Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:1083/09.3BEBRG-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/14/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE REVISÃO DA SENTENÇA
Sumário:I-A certeza e a segurança que uma decisão judicial implica não podem ser comprometidas com interpretações pouco rigorosas do instituto da revisão, que só deve ser aplicado em circunstâncias muitos excepcionais; a sua banalização é um atentado ao caso julgado, instituto primordial na aplicação da justiça.

II-O acesso ao recurso de revisão apenas pode ser permitido nos casos em que não tenha sido objectiva ou subjectivamente possível à parte apresentar o documento a tempo de interferir no resultado declarado na acção ou execução onde foi proferida a decisão revidenda.

III-O documento necessário para se proceder à revisão de sentença transitada em julgado tem que ser suficiente para, só por si, poder modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida, tem que ser suficiente para destruir a prova em que a sentença se fundou, provando facto inconciliável com aquela;
III.1-o recurso de revisão não pode utilizar-se como mais uma forma de produzir prova que as partes falharam em produzir na altura própria.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:A.
Recorrido 1:INSTITUTO POLITÉCNICO (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
A., residente na (…), interpôs - nos termos dos artigos 154.° e ss. do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) [na redacção anterior à que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro], conjugados com os artigos 696.º e seguintes do Código de Processo Civil (CPC) -, Recurso Extraordinário de Revisão da Sentença proferida, em 22 de setembro de 2010, no âmbito da Acção Administrativa Especial de Impugnação n.º 1083/09.3BEBRG, na qual esta foi Autora e em que foi Réu o Instituto Politécnico do Cávado e do Ave (IPCA), com sede na Av.ª (…).

Por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga foi julgado improcedente o fundamento aduzido pela Recorrente, julgando-se totalmente improcedente, por não provado, o recurso extraordinário de revisão e, consequentemente foi mantida a sentença proferida no processo n.º 1083/09.3BEBRG, com todas as consequências legais.

Desta vem interposto recurso.
Alegando, a Autora formulou estas conclusões:
A) O recurso extraordinário de revisão constante dos autos ora recorridos, sob o apenso A, veio interposto da sentença do TAF de Braga (de 22/09/2010), com fundamento na alínea c) do art.º 696.º do CPC, por remissão do art.º 154.º, n.º 1 in fine, do CPTA;
B) Não se conforma a recorrente com a improcedência de tal recurso extraordinário de revisão, porquanto o documento oportunamente apresentado nessa sede se mostra totalmente idóneo, só por si, para justificar uma decisão em sentido contrário.
C) Assim, o âmbito do presente recurso de apelação prende-se com o momento de ponderação do juízo rescisório pelo tribunal recorrido, ou seja, verificados que foram os requisitos de apresentação do documento superveniente, constantes da al. c) do art.º 696.º do CPC.
D) Em data posterior ao trânsito em julgado da sentença revidenda, mais precisamente em 28/11/2014, recebeu a ora recorrente cópia de um e-mail (junto aos autos recorridos sob o Doc. n.º 1), enviado pelo então Presidente do IPCA/entidade recorrida – o falecido Professor Doutor J.- a vários destinatários, todos eles professores daquele Instituto e avaliadores no âmbito do SIADAP
E) Tal documento, de procedência anónima, foi-lhe enviado via CTT conforme demonstrado pelo Doc. n.º 2, igualmente junto aos autos recorridos, a saber, um envelope com carimbo datado de 27/11/2014, sendo certo que a data de envio do referido e-mail remonta a 23/05/2014, ou seja, a uma data também posterior ao trânsito em julgado da sentença nos autos principais.
F) Na ótica da ora recorrente, o referido e-mail, para além de ser documento incontestavelmente superveniente, revela-se autossuficiente para modificar a decisão revidenda, em sentido que lhe é mais favorável
G) Com efeito, em 21/07/2009, instaurou a ora recorrente, junto do TAF de Braga, ação especial de impugnação de ato administrativo (Cfr. Proc.º n.º 1083/09.3BEBRG), alegando violação do disposto na alínea d) dos art.ºs 61.º e 65.º do SIADAP, por omissão da reunião entre avaliador e avaliado no respetivo processo de avaliação.
H) Por despacho datado de 28/01/2010, concluiu o TAF de Braga que inexistia matéria de facto controvertida tendo sido determinada a abertura de período de produção de prova do quesito único: “No dia 12.05.2009 teve lugar reunião entre a A. e o seu avaliador, o Prof. Dr. F.?”
I) Em 22/09/2010, e na sequência de ter sido dado como provado o referido quesito único, proferiu o TAF de Braga a douta sentença que veio julgar improcedente suprarreferida ação, a qual consubstanciou a decisão revidenda.
J) Até 28/11/2014 não tinha a ora recorrente conhecimento do e-mail que juntou aos autos recorridos sob o Doc. n.º 1, nem dele poderia ter feito uso, a tempo de modificar, a seu favor, a decisão revidenda.
K) Nesse e-mail, o então Presidente da entidade recorrida referia-se expressamente ao nome da ora recorrente (“eng A.”), advertindo os avaliadores para o facto de não poderem repetir-se situações destas, ou seja, “simulações de reuniões” (SIC).
L) Sucede que, a despeito da factualidade julgada provada na sentença ora recorrida, mormente no que concerne à imputação da autoria do e-mail ao falecido Prof. J.(Cfr. ponto 6 da Fundamentação de facto da douta sentença recorrida) persistiu a Meritíssima juiz a quo em colocar em causa a força probatória do documento que, de resto, sequer foi impugnado pela entidade recorrida.
M) Sendo certo que a entidade recorrida, por seu turno, logrou confirmar, em sede de instrução do recurso extraordinário de revisão, que foi o falecido Prof. J. quem efetivamente subscreveu aquele e-mail, conforme pontos 19 e 24 da “Resposta” (Cfr. resposta da entidade recorrida de fls. destes autos, datada de 11/01/2017):
19.O Presidente do R. decidiu enviar algumas orientações a todos os avaliadores sobre o processo avaliativo.(…)
24.Ou seja, esta mensagem do Presidente do R. constituiu-se como um alerta aos avaliadores, no sentido de que as reuniões devem ser efectivas e não um mero “pró-forma” e os objectivos devem ser definidos no início da prestação do trabalho.
N) Verifica-se, assim, na douta sentença a quo uma oposição evidente entre a fundamentação de facto (que julga como provada a identidade do signatário do e-mail – Cfr. Ponto 6 da fundamentação de facto) e a decisão de rejeição de tal e-mail, com base na ausência de efeitos probatórios da declaração vertida nesse mesmo documento, conforme fls. 19 da douta sentença recorrida:
(…) constata-se que se tratará da impressão de uma alegada mensagem de correio eletrónico que terá sido remetida por João Carvalho, sem menção da qualidade em que o mesmo actuará, (…) não se mostrado também juridicamente assinado, de forma a permitir a plena prova da declaração constante no documento.”
(…) Como se salientou, está em causa um mero escrito particular, do qual nem sequer é possível extrair da análise do documento qualquer efeito probatório quanto ao autor da declaração vertida”
O) Tal oposição acarreta a nulidade da sentença recorrida, a qual desde já se invoca, para todos os efeitos legais, ex vi alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.
P) Não sufragando VEx.ªs tal entendimento, mas sem nunca conceder, dir-se-á, ademais, que errou no julgamento a Meritíssima juiz a quo, ao imputar uma força probatória diminuída ao documento apresentado.
Q) Sendo certo que o facto de se tratar de uma mensagem eletrónica (impressa em papel) em nada afeta a sua força probatória plena, tal como resulta dos n.ºs 1 e 2 do art.º 3.º n do DL 290-D/99, republicado pelo DL n.º 88/2009 de 09 de Abril (o qual regula a validade, eficácia e valor probatório dos documentos eletrónicos).
R) Daí resultando igualmente demonstrado que a ausência de assinatura autógrafa não equivale à falta de assinatura tout court.
S) Mais incorreu em erro de julgamento, a Merítissima juiz a quo, ao referir-se à «natureza vaga e genérica» das declarações constantes do documento, colocando em dúvida se a alusão que ali é feita à recorrente se reportaria, efetivamente, ao processo judicial que foi objeto da sentença revidenda (Cfr. Sentença recorrida de fls. 18-20)
T) O teor daquelas declarações não é suscetível de qualquer equívoco relativamente à atuação omissa da entidade recorrida, porquanto é feita alusão expressa ao “processo dr eng A.”, dando nota da respetiva notificação das alegações de recurso (elaborado nos autos principais para este mesmo TCAN), em que a ora recorrente pedia a «condenação do ipca a anular o acto administrativo e repetição da avaliação por não ter havido reunião entre avaliador e avaliado», o que corresponde, claramente, aos pedidos da Ação Administrativa Especial que deu origem à sentença revidenda.
U) Mais importa sublinhar que a liberdade de apreciação da prova em que se respalda a Meritíssima juiz a quo, não pode ser sinónimo de arbitrariedade ou discricionariedade, não devendo ser uma convicção puramente voluntarista, subjetiva ou emocional - mas antes uma convicção formada para além de toda a dúvida tida por razoável e - portanto, capaz de se impor aos outros. (vide AC TRC de 02/12/2014 no Proc.º n.º 536/2002.C1-A in www.dgsi.pt)
V) Sendo certo que o documento apresentado é, por si só, suficiente para modificar a decisão revidenda em sentido mais favorável à recorrente, logrando demonstrar, em abono da descoberta da verdade material que, in casu, foi efetivamente omitida uma fase essencial do processo avaliativo, a qual não passou de um mero encontro entre avaliador e avaliada, tendo sido, afinal, uma autêntica “simulação de reunião”.
X) Com efeito, em face do teor do e-mail junto aos autos recorridos, a prova do quesito único (“No dia 12.05.2009 teve lugar reunião entre a A. e o seu avaliador, o Prof. Dr. F.?”), bem como a consequente sentença absolutória (decisão revidenda) resultam claramente prejudicadas.
Y) Ou seja, se tivesse sido cronologicamente possível à recorrente juntar aquele documento, em momento anterior à decisão revidenda, nunca o único quesito que cumpria provar e respetivo facto subjacente teriam sido dados por demonstrados.
Z) Acresce que os documentos juntos pela entidade recorrida, em sede de instrução do recurso extraordinário de revisão, em nada contrariam o teor do referido e-mail, antes o tendo vindo clarificar e reiterando a ideia de os avaliadores não promoverem efetivas reuniões.
AA) Razão pela qual entende a ora recorrente que, quer do ponto de vista adjetivo, quer substantivamente, se afigura o documento apresentado mais do que suficiente para contrariar a prova em que se fundou a decisão revidenda.
BB) Até porque, tal como afirma Rodrigues Bastos – nas suas “Notas ao CPC”, Vol. III, 3ª ed., pág. 319 - «para servir de fundamento à revisão, é necessário que o documento, além do carácter de superveniência, faça prova de um facto inconciliável com a decisão a rever, isto é, que só por ele se verifique ter esta assentado numa errada averiguação de facto relevante para o julgamento de direito».
CC) Dúvidas não podem restar de que a sentença revidenda absolutória logrou adulterar a verdade dos factos, resultando num claro prejuízo para a ora recorrente, nas suas esferas moral e patrimonial.
DD) Razão pela qual, em sede do requerimento de interposição do recurso extraordinário de revisão de fls. dos autos recorridos, se veio cumular o pedido de indemnização pelos danos sofridos, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 154.º do CPTA.
EE) Pretensão essa cujo mérito resultou prejudicado na sentença recorrida e que cumpre, agora, a VEx.ªs apreciar.
FF) Consubstanciando o facto ilícito, para efeitos de responsabilidade civil extracontratual da entidade recorrida, o despacho de homologação da avaliação da ora recorrente (ato oportunamente impugnado, em sede dos autos principais).
GG) Decorrendo, ademais, tal facto ilícito de culpa da entidade recorrida, mais concretamente da culpa do(s) Professor(es) responsável(is) pela avaliação da ora recorrente, os quais, segundo se diz no Doc. n.º1 (e-mail) promoviam, conscientemente, “simulações de reuniões”.
HH) Quanto aos danos sofridos (Cfr. art.º 3.º, n.º 3 da Lei n.º 67/2007), resultaram, desde logo, para a recorrente, danos patrimoniais, os quais ascendiam, até ao momento de interposição do recurso de revisão, a um valor não inferior a €2.470,95 (dois mil, quatrocentos e setenta euros e noventa e cinco cêntimos), englobando despesas com custas judiciais e honorários de advogado.
II) Por outro lado, no que respeita aos danos morais, há que levar em consideração que a ora recorrente, bem sabendo que a reunião entre avaliador e avaliada não passou de um mero encontro, sempre advertiu, desde o primeiro momento (ainda em sede pré-contenciosa), para a ilegalidade do respetivo processo de avaliação.
JJ) Razão pela qual, facilmente se compreende que tenha vivido intensamente todo este processo judicial, sempre na expetativa de demonstrar a verdade dos factos, o que lhe vem causando um profundo desgaste emocional.
KK) Além disso, no próprio local de trabalho e desde o início do presente processo judicial, a ora recorrente tem sido vítima de zombaria e desdém por parte de alguns colegas e superiores hierárquicos, com manifesto desprezo pela sua dignidade, enquanto pessoa, e pelo seu brio profissional.
LL) Tais situações que, de forma reiterada, vêm denegrindo a imagem da ora recorrente, perante a entidade recorrida, causam-lhe enorme constrangimento, impedindo-a de fazer uma vida normal e refletindo-se, designadamente, em insónias frequentes e pesadelos.
MM) Por todos estes danos, cuja longevidade remonta já a Julho de 2009, reputa a ora recorrente, como justa, uma indemnização não inferior a €6.000,00 (seis mil euros).
NN) Reclamando, em cumulação com o recurso extraordinário de revisão, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais (Cfr. art.º 3.º, n.º 3 da Lei n.º 67/2007) uma indemnização, no valor global de 8.470,95 (oito mil, quatrocentos e setenta euros e noventa e cinco cêntimos).
Termos em que deverá este Tribunal, conforme todo o supra expendido e nos demais que suprirão, considerar procedente o presente Recurso e, em consequência, decidir:
Pela NULIDADE da sentença recorrida, à luz do do n.º 1, alínea c) do art.º 615.º do CPC;
Ou, assim não se entendendo,
pela REVOGAÇÃO da sentença recorrida, substituindo-a por outra que considere procedente o recurso extraordinário de revisão e, em consequência, revogue a sentença revidenda nos termos e para os efeitos do art.º 156.º, n.º 2 do CPTA, anulando o despacho homologatório da avaliação de desempenho da recorrente, por omissão de uma fase essencial no iter do processo avaliativo;
E pela CONDENAÇÃO da entidade recorrida ao pagamento de uma indemnização de valor global não inferior a 8.470,95 (oito mil, quatrocentos e setenta euros e noventa e cinco cêntimos), nos termos do art.º 154.º, n.º 2 do CPTA, conjugado com o art.º 3.º, n.º 3 da Lei n.º 67/2007 de 31/12 - Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas.

SÓ ASSIM SE FAZENDO A CONSUETA JUSTIÇA!
O Réu juntou contra-alegações, concluindo:
1 O primeiro fundamento de recurso assenta na imputação por parte da Recorrente numa nulidade decorrente da alegada oposição entre o facto provado 6 e a rejeição do email, mas o que acontece é que a sentença recorrida faz uma análise da força probatória deste documento com a qual a Recorrente não concorda.

2 Os documentos são meios de prova que carecem de análise e ponderação pelo julgador, podendo as partes concordar ou discordar dessa análise e é o que sucede neste caso, pois do email em questão a Recorrente retira uma conclusão e a sentença recorrida outra e por esse motivo deve a nulidade invocada ser rejeitada.

3 No segundo fundamento do recurso a Recorrente imputa à sentença recorrida erro de julgamento de facto e para tal sustenta que o referido email permite concluir, sem dúvida, que não houve reunião entre o avaliador e a Recorrente.

4 A sentença recorrida elabora uma exaustiva e fundamentada justificação quanto ao que o email significa, razão pela qual se acompanha e se remete para toda a argumentação constante das páginas 16 in fine a 20 da mesma.

5 Como resulta da acção administrativa julgada, o Recorrido sempre sustentou que a reunião entre o avaliador e a Recorrente existiu e esta reconhece (quer na p.i. da acção decidida, quer nas alegações) que os dois se encontraram; no entanto, agora no recurso de revisão, a Recorrente alterou a sua versão e alega que a reunião não teve lugar, suportando-se para o efeito num email.

6 O recurso de revisão não se destina a que as partes tragam novas versões dos factos, pelo que se impunha a sua rejeição, sem mais, como a sentença recorrida entendeu (embora posteriormente tenha analisado o documento).

7 O email que sustenta a revisão tem uma natureza genérica, que extravasa a avaliação e a situação da Recorrente, pois esta mensagem do Presidente do Recorrido constituiu-se como um alerta aos avaliadores, no sentido de que as reuniões devem ser efectivas e um mero "pró-forma" e os objectivos devem ser definidos no início da prestação de trabalho e esta interpretação resulta muito clara das notas manuscritas pelo então Presidente do Recorrido, devendo ser valoradas na medida da impossibilidade da sua audição em audiência de julgamento.

8 A certeza que a caligrafia é do então Presidente do Recorrido resulta dos demais documentos juntos, onde é perfeitamente visível a sua igualdade, e quanto ao motivo das notas percebe-se bem que o seu autor leu o recurso de revisão e ao remeter o processo para a Administradora E. transmitiu a sua opinião sobre o email e sua interpretação.

9 A revisão só seria admissível se o documento constituísse como uma prova inabalável do que a Recorrente alega, o que manifestamente não sucede e face ao falecimento do autor do email a interpretação a fazer é com base no seu teor e nos demais documentos juntos (o que nunca possibilitaria a procedência da revisão por falta de segurança e certeza suficientes).

10 Entende o Recorrido que bem andou a sentença recorrida ao considerar que o email em causa não serve os fins da revisão.

11 Na eventualidade do recurso proceder há um fundamento que não foi apreciado pelo Tribunal "a quo" e que se convoca neste enquadramento, concretamente a intempestividade do recurso de revisão.

12 O recurso de revisão deve ser interposto até 5 anos sobre a data do trânsito em julgado da decisão e no prazo de 60 dias contados da data em que a Recorrente obteve o documento em causa (por ter sido este o fundamento invocado para o recurso) e se o primeiro prazo se mostra respeitado, o mesmo não sucede com o segundo.

13 A Recorrente não logrou provar quando recebeu o documento em apreço, tendo junto um envelope que não é suficiente para a prova do facto.

14 A certeza e a segurança que uma decisão judicial implica não podem ser comprometidas com interpretações aventureiras e pouco rigorosas do instituto de revisão, que só deve ser aplicado em circunstâncias muito excepcionais.

15 Afigura-se insuficiente para a prova da tempestividade do recurso o documento junto, pelo que recaindo sobre a Recorrente o ónus do cumprimento do prazo previsto no artigo 6970/n0 2 c) do CPC, deverá ser rejeitado o recurso por não se ter demonstrado que o prazo de 60 dias foi observado.

TERMOS EM QUE deve o recurso ser julgado totalmente improcedente ou, caso assim não se entenda, ser o recurso de revisão julgado intempestivo.

O Senhor Procurador Geral Adjunto, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1. Em 21 de Julho de 2009, A., ora Recorrente, intentou, contra o Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, ora Recorrido, neste Tribunal, a “ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE IMPUGNAÇÃO de ACTO ADMINISTRATIVO com o PEDIDO de DECLARAÇÃO DE NULIDADE DO DESPACHO […] do dirigente máximo do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave que, expressamente, afirma: «Homologo a decisão do Conselho Coordenador da Avaliação em atribuir a menção qualitativa de “desempenho inadequado”» […] com o PEDIDO de CONDENAÇÃO À PRÁTICA DE ACTO ADMINISTRATIVO DEVIDO”, tendo formulado petitório cujo teor se transcreve:
“…Nestes termos e melhores de direito aplicável, deverá a presente acção ser considerada procedente por provada e, em consequência, A) Ser declarada a NULIDADE do ACTO Administrativo impugnado sob o Doc. nº 1. B) Ser condenado o IPCA à prática do acto administrativo devido, isto é, a PROCEDER À AVALIAÇÃO DA A., observando-se o disposto no art.º 73º n.º 2 do SIADAP…” [cf. petição inicial constante de págs. 1-10 do processo n.º 1083/09.3BEBRG e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
2. Em 22 de Setembro de 2010, no âmbito da acção referida em 1), foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente o petitório formulado pela ora Recorrente e absolveu o ora Recorrido do mesmo, nos seguintes termos, a saber: “…
II. Factos:
1. A A. é Técnica-Superior do R. IPCA;
2. Por força do Despacho Interno n.º 3/2008, de 13 de Setembro, que procedeu à separação física das duas Escolas que integram o IPCA (Escola Superior de Gestão - ESG - e Escola Superior de Tecnologia - EST), a A foi, nessa mesma data, afecta à EST (ponto 10.1 do supracitado Despacho Interno) – cfr. doc. n.º 2, junto com a contestação e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
3. Por força desta afectação, passou a estar sujeita à avaliação de desempenho por parte do Director da EST, Prof. Doutor F., cabendo a este, proceder, quer à reformulação dos objectivos até 31 de Outubro de 2008, quer à respectiva avaliação, recolhendo contributos escritos adequados a uma efectiva e justa avaliação do anterior avaliador [Administradora do IPCA] – cfr. ponto 10.2, a fls. 6 do doc. n.º 1, junto com a contestação e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
4. A reunião para a reformulação dos objectivos da A., por ter mudado de avaliador, teve lugar no dia 04 de Dezembro de 2008 – cfr. doc. nº 2 junto com a contestação do R. e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
5. Atendendo ao parecer da Comissão Paritária, o presidente do R. IPCA, exarou despacho, determinando que «o processo deve ser retomado no momento em que ocorreu a referida situação. A reclamante deve ser notificada para a reunião prevista no art.º 61.º. Ficam sem efeito todos os actos posteriores àquela data» - cfr. doc. nº 5 A junto com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
6. O avaliador da A. convocou a reunião determinada pelo supra-citado despacho para o dia 12 de Maio de 2009 – cfr. Doc. n.º 5 B, junto com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
7. Aos autos, numerado como doc. nº 2, junto com a contestação do Réu, encontra-se junto documento composto de 18 fls. e que contém, de forma detalhada todos os passos do processo avaliativo da autora.
8. Nesse dia 12.05.2009 teve lugar a reunião entre o avaliador, Prof. Doutor F. e a Autora - cfr. fls. 8 do doc nº 2, junto aos autos com a contestação do Réu;
9. Com data de 19.05.2009, foi homologada, pelo dirigente máximo do serviço, a decisão do Conselho Coordenador de Avaliação de atribuir a menção qualitativa de “desempenho inadequado” à autora – cfr. fls. 8 do doc nº 2, junto aos autos com a contestação do Réu;
10. Do doc. nº 2, a fls. 7 e 14, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta a fundamentação para a menção de desempenho da autora;
(…)
Como se adiantou acima, a autora pretende não ter tido lugar a reunião exigida pela alínea d) do preceito acima transcrito.
No entanto, resulta da matéria de facto dada como provada que a autora esteve, de facto, na presença do seu avaliador. O que a autora pretende, conforme reitera nas suas alegações, é que tal não consubstancia uma “reunião”, no sentido em que o CPA o designa, desde logo porque não foi elaborada acta como determina aquele diploma, no seu art.º 27º.
Diz este artigo:
“1 – De cada reunião será lavrada acta, que conterá um resumo de tudo o que nela tiver ocorrido, indicando, designadamente, a data e o local da reunião, os membros presentes, os assuntos apreciados, as deliberações tomadas e a forma e o resultado das respectivas votações.
2 – As actas são lavradas pelo secretário e postas à aprovação de todos os membros no final da respectiva reunião ou no início da seguinte, sendo assinadas, após a aprovação, pelo presidente e pelo secretário.
3 – Nos casos em que o órgão assim o delibere, a acta será aprovada, em minuta, logo na reunião a que disser respeito.
4 – As deliberações dos órgãos colegiais só podem adquirir eficácia depois de aprovadas as respectivas actas ou depois de assinadas as minutas, nos termos do número anterior.


No entanto, a autora parece olvidar que a secção II do CPA (art.º 14º e ss), onde se encontra tal artigo, é relativa ao funcionamento de órgãos colegiais, o que, manifestamente, não será o caso da “reunião” a que alude o artº 61º, d) da Lei 66-B/2007.
Tal reunião, teve, portanto lugar, encontrando-se preenchida tal fase do procedimento avaliativo e não havendo qualquer violação do direito de audiência prévia, conforme pretende a autora.
…” [cf. sentença proferida em 22-09-2010, no âmbito do processo n.º 1083/09.3BEBRG e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
3. Em Novembro de 2014, a sentença referida em 2) transitou em julgado [cf. tramitação processual constante do processo n.º 1083/09.3BEBRG e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
4. Em 26 de Janeiro de 2015, a Recorrente interpôs, neste Tribunal, o presente recurso extraordinário de revisão da sentença referida em 2), tendo junto um email, cujo teor se reproduz, a saber: “…

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

…” [cf. documento (doc.) n.º 1 junto com o recurso extraordinário de revisão de sentença e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
5. O email reproduzido em 4) não consta da documentação carreada para os autos principais (processo n.º 1083/09.3BEBRG); sendo que a Recorrente juntou, com o presente recurso extraordinário de revisão da sentença referida em 2), um envelope
cujo teor se reproduz, a saber: “…
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

…” [cf. documento (doc.) n.º 2 junto com o recurso extraordinário de revisão de sentença e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. factualidade não controvertida].
6. Em 27 de Dezembro de 2018, ocorreu o óbito da única testemunha arrolada pelo Recorrido e que era o signatário do documento reproduzido em 4) [cf. factualidade não controvertida].
7. Em 26 de Outubro de 2020, o Recorrido procedeu à junção aos autos do seguinte documento, a saber: “…
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

…” [cf. documento (doc.) n.º 1 junto aos autos, em 26-10-2020, pelo Recorrido e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
8. Em 26 de Outubro de 2020, o Recorrido procedeu à junção aos autos de mais cinco documentos do IPCA, dos quais constam despachos manuscritos pelo Prof. Dr. J.- documentos, esses, cujo teor, aqui, se tem presente [cf. documentos (docs.) n.º
3 a n.º 7 juntos aos autos, em 26-10-2020, pelo Recorrido e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
Em sede de factualidade não provada o Tribunal consignou:

Inexistem outros factos provados ou não provados para além dos supra elencados com
relevo para a apreciação da causa; sendo que a restante matéria não foi considerada por não ser relevante, por respeitar a conceitos de direito, por consistir em alegações de facto ou de direito, ou por encerrar opiniões ou juízos conclusivos.
E continuou:

A convicção do Tribunal quanto à factualidade julgada provada assentou na análise crítica (i) do teor dos documentos que constam dos presentes autos e do processo n.º 1083/09.3BEBRG, (ii) da posição assumida pelas partes nos seus articulados [tendo-se aplicado o princípio cominatório semi-pleno pelo qual se deram como provados os factos admitidos por acordo e por confissão, compatibilizando-se toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras de experiência, tendo o Tribunal tido em atenção os factos para cuja prova era exigível documento], (iii) em articulação com as regras de distribuição do ónus probandi - tudo conforme referido a propósito de cada ponto da matéria de facto provada.
X
Vejamos:

Inicia a Recorrente o seu recurso por imputar nulidade à sentença recorrida decorrente de uma alegada oposição entre o facto provado 6 e a rejeição do email.

Sucede, porém, que esta nulidade não se verifica.

Segundo o artigo 615º do NCPC (artigo 668º CPC 1961), ex vi artigo 1º do CPTA, sob a epígrafe “Causas de nulidade da sentença”,
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 -…. .
3 -….. .
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
Nos termos das alíneas b) e c) só ocorre nulidade quando falte a fundamentação (de facto/de direito devidamente especificada) ou quando a fundamentação da decisão aponta num sentido e a decisão em si siga caminho oposto, ou seja, as situações em que os fundamentos indicados pelo juiz deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao que se contém na sentença ou agora, também quando a decisão seja ininteligível por alguma ambiguidade.

Dos incontáveis arestos dos tribunais superiores que reiteram a mesma doutrina jurisprudencial nesta matéria, retemos o Acórdão do Pleno da Secção do CA do Supremo Tribunal Administrativo, de 15/11/2012, proc. 0450/09, que sumariou: “(…) II - A estrutura da sentença está concebida no artº 659º do CPC, devendo a mesma começar por identificar as partes, o objecto do litígio (fixando as questões que que ao tribunal cumpre solucionar), os fundamentos (de facto e de direito) e concluindo com a decisão. Delineada a estrutura deste acto jurisdicional (por excelência), o desvio ao figurino gizado pelo legislador ocasiona uma patologia na formação e estruturação da decisão susceptível de a inquinar de nulidade (artº 668º nº 1 do CPC).

III - Um dos elementos estruturantes da sentença é a fundamentação. Esta tem duas funções: uma função endoprocessual e uma função extraprocessual. A função endoprocessual é aquela que desenvolve a motivação da sentença, entendido como requisito técnico da pronúncia jurisdicional, no interior do processo; a função extraprocessual da motivação está ligada com a natureza garantista da absoluta generalidade e na consequente impossibilidade de a entender como derrogável ad libitum pelo legislador ordinário (e muito menos como derrogável ad libitum pelo juiz ou pelas partes.

IV - A nulidade da sentença por falta de fundamentação só ocorre quando haja ausência absoluta de motivação, ou seja, total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que a decisão assenta. (…)”.

Já a nulidade da alínea c) pressupõe um vício real no raciocínio expresso na decisão, consubstanciado na circunstância de a fundamentação explicitada na mesma apontar num determinado sentido, e, por seu turno, a decisão que foi proferida seguir caminho oposto, ou, pelo menos, diferente, ou ainda não ser perceptível face à fundamentação invocada. Isto é, a fundamentação adoptada conduz logicamente a determinada conclusão e, a final, o juiz extrai outra, oposta ou divergente (de sentido contrário).
Não se confunde com o erro de julgamento, seja quanto à apreciação dos factos feita pelas instâncias, seja quanto às consequências jurídicas deles extraídas, por inadequada ter sido a sua subsunção à regra ou regras de direito pertinentes à situação concreta a julgar.
Trata-se, pois, de uma irregularidade lógico-formal e não lógico-jurídica.
Só releva, para este efeito, a contradição entre a decisão e os respectivos fundamentos e não eventuais contradições entre fundamentos de uma mesma decisão, por um lado, ou contradição entre decisões, fundamentadas ou não, por outro.
Ao não existir qualquer contradição lógica, não se verifica esta nulidade, porquanto ela reporta-se ao plano interno da sentença, a um vício lógico na construção da decisão, que só existirá se entre esta e os seus motivos houver falta de congruência, em termos tais, que os fundamentos invocados pelo tribunal devessem, naturalmente, conduzir a resultado oposto ao que chegou.
Já a omissão de pronúncia está relacionada com o dever que o nº 1 do artº 95º do CPTA impõe ao juiz de decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Nestes termos, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia verificar-se-á quando exista (apenas quando exista) uma omissão dos deveres de cognição do tribunal, o que sucederá quando o juiz não tenha resolvido todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Este vício relaciona-se com o comando ínsito na 1ª parte do n.º 2 do artigo 608.º do CPC, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e não todos e cada um dos argumentos/fundamentos apresentados pelas partes, e excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras - cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. V, Coimbra 1984 (reimpressão) e os Acórdãos do STA de 03/07/2007, proc. 043/07, de 11/9/2007, proc. 059/07, de 10/09/2008, proc. 0812/07, de 28/10/2009, proc. 098/09 e de 17/03/2010, proc. 0964/09, entre tantos outros.

Questões, para este efeito, são, pois, as pretensões processuais formuladas pelas partes no processo que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer ato (processual), quando realmente debatidos entre as partes - v. Antunes Varela in RLJ, Ano 122.º, pág. 112 e Teixeira de Sousa in “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, págs. 220/221.

Por seu turno, a nulidade por excesso de pronúncia verifica-se quando na decisão se conhece de questão que não foi suscitada por qualquer uma das partes, nem pelo Ministério Público, e não é do conhecimento oficioso.

É a violação do dever de não conhecer questões não suscitadas pelas partes, em razão do princípio do dispositivo alicerçado na liberdade e autonomia das partes, que torna nula a sentença, por excesso de pronúncia.

Na jurisprudência, sobre esta temática, vide, entre outros, os Acórdãos deste TCAN, de 30/03/2006, proc. 00676/00 - Porto, de 23/04/2009, proc. 01892/06.5BEPRT-A e de 13/01/2011, proc. 01885/10.8BEPRT, dos quais retiramos as seguintes coordenadas:

Ocorre excesso de pronúncia quando o Tribunal conhece de questões de que não pode tomar conhecimento por utilizar um fundamento que excede a causa de pedir vazada na petição, ou por extravasar o elenco legal do conhecimento ex officio ou, ainda, por conhecer de pedido quantitativa ou qualitativamente distinto do formulado pela parte, isto é, conhece em quantidade superior ou objecto diverso do pedido.

A delimitação do âmbito sancionatório da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC exige que se distinga entre questões e fundamentos, dado que, se a lei sanciona com a nulidade o conhecimento de nova questão (porque não suscitada nem de conhecimento oficioso), ou a omissão de conhecimento de questão suscitada (ou de conhecimento oficioso), já não proíbe que o julgador decida o mérito da causa, ou questões parcelares nela suscitadas, baseando-se em fundamentos jurídicos novos;

Questões, para esse efeito sancionatório, repete-se, serão todas as pretensões formuladas pelas partes no processo, que requeiram a decisão do tribunal, bem como os pressupostos processuais de ordem geral, e os específicos de qualquer acto especial, quando debatidos entre elas.

Efectivamente, como corolário do princípio da disponibilidade objectiva (arts. 264.º, n.º 1 e 664.º 2.ª parte), a decisão é nula quando o tribunal conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (art. 668.º, n.º 1, al. d) 2.ª parte), ou seja, quando a decisão esteja viciada por excesso de pronúncia. Verifica-se este excesso sempre que o tribunal utiliza, como fundamento da decisão, matéria não alegada ou condena ou absolve num pedido não formulado, bem como quando conhece de matéria alegada ou pedido formulado em condições em que está impedido de o fazer.

Assim, somente haverá nulidade da decisão, por excesso de pronúncia, quando o juiz tiver conhecido de questões que as partes não submeteram à sua apreciação, de que não pudesse conhecer, exceto se forem de conhecimento oficioso.

Retomando o caso posto, no que respeita à nulidade suscitada, resulta da mera leitura da sentença que é evidente a sua inexistência, porquanto o raciocínio lógico seguido na decisão teria de conduzir à improcedência da pretensão da Recorrente nos precisos termos exarados na sentença recorrida, não se vislumbrando qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão.
A sentença recorrida não rejeita o email; o que faz é uma análise da sua força probatória com a qual a Recorrente não concorda.

Tal, no limite, poderia constituir um erro de julgamento de facto, mas não a indicada causa de nulidade.

Os documentos são meios de prova, entre outros meios existentes, e carecem de análise e ponderação pelo julgador, com as quais as partes podem ou não concordar.

A questão é que do email em causa a Recorrente retira uma conclusão e a sentença recorrida outra, diversa.

Certo é que a nulidade prevista na primeira parte da alínea c), do referido dispositivo normativo, remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, porquanto entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os fundamentos.
Mas a nulidade não existe, de todo.

No segundo fundamento do recurso a Recorrente imputa à sentença recorrida erro de julgamento de facto.

Neste enquadramento sustenta que o sobredito email permite concluir, sem dúvida, que não houve reunião entre avaliador e a Recorrente.

Ora, a este propósito, a sentença recorrida elabora uma exaustiva e fundamentada justificação quanto ao que o documento em apreço significa.

Por isso, acompanha-se toda a argumentação a esse nível desenvolvida, para a qual se remete.

Mas dois pontos têm de ser salientados.

Como resulta da acção administrativa julgada, o Recorrido sempre sustentou que a reunião entre o avaliador e a Recorrente existiu.

Aliás, a própria Recorrente reconhece, na p.i. da acção decidida e nas alegações, que avaliador e avaliada se encontraram.

A questão é que a Recorrente alegou que o que ocorreu foi um encontro, e não uma reunião, argumentando até que não havia sido produzida acta da reunião.

Sobre este argumento pronunciou-se o Tribunal concluindo que não era necessária acta (cfr. pág. 5 da sentença), e referindo expressamente a posição veiculada pela Recorrente de que houve um encontro e não uma reunião (cfr. ainda pág. 5 da sentença).

Ora, o que agora o recurso de revisão da Recorrente nos traz é uma outra versão dos factos, concretamente, a de que não houve a reunião.

É bem diverso alegar a Recorrente que o encontro não foi uma reunião, que alegar que não houve reunião.

A Recorrente altera a sua versão, alegando agora que a reunião não teve lugar, suportando-se para o efeito num email.

Sucede que o recurso de revisão não se destina a que as partes tragam novas versões dos factos.

O segundo ponto que se destaca - embora igualmente se remetendo para a sentença recorrida, que o analisou de forma muito completa - prende-se com o teor do email que sustenta a revisão.

Ora, o email tem uma natureza genérica, que extravasa a avaliação e, ainda, a situação da Recorrente.

Quando foi confrontado com a acção proposta pela Recorrente, o Recorrido questionou o avaliador sobre a existência ou não da reunião, ao que o mesmo respondeu afirmativamente.

Não tinha o Recorrido nem o seu então Presidente porque duvidar desta informação.

Todavia, face à existência do processo instaurado pela Recorrente, que alegava ter havido apenas um encontro e não uma reunião, o então Presidente do Recorrido decidiu enviar algumas orientações a todos os avaliadores sobre o processo avaliativo.

A acção administrativa proposta pela Recorrente serviu como justificação/exemplo para o Presidente do Recorrido informar todos os avaliadores que as reuniões de avaliação devem ser realizadas conforme manda a lei, não se devendo fazer simulações de reuniões (vulgo "encontros"), como alegava a Recorrente.

Aproveitou o Presidente do Recorrido aquele momento para dar nota que iria ser rigoroso na análise dos processos de avaliação (tanto que refere que vai analisar um a um) e que não permitiria ilegalidades.

Aliás, também referiu o Presidente do Recorrido que não aceitaria que os objectivos de cada trabalhador fossem assinados no final. Ou seja, esta mensagem do Presidente do Recorrido constituiu-se como um alerta aos avaliadores, no sentido de que as reuniões devem ser efectivas e não um mero "pró-forma" e os objectivos devem ser definidos no início da prestação do trabalho.

Ler neste email que o Presidente do Recorrido confessa de forma clara e sem dúvida que a reunião entre a Recorrente e o seu avaliador não existiu é um exercício abusivo e sem sustentação.

Esta interpretação resulta, por fim, muito clara das notas manuscritas pelo então Presidente do Recorrido, tendo de ser valoradas na medida da impossibilidade da sua audição em audiência de julgamento.

A certeza que a caligrafia é do próprio resulta dos demais documentos juntos, onde é perfeitamente visível a sua igualdade.

Quanto ao motivo das notas, percebe-se bem que o seu autor leu o recurso de revisão e ao remeter o processo para a Administradora E., transmitiu a sua opinião sobre o email e sua interpretação.

Face ao falecimento do autor do email, a interpretação a fazer tem de ser com base no seu teor e nos demais documentos juntos, o que nunca possibilitaria a procedência da revisão, por falta de segurança e certeza suficientes.

Em conclusão, bem andou a sentença recorrida ao considerar que o email em causa não serve os fins da revisão.

A certeza e a segurança que uma decisão judicial implica não podem ser comprometidas com interpretações pouco rigorosas do instituto da revisão, que só deve ser aplicado em circunstâncias muitos excepcionais; a sua banalização é um atentado ao caso julgado, instituto primordial na aplicação da justiça.

Em suma:
-Como é sabido, os fundamentos de revisão estão taxativamente enumerados no artigo 696º do CPC. Nesse numerus clausus a sentença só pode ser objecto de revisão com um desses fundamentos.
Segundo, Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil,”: “A alínea c) integra um outro fundamento de revisão agora traduzido no relevo de documento que a parte desconhecia ou de que não pôde fazer uso e que se revele crucial para modificar a decisão em sentido mais favorável ao recorrente;
-Também aqui importa notar que o acesso ao recurso de revisão apenas pode ser permitido nos casos em que não tenha sido objectiva ou subjectivamente possível à parte apresentar o documento a tempo de interferir no resultado declarado na acção ou execução onde foi proferida a decisão revidenda, o que convoca, além do mais, a possibilidade conferida pelo artigo 662º, nº 1, de junção de documentos supervenientes em sede recurso de apelação.”;
-E como refere Luís Filipe Brites Lameiras, in “Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil”,: “…trata[-se] da admissibilidade de aceitação de um elemento probatório - um documento - se bem que já fora da instância precedente, onde é proferida a decisão a rever; e com a finalidade, como é matriz de todo o elemento probatório, de revogar a decisão sobre a matéria de facto, produzida e assumida naquela instância - se bem que, depois, com as consequentes ilações ao nível do enquadramento jurídico. Daí que do documento que se junte, para alicerçar a revisão, deva emergir, quanto ao facto relevante que releve, uma força probatória qualificada, auto-suficiente e impassível de destruição - só por si, ele é suficiente para modificar a decisão transitada em sentido mais favorável;
-Estamos, em suma, no patamar da prova legal e vinculada - da prova plena - à qual é, em absoluto alheio, qualquer tipo de julgamento de facto produzido pelo julgador, à luz da sua liberdade de apreciação…”;
-O “por si só” é, pois, decisivo. O fundamento da alínea c) só funciona quando o documento “por si só” seja suficiente para a revisão;
-In casu, o documento apresentado “por si só” não determina a revisão;
-Pelo contrário; no caso, não é suficiente desde logo por não ser inequívoco. Não é inequívoco, em si mesmo, isto é, no seu conteúdo, a afirmação de que não houve reunião. A frase que se refere a isso não é esclarecedora nesse sentido. É que dela também se pode retirar o sentido de que o “não ter havido reunião entre o avaliador e o avaliado” não passa de uma alegação de quem impugna o procedimento;
-O que diz a frase é o seguinte: “e isto porque o processo de dr eng A. continua, recebendo hoje recurso à decisão, sendo proposta condenação do ipca a anular o acto administrativo e repetição da avaliação por não ter havido reunião entre avaliador e avaliado.”;
-Ora, o sentido que mais rápida e facilmente se retira da frase é o de que o recurso da decisão tem como fundamento a inexistência da reunião. Mas é o recurso da decisão que afirma a inexistência da reunião. Não é o presidente do IPCA a afirmar tal inexistência. Este limita-se a repetir aquele fundamento;
-Tal equivocidade retira desde logo ao documento a utilidade que dele quer retirar a Recorrente;
-Mas também não é inequívoco porque é o próprio subscritor a desmentir aquilo que a aqui Recorrente dele quer tirar;
-Como bem se sublinha na sentença recorrida, “o próprio alegado signatário do email junto pela Recorrente quem apôs, na citação para os presentes autos, um comentário manuscrito com o seguinte teor: “…2) No Anexo 1 não afirmo, nem podia afirmar, que houve simulação de reuniões.
Alerto sim, os Srs. Avaliadores que isso não é permitido e se houve (algo que desconheço) não pode repetir-se…” - cfr. ponto 7) do probatório;
-Material e objectivamente o que a Recorrente aqui intenta é tão só a alteração de factos que foram discutidos e decididos por sentença agora revidenda;
-Mas não serve o recurso de revisão para reapreciar a factualidade que a Recorrente entende não ter sido devidamente apreciada no processo da sentença revidenda;
- O recurso de revisão constitui um meio extraordinário de reapreciação de uma decisão judicial transitada em julgado, tendo, por fundamento principal, a necessidade de se evitar uma sentença injusta e de se reparar um erro judiciário.
-No entanto, como se sumariou no Acórdão da RG de 09/10/2012, proc. 4360/06, “…o documento necessário para se proceder à revisão de sentença transitada em julgado tem que ser suficiente para, só por si, poder modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida, tem que ser suficiente para destruir a prova em que a sentença se fundou, provando facto inconciliável com aquela. (…) O recurso de revisão não pode utilizar-se como mais uma forma de produzir prova que as partes falharam em produzir na altura própria”;
-1. Nos termos do disposto no artigo 696.º al. c) do NCPC, a decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão quando se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.
2.Podendo o documento ter sido apresentado no processo anterior e tendo força probatória limitada, por se tratar de um documento particular, deve o recurso de revisão ser indeferido.
3.A introdução de factos novos não constitui fundamento para a interposição de recurso de revisão - sumariou também o Acórdão da RC de 20/01/2014, no proc. 5559/04.0TBLRA-D.C1 (sublinhado nosso);
-Como sentenciado, para que um documento se possa mostrar apto a tornar admissível a revisão da sentença proferida e entretanto já transitada, não basta que o documento se assuma como relevante para a apreciação e decisão da causa, impondo-se a sua auto-suficiência para infirmar totalmente o sentido do que ficou decidido; dito de outro modo, o documento em que se ancora o recurso de revisão há de fazer emergir da sua singela apresentação uma inversão do julgamento cristalizado na sentença revidenda, e sem necessidade que qualquer (re)análise crítica do julgamento de facto efectuado na sentença cuja revisão é intencionada;
-No caso concreto, e atenta a natureza particular do documento, também por aqui o documento apresentado não se mostra suficiente para - sem mais - determinar a revisão da sentença proferida no processo principal.
Improcedem, pois, as Conclusões da Apelante.

DECISÃO

Termos em que se nega provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Notifique e D.N.

Porto, 14/01/2022


Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Alexandra Alendouro