994-Proc. nº85089, de 10/2/2005-proc. nº4B2192 e de 29/11/2005-proc. nº05B3678).
Na hipótese do caso de força maior fica prejudicado qualquer juízo de culpa sobre o potencial lesante, dado que em nada contribuiu para o evento.”

No caso concreto aqui em apreciação, não são suficientes as invocadas intervenções, para ilidir a presunção de culpa do art. 493º nº 1 do Cód. Civil.

Com efeito, não se alegou e, como tal, não se provou, quais as providências concretas desencadeadas em relação á árvore que caiu, designadamente no veículo automóvel em questão, para que se pudesse concluir que o seu controlo, vigilância e fiscalização foram adequados, sistemáticos e continuados, e assim permitir ao Tribunal poder aferir se a Estradas de Portugal «organizou os seus serviços de modo a assegurar um eficiente sistema de prevenção e vigilância de anomalias previsíveis», exercendo uma adequada, sistemática e contínua fiscalização técnica (no sentido de que só a alegação e prova desses requisitos ilide a presunção de culpa em caso de queda de árvore causadora de danos se pronunciam os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 15.10.2009, p. 02090/06.3BEPRT, de 17.12.2003, p. 01499/03, de 15-10-2003, p. 011/03, de 22-10-1998 p. 043616, de 11.01.1994, p. 034034, de 11-01-1994, p. 031468, de 20.02.1990, p. 027844, de 13-02-1997, p. 37290, e de 07.11.1989, p. 027240).

O que tem de similar a situação dos autos com as situações descritas nos acórdãos ora citados, de decisivamente comum, é a circunstância de não ter ficado provado que a entidade demandada, aqui Recorrida, procedeu a uma vigilância cuidada da árvore que veio a causar os danos participados, de forma sistemática, adequada e continuada.

Não foi, por isso, possível determinar as causas da queda do eucalipto, sendo que incide sobra a Estradas de Portugal uma presunção de culpa iuris tantum.

Não tendo a Estradas de Portugal logrado fazer a necessária prova do invocado, tal funciona contra si por força da aludida presunção.
Efetivamente, a Ré não provou que “nenhuma culpa houve da sua parte” ou que “os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”.

Tem assim que concluir-se não ter sido ilidida a presunção de culpa que recaía sobre a Ré, o que conduz à sua responsabilidade pelos danos causados pela queda da referida árvore sobre o veículo do Autor.

Ao contrário do que a Ré, ora Recorrida sufraga, também se provou o nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito e os danos ocorridos.

Os danos sofridos pelo Autor, aqui Recorrente foram consequência direta e necessária do abalroamento do veículo por parte do eucalipto, pelo que tal nexo de causalidade adequada, neste caso, é inquestionável.

Pelo exposto, impõe-se revogar a decisão da 1ª instância e decidir do mérito da ação, por não terem sido alegados factos suficientes para a elisão da presunção de culpa prevista no artigo 493º nº 1 do Cód. Civil.

Do Valor da Indemnização
A última questão a decidir consiste na determinação do valor dos danos indemnizáveis.

Nos termos do artigo 562º do Código Civil, “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”. Tal obrigação só existe em relação aos danos que o lesado não teria sofrido se não fosse a lesão (artigo 563º do Código Civil), compreendendo o “prejuízo causado” e “benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão” – nº 1 do artigo 564º do Código Civil.

Na fixação da indemnização o tribunal pode atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis (artigo 564º nº 2 do Código Civil). Em princípio a indemnização visaria a reconstituição natural, sendo fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não for possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (nº 1 do artigo 566º do Código Civil).

A indemnização em dinheiro terá como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e que a que teria nessa data se não existissem danos (nº 2 do artigo 566º). Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (nº 3 do artigo 566º).

Foram originariamente peticionados os seguintes valores indemnizatórios:

a) 2.000€ relativos ao arranjo da viatura;
b) 5.000€ relativos à paralisação da viatura pelo período de cerca de 3 anos.
c) 1.000€ relativos á desvalorização do veículo.

Relativamente ao “arranjo da viatura”, apontando o orçamento junto aos autos para o valor de 1.704,24€, sem necessidade de mais considerações, será esse o valor considerado para o efeito.

Já no que concerne aos referidos três anos de paralisação do veículo, importa recorrer ao mecanismo da equidade.

Tendo sido invocado que o veículo se encontraria paralisado “pelo período de cerca de 3 anos”, o que se admite pela sua insusceptibilidade em “passar” nas necessárias inspeções, não procederá a argumentação da Recorrida segundo a qual careceria tal facto de meio de prova acrescido.

Importa pois apurar equitativamente o valor tido por adequado relativamente à paralisação da viatura.

Citando A. Abrantes Geraldes, Indemnização do Dano de Privação do Uso, pág. 39: “a privação do uso, desacompanhada da sua substituição por um outro ou do pagamento de uma quantia bastante para alcançar o mesmo efeito, reflete o corte definitivo e irrecuperável de uma fatia dos poderes inerentes ao proprietário. Deste modo, a simples privação do uso é causa adequada de uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património que pode servir de base à determinação da indemnização. Aliás, o simples uso do veículo constitui uma vantagem suscetível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui naturalmente um dano. E o dano imediatamente ressarcível é precisamente a indisponibilidade do bem qualquer que fosse a atividade/lucrativa, benemérita ou de simples lazer, a que o veículo estava afeto”.

Neste sentido, veja-se o acórdão de 26/11/2002, in CJ ano 2002, tomo V, pág. 19, que decidiu que “o uso de um veículo automóvel constitui uma vantagem suscetível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação consubstancia um dano patrimonial que deve, por si só, ser indemnizado com recurso a critérios de equidade. Por conseguinte, mesmo quando se trata de um veículo em relação ao qual inexista prova de qualquer utilização lucrativa, não está afastada a ressarcibilidade por danos tendo em conta a mera indisponibilidade do bem.”

No mesmo sentido, na doutrina, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, 2ª edição, Almedina, 2002, páginas 316 e 317; Américo Marcelino, Acidentes de Viação e Responsabilidade Civil, 7ª edição revista e ampliada, Livraria Petrony, 2005, pág. 359, na jurisprudência, sobre esta matéria, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.01.2008, processo 07B3557, de 06.5.2008, processo 08A1279, de 16.9.2008, processo 8A2094, de 06.11.2008, processo 08B3402 e de 09.12.2008, 08A3401, citados no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21.05.2009, processo 1252/08.3TB.º FUN.L100.

Neste contexto, entende-se mostrar-se ajustado o valor de 1.000€/ano, relativamente à imobilização do veículo, o que perfaz, naturalmente, um valor total de 3.000€ face ao período peticionado.

Já relativamente aos 1.000€ peticionados resultantes da suposta desvalorização do veículo, não logrou o aqui Recorrente demonstrar qualquer desvalorização do mesmo em consequência do acidente participado, mormente após a sua reparação.

* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte em julgar parcialmente procedente o presente Recurso, pelo que:
1) Revogam a sentença recorrida.
2) Julgam a ação parcialmente procedente, e, em consequência:
Condenam a Estradas de Portugal a pagar ao Recorrente as seguintes indemnizações:
a) 1.704,24€, relativos ao arranjo da viatura;
b) 3.000€ relativos à paralisação da viatura pelo período de três anos.

Custas pelas partes em ambas instâncias na proporção do decaimento.

Porto, 24 de Março de 2017
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Migueis Garcia