Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01022/12.4BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/11/2024
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Vitor Salazar Unas
Descritores:OPOSIÇÃO:
ERRO IDETIFICAÇÃO DÍVIDAS
Sumário:
I - Existe erro de julgamento de facto, quando o tribunal a quo dá como provado que as dívidas em cobrança coerciva respeitam a coimas, quando na verdade são dívidas de IVA;

II – O silogismo levado a cabo pelo tribunal a quo que partiu de uma premissa errada contamina, inelutavelmente, a conclusão tirada no sentido da procedência da oposição na parte recorrida por ilegalidade da reversão por coimas, que cumpre ao tribunal ad quem corrigir.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:




Acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos de Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO:
A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, com os demais sinais nos autos, vem interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou a OPOSIÇÃO à execução fiscal n.º......................491 e apensos, a correr termos no Serviço de Finanças ..., apresentada por «AA», na qualidade de responsável subsidiária, parcialmente procedente.
A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
«(…).
1. O presente recurso tem por objeto a douta sentença recorrida, proferida no processo supra referenciado, a qual julgou a Oposição parcialmente procedente “(...) relativamente às dívidas constantes dos processos de execução fiscal apensos, nº.....................050 e .....................252, referentes a Coimas, no montante global de € 8.263,01, com extinção da execução fiscal correspondente relativamente à Oponente, mantendo-se a execução fiscal na parte restante.”
2. Sentença que, a nosso ver, padece, inequivocamente, de erro de julgamento no que toca à fixação dos factos dados como provados, exclusivamente na parte respeitante à qualificação da origem da dívida, no montante de € 6.918,18, em causa no processo de execução fiscal apenso n° .....................252, tendo o invocado erro quanto aos pressupostos de facto tido consequências desfavoráveis à Fazenda Pública ao nível da decisão proferida a final.
3. A nosso ver, deverá resultar provado através da análise da cópia da certidão de dívida nº 2012/......23, datada de 2012.03.11, e da cópia do anexo para o qual a mesma expressamente remete (as quais se encontram juntas aos autos - a fls. 20 e 21 - enquanto documentos de fls. 5 e 6 da informação prestada em 2012.05.29, de harmonia com o disposto na última parte do n° 1 do artigo 208° do CPPT, pelo Chefe de Finanças Adjunto do Serviço de Finanças ...) que a dívida, no montante de € 6.918,18, em causa no processo de execução fiscal apenso n° .....................252, respeita a IVA, e não a Coimas como foi, erradamente, dado como provado na douta sentença ora em crise.
4. Na douta sentença ora em crise a M. Ma. Juíza do Tribunal “a quo”, relativamente à questão da alegada ilegitimidade da ora recorrida por não ter culpa na insuficiência patrimonial da devedora originária, concluiu o seguinte:
Pelo que, concluímos, pois, que não há nos autos prova no sentido de que a falta de pagamento das dívidas de IVA respeitante ao ano de 2011, ora em cobrança coerciva, não seja imputável à Oponente.
Assim, nada se demonstrando no sentido de afastar a culpa da Oponente pela não entrega deste tributo, deve ela responder pelas mesmas, ao abrigo da alínea b) do art.° 24°, n° 1, da LGT.
Pelo exposto, improcede nesta parte a presente Oposição.”
5. Pelo que, atento o antes exposto, dever-se-á dar como provado que a dívida em causa
no processo de execução fiscal apenso nº .....................252, no montante de € 6 918,18, respeita a IVA (e não a Coimas), e, em consequência, tendo presente os fundamentos e os argumentos aduzidos na douta sentença ora em crise, respeitantes às dívidas de IVA e à alegada ilegitimidade da ora recorrida por não ter culpa na insuficiência patrimonial da devedora originária, aos quais aderimos e, com a devida vénia, damos aqui por integralmente reproduzidos, deverá ser anulada a douta sentença ora em crise na parte em que julgou a Oposição parcialmente procedente relativamente à dívida no montante de € 6 918,18, em causa do processo de execução fiscal antes referido, o que se requer.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas, deverá o presente recurso ser julgado procedente, anulando-se a douta decisão em apreço, na parte ora posta em crise, com todas as legais consequências.»

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Não foram apresentadas contra alegações.

O Digno Procurador Geral Adjunto emitiu parecer, concluindo no sentido de ser dado provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos legais [cfr. artigo 657.º, n.º 4, do Código de Processo Civil], cumpre apreciar e decidir o presente recurso.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR.
A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de facto e, por consequência, de direito, na parte em que deu como provado que as dívidas no montante de € 6.918,18, em causa no processo de execução fiscal apenso n.º......................252, respeitam a Coimas e não a IVA, conforme resulta da prova junta aos autos e, em consequência, julgou a oposição procedente quanto a esta execução.

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III – FUNDAMENTAÇÃO:
III.1 – DE FACTO
Na sentença recorrida foi fixada a seguinte materialidade:
«1. Em 03/09/2006, contra [SCom01...], LDA., N.I.F/NIPC: ...08, com sede na Rua ..., ... ..., Concelho ..., foi instaurada execução fiscal n.º......................491 e apensos, pelo Serviço de Finanças ..., para cobrança coerciva das seguintes dívidas:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
no montante total de €22.367,28.
[Certidões de dívida de fls. 16 a 21dos autos]
2. Em 19/03/2012, foi proferido Despacho para Audição Prévia (Reversão) da Oponente, com os seguintes Fundamentos: «Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do beneficio da excussão (art.° 23.°/n.°2 da LGT);
Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24.°/n.° 1/b) LGT]. (...).» [fls. 33 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido];
3. A Oponente foi notificada do despacho referido em 2. mediante carta registada RC 92.................. 4 PT [fls. 34 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido];
4. Em 02/04/2012, a Oponente exerceu o direito de audição prévia [fls. 37 a 43 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido];
5. Em 22/10/2010, por o Exmo. Chefe do Serviço de Finanças ..., lavrou o seguinte Despacho de Reversão:
«(...) Corre termos, neste Serviço de Finanças, o processo de execução fiscal número .....................491 E AP( .....................491), .......................034, .........................050 e .....................252), contra a firma [SCom01...] LDA. , NIPC ...08, com sede em ... - ....
A dívida exigida no processo executivo .......................034, no montante de €6 250,43 respeita a IVA do período 2011/09T cujo termo do prazo de entrega terminou em 2011.11.16;
A dívida exigida no processo executivo .....................491, no montante de €8 414,77 respeita a IVA do período 2011/06T cujo termo do prazo de entrega terminou em 2011.08.16.
A divida exigida no processo executivo .........................050, no montante de €1 344,83 respeita a Coimas Fiscais e o respetivo processo de contra ordenação (.......................172) foi instaurado em 2011,12.09 por falta de entrega da prestação tributária do período de 2011/09T e cujo prazo cumprimento da obrigação terminou em 2011.11.16.
A divida exigida no processo executivo .....................252, no montante de €6 918,18 respeita a IVA do período 2011/12T cujo prazo de entrega terminou em 2012.02.15.
Nos termos do artigo 23° n.° 1 da Lei Geral tributária, a responsabilidade subsidiária efetiva-se por reversão do processo de execução fiscal.
A executada foi declarada insolvente - Proc. ....5/12.1 TBVCT, estando comprovada a insuficiência de bens da executada. (...)
Foram notificados os gerentes «AA» e «BB» do projecto de reversão e da possibilidade de exercer, no prazo de 10 dias, o direito de audição. Findo esse prazo vieram ambos os gerentes aos autos alegar o seguinte:
A gerente «AA»:
- Que não foi provada a culpa da gerente pela falta do património da executada se ter tornado insuficiente;
- Que as coimas não são passíveis de cobrança em execução fiscal por não estar prevista a sua cobrança no art. ° 148° do CPPT; (...)
Quanto ao exposto:
- Relativamente à culpa pela falta de património da executada importa referir que, conforme o projecto elaborado, a reversão foi efectuada nos termos da al . b) do n.° 1 do art.° 24° da LGT pelo que não está em causa a culpa pela falta de património da executada, mas sim o términos do prazo de pagamento ter terminado no período do exercício do cargo do gerente;
- Quanto às coimas, ao contrário do referido, a sua cobrança está prevista na alínea c) do n.° 1 do art.° 148° do CPPT;
- No que toca à gerência de facto os elementos juntos aos autos designadamente os autos de declarações prestadas pela antiga TOC e por duas ex-funcionárias da executada levam a concluir que a mesma era exercida pela gerente «AA», não tendo o Sr. «BB» qualquer intervenção na mesma.
Assim e considerando que conforme o atrás exposto «AA», NIF ...20 foi nomeada gerente da executada e exercia de facto essas funções e verificando-se os pressupostos previstos no referido artigo 153.° n.° 2 al. b) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, art.° 23.° e 24° n.° 1, al. b) da LGT e 8.° do RGIT, reverto esta execução contra o gerente antes identificado. (...) » [Fls. 47/48 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido];
6. Em 17/04/2012, a Oponente foi citada do Despacho de Reversão, por carta registada com aviso de recepção [Fls. 49 a 51 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida];
9. Em 22-05-2012, deu entrada no Serviço de Finanças ..., a presente Oposição à execução fiscal [Fls.5 dos autos].
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Os restantes factos alegados não foram julgados provados, por constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito e não terem relevância para a decisão da causa.
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III.1.1 MOTIVAÇÃO
O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos que não foram impugnados, e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados — art. 74° da LGT - também são corroborados pelos documentos juntos aos autos — art. 76° n° 1 da LGT e arts. 362° e ss do Código Civil (CC) — identificados em cada um dos factos provados.
A factualidade dada como não provada deveu-se ao facto de sobre a mesma não ter sido produzida prova bastante capaz de convencer o Tribunal da sua veracidade.
A Oponente, apresentou prova testemunhal, no entanto os depoimentos prestados não foram suficiente para convencer o Tribunal a julgar provados os factos alegados que foram julgados não provados.
Na verdade quanto ao depoimento das duas testemunhas diremos o seguinte:
O depoimento das testemunhas «CC» (costureira, ex-funcionária da Oponente), e «DD» (enfermeira, irmã da Oponente), não mereceram a credibilidade do Tribunal, razão pela qual não foi valorado pelo Tribunal para efeito da matéria dada como provada, não contribuindo, também, para a demonstração dos factos cuja prova a Oponente se propôs fazer. Estas testemunhas não tinham conhecimento directo dos factos quanto à vida financeira da devedora originária, nem no que concerne às opções de gestão da Oponente, tendo-se limitado a relatar aquilo que lhes era transmitido pela Oponente.»
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CORREÇÃO OFICIOSA À MATÉRIA DE FACTO.
Do labor levado a cabo pelo tribunal na consulta dos autos, concluímos que existe fundamento para corrigir o ponto 1. da matéria de facto.
Na verdade, na certidão de dívida n.º 2012/.....23, datada de 2012.03.11, e no respetivo anexo, juntos a fls. 20 e 21 do suporte físico dos autos, consta como dívida o IVA do período de 2011-10 e 2011-12, no valor de € 6.918,18, com data limite de pagamento 15.02.2012, em cobrança coerciva na execução fiscal n.º......................252 (apenso). Esta evidência encontra-se, ainda, refletida quer no projeto de reversão quer no despacho de reversão, juntos a fls. 31 e 32 e 47 e 48, respetivamente, ibidem. E, bem como, na informação oficial prestada pelo Serviço de Finanças ..., cfr. fls. 49 e 50.
Donde, ao fazer constar do ponto 1. do elenco dos factos provados que a dívida constante da referida certidão de dívida e que está em cobrança coerciva no processo de execução fiscal n.º......................252, é uma dívida de Coimas e não de IVA, incorreu o tribunal a quo em erro que importa corrigir.
Assim, ao abrigo do artigo art.º 662.º, n.º 1 do Código do Processo Civil (CPC), por se mostrar relevante para decisão, e por constar dos autos prova documental que o permitem, corrige-se o ponto 1. da matéria de facto, nos seguintes termos:

1. Em 03/09/2006, contra [SCom01...], LDA., N.I.F/NIPC: ...08, com sede na Rua ..., ... ..., Concelho ..., foi instaurada execução fiscal n.º......................491 e apensos, pelo Serviço de Finanças ..., para cobrança coerciva das seguintes dívidas:
OrigemPeríodoN.º ExecuçãoN.º CertidãoValor (€)Data limite de
Pagamento voluntário
IVA2011-04
2011-06
.....................491...798.414,772011.08.06
IVA201107
2011-09
.......................034...466.250,432011.11.16
IVA2011-10
2011-12
.....................252...236.918,182012.02.15
Coimas2012.........................050...181.344,832012.02.07

No montante de € 22.367,28.

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IV - DE DIREITO:
Cumpre, então, apreciar e conhecer as questões suscitadas no presente recurso, conforme supra enunciadas, sendo certo que o tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito [cfr. artigo 5.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art.º 2.º, alínea e) do CPPT.].

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DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Neste segmento recursivo aduz a recorrente que «deverá resultar provado através da análise da cópia da certidão de dívida nº 2012/......23, datada de 2012.03.11, e da cópia do anexo para o qual a mesma expressamente remete (as quais se encontram juntas aos autos - a fls. 20 e 21 - enquanto documentos de fls. 5 e 6 da informação prestada em 2012.05.29, de harmonia com o disposto na última parte do n° 1 do artigo 208° do CPPT, pelo Chefe de Finanças Adjunto do Serviço de Finanças ...) que a dívida, no montante de € 6.918,18, em causa no processo de execução fiscal apenso n° .....................252, respeita a IVA, e não a Coimas como foi, erradamente, dado como provado na douta sentença ora em crise.» [conclusão 3.].
Ora, considerando a correção oficiosa do ponto 1 da matéria de facto, encontra-se prejudicado o peticionado no recurso nesta parte.

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DO ERRO DE JULGAMENTO
Mostrando-se estabilizada a matéria de facto, esta constituirá o pano de fundo sobre o qual se moverá este tribunal ad quem para prosseguir o conhecimento do objeto do recurso.
A recorrente defende, em suma, que ficando assente que as dívidas em cobrança coerciva no apenso n.º......................252, no montante de € 6 918,18, respeitam a IVA (e não a Coimas), deve a oposição ser julgada improcedente na parte recorrida e alterada a sentença nessa estrita medida, considerando a fundamentação plasmada na sentença relativamente às dívidas de IVA ali apreciadas [conclusão 5.ª].
Vejamos.
A sentença julgou procedente a oposição, na parte recorrida, no pressuposto de que as dívidas em cobrança coerciva no processo executivo n.º......................252, no montante de € 6 918,18, respeitavam a coimas, o que, como vimos, não tem adesão à realidade. Ou seja, o silogismo levado a cabo pelo tribunal a quo partiu de uma premissa, como ficou demonstrado, errada e que contamina, inelutavelmente, a conclusão tirada no sentido da procedência da oposição na parte recorrida por ilegalidade da reversão por coimas.
Assim, as ilações tiradas e toda a fundamentação levada a cabo na sentença recorrida relativa à ilegalidade da reversão por coimas não tem aplicação para as dívidas em apreciação respeitantes a IVA, fundamentação que apenas se mantém incólume para as dívidas em cobrança na execução fiscal n.º....................050, no valor de € 1.344,83.
Face à conclusão acabada de retirar, incumbe agora aquilatar da pretensão da recorrente para que seja aplicável a fundamentação plasmada na sentença referente às dívidas de IVA (de 2011-04 a 2011-09) às que estão aqui em análise, pertencentes ao mesmo tributo (de 2011-10 a 2011-10), desígnio que merece acolhimento.
Na verdade, a fundamentação da sentença relativa às dívidas de IVA não vem sindicada ou impugnada no presente recurso, pelo que se mostra estabilizada. Por outro lado, aquela fundamentação é perfeita e integralmente transponível para as dívidas de IVA em cobrança coerciva no apenso n.º......................252, aqui em discussão, também do ano de 2011, por não haver qualquer particularidade ou especificidade que justifique uma distinção no seu tratamento (a diferenciação que se verificou resultou do apontado erro em que laborou o tribunal a quo ao considerá-las como referentes a coimas), pois, a questão da «ilegitimidade da Oponente por falta de culpa na insuficiência patrimonial da devedora originária» (invocada na oposição) é única e transversal a todas as dívidas de IVA.
Assim, acolhe-se e transpõe-se a fundamentação da sentença em crise relativa às dívidas de IVA (de 2011-04 a 2011-09), para as dívidas de IVA de 2011-10 a 2011-10, com data limite de pagamento a 15.02.2012, em cobrança coerciva no apenso n.º......................252, no valor de € 6.918,18, desenvolvida nos seguintes termos:
«B) Da Ilegitimidade da Oponente por falta de culpa na insuficiência patrimonial da devedora relativamente às dívidas de IVA
A Oponente alega em síntese, ter sido sócia gerente da devedora originária e que a falta de cumprimento das obrigações fiscais desta não ficou a dever-se à sua actuação culposa.
Vejamos.
A ilegitimidade do revertido por não ser responsável pelo pagamento da dívida exequenda é fundamento de oposição admitido pelo artigo 204.°, n.° 1, alínea b), do C.P.P.T.
A responsabilidade subsidiária dos gerentes ou administradores pelas dívidas das sociedades de responsabilidade limitada tem que ser apreciada à luz da lei vigente no momento em que se verificaram os pressupostos de tal responsabilidade, isto é, tendo em conta o período da constituição das dívidas exequendas e o período do seu pagamento voluntário.
No caso dos autos, estando em causa dívidas tributárias do ano de 2011 (cfr. ponto 1. do probatório), aplica-se o regime estabelecido no art.° 24.° da LGT, que na parte que aqui interessa estabelece o seguinte:
"1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) - Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) - Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento."
Resulta da citada disposição legal que, a responsabilidade subsidiária dos gerentes ou administradores pelas dívidas das sociedades de responsabilidade limitada tem como pressuposto o exercício da gerência não apenas de direito, mas também de facto. Ou seja, para que os gerentes sejam responsabilizados pelas dívidas da sociedade, não basta que como tal tenham sido nomeados no pacto social. É também necessário que no desenrolar da actividade da sociedade desempenhem efectivas funções de gerência.
A Oponente não põe em causa o exercido funções de gerente no período a que respeitam as dívidas exequendas. Desta feita, nos presentes autos importa apenas saber se a Oponente teve culpa na insuficiência do património social da executada originária para solver os créditos fiscais.
Assim, e tendo presente que a Oponente era gerente da sociedade originária devedora no período em que deveriam ter sido entregues os montantes que a sociedade originária devedora apurou a título de IVA (2011), logo ficamos aptos a concluir que, no caso, para que a Oponente se exima da sua responsabilidade subsidiária terá que ser feita a demonstração de que a falta de entrega desses tributos não lhe é imputável. Se tal prova não tiver sido feita, ou se ficarem dúvidas quanto à não imputabilidade da falta de entrega do imposto apurado naqueles períodos, a oposição não poderá proceder.
Vejamos então se a prova produzida nos presentes autos permite concluir que a Oponente não teve culpa pela falta de entrega de IVA.
A Oponente sustenta no essencial a sua falta de culpa, por um lado, na ocorrência de causas externas ao exercício da gerência, designadamente atendendo a que a devedora originária "atravessou graves dificuldades financeiras motivadas por falta de recebimentos de encomendas entregues pela sociedade, o que dificultou a atividade da mesma e levaram à sua apresentação à insolvência no início do mês de março do corrente ano. ", (cfr. art.° 10.° da PI), e que «A sociedade desenvolveu tentativas de saneamento financeiro, e apesar de não ter recebido alguns créditos por parte de clientes, procedeu ao pagamento de salários aos trabalhadores e ainda ao pagamento a fornecedores.» (cfr. art.° 11.° da PI).
Ora, a Oponente quer no alegado na PI, que na prova produzida mediante o depoimento das testemunhas inquiridas, limitou-se, de forma genérica a invocar razões exógenas à empresa, não referindo nenhuma medida concreta que a Oponente tenha tomado no sentido de a viabilizar economicamente.
Na verdade, importa, que os gerentes ou administradores tragam ao Tribunal dados concretos sobre o funcionamento da empresa, que implica uma descrição, ainda que sumária, da sua organização produtiva (a natureza da obra realizada, a matéria-prima necessária, a existência ou viabilidade de stocks, a mão-de-obra necessária, a sua especialização, etc.), alguma explicação sobre o modelo organizacional adoptado, à luz das especificidades do sector e face à conjuntura do mercado, a identificação dos seus principais fornecedores e alguma alusão à natureza das relações comerciais respectivas, e a identificação dos seus principais clientes, bem como da sua representatividade no volume de negócios anual (que possa, nomeadamente, justificar algumas concessões de natureza negociai). Importa, também, que sejam fornecidos valores sobre as principais contas e sua flutuação no período considerado. Só a partir dessas coordenadas gerais é que o Tribunal poderia aferir em concreto, a natureza da crise gerada pelas faltas de pagamento e concluir que a Oponente nada pôde fazer para lhe fazer frente.
E, não se diga que, lhe bastava aludir às dificuldades financeiras ou aos problemas financeiros «motivadas por falta de recebimentos de encomendas entregues pela sociedade» e «não ter recebido alguns créditos por parte de clientes», e que ao Tribunal cabia oficiosamente indagar desses valores. A alegação da existência de problemas financeiros não é um facto, mas uma conclusão a extrair de factos concretos consubstanciados nos dados contabilísticos dessas contas. E, embora as partes só sejam obrigadas a alegar os factos essenciais, têm que ser factos concretos, historicamente contextualizados, que consubstanciem a sua causa de pedir, demonstrando de forma cabal, em que medida a quebra de encomendas afectou irremediavelmente a devedora originária, bem como qual o montante de créditos não recebidos pelos clientes e que diligência tomou para a sua recuperação. Sobre a teoria da substanciação, em vigor entre nós, vd. ARTUR ANSELMO DE CASTRO, «Direito Processual Civil Declaratório», volume 1, Almedina, pág.s 205 e seguintes.
Pelo exposto, somos de concluir que a sua alegação é, nesta parte, manifestamente insuficiente para afastar a presunção de culpa que sobre si recaía em conformidade com o artigo 24.°, n.° 1, alínea b) da L.G.T.
Ou seja, a prova feita nos autos não é suficiente para a demonstração da falta de culpa na diminuição do património, nem se afigura suficiente para a demonstração da falta de culpa pelo não pagamento.
Na verdade, não ficou o Tribunal alheio ao facto de a insolvência ter sido considerada fortuita, e de que, aquando da insolvência, a Oponente, nada tendo sonegado ou feito desaparecer, em seu proveito próprio ou de terceiro, o que foi confirmado pelas testemunhas arroladas, e que a Oponente terá contraído um empréstimo (hipoteca), para fazer face às dificuldades da empresa. Porém, nos autos não há sequer prova de que, a sociedade originária devedora não tivesse os meios necessários para proceder oportunamente à entrega do IVA em cobrança coerciva, ou de que, não os tendo nessa ocasião, essa falta não fosse devida a qualquer actuação ou omissão imputável à Oponente.
Aliás, a prova no caso sub judice terá de ser particularmente exigente porquanto nos situamos perante dívidas de IVA, que foi apurado pela própria sociedade originária devedora e relativamente ao qual a Oponente simplesmente alegou: que a devedora originária «atravessou graves dificuldades financeiras motivadas por falta de recebimentos de encomendas entregues pela sociedade, o que dificultou a atividade da mesma e levaram à sua apresentação à insolvência no início do mês de março do corrente ano.», (cfr. art.° 10.° da PI) e que «A sociedade desenvolveu tentativas de saneamento financeiro, e apesar de não ter recebido alguns créditos por parte de clientes, procedeu ao pagamento de salários aos trabalhadores e ainda ao pagamento a fornecedores.» (cfr. art.° 11.° da PI)
Note-se que, embora o não recebimento do IVA dos clientes não justifique que o mesmo não haja de ser entregue ao Estado (ao sujeito passivo de IVA compete, em conformidade com o Código daquele imposto, entregar o IVA resultante da diferença entre o imposto liquidado e o imposto dedutível, independentemente de o ter recebido ou não do cliente), é facto que pode e deve ser ponderado na avaliação da culpa do gerente pela falta de entrega do imposto ao Estado, designadamente se puder estabelecer-se uma conexão entre a falta de fundos da empresa e o não recebimento dos clientes. O que significa que, em princípio, o montante correspondente ao imposto a entregar ao Estado terá entrado na sociedade. E, se assim foi, por certo apenas circunstâncias muito excepcionais poderiam justificar por que a sociedade não efectuou a entrega desse montante ao Estado e, assim, permitir que a Oponente, como gerente da sociedade, afastasse a presunção de culpa por essa falta de entrega. Neste sentido, cfr. Ac. TCAN de 20.10.2009, Proc. 00228/07.2BEBRG.
Mas, ainda que a sociedade originária devedora não tenha recebido dos seus clientes o IVA que havia de entregar ao Estado, tal não determinaria, por si só, o afastamento da culpa da Oponente pela falta de entrega do imposto. Para tanto, sempre haveria que provar-se factualidade que permitisse a conclusão de que a sociedade não tinha os fundos necessários à entrega do imposto e que a Oponente nenhuma responsabilidade tinha nessa situação. Ora, a esse propósito nada ficou provado pelo depoimento das testemunhas arroladas, nem a Oponente alegou o quer que fosse de concreto.
Pelo que, concluímos, pois, que não há nos autos prova no sentido de que a falta de pagamento das dívidas de IVA respeitante ao ano de 2011, ora em cobrança coerciva, não seja imputável à Oponente.
Assim, nada se demonstrando no sentido de afastar a culpa da Oponente pela não entrega deste tributo, deve ela responder pelas mesmas, ao abrigo da alínea b) do art. 24.°, n.° 1, da LGT.
Pelo exposto, improcede nesta parte a presente Oposição.»
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso e, em conformidade, revogar a sentença na parte recorrida e julgar a oposição improcedente quanto às dívidas de IVA em cobrança coerciva no processo de execução fiscal n.º......................252, no valor de € 6.918,18.
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Nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC., formula-se o seguinte SUMÁRIO:
I - Existe erro de julgamento de facto, quando o tribunal a quo dá como provado que as dívidas em cobrança coerciva respeitam a coimas, quando na verdade são dívidas de IVA;
II – O silogismo levado a cabo pelo tribunal a quo que partiu de uma premissa errada contamina, inelutavelmente, a conclusão tirada no sentido da procedência da oposição na parte recorrida por ilegalidade da reversão por coimas, que cumpre ao tribunal ad quem corrigir.
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IV – DECISÃO:
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos de Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso e, em conformidade, revogar a sentença na parte recorrida e julgar a oposição improcedente quanto às dívidas de IVA em cobrança coerciva no processo de execução fiscal n.º......................252, no valor de € 6.918,18.


Custas por ambas as partes na primeira instância, na proporção do respetivo decaimento e que se fixam em 84% para a Oponente e 6% para a Fazenda Pública.
Nesta instância as custas são a cargo da Recorrida, não sendo devida taxa de justiça uma vez que não contra alegou.

Porto, 11 de abril de 2024


Vítor Salazar Unas
Cristina Paula Travassos de Almeida Bento Duarte
Ana Paula Rodrigues Coelho dos Santos