Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02461/22.8BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/16/2025
Tribunal:TAF do Porto
Relator:VIRGÍNIA ANDRADE
Descritores:IRS 2021;
MOMENTO AQUISIÇÃO BEM MORTE; DIA E HORA MORTE DE CUJUS;
VALOR AQUISIÇÃO; IMPOSTO DO SELO;
Sumário:
I. O recurso apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas.

II. A aquisição de um qualquer bem por morte ocorre com o dia e hora da morte do de cujús.

III. Com vista à tributação de mais-valias obtidas com a alienação de imóvel adquirido por herança, o momento relevante da aquisição do mesmo é o da abertura da herança.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1 – RELATÓRIO
«AA», contribuinte n.º ...78 vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a impugnação judicial intentada na sequência do indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de IRS n.º ...45, referente ao ano de 2021, no montante de 17.992,10.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
“I – De forma tempestiva e com legitimidade para o efeito, a Recorrente ofereceu garantia idónea, mediante a constituição de Hipoteca (processo de execução fiscal n.º ..................168), cujo comprovativo que se anexa sob documento 1, pelo exposto, deve o recurso ter efeito suspensivo, o que se requer;
II - A Recorrente não se conforma nem se pode conformar com a douta sentença recorrida;
III - O presente recurso tem como objeto a decisão recorrida por entender que não se verifica os apontados erros no apuramento da mais-valia resultante da alienação de imóvel com o artigo «...49 », efetuada pela Impugnante em 2021;
IV – Do Artigo «...49 »: Facto Provado em A) “Em 18/06/1998, por documento intitulado “Contrato-Promessa de Compra e Venda”, «BB» e «CC», casados, prometeram vender à sociedade “[SCom01...], Lda.”, pelo preço de 37.500.000$00 (€ 187 049,21), já recebido e do qual davam quitação, o prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o artigo «...49 », de que eram proprietários, tendo ficado consignado no referido contrato que a promitente compradora estava desde logo autorizada a ocupar o prédio prometido vender, que os direitos e obrigações emergentes do contrato se transmitiam aos sucessores dos promitentes vendedores e que estes outorgariam no prazo máximo de 15 dias, a favor do representante da promitente compradora, uma procuração com todos os poderes e irrevogável – cfr. fls. 57 a 60 do SITAF, cujo teor se dá por reproduzido. “(negrito e sublinhado nosso);
V - Data em que a compradora “[SCom01...], Lda.” pagou a quantia total, aos pais da aqui Recorrente e dado o facto de o preço se encontrar integralmente pago, a Compradora entrou de imediato (a 18/06/1998) na posse do prédio prometido vender;
VI - Logo desde essa data ocorreu a tradição material do terreno objeto da promessa unilateral de venda feita por «BB» e «CC», ambos já falecidos, pelo que, desde então, a sociedade “[SCom01...], Lda” assumiu todos os encargos necessários à conservação e manutenção do terreno;
VII - Dado o facto de o preço se encontrar integralmente pago e a promitente compradora entrar, desde logo, na posse do prédio prometido vender, os promitentes vendedores, «BB» e «CC», em cumprimento da sétima cláusula do referido contrato promessa, outorgaram procuração IRREVOGÁVEL, a 03 de Julho de 1998, outorgaram a favor do representante da sociedade “[SCom01...], Lda”, procuração com todos os poderes e irrevogável mesmo para além morte, referente ao prédio objeto do contrato promessa de compra e venda descrito em A);
VIII - A Recorrente e a sua irmã, «DD», aquando a participação do óbito da sua mãe, «BB», junto do serviço de finanças, não indicaram o prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o artigo «...49 », uma vez que tinham conhecimento que o mesmo já não pertencia à propriedade de seus pais desde 18/06/1998;
IX - No entanto, foram informadas pelos serviços de finanças que, até a situação da propriedade do referido prédio não estivesse regularizada no cadastro predial, teriam de o indicar na participação, uma vez que o mesmo ainda constava do sistema em nome da mãe da Recorrente (vide facto provado em G);
X - Em 2021, «EE», já estava, por si e ante possuidores, no uso e fruição de tal prédio rústico, há mais de 20 anos, deles retirando os respetivos rendimentos e utilidades económicas, pagando os impostos e contribuições, como coisa sua que é, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém de forma continuada e ininterrupta, como um direito próprio e exclusivo, tendo adquirido a plena propriedade, quanto mais não fosse, através da usucapião;
XI - Em outubro de 2021, «EE» entrou em contacto com a Recorrente e a irmã, de forma a regularizar a situação da propriedade no registo matricial e predial;
XII - Uma vez que a Recorrente e a sua irmã tinham conhecimento que o prédio rústico, desde 18/06/1998, não era da propriedade dos seus pais e conforme consta da Cláusula Quinta do Contrato Promessa de Compra e Venda, cujo teor se transcreve: “Os direitos e obrigações emergente do presente contrato transmitem-se aos sucessores dos primeiros, por qualquer título ou causa, por expressamente reconhecerem que os direitos e obrigações dele emergentes não são considerados de natureza pessoal.” (negrito e sublinhado nosso), a Recorrente e a sua irmã, aceitaram celebrar um documento para regularizar a situação da venda do prédio rústico pelos seus pais em 18/06/1998;
XIII - Após contacto com o Cartório Notarial, a Recorrente foi informada que, de forma a regularizar a situação da propriedade no registo matricial e predial, deveria outorgar uma escritura de “Compra e Venda”;
XIV - Pelo que, conforme consta do facto provado em H), a 25/11/2021, a Recorrente e a sua irmã, outorgaram uma escritura de “Compra e Venda” onde «DD» e a aqui Recorrente, «AA» declararam vender a «EE», pelo preço de € 187 049,22, o prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o artigo «...49 », imóvel pertencente à herança indivisa aberta por óbito de «BB» e «CC», pais das vendedoras, constando da referida escritura que entre os falecidos e a sociedade “[SCom01...], Lda.” foi celebrado, em 18/06/1998, um contrato promessa de compra e venda onde foi prometido vender à sociedade o imóvel supra identificado, tendo esta pago o preço de 37.500.000$00 e entrado logo na posse do prédio e, bem assim, que na sequência de uma transação efetuada entre «EE» e a “[SCom01...], Lda.”, esta cedeu àquela metade da posição contratual de compradora que detinha naquele contrato promessa e que na sequência de uma transação efetuada entre «EE» e o seu exmarido «FF», este cedeu àquela a posição contratual que lhe pertencia no mencionado contrato promessa, passando «EE» a ser a única titular da posição contratual de promitente compradora naquele contrato promessa;
XV - Resulta dos factos provados em A), B), D), E) e F) que: - Os pais da Recorrente, venderam através da procuração irrevogável em 1998, o imóvel aí descrito; - Que em 1998, os pais da Recorrente receberam a quantia total da venda no valor de 37.500.000$00 (€ 187 049,21); - Que a posse do Imóvel, ficou para o mandatário logo com a outorga do contrato promessa de compra e venda com o pagamento do preço e da outorga da procurarão irrevogável (condição sine qua non do referido contrato); - Desde 1998, «EE», já estava, por si e ante possuidores, no uso e fruição de tal prédio rústico, há mais de 20 anos, deles retirando os respetivos rendimentos e utilidades económicas, pagando os impostos e contribuições, como coisa sua que é, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, de forma continuada e ininterrupta, como um direito próprio e exclusivo, tendo adquirido a plena propriedade, quanto mais não fosse, através da usucapião;
XVI - Resulta do facto provado em H) que: - Em 22/04/2013, por homologação por sentença de uma transação efetuada no âmbito do processo n.º ..51/.....5TMPRT-A, através da qual, «EE», passou, assim, a requerente a ser a única titular da posição de promitente compradora naquele contrato, «FF», por si e na qualidade de representante legal da sociedade “[SCom01...], Lda., declarou nada mais tem a exigir ou reclamar de tal contrato promessa (vide facto provado em A), seja a que título for, nomeadamente no que concerne à procuração irrevogável anteriormente referida, que deixou de ter valor legal, conforme certidão emitida em 12/07/2021, pelo referido Tribunal; - Pelo que, a pedido da proprietária «EE», de forma a regularizar e averbar a seu favor o prédio objeto de aquisição em 18/06/1998, as herdeiras legais de «CC» e «BB», ou seja, a aqui Recorrente e a sua irmã «DD», outorgaram a escritura pública de compra e venda em 25/11/2021, no Cartório Notarial ..., conforme escritura de compra e venda (vide Facto Provado em H) e Doc. 9 da Petição Inicial); - A pedido das partes, uma vez que se tratava de uma regularização de propriedade da venda ocorrida em 18/06/1998, da referida escritura, consta todos os factos provados em A), B), D), E) e F) (vide Facto Provado em H) e Doc. 9 da Petição Inicial);
XVII - Foi apresentada a declaração de IRS em 30/06/2022, com o número de identificação de declaração ...9 e emitida a demonstração da liquidação com o nº ...45 e com o valor de 17.992,10 € (dezassete mil novecentos e noventa e dois euros e dez cêntimos) para pagamento;
XVIII - Após análise da mesma, a Recorrente detetou vários lapsos, quanto ao valor declarado como valor de aquisição, bem como quanto à data de aquisição, uma vez que, invés de 4.103,80 € (quatro mil cento e três euros e oitenta cêntimos) deveria constar 93.524,61 € (noventa e três mil quinhentos e vinte e quatro euros e sessenta e um cêntimos), e invés de 2021/01, deveria constar 1998/06, não havendo lugar a apuramento de mais valia;
XIX - Em tempo e com legitimidade para o efeito, a Recorrente apresentou reclamação graciosa e procedeu à substituição da declaração de IRS em conformidade com o anteriormente exposto e devidas retificações, no dia 11 de outubro de 2022, conforme Substituição de Declaração de IRS com o número de identificação de Declaração ......693; XX - A tradição material que acompanha o contrato-promessa de compra e venda, envolve a transmissão da posse, nos casos excecionais em que já se encontra paga a totalidade do preço, que é o presente caso, tendo a compradora entrado de imediato (a 18/06/1998) na posse do prédio prometido vender;
XXI - Conforme Sumário do Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (Processo nº 881/06.4TBPDL.L1-1), de 23/06/2009, consultável in www.dgsi.pt., cujo teor se transcreve:
“1 - Não é possível, a priori, qualificar-se de posse ou de mera detenção o poder de facto exercido pelo promitente-comprador sobre o objecto do contrato prometido entregue antecipadamente. Tudo dependerá, caso a caso, do animus que acompanhe o corpus.
2 - A qualificação da natureza da posse do beneficiário da traditio, no contrato promessa de compra e venda, depende essencialmente de uma apreciação casuística dos termos e do conteúdo do respectivo negócio.
3 - Em regra, o promitente-comprador de imóvel, que obteve a traditio apenas frui um direito de gozo, que exerce em nome do promitente-vendedor e por tolerância deste – sendo, nesta perspectiva, um detentor precário já que não age com animus possidendi, mas apenas com corpus possessório (relação material).
4 - Há situações em que aquela traditio pode envolver a transmissão da posse, como sucede nos casos excepcionais em que já se encontra paga a totalidade do preço ou em que as partes têm o deliberado e concertado propósito de não realizar a escritura pública, para evitar despesas, e a coisa foi entregue ao promitente-comprador em definitivo, como se dele fosse já.” (negrito nosso);
XXII - Conforme Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (Processo nº 881/06.4TBPDL.L1-1), de 23/06/2009, consultável in www.dgsi.pt., cujo teor parcial se transcreve: “O promitente-comprador actua, aqui, uti dominus, não havendo, por conseguinte, qualquer razão para lhe negar o acesso aos meios de tutela da posse»[17].
Esta posição tem sido sufragada pela doutrina [18], bem como pela jurisprudência maioritária do Supremo Tribunal de Justiça [19] [20] [21] [22] [23]. Em conclusão: não é possível, a priori, qualificar-se de posse ou de mera detenção o poder de facto exercido pelo promitente-comprador sobre o objecto do contrato prometido entregue antecipadamente. Tudo dependerá, caso a caso, do animus que acompanhe o corpus [24].
A qualificação da natureza da posse do beneficiário da traditio, no contrato promessa de compra e venda, depende essencialmente de uma apreciação casuística dos termos e do conteúdo do respectivo negócio [25].
Em regra, o promitente-comprador de imóvel, que obteve a traditio apenas frui um direito de gozo, que exerce em nome do promitente-vendedor e por tolerância deste – sendo, nesta perspectiva, um detentor precário já que não age com animus possidendi, mas apenas com corpus possessório (relação material) [26].
Todavia, há situações em que aquela traditio pode envolver a transmissão da posse, como sucede nos casos excepcionais em que já se encontra paga a totalidade do preço ou em que as partes têm o deliberado e concertado propósito de não realizar a escritura pública, para evitar despesas, e a coisa foi entregue ao promitente-comprador em definitivo, como se dele fosse já.”
XXIII - Conforme Sumário do Douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Processo nº 069/10.0BEBJA), de 16/09/2020, consultável in www.dgsi.pt., cujo teor se transcreve: “I - A procuração irrevogável passada em 1989 por parte dos proprietários de imóveis, pais dos impugnantes, é suscetível de produzir efeitos, para efeitos de tributação em sede de mais-valias, desde que associada à prova da transmissão material da propriedade dos prédios a que se refere, ou, pelo menos, das respetivas responsabilidades.
II - Tendo os impugnantes logrado provar a transmissão do poder de propriedade por parte de seus pais, através de procuração irrevogável, com a cessação de posse por parte dos mesmos e o recebimento então em pagamento da quantia de dezanove mil euros e, tendo sido no uso de poderes de substabelecimento contidos ainda na dita procuração que veio a ocorrer a alienação dos ditos imóveis em 2005, através de escritura pública, quando os ditos pais eram já falecidos, esta não pode servir de fundamento à tributação em sede de IRS por mais-valias, nos termos do art. 10.º, n.º 1, a) do C.I.R.S., aos ditos impugnantes que são parte ilegítima.” (negrito e sublinhado nosso).
XXIV - No ordenamento jurídico português, vigora o princípio da capacidade contributiva, assim, a incidência dos impostos deve ter como critério o património ou o rendimento efetivo dos contribuintes;
XXV - Da matéria assente resulta inequivocamente, que não foi a aqui Rrecorrente, que recebeu a quantia objeto do negócio e que não auferiu qualquer mais valia resultante da escritura pública outorgada;
XXVI - Antes pelo contrário, resulta claramente, porque do processo decorre, indubitavelmente que foram os mandantes da procuração irrevogável, pais da aqui Recorrente, já falecidos, enquanto possuidores do imóvel, quem efetivaram o negócio, e receberam o preço, no ano de 1998;
XXVII - Não sendo por isso aplicável o disposto no art. 64.º do CIRS, por inexistir quer a transmissão dos bens ou de proveitos relacionados com a referida transmissão de bens;
XXVIII - O que determina que sob a Recorrente não impende nenhuma obrigação de pagamento de mais-valias, porquanto o art. 10.º n.º 3 do cirs, determina que o momento do ganho sujeito a mais valias, se presume no momento da tradição do bem, e in casu, ficou inequivocamente provado que essa teve lugar em 1998, NADA TENDO RECEBIDO A AQUI RECORRENTE, EM VIRTUDE DO NEGÓCIO, pelo tratou-se de uma regularização do registo da propriedade;
XXIX - No entanto, uma vez que a regularização foi realizada através da escritura de compra e venda no ano de 2021, entendeu a Recorrente que tinha a obrigação de indicar a alienação no seu IRS, mas uma vez que a Recorrente não auferiu qualquer mais valia resultante da escritura pública outorgada, declarou, como valor da aquisição e de alienação, o mesmo valor de 93.524,61 € (noventa e três mil quinhentos e vinte e quatro euros e sessenta e um cêntimos) (1/2 do valor recebido pelos seus pais em 1998) de forma a não incorrer em mais valias;
XXX - Daqui se entende, salvo melhor opinião que, a Recorrente não é sujeito passivo da relação jurídica tributária, pelo que consequentemente não pode ser tributada em I.R.S., sob proveitos que nunca obteve, caso contrário estaríamos perante uma violação clara do princípio da legalidade tributária plasmado no art 8.º da L.G.T., o qual visa a tributação pelos rendimentos reais e efetivos dos sujeitos passivos;
XXXI - É entendimento perfilhado na Jurisprudência, nomeadamente no Douto Acórdão Ac. TCA SUL, Secção CT, de 27/10/2016, proc. 07347/14, e ainda que assim não fosse entendido, as liquidações seriam em causa sempre seriam anuláveis, por preterição de formalidades essenciais;
XXXII - No caso em concreto ficou provado que os pais da Recorrente/Impugnante, em 18/06/1998, por documento intitulado “Contrato-Promessa de Compra e Venda”, prometeram vender à sociedade “[SCom01...], Lda.”, pelo preço de 37.500.000$00 (€ 187 049,21), já recebido e do qual davam quitação, data em que a compradora “[SCom01...], Lda.” pagou a quantia total, aos pais da aqui Recorrente e entrou de imediato (a 18/06/1998), e em 03 de Julho de 1998, «BB» e «CC», outorgaram procuração com todos os poderes e irrevogável mesmo para além morte, na qual os falecidos pais da Recorrente, figuram como mandantes e «FF», gerente da sociedade, figura como mandatário na posse do prédio prometido vender (vide Factos Provados em A);
XXXIII - Nesta medida o único incremento patrimonial tributável como mais-valias que ingressou na esfera económica e jurídica dos mandantes da procuração, sendo o ganho constituído pela diferença entre o valor de aquisição (não apurado) e o valor de realização dos imóveis - 37.500.000$00 (€ 187 049,21), (arts. 9º nº1 al.a), 10º nºs 1 al. a) e 4 al. a) CIRS); XXXIV - É irrelevante que o ganho obtido e incorporado no património dos mandantes da procuração tenha resultado de uma operação económica sem título jurídico válido (escritura pública, exigida na compra e venda de bens imóveis - art. 875º C.Civil), na medida em que o carácter ilícito da transmissão dos bens não obsta à sua tributação quando estejam preenchidos os pressupostos das normas de incidência aplicáveis (art.10º L.G.T.);
XXXV - Conforme Douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 4-12-2019, proferido no processo n.º 0813/05.7BEALM, acessível em www.dgsi.pt, a procuração irrevogável é suscetível de produzir efeitos, para efeitos de tributação em sede de mais-valias, desde que associada à prova da transmissão material da propriedade dos respetivos prédios, ou pelo menos das respetivas responsabilidades, o que ocorre nos presentes autos, pelo que, vindo a alienação a ser efetuada desse modo em 2021, esta não pode servir de fundamento à tributação em sede de IRS por mais-valias, nos termos do art. 10.º, n.º 1, a) do CIRS, por partes da impugnante, cujos pais alienaram o imóvel em causa em 1998, sendo certo ter sido então recebido o pagamento do total de 187.049,22 € (cento e oitenta e sete mil e quarenta e nove euros e vinte e dois cêntimos) (ao tempo de trinta e sete milhões e quinhentos mil escudos), em cheque, que então aqueles receberam;
XXXVI - No entanto, uma vez que a regularização foi realizada através da escritura de compra e venda no ano de 2021, entendeu a Recorrente que tinha a obrigação de indicar a alienação no seu IRS, ANEXO G, quadro 4, linha 4002, referente à alienação do prédio rústico com o artigo «...49 » da freguesia ..., concelho e distrito ..., quota-parte 50%, mas uma vez que a Recorrente não auferiu qualquer mais valia resultante da escritura pública outorgada, declarou, como valor da aquisição e de alienação, o mesmo valor de 93.524,61 € (noventa e três mil quinhentos e vinte e quatro euros e sessenta e um cêntimos) (1/2 do valor recebido pelos seus pais em 1998) de forma a não incorrer em mais valias, e como data de aquisição, 1998 (data de outorga do contrato promessa de compra e venda e da procuração irrevogável), uma vez que a data de aquisição não se encontra apurada, tendo a Recorrente conhecimento que o prédio veio à posse dos seus pais por partilhas de heranças, por óbito dos seus avós maternos, que remontam à década de 1970;
XXXVII - Face o exposto, nos termos da al. a) do art. 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, verifica-se assim uma errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários;
XXXVIII - Pelo que, não foram devidamente valorados os factos em A), D), E), e H) dados como provados na douta sentença, bem como, com o devido respeito, não foi valorado pelo Tribunal a “quo”, e nem consta da matéria assente, como deveria, os seguintes factos: “Conforme cláusula sétima do contrato promessa de compra e venda (vide doc. 7), dado o facto de o preço se encontrar integralmente pago e a promitente compradora entrar, desde logo, na posse do prédio prometido vender, os promitentes vendedores, em cumprimento da sétima cláusula do referido contrato promessa, outorgaram procuração IRREVOGÁVEL, nos termos do artigo 116 do Código do Notariado, aos três dias de julho de mil novecentos e noventa e oito no extinto ... Cartório Notarial ..., que aí ficou arquivada sob o documentos nº quarenta a folhas setenta e dois, na qual os falecidos pais da Recorrente, «BB» e «CC», figuram como mandantes e «FF», gerente da sociedade compradora, figura como mandatário” E ainda, “Constando ainda dessa mesma transação que o indicado «FF», por si e na qualidade de representante legal da sociedade “[SCom01...], Lda., nada mais tem a exigir ou reclamar de tal contrato promessa, seja a que título for, nomeadamente no que concerne à procuração irrevogável anteriormente referida, que deixa de ter valor legal, conforme certidão emitida em 12/07/2021, pelo referido Tribunal;”
XXXIX - Daqui se entende, salvo melhor opinião que, a Recorrente não pode ser tributada em I.R.S., sob proveitos que nunca obteve, pois não há lugar a apuramento de qualquer mais-valia caso contrário estaríamos perante uma violação clara do princípio da legalidade tributária plasmado no art 8.º da L.G.T., o qual visa a tributação pelos rendimentos reais e efetivos dos sujeitos passivos; XL - Termos em que deverá ser revogada a douta sentença recorrida ser revogada e consequentemente deverá ser proferida outra que substituída por outra que julgue no sentido defendido pela ora Recorrente, isto é que seja decretada a anulação parcial da liquidação de IRS do ano de 2021 nos termos requeridos, e condenada a Recorrida ao pagamento de custas e procuradoria condigna.
Nestes termos, e nos melhores de direito que mui doutamente serão supridos, deve a douta sentença em apreço ser revogada, e, em consequência, substituída por outra que julgue no sentido defendido pela ora Recorrente, isto é que seja decretada a anulação parcial da liquidação de IRS do ano de 2021 nos termos requeridos, e condenada a Recorrida ao pagamento de custas e procuradoria condigna, assim se fazendo Justiça!”


Não foram apresentadas contra-alegações.

O Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso por considerar que a decisão recorrida não enferma de quaisquer patologias que, do ponto de vista da legalidade, determinem ou justifiquem a sua revogação

Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos, cfr. artigo 657.º n.º 4 do Código de Processo Civil, submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.

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Objecto do recurso

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta do disposto no artigo 608.º n.º 2, artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º n.º 1, todos do Código de Processo Civil.
Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir i) do erro de julgamento de facto ii) do erro de julgamento quanto à matéria de direito.

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2 - Fundamentação
2.1. Matéria de Facto
O Tribunal a quo decidiu a matéria de facto da seguinte forma, que aqui se reproduz:
“A) Em 18/06/1998, por documento intitulado “Contrato-Promessa de Compra e Venda”, «BB» e «CC», casados, prometeram vender à sociedade “[SCom01...], Lda.”, pelo preço de 37.500.000$00 (€ 187 049,21), já recebido e do qual davam quitação, o prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o artigo «...49 », de que eram proprietários, tendo ficado consignado no referido contrato que a promitente compradora estava desde logo autorizada a ocupar o prédio prometido vender, que os direitos e obrigações emergentes do contrato se transmitiam aos sucessores dos promitentes vendedores e que estes outorgariam no prazo máximo de 15 dias, a favor do representante da promitente compradora, uma procuração com todos os poderes e irrevogável – cfr. fls. 57 a 60 do SITAF, cujo teor se dá por reproduzido.
B) Em 24/02/2003, faleceu «CC» – cfr. fls. 68 a 75 do SITAF, cujo teor se dá por reproduzido.
C) Em 20/07/2004, «BB», «DD» e «AA» outorgaram uma escritura de “Justificação”, declarando que, em comum e sem determinação de parte ou direito, são donas e legítimas possuidoras, com exclusão de outrem, do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o artigo «..29 », que este prédio pertencia ao património comum do casal constituído pela outorgante «GG» e pelo seu falecido marido «CC», que o haviam herdado por óbito do pai daquela, que, por sua vez, o havia herdado por óbito da sua mulher, que, por seu turno, o havia herdado do titular inscrito na Conservatória («HH»), declarando ainda as justificantes que, por si e seus antepossuidores, têm usufruído do referido prédio, usando todas as utilidades por ele proporcionadas, pagando os respetivos impostos com o ânimo de quem exerce direito próprio, sendo reconhecidas como suas donas por toda a gente, fazendo-o de boa-fé, pacificamente, contínua e publicamente à vista e com conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém, tudo isto há mais de 20 anos, pelo que adquiriram o dito prédio também por usucapião – cfr. fls. 48 a 52 do SITAF, cujo teor se dá por reproduzido.
D) Em 07/05/2008, foi homologada por sentença uma transação efetuada no âmbito do processo n.º ..9/....9TVPRT, através da qual a ré “[SCom01...], Lda.” cedia à autora «EE», pelo preço de € 93 524,61, já recebido pela cedente, metade da posição contratual de promitente compradora no contrato mencionado na alínea A) supra – cfr. fls. 56 e 61 a 63 do SITAF, cujo teor se dá por reproduzido.
E) Em 22/04/2013, foi homologada por sentença uma transação efetuada no âmbito do processo n.º ..51/.....5TMPRT-A, através da qual, para pagamento da meação que pudesse vir a ser apurada da requerente «EE», o requerido «FF» cedia à requerente, sua ex-mulher, a posição contratual de promitente comprador que, na sequência da cessão de posição contratual efetuada pela sociedade “[SCom01...], Lda.”, detinha no contrato mencionado na alínea A) supra, passando, assim, a requerente a ser a única titular da posição de promitente compradora naquele contrato – cfr. fls. 64 a 67 do SITAF, cujo teor se dá por reproduzido.
F) Em 06/01/2021, faleceu «BB» – cfr. fls. 68 a 75 do SITAF, cujo teor se dá por reproduzido.
G) Na sequência da participação da transmissão gratuita do prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o artigo «...49 », por óbito de «BB», em que eram herdeiras «DD» e «AA», o valor sujeito a Imposto do Selo pela referida transmissão era de € 8 207,59 – cfr. fls. 371 a 373 do SITAF, cujo teor se dá por reproduzido.
H) Em 25/11/2021, foi outorgada uma escritura de “Compra e Venda” onde «DD» e «AA» declararam vender a «EE», pelo preço de € 187 049,22, o prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o artigo «...49 », imóvel pertencente à herança indivisa aberta por óbito de «BB» e «CC», pais das vendedoras, constando da referida escritura que entre os falecidos e a sociedade “[SCom01...], Lda.” foi celebrado, em 18/06/1998, um contrato promessa de compra e venda onde foi prometido vender à sociedade o imóvel supra identificado, tendo esta pago o preço de 37.500.000$00 e entrado logo na posse do prédio e, bem assim, que na sequência de uma transação efetuada entre «EE» e a “[SCom01...], Lda.”, esta cedeu àquela metade da posição contratual de compradora que detinha naquele contrato promessa e que na sequência de uma transação efetuada entre «EE» e o seu ex-marido «FF», este cedeu àquela a posição contratual que lhe pertencia no mencionado contrato promessa, passando «EE» a ser a única titular da posição contratual de promitente compradora naquele contrato promessa – cfr. fls. 68 a 75 do SITAF, cujo teor se dá por reproduzido.
I) Em 30/06/2022, a Impugnante apresentou a declaração de rendimentos referente ao ano de 2021, declarando, além do mais, o seguinte:
- no campo 4 do anexo G, a alienação onerosa de 16,66% do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o artigo «..29 », indicando como valor de realização, em maio de 2021, € 36 912,50 e como valor de aquisição, em janeiro de 2021, € 13 912,50;
- no campo 4 do anexo G, a alienação onerosa de 50% do prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o artigo «...49 », indicando como valor de realização, em novembro de 2021, € 93 524,61 e como valor de aquisição, em janeiro de 2021, € 4 103,80;
- no campo 5 do anexo G1 (mais-valias não tributadas), a alienação do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o artigo «..29 », indicando como data de aquisição 02/10/1970 e como valor de realização e de aquisição € 73 326,00 e € 5 293,24, respetivamente – cfr. fls. 17 a 28 do SITAF, cujo teor se dá por reproduzido.
J) Em 04/07/2022, na sequência da declaração mencionada na alínea antecedente, foi emitida em nome da Impugnante a liquidação de IRS n.º ...45, referente ao ano de 2021, no valor de € 17 992,10, com data limite de pagamento em 31/08/2022 – cfr. fls. 328 do SITAF, cujo teor se dá por reproduzido.
K) Em 05/09/2022, a Impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação mencionada na alínea antecedente, pedindo a sua retificação – cfr. fls. 320 a 326 e 349 do SITAF, cujo teor se dá por reproduzido.
L) Em 11/10/2022, a Impugnante apresentou uma declaração de rendimentos de substituição para o ano de 2021, alterando o seguinte:
- no campo 4 do anexo G, a alienação onerosa de 16,67% do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o artigo «..29 », indicando como valor de realização € 36 674,00 e como valor de aquisição € 13 914,50;
- no campo 4 do anexo G, a alienação onerosa de 50% do prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o artigo «...49 », indicando como valor de aquisição, em junho de 1998, € 93 524,61;
- no campo 5 do anexo G1 (mais-valias não tributadas), a alienação do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o artigo «..29 », indicando como data de aquisição 20/07/1984 e como valor de aquisição € 3 528,47 – cfr. fls. 31 a 44 do SITAF, cujo teor se dá por reproduzido.
M) Em 03/11/2022, o Chefe do Serviço de Finanças ... 1 indeferiu a reclamação graciosa – cfr. fls. 351 e 352 do SITAF, cujo teor se dá por reproduzido.
N) A presente impugnação foi deduzida em 30/11/2022 – cfr. fls. 5 a 16 do SITAF.
2. FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem, com relevância para a decisão da causa.
MOTIVAÇÃO:
A convicção do Tribunal quanto aos factos dados como provados resultou da análise dos documentos, não impugnados, juntos aos autos.”

***


2.2 – O direito
Constitui objecto do presente recurso a sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou improcedente a impugnação judicial intentada na sequência do indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de IRS n.º ...45, referente ao ano de 2021
A Recorrente, discordando do assim decidido, sustenta, no essencial, que a sentença padece de erro de facto, por insuficiente matéria de facto assente e errada valoração da prova, assim como erro de direito, por considerar que não é sujeito passivo da relação jurídica tributária e mesmo que assim não se entenda as liquidações seriam sempre anuláveis, por preterição de formalidades essenciais.
Acresce que, vem também sustentar a errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários

2.2.1. Do erro de julgamento de facto

Invoca a Recorrente que a sentença sob recurso fez um lacunar julgamento da prova apresentada, por não terem sido devidamente valorados os factos que decorrem dos pontos A), D), E), e H) dados como provados, nem terem sido dados como provados os factos que decorrem dos documentos juntos aos autos sob o n.º 7, 8.
Vejamos.
Como decorre do disposto no artigo 607.º n.º 4 do Código de Processo Civil “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”
Nesta senda, “na decisão de facto, o tribunal declara quais os factos, dos alegados pelas partes e dos instrumentais que considere relevantes, que julga provados (total ou parcialmente) e quais os que julga não provados, de acordo com a sua convicção, formada no confronto dos meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador; esta conviçção tem de ser fundamentada, procedendo o tribunal à análise crítica das provas e à especificação das razões que o levaram à decisão tomada sobre a verificação de cada facto (art. 607, nºs 4, 1ª parte, e 5)” – cfr. José lebre de Freitas (in “A Acção Declarativa Comum à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 4ª edição, Gestlegal, pag. 361).
Como resulta do disposto no n.º 1 do artigo 5.º do CPC “às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas.”
Acresce que, estatui também o n.º 2 deste preceito legal que “Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.”
Ora, os factos essenciais são aqueles que integram a causa de pedir ou o fundamento da exceção e cuja falta determina a inviabilidade da ação ou da excepção. Por outro lado, os factos instrumentais, probatórios ou acessórios são aqueles que indiciam os factos essenciais e que podem ser utilizados para a prova indiciária destes últimos. Finalmente, são factos complementares e factos concretizadores aqueles cuja falta não constitui motivo de inviabilidade da ação ou da exceção, mas que participam de uma causa de pedir ou de uma exceção complexa e que, por isso, são indispensáveis à procedência dessa ação ou exceção – cfr. Teixeira de Sousa, (in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, pág. 70).
No mesmo sentido vide Abílio Neto, (in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., Janeiro de 2014, págs. 24 e 25), onde se lê “(…) seriam factos principais aqueles que integram o facto ou factos jurídicos que servem de base à ação ou exceção. Por seu turno, estes factos dividir-se-iam em essenciais e complementares, sendo os primeiros os que constituem os elementos típicos do direito que se pretende atuar em juízo e os segundos aqueles que, de harmonia com a lei, lhes conferem a eficácia jurídica necessária para fazer essa atuação. Ou seja, aquele denominador comum abrangeria não só a causa de pedir (os factos essenciais), mas também a procedibilidade da ação (os factos complementares). Tomemos como exemplo a separação de facto por um ano consecutivo como fundamento do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges (…); será este o facto essencial. Mas, para a procedência da ação ter-se-á ainda de prova que durante esse ano não existiu comunhão de vida entre os cônjuges e que houve da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer (…); estes serão os factos complementares”
Parafraseando Teixeira de Sousa (in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, pág. 70), “a cada um destes factos corresponde uma função distinta: - os factos essenciais realizam uma função constitutiva do direito invocado pelo autor ou da exceção deduzida pelo réu; sem eles não se encontra individualizado esse direito ou exceção, pelo que a falta da sua alegação pelo autor determina a ineptidão da petição inicial por inexistência de causa de pedir; os factos complementares possibilitam, em conjugação com os factos essenciais de que são complemento, a procedência da ação ou da exceção: sem eles a ação ou exceção não pode ser julgada procedente; por fim os factos instrumentais destinam-se a ser utilizados numa função probatória dos factos essenciais ou complementares”.
Relativamente à insuficiência de factos e como já supra referenciado, a insuficiência afecta o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso.
Retornando ao caso dos autos, vem a Recorrente defender a relevância dos factos que constam dos documentos juntos aos autos sob o n.º 7, 8.
Ora, o documento 7 junto aos autos respeita a certidão do processo que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto sob o n.º ..9/....9TVPRT, em que é Autora «EE» e réu [SCom01...], Lda., de onde constam uma série de documentos que compõem aquele processo.
Deste documento a Recorrente pretende que seja considerado o facto que “Conforme cláusula sétima do contrato promessa de compra e venda, dado o facto de o preço se encontrar integralmente pago e a promitente compradora entrar, desde logo, na posse do prédio prometido vender, os promitentes vendedores, em cumprimento da sétima cláusula do referido contrato promessa, outorgaram procuração IRREVOGÁVEL, nos termos do artigo 116 do Código do Notariado, aos três dias de julho de mil novecentos e noventa e oito no extinto ... Cartório Notarial ..., que aí ficou arquivada sob o documentos nº quarenta a folhas setenta e dois, na qual os falecidos pais da Recorrente, «BB» e «CC», figuram como mandantes e «FF», gerente da sociedade compradora, figura como mandatário”
A par, considera relevante para a decisão da causa que conste da matéria de facto assente o teor do documento n.º 8 junto aos autos, que respeita a certidão do processo que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto sob o n.º ..51/.....5TMPRT-A, sustentando que dele se extraia o seguinte: “Constando ainda dessa mesma transação que o indicado «FF», por si e na qualidade de representante legal da sociedade “[SCom01...], Lda., nada mais tem a exigir ou reclamar de tal contrato promessa, seja a que título for, nomeadamente no que concerne à procuração irrevogável anteriormente referida, que deixa de ter valor legal, conforme certidão emitida em 12/07/2021, pelo referido Tribunal;”
Ora, em questão nos presentes autos está a aferição do momento relevante da aquisição de imóvel por sucessão para efeitos de mais-valias ao abrigo do disposto no artigo 10.º n.º 3 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, assim como o valor de aquisição.
Assim, consideramos que tais factos não consubstanciam factos essenciais, instrumentais ou sequer complementares.
Isto porque, estes factos não se mostram necessários i) à procedência da pretensão formulada, ii) à prova indiciária dos factos essenciais e/ou iii) integrante da causa de pedir complexa, e que por isso seja indispensável à procedência.
Quanto à valoração da prova apresentada “A fundamentação das decisões jurisdicionais cumpre, em geral, duas funções: a) Uma, de ordem endoprocessual, que visa essencialmente impor ao juiz um momento de verificação e controlo crítico da lógica da decisão, permitindo às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação e ainda colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente com o decidido; b) Outra, de ordem extraprocessual, já não dirigida essencialmente às partes e ao juiz ad quem, que procura, acima de tudo, tornar possível o controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão – que -procura, dir-se-á por outras palavras garantir a “transparência” do processo e da decisão”
Nesta medida, “a motivação do julgamento da matéria de facto tem como indicações normativas que o juiz analise criticamente as provas e indique os fundamentos decisivos da sua convicção - art. 607 nº 4 do CPC - o que não induz qualquer formulário ou guião que seja de respeitar. Esta análise e indicação é realizada em liberdade de convicção e de forma, importando essencialmente que depois de se saber que matéria foi julgada como provada e não provada se saiba também das razões objetivas dessa convicção e que remetem para a indicação dos elementos probatórios e para o que eles relevam na economia da credibilidade. Reportando aos elementos probatórios e compatibilizando toda a matéria de facto adquirida, o que se pretende é que de uma forma lógica, dinâmica e organizada o que se julga como provado e não provado tenha expressão na motivação, dispensando-se por isso que esta seja realizada facto por facto.” – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.06.2022, proc. 558/15.0T8AGH.L1.S1.
No caso presente, considera a Recorrente que o Tribunal a quo valorou erradamente a prova apresentada, no pressuposto de que iriam ser atendidos pelo Tribunal os argumentos apresentados relativamente ao momento de aquisição e ao valor de aquisição do imóvel.
No entanto, o Tribunal a quo considerou como relevante o momento da morte do de cujus e nessa medida não atendeu à factualidade ocorrida previamente a esse momento.
Ora, “A apreciação crítica das provas consiste na exposição do processo racional e lógico pelo qual o tribunal considerou os factos provados ou não provados, com base na prova produzida.” – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11.03.2008, proc. 2277/07-1.
O que é essencial é que através da leitura da sentença se perceba por que razão o tribunal decidiu num sentido e não noutro, garantindo-se que a decisão sobre a matéria de facto não foi fruto de capricho arbitrário do julgador. Assim, sob pena de nulidade, a sentença, para além da indicação dos factos provados e não provados e dos meios de prova, há-de conter também “os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituíram o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse no sentido de considerar provados e não provados os factos da acusação, ou seja, ao cabo e ao resto, um exame crítico sobre as provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal colectivo num determinado sentido. Nisto se esgota a questão da nulidade da sentença por falta de exame crítico das provas” – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21.01.2020, proc. 129/18.9GASRP.E1.
Assim, “a motivação do julgamento da matéria de facto tem como indicações normativas que o juiz analise criticamente as provas e indique os fundamentos decisivos da sua convicção - art. 607.º nº 4 do CPC - o que não induz qualquer formulário ou guião que seja de respeitar. Esta análise e indicação é realizada em liberdade de convicção e de forma, importando essencialmente que depois de se saber que matéria foi julgada como provada e não provada se saiba também das razões objetivas dessa convicção e que remetem para a indicação dos elementos probatórios e para o que eles relevam na economia da credibilidade. Reportando aos elementos probatórios e compatibilizando toda a matéria de facto adquirida, o que se pretende é que de uma forma lógica, dinâmica e organizada o que se julga como provado e não provado tenha expressão na motivação” – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.06.2022, proc. 558/15.0T8AGH.L1.S1.
Assim, in casu, o Tribunal a quo indicou e analisou criticamente os meios de prova que considerou relevantes para formar a sua convicção quanto aos factos que resultaram provados e não provados, tendo, de forma clara e concretizada, evidenciado os meios de prova que julgou relevantes, numa apreciação casuística dos factos alegados.
Nesta senda, improcedendo os fundamentos de recurso invocados pela Recorrente, mantém-se inalterada a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo.

2.2.2.Do erro de julgamento de direito
2.2.2.1 Da qualidade da Recorrente como sujeito passivo da relação jurídica tributária e da preterição de formalidades legais da liquidação impugnada

A Recorrente vem invocar que não é sujeito passivo da relação jurídica tributária, pelo que, consequentemente, não pode ser tributada em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, sob proveitos que nunca obteve, caso contrário estaríamos perante uma violação clara do princípio da legalidade tributária plasmado no artigo 8.º da Lei Geral Tributária, o qual visa a tributação pelos rendimentos reais e efetivos dos sujeitos passivos.
Ademais, sustenta que se assim não se entender, também é de determinar a anulação da liquidação impugnada por preterição de formalidades legais.
Vejamos.
Como decorre do disposto no n.º 3 do artigo 635.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Delimitação subjetiva e objetiva do recurso”, “Na falta de especificação, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente”
Assim, “a natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objeto decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas. Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estes sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. (…) A assunção desta regra encontra na jurisprudência numerosos exemplos: a) As questões novas não podem ser apreciadas no recurso, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos, pois estes destinam-se a reapreciar questões e não a decidir questões novas, pois estes destinam.se a reapreciar questões, e não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprimir um ou mais órgãos de jurisdição. Ac. do STJ, de 1-10-02, CJ, t. III, p.65”- cfr. António Santos Abrantes Geraldes (in Recursos em processo Civil, 7ª Edição atualizada, Almedina, pag. 139 a 141).
No mesmo sentido vide Acórdão do STA de 29.10.2014, proc. 0833/14.
No caso presente, e como se infere da petição inicial, a Recorrente limitou-se a invocar a errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários, consubstanciada no erro do valor de aquisição do imóvel, assim como no erro da data de aquisição, não tendo nunca invocado que não pode ser considerada sujeito passivo da relação jurídica tributária e que se verificam na liquidação impugnada preterição de formalidades legais.
Nesta senda, sendo as questões que vêm colocadas questões novas, por não terem sido invocadas, apreciadas e/ou decididas pelo Tribunal a quo e não sendo de conhecimento oficioso, não irão ser conhecidas por este Tribunal, por impossibilidade legal.
Nestes termos, negamos provimento ao recurso quanto a estas alegações.

2.2.2.2 Da errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários

O Tribunal a quo considerou que não se verifica o apontado erro no apuramento da mais-valia resultante da alienação de imóveis efectuada pela Recorrente em 2021, pois considerou que “a data de aquisição - Janeiro de 2021 - indicada pela Impugnante na sua declaração de rendimentos apresentada em 30/06/2022 é correta” e ainda que “o valor que serviria de base à liquidação do Imposto do Selo pela referida transmissão era de €8 207,59 e que a Impugnante adquiriu metade indivisa do prédio, o valor de aquisição a atender é de €4 103,80 (€8 207,59/2), que corresponde, precisamente, ao valor indicado na declaração de rendimentos apresentada em 30/06/2022, pelo que não é de alterar esse valor para € 93 524,61”.
A Recorrente, discordando do assim decidido, vem defender que “a tradição material que acompanha o contrato-promessa de compra e venda envolve a transmissão da posse, nos casos excepcionais em que já se encontra paga a totalidade do preço, que é o presente caso, tendo a compradora entrado de imediato (a 18/06/1998) na posse do prédio prometido vender”, nessa medida, defende que “sob a Recorrente não impende nenhuma obrigação de pagamento de mais-valias, porquanto o art. 10.º n.º 3 do cirs, determina que o momento do ganho sujeito a mais valias, se presume no momento da tradição do bem, e in casu, ficou inequivocamente provado que essa teve lugar em 1998”.
Acresce que, quanto ao valor da aquisição vem defender que o mesmo ascende a €93.524,61.
Vejamos então se a decisão recorrida padece do erro de julgamento que lhe vem assacado.
Nos termos do disposto no artigo 1.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, incide sobre o valor anual dos rendimentos de entre outras, da categoria G - Incrementos patrimoniais - decorrente da verificação de mais-valias (cfr. alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares).
Acresce que, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 10.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, constituem mais - valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos comerciais, industriais, agrícolas, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.
Não obstante, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30.11, diploma que aprovou o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, ao estabelecer um regime transitório, estatuiu que os ganhos que não eram sujeitos ao Imposto de Mais-valias criado pelo Decreto-Lei n.º 46373, de 9 de Junho de 1965, só ficam sujeitos a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
Como tal, estamos perante uma delimitação negativa do âmbito de incidência objectiva do artigo 10.º n.º 1 Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, na medida em que a aplicação daquele normativo deixa de fora de tributação os ganhos resultantes de alienações onerosas que não eram tributadas em Código de Imposto de Mais Valias, sendo tributados somente os ganhos resultantes da alienação onerosa de prédios rústicos quando a aquisição tiver ocorrido na vigência do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (em vigor a partir de 1.01.1989).
Acresce que, como resulta do disposto no artigo 45.º n.º 1, alíneas a) e b) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, sob a epígrafe “Valor de aquisição a título gratuito”, “Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se o valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito: a) O valor que tenha sido considerado para efeitos de liquidação de imposto do selo; b) O valor que serviria de base à liquidação de imposto do selo, caso este fosse devido”
Por sua vez, ao abrigo do que dispõe o artigo 44.º n.º 1, alínea f) e n.º 2 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, o valor de realização corresponde ao valor da contraprestação obtida pelo alienante, prevalecendo, quando superior, o valor por que o bem imóvel tiver sido considerado para efeitos de liquidação de IMT ou, não havendo lugar a esta liquidação, o que devesse ser, caso fosse devida.
Ademais, como resulta do artigo 5.º n.º 1, alínea p) do Código do Imposto do Selo “A obrigação tributária considera-se constituída: (…) p) Nas sucessões por morte, na data da abertura da sucessão”, ocorrendo a sucessão no momento da morte do seu autor e no lugar do último domicílio dele – cfr. artigo 2031.º do Código Civil.
Por outro lado, como estatui o artigo 1316.º do Código Civil “o direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei”, sendo que “o momento da aquisição do direito de propriedade é: No caso de sucessão por morte, o da abertura da sucessão” – cfr. alínea b) do artigo 1317.º do Código Civil.
Como tem vindo a considerar a nossa Jurisprudência “existem elementos no ordenamento jurídico que depõem no sentido de que a aquisição da titularidade do bem por parte do herdeiro tem lugar com a morte do de cujus, ou seja, com a abertura da herança, mesmo quando há lugar ao pagamento de tornas. Como se refere no Acórdão do STA, de 07/03/2018, P. 0917/17, «Não dispondo o direito tributário de norma própria sobre esta matéria, ao abrigo do disposto no art.º 11.º da Lei Geral Tributária, teremos que nos socorrer das normas de direito sucessório constantes do Código Civil – art.º 2119.º - que estabelece que: «Feita a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos, sem prejuízo do disposto quanto a frutos.» e art.º 2031.º - «A sucessão abre-se no momento da morte do seu autor e no lugar do último domicílio dele». // A impugnante adquiriu o bem que vendeu no momento em que ocorreu o decesso da pessoa de quem o herdou (…)” O momento de aquisição do imóvel é um e um único, o momento da morte do autor da sucessão (…) – cfr. Acórdão do TCA Sul de 29.09.2022, processo n.º 234/11.2 BEBJA
Com efeito, como decidiu o Pleno da Secção do Contencioso Tributário STA, em Acórdão de 24.02.2021, processo n.º 05/09.6BESNT, a propósito do regime transitório da categoria G do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares “Na aplicação do regime transitório, da categoria G, do IRS, previsto no art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 de 30 de novembro, nos casos de ganhos (mais-valias) decorrentes da alienação, a título oneroso, de prédios urbanos, rústicos e/ou mistos, o momento que releva, como o da aquisição dos bens ou direitos envolvidos, incluindo na parte em que, eventualmente, exceda o(s) quinhão(ões) hereditário(s), é o dia e hora da morte do(s) de cuius.”
Assim, face aos normativos legais que aqui demos conta, assim como à Jurisprudência ora referenciada, dúvidas não subsistem que a aquisição de um qualquer bem por morte ocorre com o dia e hora da morte do de cujus.
Retornando ao caso dos autos, e como decorre da decisão recorrida:
“Conforme ficou provado, em 18/06/1998 foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda entre os pais da Impugnante e a sociedade “[SCom01...], Lda.”, tendo por objeto o prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o artigo «...49 », ficando estabelecido no referido contrato que a sociedade promitente compradora estava autorizada a ocupar o prédio em causa, face ao pagamento integral do preço.
Também se provou que, quer a referida sociedade quer «FF» cederam a «EE», no âmbito de transações efetuadas em processos judiciais, as posições contratuais de promitentes compradores que detinham no mencionado contrato contrato-promessa de compra e venda, passando a referida cessionária a ser a única titular da posição de promitente compradora neste contrato.
Ficou ainda provado que o pai e a mãe da Impugnante faleceram em 24/02/2003 e 06/01/2021, respetivamente, e que na sequência do óbito da mãe foi participada à Autoridade Tributária a transmissão gratuita do prédio em causa, de que eram herdeiras a ora Impugnante e a sua irmã «DD», sendo que o valor sujeito a Imposto do Selo pela referida transmissão (valor tributável) era de €8 207,59.
Provou-se, também, que o prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o artigo «...49 », pertencente à herança indivisa aberta por óbito dos pais da Impugnante, foi vendido pelas respetivas herdeiras, em 25/11/2021, a «EE».”
Assim, tendo a Recorrente adquirido o sobredito imóvel por sucessão por morte, na decorrência do óbito da sua mãe, que ocorreu em 06.01.2021, o momento da aquisição do direito de propriedade, reporta-se ao da abertura da sucessão e esta abre-se no momento da morte do seu autor, isto é, em 06.01.2021.
Nesta senda, não colhe a pretensão defendida pela Recorrente de considerar a data de 18.06.1998 como data de aquisição do sobredito imóvel, não se verificando o erro de julgamento da decisão recorrida.
Quanto ao valor da aquisição, vem a Recorrente sustentar que não há lugar ao apuramento de qualquer mais-valia pela alienação onerosa, na medida em que o valor de aquisição a considerar deve ser de €93.524,61 e não o valor de €4.103,80 inicialmente declarado.
Vejamos.
Como já aqui demos conta, para a determinação do valor sujeito a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, considera-se valor de aquisição de um imóvel adquirido a título gratuito, o valor que tiver sido considerado para efeitos de liquidação de Imposto do Selo ou o valor que serviria de base à liquidação, caso este imposto fosse devido.
Ora, como resulta da decisão recorrida “considerando que o valor que serviria de base à liquidação do Imposto do Selo pela referida transmissão era de €8.207,59 e que a Impugnante adquiriu metade indivisa do prédio, o valor de aquisição a atender é de €4.103,80 (€8207,59/2), que corresponde, precisamente, ao valor indicado na declaração de rendimentos apresentada em 30/06/2022”.
Nesta senda, o valor a atender para efeitos de mais-valia ascende a €4.103,80 e não os €93.524,61 defendidos pela Recorrente, pois o montante que releva é o valor relevante para efeitos de liquidação de Imposto do Selo ou o valor que serviria de base à liquidação, caso este imposto fosse devido, impondo-se negar provimento no que ao valor de aquisição do imóvel respeita.
Nestes termos, concluímos pela improcedência total do recurso, mantendo-se a decisão recorrida, por não verificados os erros de julgamento que lhe vêm imputados.

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Nos termos do disposto no artigo 663.º nº 7 do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte SUMÁRIO:

I. O recurso apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas.
II. A aquisição de um qualquer bem por morte ocorre com o dia e hora da morte do de cujús.
III. Com vista à tributação de mais-valias obtidas com a alienação de imóvel adquirido por herança, o momento relevante da aquisição do mesmo é o da abertura da herança.

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3 – Decisão

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao recurso, e, em consequência, manter a sentença recorrida.


Custas pela Recorrente.
Porto, 16 de Janeiro de 2025

Virgínia Andrade
Rui esteves
Cristina da Nova