Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00234/21.4BEMDL |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 03/27/2025 |
| Tribunal: | TAF de Mirandela |
| Relator: | IRENE ISABEL GOMES DAS NEVES |
| Descritores: | IVA; «REVERSE CHARGE»; PRINCÍPIO DA NEUTRALIDADE; |
| Sumário: | I. O prestador de serviços é, regra geral, o sujeito passivo de IVA, mas nas situações denominadas de reversão da dívida tributária ou inversão do sujeito passivo (“reverse charge”) o adquirente dos serviços ou dos bens torna-se o sujeito passivo do imposto pela respectiva aquisição, devendo proceder, em conformidade, à liquidação do imposto. II. A aplicação do princípio da neutralidade deverá ser tida em consideração nas fases essenciais da vida do IVA, como as regras de incidência objectiva e subjectiva, a localização, as isenções e o exercício do direito à dedução e bem assim na prática administrativa. III. É violadora do princípio da neutralidade, na sua dimensão de igualdade e justiça, a emissão de liquidações adicionais de IVA processadas em nome do adquirente de serviços de construção civil (reverse charge) quando o mesmo valor de imposto foi liquidado pelos fornecedores e por eles entregue ao Estado.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
| Votação: | Maioria |
| Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira, (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, datada de 23.09.2024, que julgou procedente a impugnação intentada por [SCom01...], Lda., (Recorrida), contra as liquidações adicionais de IVA, referentes ao último trimestre do ano de 2016, no montante global de €7.671,76, e nas correspectivas liquidações de juros compensatórios, inconformada veio dela recorrer. Alegou, formulando as seguintes conclusões: «(…) 1. Por via do douto aresto aqui recorrido, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela errou ao decidir que a impugnante não tem imposto a pagar pois o imposto a pagar pela prestadora de serviços de construção civil não é devido, uma vez que o sujeito passivo do imposto é a recorrida. Não sendo devido tal pagamento não faz qualquer sentido que se prescinda do pagamento por parte da recorrida, esse sim legalmente devido. 2. Por conseguinte, corrigindo a omissão, a AT procedeu à liquidação adicional do imposto que deveria ter sido liquidado. 3. No entendimento do Tribunal a quo, apesar de reconhecer que a impugnante era sujeito passivo do imposto abrangido pela alínea J) do nº 1 do artigo 2º do CIVA, não reconhece a possibilidade da prestadora de serviços poder obter o reembolso do IVA indevidamente liquidado através dos mecanismos e meios processuais adequados. 4. Contrariamente ao entendimento propugnado na decisão sob recurso, entendemos que o indevido pagamento do IVA por parte da prestadora de serviços, poderia ter sido resolvido pela devolução das faturas pela recorrida para serem retificadas ou solicitando àquela que efetuasse a regularização prevista no art. 78º nº 3 do CIVA, sendo a Impugnante/Recorrida, reembolsada, pela prestadora dos serviços, do IVA que lhe foi indevidamente liquidado. 5. A Recorrida não pode é por via da ação de impugnação judicial, pretender o reembolso do IVA, indevidamente pago, por via da anulação do ato tributário sindicado, pois, como se deixou demonstrado, a liquidação tem um arrimo legal - alínea J) do nº 1 do artigo 2º do CIVA - uma vez que o sujeito passivo do IVA é ela mesma e não a prestadora de serviços. 6. Por outro lado, resulta do disposto no art. 78º do CIVA, que as disposições dos artigos 36º e seguintes, devem ser observadas sempre que, emitida a fatura ou o documento equivalente, o valor tributável de uma operação ou o respetivo imposto venham a sofrer retificação por qualquer motivo. 7. Afigura-se-nos, desta forma, que há que separar a situação decorrente da reparação do erro em que as recorrida e aprestadoras de serviços incorreram e que foi da sua inteira responsabilidade e que terá de ser resolvido entre as mesmas. 8. O mencionado erro não pode, porém, impedir a Fazenda Pública de fazer cumprir a lei, se a administração tributária não pudesse, nestes casos, regularizar a situação impondo liquidação adicional ao verdadeiro sujeito passivo, estava encontrada a forma de contornar o regime legal denominado de reversão de sujeitos passivos instituído para prevenir, como aqui foi referido a fraude fiscal. 9. Nestes termos, e nos demais de direito que serão por Vossas Excelências doutamente supridos, deverá ao presente recurso ser concedido integral provimento, com a consequente revogação da sentença recorrida, e a confirmação da legalidade das liquidações impugnadas, assim se fazendo a sã, e já acostumada, Justiça.» 1.2. A Recorrida [SCom01...], Lda., notificada da apresentação do presente recurso, apresentou as seguintes contra-alegações: «(…) Questão decidenda i. A questão decidenda aqui em apreço é saber se a Recorrida, por força da não observação da regra de inversão do sujeito de passivo de IVA prevista na alínea j) do n.º 1 do artigo 2º do Código do IVA, da qual não resultou perda de receita fiscal, tem, na qualidade de sujeito passivo adquirente, de entregar ao Estado o imposto que já foi entregue pelos sujeitos passivos prestadores e por estes não contestado; O Direito ii. A Recorrida volta a reiterar todo o anteriormente exposto em sede de petição inicial e de alegações escritas para onde remete e dá aqui por inteiramente reproduzidas; iii. No caso dos presentes autos - prestação de serviços de construção civil -, o procedimento que deveria ter sido adotado seria o seguinte: iv. As faturas em apreço respeitam a serviços de construção civil, pelo que os prestadores dos serviços deveriam ter procedido à emissão das faturas sem a liquidação do respectivo IVA com a menção de “Autoliquidação” (artigo 36º, n.º 13 do Código do IVA); v. Por sua vez, a adquirente dos serviços, aqui Recorrida, deveria ter autoliquidado o IVA relativo a essas faturas de serviços de construção civil; vi. No caso concreto, as obras subjacentes às faturas aqui em apreço e o imposto aí suportado (inputs) dizem respeito a operações de compra e venda e construção própria de imóveis para venda (outputs) realizadas pela Recorrida; vii. Portanto, a Recorrida praticou, a jusante, operações sujeitas e isentas de IVA e, como tal, não tinha direito a deduzir o imposto suportado nos inputs relacionados com essas operações; viii. Porém, o que se verificou foi que os passivos prestadores dos serviços emitiram a fatura com IVA, tendo liquidado e entregue o respetivo imposto; ix. Por seu turno, a adquirente, aqui Recorrida, não deduziu o IVA daquelas faturas, por os serviços em causa estarem relacionados com a atividade isenta da Recorrida; x. Pese embora as operações em apreço não tenham observado a regra da inversão do sujeito passivo aplicável aos serviços de construção civil a verdade é que resulta, igualmente, provado, quer em termos de Direito, quer em termos de facto, que as operações praticadas não resultaram em perda de receita fiscal para o Estado; xi. Se as partes tivessem observado a regra da inversão do sujeito passivo aplicável aos serviços de construção civil o resultado acabaria por ser o mesmo daquele que foi praticado, pois a Recorrida suportou efetivamente o montante do IVA em apreço na medida em que entregou esse mesmo montante aos prestadores de serviços aqui em causa que, por sua vez, o entregaram ao Estado; xii. A Recorrida teria liquidado o mesmo montante de IVA e não teria deduzido o imposto daí decorrente, caso a operação tivesse observado a regra da inversão do sujeito passivo; xiii. Manter na ordem jurídica as liquidações adicionais emitidas pela AT representa uma violação do princípio da neutralidade e da proporcionalidade em sede de IVA, na medida em que se está a onerar a Recorrida com um montante de imposto que já foi entregue ao Estado; xiv. Este princípio determina que as operações entre agentes económicos devem ser neutras, devendo o imposto ser suportado in fine pelo consumidor final, e não pelos sujeitos passivos (o IVA é um imposto plurifásico sem efeitos cumulativos); xv. O TJUE reconhece de forma perentória que o princípio da neutralidade inerente ao sistema comum do IVA, opõe-se a que serviços semelhantes, que estão em concorrência entre si, sejam tratados de maneria diferente do ponto de vista do IVA; xvi. Situação com que nos depararemos caso as liquidações adicionais emitidas pela AT aqui em apreço não sejam eliminadas da ordem jurídica, uma vez que se a Recorrida ficar onerada (novamente) com o pagamento de um imposto que já foi entregue ao Estado, ficará em clara desvantagem relativamente aos outros players do mercado em que opera; xvii. A aceitar-se a interpretação da AT, estar-se-ia a tributar duas vezes o mesmo facto tributário, ou seja, simultaneamente na esfera da prestadora dos serviços, que liquidou o imposto, e na esfera da Recorrida através da liquidação adicional em apreço, em clara violação do princípio da justiça (artigo 266º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, artigo 55º da LGT e artigo 8º do Código do Procedimento Administrativo); xviii. Deste modo, quanto à violação do princípio da neutralidade e da proporcionalidade em sede de IVA, a sentença deve ser mantida, com todas as consequências legais, nomeadamente, a anulação das liquidações adicionais de IVA em apreço. Pedido: Nestes termos e nos mais de Direito que Vs. Exas. doutamente não deixarão de suprir, deve o recurso da Fazenda Pública ser julgado improcedente e mantida a sentença recorrida, porquanto as liquidações adicionais de IVA em apreço padecem do vício de violação de Lei, por violação do princípio da neutralidade e da proporcionalidade em sede de IVA (artigo 1º, n.º 2, da Diretiva do IVA). Pois só assim se fará inteira e sã JUSTIÇA!» 1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 607 e ss. do SITAF, nele concluindo que “(...) É parecer do Ministério Público que, com todo o respeito, a liquidação impugnada não padece de qualquer, motivo por que deve ser julgada não provida e improcedente a presente impugnação, não declarando ilegal, a qualquer título, o ato tributário em causa. (...)Termos em que é nosso entendimento de que deve ser concedido provimento do recurso interposto pela AT.”. 13 - Termos em que é nosso entendimento de que deve ser concedido provimento do recurso interposto pela AT. 1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso. Questões a decidir: Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, cumpre aferir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito ao ter acolhido a tese de ao não ter sido respeitada a regra da inversão do sujeito passivo para efeitos do CIVA [art. 2.º n. º1, al. j)], no caso de este ter sido liquidado e pago ao prestador de serviços que por sua vez entregou ao Estado o IVA, deveria levar a que a AT se abstivesse de corrigir o IVA subjacente à fatura na esfera jurídica do adquirente dos serviços, ora recorrido. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 De facto 2.1.1 Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação: «1. A Impugnante é uma sociedade por quotas registada para exercício da actividade principal de “Compra e venda de imóveis” e, secundária de “Out. actividades serviços apoio prestados às empresas, N.E, Cae 082990. Construção de Edifícios residenciais e não residenciais, CAE 41200”, e teve início à sua actividade em 26/11/2013 – Fls. 51/V; 2. A contabilidade da Impugnante foi objecto de inspecção tributária que incidiu sobre o exercício de 2016 – Fls. 51/V; 3. No referido Projecto de Relatório, a AT propôs uma correcção referente a IVA não liquidado e deduzido indevidamente (Ponto 2.2 e 2.3 do Capítulo III. do Projecto de Relatório), no montante total de € 58.881,58 (€ 46.822,59 + € 12.058,99); 4. A AT propôs ainda uma correcção referente a IVA não liquidado pela não aplicação da regra de inversão do sujeito passivo (Ponto 2.1 do Capítulo III. do Projecto de Relatório), no montante total de € 18.534,67, que a [SCom01...] não regularizou – e art.º 4 da PI, não impugnado; 5. Tendo em vista a regularização do IVA, no montante total de € 58.881,58, a [SCom01...] submeteu uma declaração periódica de substituição, com o n.º ...94, relativa ao período de 2016/12T, da qual resultou um montante de IVA a entregar ao Estado de € 58.883,60 (Doc. 2 da PI). 6. A [SCom01...] não efectuou o pagamento do IVA, no referido montante de € 58.883,60€, porquanto aguardava o acerto com reporte, conforme consta no direito de audição apresentado na sequência da notificação do Projecto de Relatório (Doc. 3 da PI). 7. Sucede que, no âmbito da referida inspecção tributária, já depois de ter submetido a declaração periódica de substituição referente ao período de 2016/12T, com o n.º ...94, a [SCom01...] foi alertada de que deveria submeter uma declaração periódica de substituição por cada um dos trimestres do período de 2016, conforme resulta das páginas 56 e 57 do Relatório de Inspecção Tributária1 aqui em apreço (art.º 7 da PI, não impugnado, e Doc. 4 deste articulado). 8. A [SCom01...] submeteu, em 16 de Julho de 2020, as declarações periódicas de substituição dos quatro trimestres de 2016, sendo que, para o último trimestre (2016/12T), da segunda declaração periódica de substituição, com o n.º ...52, resultou um imposto a pagar no montante de € 13.995,53 – art.º 8 da PI, não impugnado; 9. E 17 de Julho de 2020, a [SCom01...] efectuou o pagamento do IVA que resultou das quatro declarações periódicas de substituição em referência, no montante total de € 58.827,51 (€ 28.351,26 + € 4.334,01 + € 12.146,71 + € 13.995,53), relativo à parte do imposto corrigido pela AT que a Impugnante pretendeu regularizar – art.º 9 da PI, não impugnado; 10. Paralelamente, a [SCom01...] foi notificada da liquidação adicional de IVA com o n.º ....................279, referente ao período de 2016/12T - docs 1 a 4 do Doc 5 da PI; intróito da PI e art.º 10.º da contestação; 11. Em 17 de Agosto de 2020, a [SCom01...] deduziu reclamação graciosa com o intuito de obter a anulação da referida liquidação com o n.º ....................279, tendo apresentado dois aditamentos àquela reclamação, um em 21 de Agosto e outro em 16 de Setembro de 2020 (Docs. 5 a 10 da PI). 12. Em 19 de Maio de 2021, a [SCom01...] foi notificada do projecto de decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa – intróito do doc 11 da PI; 13. Em 1 de Junho de 2021, a Impugnante exerceu o seu direito de audição (Doc. 11 e 12 da PI). 14. Em 16 de Junho de 2021 a Impugnante foi notificada da decisão final de deferimento parcial da reclamação graciosa, resultando o IVA devido, referente ao último trimestre de 2016, o montante de 7.671,76€ – doc 1 da PI; intróito da PI e art.º 10.º da contestação 15. Na decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa, a AT refere que foi efectuado o acerto de contas no sentido de a liquidação n.º ....................279 passar a reflectir apenas o IVA corrigido do último trimestre de 2016, de € 21.665,29 (€ 10.650,69 + € 3.342,84 + € 7.671,76) e não a totalidade do imposto apurado em sede da Inspecção Tributária que a Impugnante regularizou (€ 58.881,60) – doc 1 da PI; 16. Bem como que foi feito um acerto de contas para que o valor dos juros de mora e dos juros compensatórios fosse calculado sobre o montante de € 21.665,29 e não sobre o montante de € 58.881,60 – doc 1 da PI; 17. A AT considerou que as facturas melhor identificadas no quadro da página 44 do Relatório e que abaixo se transcreve, no montante de € 245.789,45, acrescido de IVA à taxa de 23% e de 6%, no montante total de € 264.324,12, as quais têm subjacentes serviços de construção civil, prestados por dois fornecedores da Impugnante - [SCom02...], S.A., com o número de identificação de pessoa colectiva ...16 (adiante [SCom02...] S.A.) e [SCom03...] LDA, com o número de identificação de pessoa colectiva ...69 (adiante [SCom03...] LDA)- foram erradamente emitidas ( Cfr, também, art.º 22 da PI, não impugnado): [Imagem que aqui se dá por reproduzida] 18. O Imposto sobre o Valor Acrescentado do período de 2016/12T, relativo às facturas emitidas pelos prestadores de serviços [SCom02...], S.A. e [SCom03...] LDA, foi entregue ao Estado por estes prestadores de serviços – Fls. 318 a 321 e 333 a 336 do SITAF; * 2.2. De direito In casu, a Recorrente (ATA) não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela pugnando que aquela errou ao decidir que a impugnante não tem imposto a pagar pois o imposto a pagar pela prestadora de serviços de construção civil não é devido. Julgando o Tribunal a quo apesar de reconhecer que a impugnante era sujeito passivo do imposto abrangido pela alínea J) do nº 1 do artigo 2º do CIVA, atento o regime de reverse charge a que estava sujeita, tendo o IVA relativo às facturas emitidas pelos prestadores de serviços sido entregue por estes ao Estado, situação que não foi revelada na liquidação oficiosa de IVA, devia AT ter-se abstido de corrigir o IVA subjacente às facturas em causa. Para assolar o assim julgado, a Recorrente, nas suas conclusões, esgrime os seguintes argumentos que, na sua ótica, influi na resolução do dissenso [conclusões 4.ª e 8.ª]: “(...) o indevido pagamento do IVA por parte da prestadora de serviços, poderia ter sido resolvido pela devolução das faturas pela recorrida para serem retificadas ou solicitando àquela que efetuasse a regularização prevista no art. 78º nº 3 do CIVA, sendo a Impugnante/Recorrida, reembolsada, pela prestadora dos serviços, do IVA que lhe foi indevidamente liquidado.” e, que a actuação da Recorrida de não utilizar o mecanismo da inversão do sujeito passivo, determinado na lei, não pode “impedir a Fazenda Pública de fazer cumprir a lei, se a administração tributária não pudesse, nestes casos, regularizar a situação impondo liquidação adicional ao verdadeiro sujeito passivo, estava encontrada a forma de contornar o regime legal denominado de reversão de sujeitos passivos instituído para prevenir, como aqui foi referido a fraude fiscal.”. E, desde já se diga, que labora em erro AT ao argumentar na sua conclusão 5. de que a Recorrida não pode pretender o reembolso do IVA, indevidamente pago, por via da anulação do acto tributário sindicado, pois em causa não está nem o direito a dedução do IVA pago pela Recorrida, se bem que indevidamente, pois estamos no âmbito de actividade isenta de dedução e, por outro lado, não discorre da petição dos autos um qualquer pedido de reembolso do IVA pago pela Recorrida aos prestadores de serviço conforme facturação, porquanto o pedido se cinge a anulação da liquidação adicional de IVA. Vejamos das posições esgrimidas nos autos pelas partes. Alega a Impugnante, ora Recorrida, que do incumprimento formal, pelo sujeito passivo adquirente, da regra da inversão do sujeito passivo de imposto sobre o valor acrescentado, prevista na alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA, não resultou qualquer perda de receita fiscal, na medida em que o imposto já foi entregue pelos sujeitos passivos prestadores de serviços de construção civil. Mais argumenta que, assim sendo, a liquidação de IVA impugnada incorre em violação do princípio da neutralidade, na medida em que onera duplamente um dos operadores económicos, a Recorrida, e sendo que AT reconhece que o IVA subjacente as facturas em questão tenha sido liquidado e entregue pelas prestadoras de serviços ao Estado, sendo que não deduziu o imposto suportado com a aquisição dos serviços, inexiste pois, imposto por liquidar, nem em falta, pelo que não houve perda de receita fiscal, a não entender-se assim sempre ocorreria duplicação de colecta ou enriquecimento seu causa. A Recorrente, AT, em sede de contestação pugna ser incontroverso o entendimento de que os serviços prestados no âmbito de um contrato de empreitada, se enquadram plenamente no conceito de serviços de construção civil, aos quais se aplica a regra de inversão do sujeito passivo, previsto na alínea j) do n.º 1 do artigo 2º do CIVA e no Ofício-Circulado n.º 30101, de 24.05.2007, e por assim ser, cabe à entidade adquirente dos referidos serviços – no caso, a Impugnante – a obrigação de liquidação do IVA e entrega do imposto que se mostra devido, sem possibilidade de dedução do mesmo (pese embora seja considerado gasto), por os serviços adquiridos estarem relacionados com a atividade isenta da empresa (construção para venda), pelo que o IVA suportado com estes serviços não é dedutível, nos termos do artigo 20º do CIVA. Pelo que, a referida obrigação – liquidação e entrega do imposto mencionado em factura emitida com inobservância da regra da inversão do sujeito passivo – não se encontra dependente da verificação de quaisquer outros requisitos, mormente, do cumprimento ou inadimplemento das obrigações fiscais por parte de outras entidades, estejam ela relacionadas ou não com o sujeito passivo do imposto. Quid iuris? A questão suscitada nestes autos é, em ampla medida, idêntica – até por estarmos perante as mesmas partes e pela quase integral similitude das posições esgrimidas pelas mesmas – àquela já tratada, com a devida profundidade e detalhe, em acórdão deste TCA Norte, proferido no processo n.º 474/19.6BEMDL, em 17.11.2022. Assim, por semelhança ao caso sub judice e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cf. artigo 8.º n.º 3 do Código Civil), acolhemos a argumentação e análise jurídica ali aduzida no acórdão desta Secção do contencioso tributário (acórdão esse que a aqui 2ª adjunta subscreveu na qualidade de relatora), levando em linha de conta as particularidades próprias que decorrem de diferentes prestadores de serviços, diferente documentação, demais elementos constantes dos autos e distinto julgamento de facto [com a respectiva alusão entre parêntesis], certo é, que o mesmo se mostra transponível, razão pela qual aqui se transcreve. «Art. 2.º, n.º 1 als. a) e j) do CIVA: Incidência subjetiva 1 - São sujeitos passivos do imposto: a) As pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que, do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas actividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos de incidência real do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) ou do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC); j) As pessoas singulares ou colectivas referidas na alínea a) que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional e que pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto, quando sejam adquirentes de serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada. Resulta da norma de incidência que o sujeito passivo para poder exercer o direito à dedução, nos termos da al. c) do art. 19.º do CIVA, teria que autoliquidar o IVA subjacente aos serviços abrangidos pela regra da inversão que, no caso respeita à fatura emitida pelo prestador dos serviços [... (nossos autos «[SCom02...], ... S.A.» e «[SCom03...], ... Lda.)]. De acordo com a al. j) citada, são sujeitos passivos do imposto as pessoas (…) coletivas que, de um modo independente e com caráter de habitualidade, exerçam atividades de produção, comércio ou prestações de serviços, incluindo a atividades extrativas, agrícolas e as de profissões livres, que disponham sede, em estabelecimento estável(…) em território nacional e que pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto, quando sejam adquirentes de serviços de construção civil (..) em regime de empreitada ou subempreitada. Quer isto dizer que para haver inversão do sujeito passivo é necessário que, cumulativamente, se verifiquem os seguintes pressupostos: 1-Esteja na presença de aquisição de serviços de construção civil; 2-O adquirente seja sujeito passivo de IVA em Portugal; 3-Que pratique, no território nacional, operações que confiram total ou parcialmente, o direito à dedução do IVA. No presente caso é pacificamente reconhecido pelas partes que se verificam os pressupostos, estar na presença de aquisição de serviços de construção civil; o adquirente é sujeito passivo misto de IVA [porquanto tem uma atividade que envolve operações isentas (IVA) e operações tributadas] e é sujeito passivo de IVA no país. No que divergem é nas consequências a retirar sobre o facto de o IVA ter sido liquidado pelo prestador e o adquirente ter entregue a ele o IVA que, por sua vez, entregou nos cofres do Estado. O regime instituído pelo “reverse charge” ou inversão do sujeito passivo tem origem na diretiva IVA de 2006, art. 199.º, adveio da necessidade de estabelecer medidas para combater a fraude e evasão fiscal verificadas nalguns setores da atividade ou tipo de operações, que no caso português são os setores de atividade identificados como tendencialmente fraudulentos, entre os quais o setor da construção civil [Cadernos do IVA, 2016, 389-408, Almedina]. Trata-se de uma exceção à regra de que o imposto é devido pelos sujeitos passivos que efetuam operações tributáveis [art. 21.º, 1.ª parte da Sexta Diretiva e art. 2.º, n. º1, al. a) do CIVA]. Através do mecanismo do reverse charge ou de autoliquidação do IVA, o imposto deixa de ser liquidado pelo operador de serviços para ser o adquirente o sujeito passivo do IVA, passando este a assumir essa obrigação. Sendo o adquirente o sujeito passivo do imposto, deverá proceder em conformidade, à liquidação do imposto, sendo-lhe atribuído o direito à dedução do IVA pago pela aquisição dos serviços, nos termos do art. 19.º, n. º1, als. c) e d) do CIVA [relevando no caso apenas al. c)] Assim, o adquirente é o sujeito passivo do imposto e, portanto, é ele que procede à liquidação do IVA tendo direito à dedução do IVA por essas aquisições. O art. 19.º, n. º8 do CIVA estabelece que: Nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços, apenas confere direito a dedução o imposto que for liquidado por força dessa obrigação. Como já dissemos, no enquadramento jurídico bem como os factos que lhe estão subjacentes não há divergência nem dúvidas. O que separa as partes neste diferendo é o facto de a administração entender que do ponto de vista da lei não foi o imposto liquidado pelo sujeito passivo, à luz do art. 2.º, al. a) e j) do CIVA, assim como não foi este sujeito passivo que entregou o imposto nos cofres do Estado, considera, deste modo, que houve uma diminuição da receita fiscal. Para tanto, a AT chama à colação o ofício circulado n.º 30101 de 24-05-2007, no âmbito do qual caberia à recorrente (adquirente) a obrigação de liquidação do IVA e entrega do imposto que se mostra devido, sem possibilidade de dedução, por os serviços adquiridos estarem relacionados com a atividade isenta da empresa, pelo que o IVA suportado não é dedutível, nos termos do art. 20.º do CIVA, embora o IVA não dedutível poder ser considerado gasto, aliás como o s.p. (adquirente) fez. (sublinhado nosso) A recorrente nas suas conclusões põe o enfoque no excesso de onerosidade para a recorrente suportar novamente o pagamento do IVA indevidamente pago ao prestador de serviços, numa situação de igualdade com outros contribuintes em que a AT, para casos semelhantes (em que estava em causa o reembolso do IVA) ter emitido a informação n. º...09 de 2-04-2009, subscrita pelo Diretor Geral da Direção de Serviços de Planeamento e Inspeção Tributária. Tal informação teve origem num pedido formulado pela Direção de Finanças ... ao Serviço de Administração do IVA, referente aos sujeitos passivos que, embora pratiquem operações que se enquadram na al. j) do n. º1, do art. 2.º, do CIVA (serviços de construção civil) não observaram a regra da inversão do sujeito passivo a que a mesma obriga, considerando que esta matéria é da competência da Inspeção Tributária. A informação conclui que: a) A inspeção Tributária tem verificado existirem situações em que, nas operações que decorrem da al. j) do n. º1, do art. 2.º, do CIVA, para as quais a lei determina a regra da inversão, o prestador de serviços liquidou e entregou o imposto, posteriormente, deduzido pelo adquirente; b) pese embora o facto de esta operação não ter sido efetuada com a observância da regra de inversão do sujeito passive não existe qualquer prejuízo para a economia do imposto; c) os procedimentos que esta regular ação implica são manifestamente onerosos para os sujeitos passivos e para a administração fiscal, pelo que devem, nestas situações ser sempre afastados por parte dos Serviços de Inspeção Tributária; d) o não cumprimento das regras de inversão, previstas no CIVA, configura para o adquirente um facto ilícito, previsto e punido pelo disposto no art. 119.º do RGIT, devendo, no entanto, ser afastada a aplicação de coima, nos termos do n. º1, do art.32.º do RGIT, nomeadamente nos casos em que tenha havido dúvidas sobre a aplicação da referida regra de inversão; e) em informações vinculativas já foi determinado aos sujeitos passivos, adquirentes de serviços de construção civil, a reconstituição da sua situação fiscal, mesmo reconhecendo a inexistência de prejuízo para o Estado (vg. inf. n. º 2 148 de 17-11-2008 da DSIVA), o que poderá ser interpretado como constituindo igualmente um procedimento imperativo de atuação para a inspeção tributária. Esta a conclusão da informação n. º...09, sancionada em 15-04-2009 pelo Sr. Diretor Geral respetivo e veiculada pelos meios habituais. Colocada a questão neste enfoque de situações semelhantes tratadas de forma diferente pela administração tributária não podemos deixar de dar razão à recorrente. Com efeito, Os atos como “circulares” ou “informações” dirigidas aos agentes da administração tributária, emanam do poder de auto-organização e do poder hierárquico da Administração. Contêm ordens genéricas de serviço e é por isso e só no respetivo âmbito subjetivo (da relação hierárquica) que têm observância assegurada. Incorporam diretrizes de ação futura, transmitidas por escrito a todos os subalternos da autoridade administrativa que as emitiu. São modos de decisão padronizada, assumidos para racionalizar e simplificar o funcionamento dos serviços. Embora indiretamente possam proteger a segurança jurídica dos contribuintes e assegurar igualdade de tratamento mediante aplicação uniforme da lei, não regulam a matéria sobre que versam em confronto com estes, nem constituem regra de decisão para os tribunais. Contudo, o administrado pode invocar, no confronto com a administração, o conteúdo da orientação administrativa publicitada e, se for o caso, fazê-lo valer perante os tribunais, mesmo com sacrifício do princípio da legalidade [cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, comentada e anotada, 3.ª ed., pág. 344]. É, por conseguinte, ao abrigo do princípio da boa fé e da segurança jurídica, não pelo seu valor normativo, que o conteúdo das circulares ou qualquer outra informação interna prevalece. O administrado só as acata se e enquanto lhe convier, pelas mesmas razões que justificam que possa invocar informações individuais vinculativas que o favoreçam [arts. 59.º, n.º 3, alínea e) e 68.º da LGT]. A vinculação da AT pelas orientações genéricas que divulga é corolário dos princípios da igualdade e da boa-fé, princípios estes que devem nortear toda a atividade administrativa tributária. A AT está vinculada às orientações genéricas que emite independentemente da sua forma de comunicação [cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, comentada e anotada, 3.ª ed., pág. 344]. O princípio da igualdade implica, assim, que as decisões administrativas sejam tomadas segundo critérios objetivos pelo que a Administração está obrigada a proceder de modo igual em relação a dois casos iguais no plano objetivo, o que impõe que se agiu de uma forma para um terá de agir da mesma forma para outro, se os elementos de ponderação de ambos são iguais e, sob este ponto de vista, o princípio da igualdade pretende evitar o arbítrio. Todavia e como é o caso, o princípio da igualdade só é invocável no contexto de situações idênticas, mas conformes ao Ordenamento Jurídico vigente. Ora, se atentarmos no fundamento que justifica a inversão do sujeito passivo, uma exceção à regra do sujeito passivo do IVA, verificamos que ele incide no facto de se ter constatado que na atividade da construção civil há uma grande evasão fiscal em sede do IVA por parte dos prestadores de serviços pelo que para evitar essa fuga atribuiu-se ao adquirente a obrigação de liquidar o imposto e proceder à sua entrega ao Estado. No presente caso, ficou provado que o prestador dos serviços liquidou, mas também entregou ao Estado o IVA que arrecadou da recorrente pelo que não se identifica que a atuação em que se esteia o princípio da igualdade viola a ordem jurídica vigente. Apesar de este princípio encontrar a sua raiz na atividade discricionária da Administração, não pode deixar de se entender que o respeito pela igualdade, como por quaisquer outros princípios constitucionais, configura um parâmetro de atuação vinculada. Nesse sentido o ato desigual, parcial, injusto, é ilegal e traduz o vício de violação de lei [Veja o AC. do STA do Pleno em matéria de uniformização de jurisprudência de 20-01-2021, processo 039/20, disponível em www.dgsi.pt]. Sendo o caso dos autos muito semelhante ao da informação n.º 11/2009 veiculada para uniformização de procedimentos no âmbito de inspeções em que estão em causa erros na aplicação da regra da inversão do sujeito passivo, resultando, também no caso que o IVA liquidado foi entregue nos cofres do Estado, mostra-se desconforme com o princípio da igualdade exigir ao sujeito passivo (adquirente), após as regularizações das declarações e da fatura em que foi liquidado o IVA, que entregue diretamente nos cofres do Estado o IVA que havia sido pago pelo prestador dos serviços. Contudo, podemos ainda reforçar este desiderato se atentarmos que o IVA goza tradicionalmente do princípio da neutralidade, em que TJUE firma o princípio de que a neutralidade exige em que cada estado-membro os bens tributáveis suportem a mesma carga fiscal, qualquer que seja a extensão do circuito de produção e distribuição final e ainda que se extrai deste princípio a noção de que bens semelhantes_ bens que estejam em concorrência entre si- devem estar sujeitos a imposto semelhante também, uma exigência com largo alcance no tratamento das regras da incidência e isenção do IVA. Como se lê no compêndio sobre o IVA de Sérgio Vasques [O Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina páginas 109 a 115] olhando à jurisprudência do TJUE, fica a ideia-chave de que o princípio da neutralidade passa pela eliminação de distorções da concorrência e que a distorção se gera quando bens ou serviços com concorrência no mercado são tratados de forma desigual em sede de IVA, o TJUE reconhece desde cedo haver uma associação entre igualdade e neutralidade, sendo numerosas as decisões em que afirma constituir o princípio da neutralidade “a tradução, em matéria de IVA, do princípio da igualdade de tratamento”, embora hesitando em atribuir conteúdo autónomo ao princípio da igualdade e extrair dele corolários na estruturação do IVA distintos do que extrai do princípio da neutralidade. No entanto, vai deixando ver que o princípio da neutralidade, por importante que seja, não esgota os tópicos da fundamentação material do IVA e que, para a neutralidade, importa ter presente o princípio da igualdade tributária [Exemplificando com o Acórdão Idéal Tourisme de 2000, página 111 e Acórdão Marks & Spenser de 2008, no sentido de neste reconhece que a igualdade e neutralidade são princípios com alcance distinto e a mobilizar a igualdade para resolver problema onde a neutralidade não consegue chegar. Para este Tribunal o princípio da igualdade de tratamento é concebido como um princípio de proibição do arbítrio-vedando a diferenciação à qual falte fundamento objetivo-, no caso Marks & Spenser em que estava em causa pedidos de reembolso. Ainda quanto à segurança jurídica que rege o sistema do IVA o Acórdão do TJUE, BLV- C-395/11, de 13-12-2012.]. O Tribunal de Justiça conclui, também, que a garantia do princípio da segurança jurídica impõe-se com especial rigor quando a legislação em causa é suscetível de implicar encargos financeiros, uma vez que os contribuintes deverão conhecer com exatidão o alcance das obrigações que lhe são impostas. Por fim, o direito à dedução é um elemento fundamental da mecânica do IVA, na medida em que é garante do princípio da neutralidade, visando libertar o empresário do peso do IVA devido ou pago no âmbito das suas atividades económicas. Cumpridas que sejam as formalidades do IVA, os sujeitos passivos podem deduzir o imposto incorrido nas aquisições de bens e serviços utilizadas para a realização das suas operações tributadas. No caso, como a recorrente não tem direto à dedução do IVA, por a aquisição dos serviços em causa estar relacionada com a sua atividade isenta, o IVA suportado não é dedutível, nos termos do art. 20.º do CIVA. Aliás, apesar de não ter cumprido a regra da inversão do sujeito passivo a recorrente não deduziu o IVA, mas, de todo modo tem direito a contabilizar como gasto para efeitos do IRC [aliás, a AT assim o admite e confirma no relatório]. Se não nos esquecermos que o CIVA e a Diretiva IVA quanto à dedução do IVA (auto)liquidado por interpretação incorreta do regime de inversão do sujeito passivo tem uma delimitação complexa [saber que ações em concreto são subsumíveis à norma ou não, em confronto com as interpretações regulamentares internas da ATA] na medida em que de acordo com o art. 167,º da Diretiva [art.22.º do CIVA] “O direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível” (…) e no caso do IVA indevidamente liquidado torna-se exigível, nos termos do art. 66.º, al. a), “o mais tardar, no momento da emissão da fatura” uma vez que o IVA é devido por todas as pessoas que mencionem esse imposto numa fatura” [Cadernos do IVA], são também, razões a ponderar, no caso concreto, para não se repetir uma liquidação, agora, por parte do adquirente. Deste modo, teremos que concluir que agindo a AT em clara violação e desrespeito pelo princípio da igualdade e da justiça, que vincula a administração na sua atuação a estes princípios, dando tratamento desigual a situação semelhante, diferente apenas por ser em matéria de reembolso na orientação genérica n.º 11/2009, e dirigida para a inspeção tributária em geral, não deveria ignorá-la e atuar de acordo com a orientação veiculada. Assim, a correção mostra-se ilegal e como tal deve ser anulada, assim como os respetivos juros compensatórios.» (fim de transcrição) Em jeito de conclusão, e aderindo á fundamentação transcrita, cumpre com a presente fundamentação confirmar o segmento decisório da sentença sob recurso, negando provimento ao recurso apresentado pela AT. Mais se diga, que a jurisprudência a que aderimos não é inaudita, pois que a respeito da violação do princípio da neutralidade, apelamos ao acórdão deste TCA Norte de 15.09.2022, processo n.º 442/18.5BEBCR (de que fomos relatora) e em que, em situação similar, aí se conclui de que “(...) em consonância com a Jurisprudência comunitária citada, a situação fiscal do prestador de serviços/fornecedor era do conhecimento da AT, esta na qualidade de autoridade fiscal estava na posse de todos os dados necessários para atestar do circuito e assim verificar se o montante de imposto que a Recorrente pretende deduzir é ou não o correcto em obediência ao principio da neutralidade que nos ocupa. /Pelo exposto, as liquidações de IVA impugnadas, nas partes em que têm como pressupostos a não aplicação da regra da inversão do sujeito passivo (melhor identificadas no RIT), enfermam de vício de violação de lei, designadamente do princípio da neutralidade e dos artigos 167.º, 168.º e 178.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28.11.2006, que o concretizam.” E, de cujo sumário aqui destacamos: «II. O prestador de serviços é, regra geral, o sujeito passivo de IVA, mas nas situações denominadas de reversão da dívida tributária ou inversão do sujeito passivo (“reverse charge") o adquirente dos serviços ou dos bens torna-se o sujeito passivo do imposto pela respectiva aquisição, devendo proceder, em conformidade, à liquidação do imposto. III. A aplicação do princípio da neutralidade deverá ser tida em consideração nas fases essenciais da vida do IVA, como as regras de incidência objectiva e subjectiva, a localização, as isenções e o exercício do direito à dedução e bem assim na prática administrativa.». Mais se diga, atentos os argumentos da Recorrente esgrimidos nas suas conclusões, que não olvida este Tribunal ad quem que o IVA indevidamente mencionado e entregue pelos prestadores de serviços poderá efetivamente ser corrigido através da emissão de nota de crédito, sendo que na data da emissão da mesma ficará o sujeito passivo adquirente com um crédito junto do prestador e este fará a seu favor a regularização do IVA que liquidou indevidamente. Só que estamos no campo das suposições e do ideal, não existe qualquer certeza de que o Recorrida (adquirente) viesse a conseguir ser reembolsado pelos prestadores do IVA por estes indevidamente liquidado (e recebido). Pois que, a regularização da situação, como preconizado pela Recorrente, implicaria a colaboração dos prestadores de serviços - estamos perante uma regularização que a lei expressamente qualifica como facultativa - o que, obviamente, não se pode ter por garantido, sendo que no limite, alguns podem ter cessado atividade. Mais se diga, que a regularização de IVA indevidamente liquidado poderá estar condicionada a prazos máximos (cf. n.º 3 do artigo 78º do CIVA) que poderão já estar ultrapassados. No campo das hipóteses, a não ocorrer a anulação das liquidações impugnadas, poderia, com razoável grau de probabilidade, conduzir a uma situação em que a Recorrida teria que suportar, em definitivo, um encargo económica com o dobro do valor daquele que, segundo a lei, deveria ter autoliquidado. E o Estado beneficiar duplamente daquele valor, o que levaria a um “enriquecimento sem causa" de valor igual ao do imposto já recebido, ofensivo do princípio da justiça. Por último, e a talhe de foice, cumpre avocar que as liquidações adicionais são um mecanismo destinado à cobrança de imposto devido e não um mecanismo destinado a punir infrações, pois que o meio próprio para punir a violação de obrigações declarativas é a aplicação das contraordenações que para tal a lei prevê. Razão pela qual atentar ao princípio da neutralidade, na sua vertente da igualdade, proporcionalidade e justiça, enquanto salvaguarda da ilegalidade da liquidação adicional, não significa pactuar nem complacência para com comportamentos em que houve violação dos deveres de cooperação legalmente prescritos (obrigações acessórias). Assim sendo, improcede in totum o recurso, mantendo-se o dispositivo da sentença recorrida. 2.2.2. Conclusões (nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil) I. O prestador de serviços é, regra geral, o sujeito passivo de IVA, mas nas situações denominadas de reversão da dívida tributária ou inversão do sujeito passivo (“reverse charge”) o adquirente dos serviços ou dos bens torna-se o sujeito passivo do imposto pela respectiva aquisição, devendo proceder, em conformidade, à liquidação do imposto. II. A aplicação do princípio da neutralidade deverá ser tida em consideração nas fases essenciais da vida do IVA, como as regras de incidência objectiva e subjectiva, a localização, as isenções e o exercício do direito à dedução e bem assim na prática administrativa. III. É violadora do princípio da neutralidade, na sua dimensão de igualdade e justiça, a emissão de liquidações adicionais de IVA processadas em nome do adquirente de serviços de construção civil (reverse charge) quando o mesmo valor de imposto foi liquidado pelos fornecedores e por eles entregue ao Estado. 3. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, manter a sentença recorrida a que acresce a presente fundamentação. Custas a cargo da Recorrente. Porto, 27 de março de 2025 Irene Isabel das Neves (Relatora) Cristina Nova (1.ª Adjunta) Paula Moura Teixeira (com voto de vencido anexo) (2.ª Adjunta) Voto de vencido: Não acompanho na íntegra a decisão que obteve maioria atendendo aos fundamentos desenvolvidos no processo n.º 175/22.8BEMDL, proferido em 13.02.2025, que subscrevi, na qualidade de 2ª Adjunta, sendo nesse processo Recorrente, a ora Recorrida. Em conformidade, com a referida jurisprudência, concedia provimento ao recurso. |