Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00164/15.9BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/21/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:ROSÁRIO PAIS
Descritores:OPOSIÇÃO;
GERÊNCIA DE FACTO;
PROVA;
Sumário:
I – A força probatória das informações oficiais da AT encontra-se especialmente regulada pelo artigo 76º, nº 1 da LGT, em termos em tudo idênticos aos previstos para os documentos autênticos, pelo que as informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei.

II - Atenta a estrutura acusatória do processo criminal, o ser considerado, ou não, como gerente pelo Tribunal será o resultado de uma qualificação de factos submetidos a julgamento e que o Ministério Público terá de demonstrar através da prova da factualidade que enunciou na acusação.

III – A invocação do exercício da gerência sustentada apenas em afirmações constantes do inquérito criminal, sem qualquer prova que as sustente, é imprestável para cumprimento do ónus probatório a cargo da AT.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. O Exmº Representante da Fazenda Pública vem recorrer da sentença proferida em 28.10.2016 no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pela qual foi julgada procedente a oposição deduzida por «AA» à execução fiscal nº ......................017, contra si revertida, por dívidas relativas a IRC dos anos de 2006 a 2011, no valor de €29.288,03, na qual figura como sociedade devedora originária (SDO) a sociedade “[SCom01...] Unipessoal, Lda.”.

1.2. A Recorrente terminou as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
«A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a oposição deduzida contra a reversão efectuada contra o oponente, ora recorrido, nos autos de execução fiscal n.º ......................017 e aps., instaurado pelo Serviço de Finanças ... 5 para cobrança de dívidas referentes a IRC dos exercícios de 2006 a 2011, no montante de € 29.288,03 e acrescido, em que é executada a devedora originária [SCom01...] Unipessoal, Lda., NIPC ...09.
B. Decidiu o Tribunal a quo pela ilegitimidade do aqui revertido por não se mostrar provado nos autos por parte da AT o exercício, de facto, das funções de gerência da devedora originária no período a que se reportam as dívidas tributárias.
C. Ressalvado o devido respeito por diversa opinião, não concorda a Fazenda Pública com este entendimento, considerando que a sentença sob recurso incorre em erro de julgamento de facto e de direito, porquanto, da prova carreada nos autos terá, necessariamente, de se concluir que o oponente exerceu, de facto, as funções de gerente na devedora originária no período correspondente ao fim do prazo legal de pagamento da dívida e, em consequência, é parte legítima para execução, nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 24º da LGT.
D. Contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, o exercício efectivo da gerência de facto da devedora originária pelo oponente não poderá, salvo o devido respeito por melhor opinião, constituir questão controvertida na presente oposição,
E. A legitimidade do oponente para o chamamento à Instância resulta do facto de se tratar de gerente de facto da sociedade originária devedora, conforme excerto da informação de 08-01-2015 do SF de ... 5, junta aos autos:
Através dos documentos de fls. 24 a 35, extraídas do relatório da inspecção tributária e do Processo de Inquérito nº ..90/..0.3IDPRT do Departamento de Investigação e Acção Penal do Porto, em que o oponente é identificado com a qualidade de gerente, verificou-se que exerceu de facto funções de gerência na executada [SCom01...] UNIPESSOAL LDA” – cfr nº 3 da informação do SF.
F. A força probatória dos documentos fornecidos pela Inspecção tributária, Polícia Judiciária e DIAP do Porto não é de forma alguma beliscada pelo oponente, pelo que resulta provado que o mesmo é gerente de facto da devedora originária.
G. Como decorre do art. 341º do CC, "As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos" sendo a prova toda a "actividade destinada a demonstrar a verdade de factos alegados em juízo".
H. Por outro lado, "Prova documental é a que resulta de documento", dizendo-se "documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto" (art. 362º).
I. As informações oficiais, em que se integra o relatório de inspecção, respectivos anexos, e as informações policiais e judiciárias, fazem fé, quando objectivamente fundamentadas (artigos 371º, nº 1 e 363º e ss. do CC, 446º e ss do CPC, e 115º, nº 2 do CPPT).
J. Se as informações oficiais fazem fé, tal significa que a Fazenda Pública não tem que repetir em juízo o esforço instrutório e probatório que foi desenvolvido em sede de procedimentos administrativos anteriores, ou seja, pode valer-se em sede judicial da factualidade apurada em procedimento administrativo concluído pela Inspecção tributária, bem como por autoridades policiais/judiciárias, sem ter de reproduzir essa prova em tribunal.
K. Constituindo o relatório da acção de inspecção um documento autêntico, tal como os restantes documentos policiais e judiciários constantes dos autos (artigo 371º, nº 1 do CC), uma vez que são exarados por funcionários da Administração, no âmbito e exercício das respectivas funções, os mesmos têm força probatória plena relativamente aos factos afirmados como sendo praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como relativamente aos factos que neles são atestados com base na percepção dos seus órgãos, força probatória essa que apenas pode ser ilidida nos termos da lei (artigos 363º e ss. do CC e 446º e ss do CPC).
L. Pelo que vimos de dizer se conclui que, ao não relevar devidamente a factualidade que consta do relatório de inspecção tributária e informações policiais/judiciárias, a sentença recorrida violou as normas enunciadas - artigos 371º, nº 1 e 363º e ss. do CC, 446º e ss do CPC, e 115º, nº 2 do CPPT.
M. Ou seja, tendo sido, nos termos descritos, produzida a prova, pela administração tributária (Representação da Fazenda Pública - Órgão de execução fiscal/Serviço de finanças), da verificação dos pressupostos legais que legitimaram a reversão da dívida exequenda contra o responsável subsidiário ora oponente, designadamente, da sua qualidade de gerente da devedora originária,
N. Feita essa prova, cabia ao oponente o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento da sua ilegitimidade para a execução, prova que o oponente pura e simplesmente não fez, pois não logrou demonstrar, por qualquer forma, que não foi efectivamente gerente da sociedade devedora originária e, portanto, que seria parte ilegítima na presente execução.
O. Não tendo o oponente feito tal prova, a sentença recorrida incorreu em erro no julgamento de facto e de direito ao considerar que as informações integrantes do RIT (e as informações policiais e judiciárias) “não bastam” para que o Órgão de execução fiscal/Serviço de finanças pudesse concluir pela “qualidade de gerente do Oponente”, e, assim, a oposição não poderia, ter sido julgada procedente.
P. Por se considerar relevante para a boa decisão da causa, requer-se a ampliação da matéria de facto de modo a que da mesma passe também a constar:
a) “Por se ter constatado a inexistência de bens susceptíveis de penhora na esfera da primitiva devedora procedeu-se à preparação da reversão contra os responsáveis subsidiários.”
b) “A devedora originária tinha como único titular e gerente registado «BB», que faleceu em 03/02/2007.”
c) “Com base em informações extraídas do relatório de inspecção tributária (RIT) e com base nas informações colhidas do processo de Inquérito nº ..90/..0.3IDPRT do Departamento de Investigação e Acção Penal do Porto, apurou-se como responsável subsidiário o aqui oponente.”
d) Efectivamente, consta do relatório inspectivo que:
[imagem no documento original]
e) O despacho de reversão tem os seguintes fundamentos:[imagem no documento original]
Q. Do mesmo modo, requer-se a modificação da matéria de facto, no segmento “Factos não provados”, de modo a que do mesmo passe unicamente a constar: “Dos autos não resultam provados outros factos com interesse para decisão da causa.”
R. Perante a prova produzida, considera a Fazenda Pública que a mesma terá de ser valorada, de acordo com as regras do ónus da prova, no sentido de que o oponente exerceu, de facto, as funções de gerente na sociedade devedora originária.
S. O Serviço de Finanças/Órgão de Execução Fiscal limitou-se, nos termos legais, a fazer fé em documentos autênticos pré-existentes, conclusivos de procedimentos legalmente tramitados por outros órgãos/autoridades distintos, documentos que, nos termos da lei, tem força probatória plena.
T. O oponente não ilide, nos termos da lei (artigos 363º e ss. do CC e 446º e ss do CPC), a força probatória plena dos factos afirmados e atestados no relatório de inspecção e restantes documentos policiais e judiciários constantes dos autos.
U. Não faria sentido, como parece vir defendido na sentença recorrida (cfr parágrafos 4 e 5 da sentença), que a AT tivesse que fazer acompanhar as informações fornecidas pela Inspecção Tributária e pela Polícia Judiciária de outros meios de prova, pois tal exigência resultaria numa duplicação sucessiva de procedimentos idênticos, precisamente o que a lei pretende evitar com a regra da fé de documentos oficiais.
V. Todavia, o oponente não alegou nem demonstrou factos concretos que permitissem concluir que a falta do pagamento do imposto não lhe é imputável, nada alegando ou provando nesse sentido, limitando tão só a alegar que não era ou foi gerente.
W. O oponente exerceu as funções de gerente de facto da primitiva devedora, nela desenvolvendo a sua actividade e contactando outras empresas nessa qualidade, facto que resulta provado das investigações levadas a efeito pelos serviços da inspecção tributária, bem como das informações recolhidas em sede do inquérito nº ..90/..0.3IDPRT, e não alegou nem demonstrou o oponente factos concretos que permitissem concluir que a falta do pagamento do imposto não lhe é imputável.
X. Apenas se pode concluir que o oponente é parte legítima para a presente execução, nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 24º da LGT, e que a presente oposição está votada ao insucesso, por não provada.
Y. Pelo exposto, incorreu o Tribunal a quo, em erro de julgamento da matéria de facto e de direito por não ter dado como provado que o oponente exerceu o cargo de gerente da devedora originária no período a que respeita o prazo legal de pagamento da dívida e, em consequência, que o mesmo é parte legítima para execução, nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 24º da LGT.
Z. A decisão agora recorrida, ao decidir como decidiu, violou, nos termos supra expostos, o disposto nos artigos 22º, nº 2, 24º n.º 1 al. b) e 76º, nº 1 da LGT, 115º, nº 2 e 153º, nº 2 do CPPT, 341º, 362º, 363º e ss e 371º, nº 1 do CC, e 446º do CPC.
Termos em que,
deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, por verificação de erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito, julgando-se o oponente parte legítima para a execução.».
1.3. O Recorrido não apresentou contra-alegações.


1.4. A DMMP junto deste TCAN teve vista dos autos e emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, por considerar que:
«(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)».

*
Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657º, nº 4, do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
*

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto, ao não relevar as informações prestadas em sede de inspeção e de inquérito e, bem assim, de direito, ao concluir que a AT não fez prova do exercício da gerência por parte do Recorrido.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
3.1.1. Factualidade assente em 1ª instância
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«Com relevância para a decisão da causa, dão-se como provados os factos seguintes:
1. No Serviço de Finanças ... foi instaurada a execução fiscal n.º ......................017, contra a sociedade [SCom01...] Unipessoal, Lda., com o NIPC ...09 – fls. 20 e ss.;
2. Desde 09.05.2006 que figura no registo comercial da referida sociedade como seu gerente «BB» – fls. 14 e ss.;
3. Sendo a forma de obrigar a sociedade a intervenção de um gerente – fls. 14 e ss.;
4. A sociedade devedora originária foi sujeita a uma inspecção no âmbito da qual a AT conclui no respectivo relatório que o referido «BB» faleceu em 2007, sendo a gerência efectiva da executada originária exercida pelo ora Oponente – fls. 30 e ss.;
5. O OEF determinou a audição prévia do Oponente «AA» para efeitos da reversão das dívidas da SDO contra si, por despacho de 30.10.2014, remetendo para a informação que o antecede e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – fls. 39 e ss.;
6. Por despacho do OEF de 28.11.2014, foi determinada a reversão das dividas da sociedade devedora originária contra o Oponente «AA», conforme despacho de fls. 44, que remete para a informação que lhe antecede e cujo teor de se dá aqui por integralmente reproduzido;
7. Dividas essas provenientes de IRC dos anos de 2006 a 2011, com data limite de pagamento de 2013 e 2014, no montante global de €29.288,03 – fls. 45.
*
Factos não provados:
Não se provou que o Oponente tenha exercido a gerência efectiva da sociedade devedora originária nos anos de 2006 a 2011.
Motivação.
O Tribunal formou a sua convicção relativamente a cada um dos factos dados como assentes tendo por base os documentos juntos aos autos e da informação prestada pela AT, os quais não foram objecto de impugnação, bem como o posicionamento das partes, assumido nos respectivos articulados.
Não se provou que o Oponente tenha exercido a gerência efectiva da SDO, porquanto o mesmo nunca figurou do pacto social da sociedade como tal, não havendo por isso qualquer presunção judicial do seu exercício, razão pela qual impendia sobre a AT a prova de tal gerência. Acontece que a AT assentou a sua convicção e a reversão das dividas em informações prestadas pela policia judiciaria, desacompanhadas de qualquer elemento de prova que as sustente.
Com efeito, não foi feita prova do falecimento do gerente nominal da sociedade nem de qualquer acto de gerência praticado pelo Oponente.
Assim, a informação prestada pela PJ no âmbito de um processo que não este não serve por si só para atestar a qualidade de gerente do revertido.».

3.1.2. Alteração da matéria de facto
Ao abrigo da faculdade que nos é conferida pelo artigo 662º do Código de Processo Civil, vamos proceder ao seguinte aditamento à matéria de facto provada, por se tratar de matéria relevante para a decisão desta causa e constar de documento junto aos autos:
8. No âmbito da inspeção tributária efetuada à contabilidade da devedora originária, foi elaborado relatório onde se refere o seguinte:
«(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)» - cfr. doc. 35/57 do sitaf.

3.2. DE DIREITO
A Recorrente não se conforma com a decisão do Tribunal a quo, por entender, em síntese resumida, que devia ter sido atribuído valor probatório às informações obtidas em sede inspetiva e de inquérito, devendo o probatório ser aditado em conformidade, e que devia o Tribunal a quo ter concluído que foi feita prova do exercício da gerência, com as devidas consequências legais.
Vejamos, antes do mais, a fundamentação jurídica que sustenta a sentença sob escrutínio:
«(…)
Da gerência da sociedade devedora originária por parte do oponente.
Sobre esta matéria foi decidido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da Secção de Contencioso Tributário) de 07.07.2010, processo n.º 0945/09, que: “As normas com base nas quais se determina a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos.” Por conseguinte, conforme assentou já a jurisprudência, a determinação da responsabilidade subsidiária afere-se à luz do regime legal em vigor à data em que as dívidas foram geradas.
Conforme resulta da factualidade assente, a execução fiscal contra a qual se dirige a presente oposição tem em vista a cobrança coerciva de dívidas relativas aos anos de 2006 a 2011.
Estando, assim, em causa dívidas relativas a imposto cujos factos constitutivos se verificaram após de 01 de Janeiro de 1999 - data da entrada em vigor da Lei Geral Tributária (LGT) -, é aplicável esta mesma lei.
Nos termos do n.º 1, do artigo 23, da LGT, “A responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal.” E a norma do n.º 1, do artigo 24, desse mesmo diploma dispõe o seguinte: “Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas sociedades, cooperativas e empresas públicas são subsidiariamente responsáveis em relação estas e solidariamente entre si: a) pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a sua satisfação; b) pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”.
Deste normativo decorre que se o prazo de pagamento voluntário ocorreu no período do exercício do seu cargo, a culpa dos gerentes ou administradores presume-se, quer o facto constitutivo tenha também ocorrido no período do exercício do seu cargo quer não. Assim, a responsabilidade tributária subsidiária opera consoante a gerência ou administração do responsável - temporalmente enquadrada no período que vai da constituição da obrigação tributária ao seu vencimento - abranja ou não o prazo legal de pagamento ou entrega da prestação correspondente. A reversão faz-se de um modo mais simples no caso a que alude o artigo 24, n.º 1, alínea b), da LGT, apenas cabendo à Administração Tributária invocar os factos integrantes de dois pressupostos:
i) i) Exercício de facto da gerência ou administração no período em que decorreu o prazo legal do pagamento e entrega (facto);
ii) ii) Insuficiência do património social para a satisfação desses créditos (dano).
Assim, a Administração Tributária não tem de: a) Imputar aos titulares dos órgãos sociais a prática de actos concretos violadores de normas especialmente destinadas à protecção do credor tributário (ilicitude) pois o exercício de facto da gerência ou da administração em período relevante é suficiente para lhes imputar a responsabilidade; b) Demonstrar que os titulares dos órgãos sociais podiam e deviam ter agido de outro modo (culpa), funcionando aqui a presunção legal de que lhes é subjectivamente imputável a falta de pagamento, deduzida directamente do facto de estarem no pleno exercício dos seus poderes de direcção na data do vencimento dessa obrigação; c) Demonstrar que os actos concretamente praticados pelo agente foram adequados à produção daquele resultado (nexo de causalidade) pois a relação de causalidade adequada afere-se mais latamente, considerando que eram os titulares dos órgãos sociais, atentos os poderes em que estavam investidos, que estariam em posição de evitar esse resultado.
Efectivamente, em tais casos, a reversão não assenta em acções ou omissões concretas mas na situação de facto do exercício da gerência no período correspondente.
A Administração Tributária apenas tem de aferir e discutir esses pressupostos e inseri-los na decisão de reversão se o revertido exercer o direito de audição prévia e invocar factualidade concreta que infirme essa conclusão.
A gerência de facto de uma sociedade comercial consistirá no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros (Neste sentido, cfr. Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 18.11.2010 e 20.12.2011, Processos 00286/07 e 00639/04, respectivamente).
Assim, estando em causa dívidas tributárias vencidas no período do exercício do cargo de gerência/administração, o credor tributário fica dispensado de provar a culpa daquele no incumprimento. Porém, tem de alegar e provar a gerência de facto pois não existe presunção legal do exercício efectivo da função uma vez provada a gerência de direito, na ausência de contraprova ou de prova em contrário – neste sentido, cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 28.02.2007, processo n.º 1132/06, e de 02.03.2011, processo n.º 0944/10, face ao Código de Processo Tributário e à LGT, respectivamente. Consignou-se naquele primeiro Acórdão que: «I - No regime do Código de Processo Tributário relativo à responsabilidade subsidiária do gerente pela dívida fiscal da sociedade, a única presunção legal de que beneficia a Fazenda Pública respeita à culpa pela insuficiência do património social. II - Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário. III - A presunção judicial, diferentemente da legal, não implica a inversão do ónus da prova. IV - Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência. V - Sendo possível ao julgador extrair, do conjunto dos factos provados, esse efectivo exercício, tal só pode resultar da convicção formada a partir do exame crítico das provas, que não da aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal». Por conseguinte, é exigível à Administração Tributária coligir elementos susceptíveis de indiciar o efectivo exercício das funções, sob pena de este se não ter por demonstrado. Naturalmente que quem é nomeado para cargos de administração tem o dever de os exercer. Mas é diferente dizer que quem é nomeado para esses cargos exerce-os efectivamente pois a realidade empresarial portuguesa tem demonstrado que são frequentes as situações de gerência ou administração meramente nominal e “de favor”.
Todavia, o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não significa que o tribunal não possa utilizar as presunções judiciais - «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos», conforme defende a doutrina civilista - que entender, com base nas regras da experiência comum e concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto se entender que, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido.
A jurisprudência mais recente, nomeadamente do TCAN, vai no sentido de que a AT não necessita de invocar factos integrantes do exercício de facto da gerência/administração no período em que se verificou o facto constitutivo das dívidas tributárias, bastando-se com a mera indicação da gerência nominal, resultante do pacto social da SDO.
Ora, no caso em apreço o Oponente não é gerente nominal da devedora originária, pois nunca figurou no respectivo pacto social enquanto tal.
Assim sendo, incumbia à AT a alegação e prova da gerência por parte do revertido, o que não logrou alcançar.
A AT procedeu à reversão as dividas contra o Oponente com fundamento em informações obtidas numa inspecção à devedora originária, que por sua vez assentaram em informações prestadas pela PJ no âmbito do inquérito nº ..90/..0.3IDPRT.
Todavia, todas estas informações estão desacompanhadas de qualquer elemento de prova.
Não foi feita prova nem do falecimento do gerente nominal nem da prática de actos de gerência por parte do revertido.
Por conseguinte, as informações obtidas no âmbito de uma investigação policial num processo que não o presente desacompanhadas de qualquer elemento de prova, não bastam, por si só, para atestar a qualidade de gerente do Oponente.
Assim, impendendo sobre a AT o ónus da prova da gerência efectiva da devedora originária por parte do revertido, a falta de prova terá de ser valorada contra si. (…).».
O assim julgado não nos merece reparo. Vejamos:
De conformidade com o disposto no artigo 76º, nº 1 da LGT, as informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei.
A força probatória das informações oficiais da AT encontra-se, pois, especialmente regulada em termos em tudo idênticos aos previstos para os documentos autênticos.
Como na anotação 3 ao referido artigo referem Diogo Leite Campos e outros, «Relativamente a factos a […] força probatória [das informações oficiais] existe quanto aos afirmados como sendo praticados pela administração tributária ou com base na percepção dos seus órgãos ou agentes, ou factos determinados a partir dessa percepção com base em critérios objectivos. // No que concerne aos factos afirmados com base em juízos formulados pela administração tributária a partir dos factos materiais apurados que não sejam determinados com base em critérios objectivos não existe aquela especial força probatória, valendo as informações como elementos sujeitos à livre apreciação da entidade competente para a decisão.// É este o regime geral previsto para a força probatória dos documentos autênticos (art. 371.º, n.º 1, do CC), aqui já estendido aos factos determinados segundo critérios objectivos, e não seria congruente com a opção legislativa e ele subjacente, a atribuição de um estatuto probatório privilegiado às informações prestadas pela administração tributária, que nem sequer está funcionalmente colocada no procedimento tributário numa situação de alheamento em relação ao sentido da decisão, que é uma garantia de isenção da prestação de informações.» (cfr. Lei Geral Tributária anotada e comentada, encontro da escrita editora, 4.ª edição 2012, pág. 670 e 671; no mesmo sentido, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, volume II, 6.ª edição, 2011, áreas Editores, pág. 261, anotação 5).
Portanto, «Para terem a força probatória referida, as informações oficiais têm de ser fundamentadas e basearem-se em critérios objectivos (…)» - cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, volume II, 6.ª edição, 2011, áreas Editores, pág. 261, anotação 11.
Conforme resulta do acórdão do TCAS nº 02800/08 de 13-04-2010 «2. O relatório da acção inspectiva é um documento autêntico, com força probatória plena, apenas ilidível nos termos da lei, no que concerne às circunstâncias objectivas, nele atestadas, com base na percepção directa do seu autor.».
Olhando para o teor da Informação prestada pela inspeção tributária, já transcrito no ponto 8 supra, é possível constar que ali se fazem diversas afirmações, por referência ao processo de inquérito nº ..90/..0.3IDPRT do Departamento de Investigação e Acção Penal do Porto.
Sucede que, como bem salientou a DMMP no seu douto parecer, «(…) atenta a estrutura acusatória do processo criminal, o ser considerado ou não como gerente, pelo Tribunal, será o resultado de uma qualificação de factos submetidos a julgamento e que o Ministério Público terá de demonstrar a prova da factualidade que enunciou na acusação». E, no caso, não se sabe se a tese defendida pelo Ministério Público no inquérito ficou, ou não, provada.
Certo é que inexistem nos autos documentos que atestem os factos relatados pela inspeção tributária, que os dá por assentes apenas com base no que consta do inquérito criminal, não se tratando, sequer, de factualidade apurada com base nas perceções do agente que elaborou o relatório da inspeção.
Deste modo, as informações que constam do relatório da inspeção tributária e, bem assim, as resultantes do inquérito criminal, não fruem de especial valor probatório, valendo como meras informações sujeitas à livre apreciação do Juiz.
Uma vez que, no caso, não constam dos autos quaisquer elementos probatórios que sustentem as afirmações da inspeção tributária, não é possível creditar-lhes valor bastante para se considerar observado o ónus probandi a cargo da AT.
Nesta conformidade, há que negar total provimento ao recurso, mormente no que respeita ao pedido de aditamento à matéria de facto, mantendo-se a sentença recorrida.

*
Assim, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I – A força probatória das informações oficiais da AT encontra-se especialmente regulada pelo artigo 76º, nº 1 da LGT, em termos em tudo idênticos aos previstos para os documentos autênticos, pelo que as informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei.
II - Atenta a estrutura acusatória do processo criminal, o ser considerado, ou não, como gerente pelo Tribunal será o resultado de uma qualificação de factos submetidos a julgamento e que o Ministério Público terá de demonstrar através da prova da factualidade que enunciou na acusação.
III – A invocação do exercício da gerência sustentada apenas em afirmações constantes do inquérito criminal, sem qualquer prova que as sustente, é imprestável para cumprimento do ónus probatório a cargo da AT.


5. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente, que aqui sai vencida, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Porto, 21 de março de 2024

Maria do Rosário Pais – Relatora
Ana Paula Rodrigues Coelho dos Santos – 1ª Adjunta
Cristina Paula Travassos de Almeida Bento Duarte – 2ª Adjunta