Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01606/19.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/21/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:PEDIDO DE CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL/EXCEÇÃO INOMINADA DE "FALTA DE INTERESSE EM AGIR"
- ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA;
Recorrente:T., Lda
Recorrido 1:MINISTÉRIO DAS FINANÇAS
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
T., LDA., com sede na Rua (…), instaurou ação administrativa contra o MINISTÉRIO DAS FINANÇAS, com sede na Praça (…), visando a constituição de Tribunal Arbitral, mediante outorga de compromisso arbitral por parte do Estado.
Sustentou o pedido na seguinte argumentação:
a) … o Estado Português, com base na discriminação que este fez à Requerente, quando comparada com a ECD, violando o princípio da igualdade, de não discriminação e da equivalência de tratamento.”;
b) “… apresentou requerimento de constituição de tribunal arbitral ao Ministro das Finanças que lhe endereçou em 04.02.2019 e que este recebeu em 6 de fevereiro de 2019.”;
c) O prazo para a decisão terminava em 20 de março de 2019;
d) Esta ação consubstancia um pedido de condenação à prática de ato administrativo legalmente devido “…aplicando-se nesta situação o disposto nos artigos 66.º e seguintes do C.P.T.A.”;
e) Solicita a condenação do Réu a “…praticar o acto legalmente devido e constante do requerimento adrede apresentado pelo autor e que consiste no deferimento da constituição do tribunal Arbitral, para dirimir o litígio descrito no requerimento apresentado… .

Por decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto foi
julgada procedente a exceção inominada de “falta de interesse em agir” e absolvido o Réu da instância.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões:
1. A presente ação de condenação à prática do ato devido, foi instaurada ao abrigo do artigo 37º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, cujo regime se encontra plasmado nos artigos 66º a 71º do mesmo diploma legal.
2. A A. apresentou à entidade demandada um requerimento de acordo com o artigo 67º, n.º 1 do CPTA, que constituiu o Ministro das Finanças no dever de decidir, nos termos do artigo 13º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) - factos provados sob o ponto 1, 2 e 3 da sentença.
3. Tendo decorrido o prazo de 30 dias referido na aludida norma, a entidade demandada nada disse.
4. A entidade demandada tomou conhecimento do requerimento apresentado pela Autora, em 06/02/2019, tal como o demonstra o facto provado sob o nº 3 da sentença.
5. Iniciou-se no dia imediato, em 07.02.2019 a contagem do prazo de 30 dias para responder, nos termos do artigo 53º do Código de Procedimento Administrativo – cfr artº 279º al. c) do Cod Civil.
6. Deveria a entidade demandada ter proferido decisão de no procedimento em causa em 30 dias – cfr artigo 184º do CPTA.
7. Esse prazo é procedimental, pelo que se conta em dias úteis, de acordo com o artigo 87º do CPA.
8. Ora, o tendo o Réu tomado conhecimento do requerimento apresentado pela Autora (06/02/2019), o termo do prazo de 30 dias para a decisão ocorreu no dia 20 de março de 2019.
i) O Réu apresentou com a contestação documentos através dos quais se constata que em 25/02/2019, foi elaborada informação, analisando o requerimento apresentado pela Autora, com o n.º INFSE/2019/13-DSJC/, a qual propunha o indeferimento da outorga de compromisso arbitral para a constituição de Tribunal Arbitral e que mereceu despacho concordante do Ministro das Finanças, exarado em 19/03/2019 – cfr factos provados sob os nº 4, 5 e 6 dos factos provados na sentença.
j) O que não é verdade, uma vez que a Autora nunca e por nenhum modo havia solicitado ou requerido anteriormente ao réu a constituição de tribunal arbitral, nem o réu se pronunciou, nunca, sobre tal matéria.
k) Na acção arbitral, onde a entidade demandada não era parte, instaurada por outras questões contra a EDP, o tribunal arbitral remeteu para a jurisdição estatal administrativa a decisão sobre tais questões.
l) Todavia, o acto da entidade demandada não teve eficácia perante a Autora, porque, como consta da contestação nos artºs 2º - f) a entidade demandada alegou que em 20 de Março de 2019, efectuou o registo de saída do Ministério das Finanças remetendo notificação à Autora para a morada identificada no seu requerimento, vide a páginas 81 a 84 do PA – cfr ponto 7 dos factos provados da sentença.
m) Tendo o R. remetido através dos CTT a carta registada com a notificação dirigida à Autora no dia 20 de março de 2019, esta só a poderia receber, na melhor das hipóteses em 19 de março de 2019.
n) Outrossim, o Réu procedeu ao registo de saída do Ministério das Finanças a carta no dia 20 de março de 2020, quando este era o último dia para que a Autora fosse notificada da decisão sobre o seu requerimento.
o) E era impossível a Autora ser notificada no dia 20 de março de 2019, que era o último dia para a o Réu decidir.
p) O artigo 113.º nº 1 do CPA impõe, quanto à perfeição das notificações, que a notificação por carta registada presume-se efetuada no terceiro dia útil posterior ao registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.
q) Assim de acordo com tal norma a notificação da carta registada em 20 de março de 2019 presume-se efectuada no dia 25 de março de 2019!!!
r) Depois de o R. ter procedido ao registo postal da notificação no dia em que a Autora a deveria ter recebido, é óbvio que toda a discussão acerca das diligências efectuadas pelo R. se revelam inúteis.
s) Tendo em conta estes factos, deveria a acção ter sido decidida quanto ao pedido e ser condenado o R. no mesmo.
Nestes termos e nos mais de direito deve ser concedido provimento ao presente recurso e ser revogada a sentença recorrida e ser julgada procedente a acção.
A Entidade Demandada juntou contra-alegações, concluindo:
A. Ação de condenação à prática de ato devido consubstancia-se na apresentação de um requerimento que constitui o órgão decisor no dever de decidir, a que se refere o artigo 13.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), vide artigos 66.º e seguintes do CPTA;
B. O Recorrente configurou a ação interposta no pressuposto de que tendo decorrido o prazo de 30 dias a que se refere o artigo 184.º do CPTA e não tendo o órgão decisor emitido uma decisão, entendeu que ocorreu uma situação de omissão do dever de decisão, vide alínea a) do n.º 1 do artigo 67.º do CPTA;
C. Ou seja, de que teria existido uma inércia/omissão da administração decorrente da inexistência de uma decisão no prazo legal;
D. A Entidade Recorrida juntou o PA e contestou invocando a falta de interesse em agir, porquanto o ato em causa foi emitido dentro do prazo legal definido para o efeito, e em momento anterior à propositura da respetiva ação;
E. Por seu turno, o Tribunal a quo defendeu que: “O interesse processual ou interesse em agir (...) consiste, de acordo com a maioria da doutrina, na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a ação para, dessa forma, obter um benefício direto, com repercussão positiva imediata na esfera jurídica do autor, aferindo-se, assim, tal interesse pela alegação de uma situação concreta necessitada de tutela jurisdicional.”;
F. Em suma, o interesse em agir, apresenta-se como uma concretização da ideia de que a utilidade ou vantagem em causa há de ser “digna de tutela jurisdicional”;
G. Resulta provado dos autos, em sede da ação, que o Recorrido cumpriu o dever de decisão e que decidiu dentro do prazo legal;
H. E também que notificou o Recorrente da decisão que veio a recair sobre o seu pedido;
I. Tendo a primeira notificação sido expedida para a morada identificada no seu requerimento e sido devolvida com a menção “mudou-se”;
J. Num segundo momento e não obstante a tal não estar obrigado, diligenciou pela pesquisa de nova morada, tendo remetido novo ofício, igualmente devolvido com a menção de “objeto não reclamado”;
K. Sendo certo que o Recorrente teria que ter comunicado ao MEF, a sua alteração de morada, para viabilizar a sua notificação;
L. Não o tendo feito, entendeu o Tribunal a quo que se presume notificada, sendo-lhe imputável tal presunção, vide, artigo 160.º do CPA;
M. E assim, existindo uma decisão desde 19/03/2019, de que se presumem notificados em 25/03/2019, no momento em que foi proposta a ação em causa, existe uma falta de interesse em agir;
N. Com efeito, ficou provado que à data da propositura da ação existia um ato decisório cuja pretensão se visava com a ação para a prática de ato devido;
O. E, não existindo qualquer violação do dever de decisão, o Recorrente não carece de qualquer tutela jurisdicional, o que se reconduz na falta de interesse em agir;
P. Mais ainda, notificado da contestação e da correspondente argumentação em sede de exceção, não logrou apresentar qualquer considerando sobre o ato de indeferimento em que se consubstanciou a decisão, nem infirmar qualquer argumentação sobre a presunção da sua notificação;
Q. Termos em que, a Entidade Recorrida subscreve todos os fundamentos de direito que consubstanciam a sentença;
R. Porquanto esta faz uma correta e clara aplicação do direito aos factos provados, inexistindo qualquer erro de julgamento;
S. Bem andou o Tribunal “a quo” quando decidiu acolher a exceção dilatória inominada de falta de interesse em agir e consequentemente absolveu a entidade Recorrida da instância, vide n.ºs 1, 2 e 4 do artigo 89.º do CPTA;
T. Donde, a sentença recorrida deve ser mantida na nossa ordem jurídica, nos seus precisos termos.
Nestes termos e nos demais de Direito, com o suprimento, requer-se que seja julgado totalmente improcedente o presente recurso jurisdicional, mantendo-se a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, nos seus precisos termos, como é de Direito.
O MP, notificado ao abrigo do disposto no artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1. Em 04/02/2019, a Autora endereçou ao Ministro das Finanças, requerimento de constituição de Tribunal Arbitral, mediante outorga de compromisso arbitral por parte do Estado, identificando os pedidos a formular na ação arbitral nos seguintes termos:
“(…)
T., Ldª, sociedade comercial por quotas com sede na Rua (…), pessoa colectiva nº (…)
Vem nos termos do disposto nos artigos180º e 184.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos
Requerer a Vª Exª
Constituição do Tribunal Arbitral
Mediante outorga de compromisso arbitral por parte do Estado, proferindo despacho no prazo de 30 dias, contado desde a apresentação do presente requerimento.
(…)
Deve ser o Estado condenado a pagar à Requerente:
a) - quantia a liquidar em execução de sentença, correspondentes ao montante dos subsídios à produção doados pelo Estado à E.C.D. entre 1985 e 1992, cujo montante exacto a Requerente desconhece, neste momento.
b) - e a quantia de 977 081 305$30, actualizada de acordo com o factor de actualização monetária, de acordo com o índice publicado pelo Instituto Nacional de Estatística (IPC de habitação, electricidade, água, gás e outros combustíveis) desde os anos a que as prestações se reportam, até ao momento da conversão no acto do pagamento;
(…)”. – (realce conforme original) cfr. requerimento junto como documento 1 à petição inicial de fls. 10-76 dos autos e incluso a fls. 14-80 do processo administrativo (PA) junto aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
2. No requerimento aludido supra, foi deduzido o seguinte pedido:
“(…)
REQUER
Nos termos do disposto nos artigos180º e 184.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos
Se digne Vª Exª aceitar a
Constituição do Tribunal Arbitral
Mediante outorga de compromisso arbitral por parte do Estado, proferindo despacho no prazo de 30 dias, contado desde a apresentação do presente requerimento.
A Requerente
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

”. (realce conforme original) cfr. requerimento junto como documento 1 à petição inicial de fls. 10-76 dos autos e incluso a fls. 14-80 do PA junto aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
3. Em 06/02/2019, o Réu tomou conhecimento do requerimento aludido supra. cfr. acordo das partes; data do carimbo aposto a fls. 14 do PA junto aos autos;
4. Em análise ao requerimento aludido em 1) supra, a Direção-Geral do Tesouro e Finanças, através da Informação n.º INFSE/2019/13-DSJC/, datada de 25/02/2019, emitiu pronúncia nos termos que, em parte, se transcrevem:
“(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)” cfr. informação de fls. 3-12 do PA junto aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida para os devidos efeitos legais;
5. Em 14/03/2019, sobre a Informação aludida em 3) supra, foi exarado pelo Secretário de Estado do Tesouro o seguinte despacho:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cfr. despacho a fls. 3 do PA junto aos autos;
6. Em 19/03/2019, sobre a Informação aludida em 3) supra, foi exarado, pelo Ministro das Finanças, o despacho n.º 138/19/MF:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

– cfr. despacho a fls. 3 do PA junto aos autos;
7. Através de ofício, remetido para a requerente, ora Autora, por carta registada, com data de 20/03/2019, acompanhado de aviso de receção – registo dos CTT n.º RC009232510PT – foram levados ao seu conhecimento a Informação e despachos aludidos em 4), 5) e 6) supra, endereçado para a seguinte morada:
“T., Lda
R. (…)
(…)”. – cfr. ofício e comprovativo de correio a fls. 81 e 82 do PA junto aos autos;
8. Em 21/03/2019, o ofício aludido supra veio devolvido, com a menção “mudou-se”. – cfr. carimbo dos CTT aposto a fls. 84 do PA junto aos autos;
9. Em 22/03/2019, o Réu endereçou à Autora, novo ofício, por carta registada com aviso de receção – registo dos CTT n.º RF116166439PT – para a seguinte morada:
T.”. cfr. comprovativo dos CTT a fls. 85-87 do PA junto aos autos;
10. Em 04/04/2019, o ofício aludido supra veio devolvido, com a menção “objeto não reclamado”. – cfr. comprovativo dos CTT a fls. 85-87 do PA junto aos autos;
11. Em 10/06/2019, a Autora intentou a presente ação administrativa. – cfr. comprovativo de entrega de p.i. a fls. 1-3 dos autos;
12. Em 30/09/2019, na sequência da sua citação, o Réu apresentou contestação, com os fundamentos que, em parte, ora se transcrevem:
“(…) o ato que agora se retende seja praticado, já foi praticado e também foram desenvolvidas todas as iniciativas para que o A. fosse notificado do conteúdo do mesmo
(…)
12.º
Aliás o A. não cumpriu com o seu dever de colaboração com o R. porquanto não lhe comunicou qualquer alteração do seu domicílio.
13.º
Assim, sendo não se descortina como pode o A. interpor uma ação para a pratica de ato devido, antes de usar a devida cautela, não comunicando qualquer alteração do seu domicílio.
14.º
Mas também, eventualmente, no uso do direito à informação, solicitar informação sobre o andamento do procedimento, vide artigo 82.º do CPA.
15.º
Em conformidade com o expendido o prosseguimento desta ação não conduz a qualquer efeito útil, porquanto, o ato que se pretende seja praticado já o foi em devido tempo.
(…)
III – Por Impugnação
(…)
Foi praticado um ato administrativo consubstanciado numa decisão de indeferimento da pretensão formulada e foram desenvolvidos todos os procedimentos tendentes à notificação dos requerentes.
Senão vejamos,
28.º
O Código do Procedimento Administrativo é claro quando determina que as notificações são efetuadas na pessoa do interessado, salvo quando este tenha constituído mandatário no processo, vide n.º 1 do artigo 111.º daquele CPA.
29.º
E também que para efeitos daquele n.º 1 do referido artigo 111.º, no n.º 2 determina-se ainda: “… devem os interessados ou os mandatários, quando constituídos, comunicar ao responsável pelo procedimento quaisquer alterações dos respetivos domicílios que venham a ocorrer na pendencia do procedimento.”. (…)
34.º
É o que decorre do dever de cooperação e boa-fé procedimental, devendo a Administração e os interessados cooperar entre si, vide artigo 60.º e 10.º do CPA.
35.º
Com efeito, o princípio da boa-fé faz apelo aos valores fundamentais de direito e em especial, a confiança da contraparte pela atuação em causa e o objetivo a alcançar com a atuação empreendida.
(…)
56.º
Com efeito, em consonância com o acima exposto, o R. dispõe de toda a informação documental que consubstancia o ato administrativo de indeferimento do pedido de constituição de Tribunal arbitral, datado de 19 de março de 2019 e remetido para o domicílio identificado pelos A.
57.º
Pelo que o pedido constante da PI., de condenação à prática de ato devido deve ser julgado totalmente improcedente, devendo o R. ser absolvido do mesmo.
(…).” cfr. contestação a fls. 85-98 dos autos;
13. À contestação foi junto o processo administrativo. – cfr. processo administrativo a fls. 100-186 dos autos;
14. Por ofício com a referência n.º 007276249 e data de 12/11/2019, foi levado ao conhecimento da Autora o teor do articulado de contestação e a informação de junção do processo administrativo. – cfr. ofício a fls. 188 dos autos;
15. Em 30/01/2020, foi proferido o seguinte despacho:
“De forma a facilitar a prolação de saneador/realização de audiência prévia, notifique a Autora para, no prazo de 10 (dez) dias, se pronunciar sobre a exceção “Da falta de interesse em agir” invocada pelo Réu na contestação apresentada.” cfr. despacho
a fls. 190 dos autos;
16. Notificada para o efeito, a Autora apresentou requerimento, onde, para além de discorrer sobre a doutrina, em concreto, quanto à situação em causa, escreve:
“(…)
11. Ora, o interesse em agir da Autora é patente uma vez que peticiona a condenação do Réu a praticar o acto legalmente devido e constante do requerimento adrede apresentado pela autora e que consiste no deferimento da constituição do tribunal Arbitral, para dirimir litígio descrito no requerimento apresentado e indicação do árbitro que da sua parte.
12. A verdade é que o Réu não respondeu ao requerimento apresentado pela Autora no prazo legalmente previsto.
13. Daí que seja manifesto o interesse em agir da Autora.
(…)
21. Ora, na situação fáctica desenhada pela Autora na p. i., verifica-se a existência de conflito com o R. relativamente ao interesse que pretende fazer valer na acção - a constituição de tribunal arbitral.
22. Esta patenteada existência de conflito de interesses conflui na total utilidade da Autora recorrer à presente acção para lograr o que pretende – a constituição do tribunal arbitral.
(…)”. cfr. requerimento a fls. 195-198 dos autos;
DE DIREITO
Está posta em causa a sentença que ostenta este discurso fundamentador:
Está em causa nos presentes autos uma ação de condenação à prática do ato devido, prevista no artigo 37º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, cujo regime se encontra plasmado nos artigos 66º a 71º do mesmo diploma legal.
De acordo com o artigo 67º, n.º 1 do CPTA, o primeiro pressuposto regra, condição sine qua non, para o recurso à ação de condenação à prática do ato devido, (com exceção das situações consagradas no n.º 4), consubstancia-se, na formulação de um requerimento que constitua o órgão decisor no dever de decidir. Não é a existência de todo e qualquer requerimento que basta para impulsionar a ação de condenação. É necessário que esse requerimento constitua o órgão no dever de decisão, nos termos do artigo 13º do Código de Procedimento Administrativo (CPA).
Resulta deste artigo 13º do Código de Procedimento Administrativo que, em regra, os requerimentos apresentados aos órgãos administrativos em matéria da sua competência têm o efeito de os constituir no dever de decidir.
Esta regra, porém, comporta exceções.
De facto, como, desde logo, estabelece o n.º 2, do mesmo preceito legal, inexiste dever de decisão “quando há menos de dois anos, contados da data da apresentação do requerimento, o órgão competente tenha praticado um ato administrativo sobre o mesmo pedido, formulado pelo mesmo particular com os mesmos fundamentos”.
A lei impõe, pois, aos órgãos administrativos o dever de decidir, não apenas qualquer pretensão que lhes seja originariamente apresentada, mas também a renovação de pretensões já anteriormente deduzidas, desde que tenham decorrido mais de dois anos sobre a decisão expressa que tenha recaído sobre o pedido anterior.
Sobre este primeiro pressuposto, no caso sub judice, revela a materialidade provada que, em 04/02/2019, a Autora endereçou ao Ministro das Finanças um requerimento onde deduziu o pedido de constituição de Tribunal Arbitral, nos termos dos artigos 180º e 184º do CPTA (cfr. factos 1 e 2 do probatório).
Nos termos do artigo 182º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, quando o interessado pretenda recorrer à arbitragem, no âmbito dos litígios previstos no artigo 180º, pode exigir da Administração a celebração de compromisso arbitral.
Esse compromisso arbitral, nos termos do artigo 184º do CPTA, é objeto de despacho do membro do Governo responsável em razão da matéria, a proferir no prazo de 30 dias, contado desde a apresentação do requerimento do interessado.
Resulta inequivocamente da materialidade assente (cfr. factos 1 e 3 do probatório) que, esta condição para o recurso à ação de condenação à prática do ato devido, consubstanciada na apresentação de requerimento por parte do interessado, ocorreu efetivamente, porquanto, a Autora apresentou requerimento com vista a que fosse proferido despacho de compromisso arbitral, para constituição de Tribunal Arbitral. E, sempre se diga, não se alcança dos autos qualquer factualidade que pudesse suportar a inexistência de um dever de decisão por parte do órgão decisor, pelo que este requerimento constituiu o Réu no dever de decisão.
Ocorre, pois, a condição consubstanciada na formulação de um requerimento que constituiu o Réu no dever de decidir, necessária para o acionamento da ação de condenação à prática do ato devido.
Assente este primeiro pressuposto, como evidencia o artigo 67º, n.º 1 do CPTA, a ação de condenação à prática de ato devido, está concebida para três situações: (i) quando não tenha sido proferida decisão dentro do prazo legalmente estabelecido [alínea a)], (ii) quando tenha sido praticado ato de indeferimento ou de recusa de apreciação de requerimento [alínea b)] e (iii) quando tenha sido praticado ato administrativo de conteúdo positivo que não satisfaça integralmente a pretensão do interessado [alínea c)].
No caso em apreço, a Autora instaurou a presente acção contra o Ministério das Finanças, peticionando a condenação à prática do ato devido, constante do requerimento por si apresentado, consubstanciado “no dirimir litígio descrito no requerimento apresentado e indicação do árbitro que da sua parte”.
Atentos os contornos factuais em que a Autora configura a ação, é nítido que a mesma é intentada no pressuposto de que, tendo decorrido o prazo de 30 dias, previsto no artigo 184º, n.º 1 do CPTA, e, não tendo o órgão decisor emitido qualquer decisão, ocorre a condição para lançar mão da ação de condenação, ou seja, a existência de uma situação de omissão do dever de decisão, situação prevista na alínea a), do n.º 1, do artigo 67º do CPTA (cfr. teor dos artigos 16º a 22º da petição inicial).
A presente ação é, pois, intentada perante a situação “de ter ocorrido uma situação de inércia administrativa perante a pretensão deduzida pelo particular e correspondente, nestes termos, ao modo de reação contra a violação do dever legal de decidir” cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e FERNANDES CADILHA, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 2017, 4.ª edição, página 463.
Neste sentido, também, o artigo 129º do Código do Procedimento administrativo estabelece que “a falta, no prazo legal, de decisão final sobre pretensão dirigida a órgão administrativo constitui incumprimento do dever de decisão, conferindo ao interessado a possibilidade de utilizar os meios de tutela administrativa e jurisdicional adequados”.
No que ao caso releva, o meio de tutela jurisdicional corresponde ao pedido de condenação à prática de ato devido, em conformidade com a previsão da alínea a) do n.º l do artigo 67º do CPTA.
Do que se vem a afirmar, é, assim, pressuposto processual da presente ação intentada na sequência de situação de inércia/omissão da administração, a ausência de decisão dentro do prazo legal.
E é exatamente quanto a este pressuposto que o Réu, em sede de contestação, arroga a “falta de interesse em agir”, com fundamento na inutilidade do prosseguimento da ação, por o ato em causa já haver sido emitido pelo órgão decisor, dentro do prazo para o efeito, aliás, em momento anterior à propositura da ação.
Vejamos, então, sobre a aventada exceção de “falta de interesse em agir”.
Sobre o interesse em agir pronuncia-se VIEIRA DE ANDRADE como sendo um pressuposto que exige a verificação objetiva de um interesse real e atual, isto é, da utilidade na procedência do pedido – in “A Justiça Administrativa”, 2017, 16ª edição, páginas 292 e seguintes,
O interesse processual ou interesse em agir, embora não seja expressamente referido pela lei, consiste, de acordo com a maioria da doutrina, na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a ação para, dessa forma, obter um benefício direto, com uma repercussão positiva imediata e atual na esfera jurídica do autor, aferindo-se, assim, tal interesse pela alegação de uma situação concreta necessitada de tutela jurisdicional.
“O interesse processual não pode ser afirmado ou negado em abstracto: apenas comparando a situação em que a parte (activa ou passiva) se encontra antes da propositura da acção com aquela que existirá se a tutela for concedida, se pode saber se isso representa um benefício para o autor e uma desvantagem para o réu. Se a situação relativa entre as partes não se alterar com a concessão dessa tutela judiciária, então falta o interesse processual.” cfr. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, in “O Interesse Processual na Acção Declarativa”, 1989, página 6.
No fundo, sobre o interesse em agir, a jurisprudência tem consignado o entendimento de que, é uma concretização da ideia de que a utilidade ou vantagem em causa há-de ser “digna de tutela jurisdicional” – cfr. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13/01/04, proferido no processo n.º 1761/02.
Volvendo aos presentes autos:
Está assente que o Réu tomou conhecimento do requerimento apresentado pela Autora, em 06/02/2019 (cfr. facto 3 do probatório). Com este requerimento iniciou-se, nos termos do artigo 53º do Código de Procedimento Administrativo, o procedimento administrativo que, como é sabido, se extingue com a prolação de decisão (cfr. artigo 93º do CPA).
Quanto ao prazo para a emissão da decisão do procedimento em causa, o artigo 184º do CPTA, como acima se adiantou, consagra o prazo de 30 dias para a outorga de compromisso arbitral por parte do Estado, através de despacho do membro do Governo responsável em razão da matéria. Sobre a natureza deste prazo diga-se que o mesmo não assume natureza processual, mas sim procedimental, pelo que se conta em dias úteis, de acordo com o artigo 87º do CPA.
Assim, como não é sequer controvertido nos presentes autos, considerando a data em que o Réu tomou conhecimento do requerimento apresentado pela Autora (06/02/2019), temos que o término do prazo de 30 dias para a decisão corresponde ao dia 20 de março de 2019.
O probatório (cfr. facto 4 do probatório) demonstra que, em 25/02/2019, em análise ao requerimento apresentado pela Autora, foi elaborada a Informação n.º INFSE/2019/13-DSJC/, na qual se consignou, entre o mais, que, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral se dirigia a matéria já dirimida pela via arbitral, através de decisão de 02 de dezembro de 2012, concluindo-se, nesse seguimento, pelo indeferimento da outorga de compromisso arbitral para a constituição de Tribunal Arbitral.
A referida Informação mereceu despacho concordante do Ministro das Finanças, exarado em 19/03/2019 (cfr. factos 5 e 6 do probatório).
Esta factualidade é quanto basta para se concluir pelo cumprimento por parte do Réu do dever de decisão, que lhe foi imposto pelo requerimento apresentado pela Autora. Dever de decisão que cumpriu dentro do prazo legal, porquanto, como acima, se avançou o término do prazo para decisão ocorria em 20/03/2019 e a decisão foi emitida em 19/03/2019 (cfr. factos 4,5 e 6 do probatório).
É inquestionável, pois, o cumprimento o dever de decisão por parte do Réu, dentro do prazo para o efeito.
Questão diversa da existência de um ato administrativo decisório proferido no procedimento em causa, é a matéria da eficácia daquele ato.
A Constituição da República Portuguesa consagra o direito à notificação dos atos administrativos, nos termos do disposto no n.º 3, do artigo 268º, estipulando que “os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos.”
Em sintonia com o normativo fundamental, prevê o artigo 114º do Código do Procedimento Administrativo a obrigação de notificação dos atos administrativos aos destinatários quando, no que ora releva, decidam sobre quaisquer pretensões por eles formuladas.
No caso em apreço, espelha o probatório que, no requerimento formulado, a Autora indica a sua sede como sendo “Rua das Minas, S. Pedro da Cova, Gondomar” (cfr. facto 1 da matéria assente).
Após a prolação da decisão de indeferimento, o Réu, com vista à notificação daquela decisão, endereçou à Autora ofício, por carta registada, com data de 20/03/2019, acompanhado de aviso de receção, para a sede indicada no requerimento inicial, mas tal notificação veio devolvida com a menção “mudou-se” (cfr. factos 7 e 8 do probatório).
Também, espelha a matéria provada que, não obstante não se encontrar obrigado a tal, o Réu diligenciou pela pesquisa de nova morada da Autora, tendo remetido novo ofício para uma outra morada, tendo o mesmo vindo devolvido, agora, com menção “objeto não reclamado” (cfr. factos 9 e 10 do probatório).
Ora, nos termos do artigo 111º, n.º 2 do CPA, os interessados no procedimento administrativo devem comunicar ao responsável pelo procedimento quaisquer alterações dos domicílios que venham a ocorrer na pendência do procedimento. Este dever tem assento, desde logo, nos princípios da colaboração e boa-fé procedimental que regem o procedimento administrativo (cfr. artigos 10º, 11º e 60º do CPA).
No caso em apreço, não resulta dos autos qualquer comunicação de alteração da sede da Autora, pelo que, nos termos conjugados dos artigos 111º, 112º, n.º 1, alínea a) e 113º, n.º 1, todos do CPA, presume-se a sua notificação no dia 25/03/2019 (segunda-feira), correspondente ao primeiro dia útil seguinte ao terceiro dia posterior ao registo, por este dia (23/03/2019) ser dia não útil (sábado).
A alteração da morada da Autora teria que ter sido comunicada ao Ministério das Finanças para efeitos de viabilizar a notificação da decisão que veio a recair sobre o seu requerimento, pelo que, não o tendo feito, para além da ocorrência da presunção de notificação, também, é a si imputável o recurso a essa presunção.
A presunção da notificação do ato de indeferimento torna, assim, o mesmo oponível à Autora, nos termos e para os efeitos do artigo 160º do Código do Procedimento Administrativo.
Perante este cenário, se à data de 19/03/2019 já persistia o ato decisório quanto ao requerimento formulado pela Autora, ato que se presume notificado em 25/03/2019, é imperioso, concluir pela verificação da exceção de “falta de interesse em agir”, por à data da propositura da ação já persistir na ordem jurídica o ato decisório cuja pretensão condenatória a mesma visa através dos presentes autos.
Não existindo uma situação de inércia da Administração, por violação do dever de decisão, simplesmente, porque o Réu cumpriu com o dever de decisão, falta, aqui, desde logo, o requisito do interesse processual ou interesse em agir.
A Autora não carece de tutela jurisdicional simplesmente porque inexiste violação do dever de decisão e, como a decisão administrativa já persistia na ordem jurídica em momento anterior à propositura da ação, ocorre, de facto, “falta de interesse em agir”.
A acrescer:
Não se olvida que, eventualmente, poderia a Autora, nos presentes autos, ter lançado mão do instituto previsto no artigo 70º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos que, utilizando as palavras da doutrina, “constitui uma concretização do princípio da flexibilidade do processo e insere-se num conjunto de disposições que preveem situações de modificação objetiva da instância, como as que se encontram previstas no artigo 45.º e nos artigos 63.º, 64.º e 65.º, no domínio específico da impugnação de atos administrativos.” cfr. cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e FERNANDES CADILHA, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 2017, 4.ª edição, página 483.
Prevê este preceito legal a possibilidade de alteração da instância quando, em situação de inércia ou recusa da Administração, a pretensão do interessado seja indeferida na pendência da ação de condenação à prática do ato devido, consagrando-se a possibilidade de o interessado alegar novos fundamentos e oferecer novos meios de prova (artigo 70º, n.º 1 do CPTA).
O n.º 2 do normativo em causa, por sua vez, admite que a faculdade consagrada no n.º 1 seja extensível aos casos em que a decisão de indeferimento seja anterior à propositura da ação, mas só tenha sido notificada ao autor após a propositura da ação. Finalmente, o n.º 4 determina que em qualquer das situações de alteração da instância, “o autor deve apresentar articulado próprio no prazo de 30 dias, contado desde a data de notificação do ato, considerando-se como tal, quando não tenha havido notificação, a data do conhecimento do ato obtido no processo.”
No caso em apreço, decorre da factualidade provada que, em 10/06/2019, a Autora intentou a presente ação de condenação à prática do ato devido e que, em sede de contestação, o Réu, de forma explícita e evidente, suscitou a exceção de “falta de interesse em agir”, por àquela data da propositura da ação, o ato que a Autora pretendia ver praticado já o havia sido (cfr. factos 11 e 12 do probatório). Para além de expressamente afirmar a prolação do ato de decisão naquele procedimento administrativo, o Réu declarou que o mesmo integrava o processo administrativo a cuja junção aos autos procedeu (cfr. factos 12 e 13 do probatório).
Assim, esta factualidade é reveladora de que, mesmo que, por mera hipótese, se entendesse estarmos perante uma situação enquadrável no n.º 2, do artigo 70º do CPTA, a verdade é que, a Autora, na sequência da notificação da contestação e da junção aos autos, não procedeu à apresentação de qualquer requerimento de alteração ou ampliação objetiva da instância, simplesmente se resignando ao silêncio (cfr. factos 12, 13 e 14 do probatório).
E, mesmo após a prolação de despacho que diretamente a notificou para se pronunciar sobre a exceção suscitada pelo Réu, a Autora, em resposta, limitou-se a desenvolver o entendimento doutrinal sobre a “falta de interesse em agir”, não tecendo uma única consideração ou observação a respeito da existência do ato administrativo de indeferimento proferido peço Réu e que integrava o processo administrativo (cfr. factos 15 e 16 do probatório).
Ora, este comportamento não se compadece com a faculdade prevista no artigo 70º do CPTA, nem com os princípios da boa-fé e auto-responsabilidade das partes.
A Autora, na sequência da contestação e do processo administrativo, poderia ter alegado novos factos e, caso entendesse que não poderia ocorrer a presunção de notificação, poderia ter alegado factos suscetíveis de, após demonstração, ilidirem aquela presunção.
Mas, nada fez.
Incompreensivelmente assume uma posição de total desconsideração ou desvalorização, não só quanto à existência de ato administrativo de indeferimento proferido pelo Réu, em data anterior à propositura da ação, como também, quanto à questão da sua notificação.
Mas, não é porque a Autora “ignora” ou desconsidera o ato administrativo de indeferimento proferido pelo Ministro das Finanças, em 19/03/2019, que esse ato deixa de existir e assumir nos presentes autos relevância, desde logo, quanto ao seu interesse em agir ou, melhor, quanto à sua falta.
Esse ato decisório de indeferimento existe. E, in casu, já existia em data anterior propositura da ação, pelo que, inexistindo violação do dever de decisão, numa ação de condenação à prática do ato devido intentada nesse pressuposto, é incontestável que não carece a Autora da presente tutela jurisdicional.
Conclui-se, pois, pela procedência da exceção dilatória da “falta de interesse em agir”, exceção dilatória inominada que determina a absolvição do Réu da instância, nos termos do artigo 89º, n.º 1, 2 e 3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
X
É objecto de recurso esta sentença que, acolhendo a versão do Réu/Recorrido, julgou procedente a arguida exceção dilatória inominada de falta de interesse em agir e determinou a absolvição da instância deste.
Avança-se, já, que o recurso está condenado ao insucesso.
A Recorrente, através do presente recurso, limita-se a reproduzir a argumentação constante da PI em sede de ação para condenação à pratica de ato devido, nada acrescentando, nem quanto aos aspetos de facto, nem quanto às normas jurídicas que entende violadas pelo Tribunal recorrido.
O probatório não foi posto em causa.
A decisão é clara, enfrentou todos os aspectos da questão e alicerçou-se na Doutrina e na Jurisprudência, em termos com que nos identificamos por inteiro.
Assim e sob pena de estultícia fundamentação limitamo-nos a apelar às Conclusões vertidas nas contra-alegações da Entidade Recorrida.
Com efeito, o Tribunal a quo decidiu bem, quer de facto, quer de direito.
-A ação de condenação à prática de ato devido consubstancia-se na apresentação de um requerimento que constitui o órgão decisor no dever de decidir, a que se refere o artigo 13.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), vide artigos 66.º e seguintes do CPTA;
-A Recorrente configurou a ação interposta no pressuposto de que tendo decorrido o prazo de 30 dias a que se refere o artigo 184.º do CPTA e não tendo o órgão decisor emitido uma decisão, entendeu que ocorreu uma situação de omissão do dever de decisão, vide alínea a) do n.º 1 do artigo 67.º do CPTA; isto é, de que teria existido uma inércia/omissão da administração decorrente da inexistência de uma decisão no prazo legal;
-A Entidade Recorrida juntou o PA e contestou, invocando a falta de interesse em agir, porquanto o ato em causa foi emitido dentro do prazo legal definido para o efeito, e em momento anterior à propositura da respetiva ação;
-O Tribunal defendeu: “O interesse processual ou interesse em agir (...) consiste, de acordo com a maioria da doutrina, na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a ação para, dessa forma, obter um benefício direto, com repercussão positiva imediata na esfera jurídica do autor, aferindo-se, assim, tal interesse pela alegação de uma situação concreta necessitada de tutela jurisdicional.”;
-O interesse em agir apresenta-se como uma concretização da ideia de que a utilidade ou vantagem em causa há de ser “digna de tutela jurisdicional”;
-Resulta provado dos autos que o Recorrido cumpriu o dever de decisão e que decidiu dentro do prazo legal;
-E também que notificou a Recorrente da decisão que veio a recair sobre o pedido, tendo a primeira notificação sido expedida para a morada identificada no seu requerimento; tendo esta sido devolvida com a menção “mudou-se”, num segundo momento, e não obstante a tal não estar obrigado, diligenciou pela pesquisa de nova morada, tendo remetido novo ofício, igualmente devolvido com a menção de “objeto não reclamado”;
-Como é óbvio, a Recorrente teria que ter comunicado ao MEF, a sua alteração de morada, para viabilizar a sua notificação;
-Não o tendo feito, concluiu, e bem, o Tribunal a quo que se presume notificada, sendo-lhe imputável tal presunção - vide artigo 160.º do CPA;
-E assim, existindo uma decisão desde 19/03/2019, de que se presumem notificados os intervenientes processuais em 25/03/2019, no momento em que foi proposta a ação, existe uma manifesta falta de interesse em agir;
-Com efeito, ficou demonstrado que à data da propositura da ação existia um ato decisório cuja pretensão se visava com a ação para a prática de ato devido e, não existindo qualquer violação do dever de decisão, a ora Recorrente não carece de qualquer tutela jurisdicional, o que se reconduz na falta de interesse em agir;
-Ademais, notificada da contestação e da correspondente argumentação em sede de exceção, não logrou a Autora apresentar qualquer considerando sobre o ato de indeferimento em que se consubstanciou a decisão, nem infirmar qualquer argumentação sobre a presunção da sua notificação;
-Como se sumariou no Acórdão da RL de 19/01/2017, proc. 3583/16.0T8SNT.L1-2 “I - O interesse em agir é também apelidado de “interesse de agir”, “interesse processual”, “causa legítima da acção”, “motivo justificativo dela”, “necessidade de agir, ou necessidade de tutela jurídica.
“Como resulta de todas estas designações, consiste na necessidade de recorrer ao processo” (…);

-Com efeito, o interesse em agir é um pressuposto processual positivo para aferir da necessidade da tutela judicial efectiva consagrada no artigo 20º da CRP e bem assim da adequação do meio processual utilizado; o interesse em agir afere-se no momento da propositura da acção onde se manifesta a pretensão;
-Segundo o STJ - Acórdão de 09/5/2018, proc. 673/13.4TTLSB.L1.S1 -
“…..II) O interesse processual, apesar de a lei não lhe fazer referência, de forma direta, porque o Código de Processo Civil não o contempla como exceção dilatória nominada, continua a constituir um pressuposto processual relativo às partes.
III) Só se pode afirmar que há interesse processual quando a situação de incerteza, ou de dúvida, acerca da existência, ou não, de um direito ou de um facto, contra as quais o autor pretende reagir através da ação de simples apreciação, reunir objetividade e gravidade.
IV) A falta de interesse em agir constitui uma exceção dilatória, é de conhecimento oficioso e dá lugar à absolvição da instância.” (…);

-Bem andou o Senhor Juiz ao acolher a invocada exceção dilatória de falta de interesse em agir e, consequentemente, ao absolver a Entidade Demandada da instância - artigo 89.º/1, 2 e 4 do CPTA.
Improcedendo as conclusões da peça processual da Apelante, tem de manter-se na ordem jurídica o aresto sob escrutínio.
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Notifique e DN.
Porto, 21/05/2021
Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Helena Canelas