| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte -Subsecção Social-:
RELATÓRIO
«AA», ex tenente miliciano, instaurou acção administrativa contra a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES (CGA), ambos melhor identificados nos autos, com vista à anulação do despacho da Direcção da Caixa Geral de Aposentações, datado de 2015-12-16 proferido no uso de delegação de poderes (DR II Série n° 192 de 201310-04), que fixou a pensão definitiva de aposentação comunicada por oficio datado de 16 de dezembro de 2015, remetido por via de correio simples, mas apenas rececionado em 14 de janeiro de 2016 e a condenação da Ré à prática do acto administrativo devido, em substituição do acto cuja anulação se peticiona.
Concluiu peticionando:
«(...) deve apresente ação administrativa ser julgada procedente por provada, anulando-se o despacho de 2015-12-16 (e do qual o A. apenas tomou conhecimento em 14 de janeiro de 2016) da Direcção da Caixa Geral de Aposentações e condenando-se a Ré à prolação de novo despacho nos termos melhor descritos nos artigos 49° e 50.º da presente petição inicial (...)».
Por decisão proferida pelo TAF do Porto foi julgada procedente a acção e
a) Anulada a decisão de 16/12/2015 da CGA, impugnada nos autos;
b)Condenada a CGA à prolação de novo despacho a determinar que o cálculo e o pagamento da pensão/reforma de invalidez devido ao A. seja efectuado com observância das disposições especiais sobre reforma dos subscritores militares, e, nomeadamente, respeitando o disposto nos artigos 118°, n°2, 127° a 131° do EAP, ex vi artigos 38°, 43° e 54° do EAP na versão anterior ao Decreto-Lei n° 503/99 de 20 de Novembro.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, a Ré formulou as seguintes conclusões:
1.ª O presente recurso circunscreve-se à questão da legalidade do despacho impugnado e anulado pelo tribunal a quo e à condenação – ilegal - na atribuição de uma pensão de invalidez a um utente que, durante o serviço militar, era subscritor CGA.
2.ª Foi alegado na contestação e provado no processo administrativo que o A./Rcdo. já era, durante o cumprimento do serviço militar, subscritor da CGA, efetuando os respetivos descontos para efeitos de aposentação/reforma e sobrevivência, pelo que, tratando-se de matéria que influencia a decisão da causa, deve ser ampliada a matéria de facto, nos termos do art.º 662.º do CPC, nos seguintes termos:
“A1. O A., durante o período de tempo que prestou serviço nas Forças Armadas, em regime de contrato, estava inscrito como subscritor da CGA e efetuou os respetivos descontos para efeitos de reforma e de sobrevivência, qualidade que manteve posteriormente enquanto professor do ensino público, nos períodos de 1987/110/21 a 1998/08/31 e de 2001/10/02 a 2002/08/31 – cfr. fls 5 a 9 do processo administrativo”.
3.ª Nunca esteve em causa no presente processo, como decorre de todo o discurso fundamentador da sentença, a aplicação ou não do regime de reparação de acidentes em serviço previsto no Estatuto da Aposentação, o qual, como se referiu e decorre da própria matéria de facto provada (pontos J., K., L., e N.), foi aplicado no despacho da Direção da CGA anulado.
4.ª O artigo 127.° do Estatuto da Aposentação, onde se estriba a sentença recorrida, estabelece, sob a epígrafe “Fundamento da pensão”, expressamente o seguinte:
“Os militares que não sejam subscritores da Caixa Geral de Aposentações têm direito a uma pensão de invalidez pelas mesmas razões que servem de fundamento à reforma extraordinária”.
5.ª Sendo o Rcdo. à data do acidente (e posteriormente), subscritor da CGA, não tem direito a uma pensão de invalidez, mas a uma pensão de aposentação ou de reforma extraordinária por incapacidade, pelo que se encontra violado, desde já, o artigo 127.°, n.° 1, do EA.
6.ª Aposentação ou reforma extraordinária regulada pelos artigos 38.°, alínea c), por força do artigo 118.°, n.° 2, al. a), 40.°, 54.°, n.° 2, 55.° e 60.° do Estatuto da Aposentação.
7.ª Com efeito, o artigo 38.° do Estatuto da Aposentação estabelecia que:
“A aposentação extraordinária verifica-se, independentemente do pressuposto de tempo de serviço estabelecido no n.º 2 do artigo anterior [leia-se prazo de garantia – à data, de 5 anos], e precedendo exame médico em qualquer dos casos seguintes:
(...)
c) Simples desvalorização permanente e parcial na capacidade de ganho, devida aos
acidentes ou doenças referidas nas alíneas anteriores” [i.e. acidente em serviço ou doença contraída neste e por motivo do seu desempenho]
8.ª E, sendo o Rcdo. um antigo subscritor, apenas podia requerer a aposentação ou reforma extraordinária por incapacidade decorrido um ano a contar da cessação definitiva de funções – cfr. art.°s 39.°, n.° 1, e 40.°, n.° 1, alínea b), do Estatuto da Aposentação – o que justificou a audiência prévia que lhe deu a conhecer o projeto de indeferimento da pensão de invalidez, dando-lhe simultaneamente a conhecer que poderia beneficiar antes da aposentação ou reforma extraordinária por incapacidade, nos termos acima expostos.
9.ª Aposentação extraordinária por incapacidade que o Rcdo. veio voluntariamente requerer.
10.ª Observando o pedido do A./Rcdo., em sede de audiência prévia, a CGA informou-o do montante de pensão de aposentação extraordinária por incapacidade a que o mesmo teria direito, e, no tendo aquele desistido do pedido, foi emitida a resolução que aquele veio impugnar nos presentes autos.
11.ª Repare-se que a situação do Rcdo. não é, em nada diferente da do militar dos quadros, subscritor da CGA que se transfere para outro serviço da administração pública e, mais tarde, se demite ou é demitido na sequência de aplicação de uma sanção disciplinar de demissão.
12.ª Também estes militares passam a ter a qualidade de ex-subscritores, aplicando-se-lhes a mesmas regras dos subscritores quanto à reforma ou aposentação, incluindo a extraordinária por incapacidade – que é o regime de reparação dos acidentes em serviço e doenças profissionais anterior ao Decreto-Lei n.° 503/99, de 20 de novembro.
13.ª É daí, aliás, que o cargo considerado na aposentação extraordinária por incapacidade é o último exercido pelo Rcdo. – o de professor de ensino público (em 2001) - e não a remuneração do cargo militar de valor muito inferior (de 1985).
14.ª Nos termos daquele regime, a desvalorização parcial e permanente na capacidade de ganho, oportunamente verificada em exame médico, é considerada na aposentação, ordinária ou extraordinária, nos termos dos artigos 38.°, alínea c), 54.°, 55.° e 60.° do EA, como sucedeu no presente caso.
15.ª A pensão de aposentação extraordinária nos casos em que a capacidade de ganho apenas é afetada por uma desvalorização parcial, como aquela que decorre dos presentes autos, é calculada, nos termos do n.° 2 do artigo 54.° do EA, separadamente em duas parcelas que depois se somam.
16.ª Uma parcela calcula-se, tal como se calcula uma pensão de aposentação ordinária, com base no número de anos efetivamente prestados (art.° 53.°, n.° 1, do EA); a outra parcela – que representa a indemnização pelo acidente (art.° 60.° do EA) – toma por base o número de anos que faltam para o tempo de serviço completo (40 anos) e sobre ele faz incidir a percentagem de desvalorização.
17.ª Só o excedente a este cálculo da pensão de uma hipotética e atual aposentação ordinária é tida como indemnização ao A. (razão pela qual a pensão não sofre penalizações pela antecipação da idade normal de acesso à pensão de velhice – relembre-se que o A. tinha 59 anos de idade em 2015 e a INAPV era de 66 anos e dois meses, o que numa aposentação antecipada significaria uma taxa de penalização da pensão de 43%).
18.ª No caso, o Rcdo. teve direito a uma pensão de aposentação extraordinária por incapacidade que teve em conta todo o tempo de serviço prestado – militar e na função pública – sobre o qual incidiu ainda o grau de desvalorização.
19.ª Não só o despacho da Direção da CGA, de 16 de dezembro de 2015, anulado pela sentença Rcda., não padece de qualquer ilegalidade como violou aquela mesma sentença o disposto nos artigos 38.°, al. c), e 39.°, n.° 1, 40.°, 54.°, n.° 2, 55.° e 60.°, aplicáveis por força do artigo 118.°, n.° 2, al. a), 119.°, todos do Estatuto da Aposentação.
Termos em que, e com o suprimento, deverá o presente recurso ser julgado provado e procedente e, por via dele, ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que julgue totalmente improcedente a ação.
O Autor juntou contra-alegações, concluindo: 1ª A douta sentença recorrida não merece qualquer reparo ou censura, fazendo correta interpretação e aplicação da Lei.
Desde logo,2ª Deve improceder a alteração/ampliação da matéria de facto peticionada pela recorrente porquanto os alegados descontos efectuados pelo Autor, estavam “em falta” quando lhe foi fixada a pensão.3ª O erro da Caixa Geral de Aposentações reside (e subsiste) na circunstância de não fazer a destrinça entre a pensão de invalidez que o A. tem direito a receber por força de um acidente ocorrido durante a prestação do serviço militar e a pensão de reforma decorrente dos descontos efectuados para a função pública enquanto docente, juntando as duas pensões.4ª No exercício das suas funções militares, o Autor (com o posto de Alferes) sofreu uma violenta queda da qual lhe resultou a fratura do cotovelo direito.5ª Na sequência de um pedido de revisão do seu processo militar, foi presente a uma Junta Hospitalar de Inspecção, que em sessão de 25/01/2012 o julgou “Incapaz de todo o serviço militar, apto parcialmente para o trabalho com 15% de desvalorização”, tendo a referida junta sido homologada em 27/03/2012.6ª Remetido o processo à Caixa Geral de Aposentações a mesma submeteu o Autor a uma Junta Médica nos termos do n°1 do artigo 119° do Estatuto da Aposentação Pública (na redacção anterior ao Decreto-Lei n° 503/99, de 20 de novembro) e reconheceu o nexo causal entre o acidente sofrido pelo mesmo ao serviço das Forças Armadas, confirmando o grau de desvalorização já atribuído,7ª Criando-lhe a expectativa de que beneficiaria de uma pensão/reforma de invalidez, nos termos do artigo 38°, alínea c) conjugado com o artigo 39° do Estatuto da Aposentação Pública, na redacção anterior do Decreto-Lei n° 503/99, por força da redacção dos seus artigos 56° e 58°, independentemente do direito a uma futura pensão de aposentação decorrente da sua carreira contributiva enquanto professor da Função Pública.
Não obstante,8ª A Caixa Geral de Aposentações acabou por calcular erradamente a pensão ao Autor, denominando-a de aposentação, ao abrigo do artigo 5° da Lei n° 60/2005 de 29 de dezembro, englobando duas pensões numa só,9ª Tomando como base de cálculo a remuneração base como professor, olvidando que o que estava em causa era a atribuição de uma pensão/reforma de invalidez,10ª Inviabilizando o direito do Autor a receber a compensação a que tem direito por Lei por força do acidente militar e demais direitos daí decorrentes,11ª Nomeadamente privando-o do pagamento dos retroativos da pensão correspondente a três anos de pensão de invalidez devidos desde a data da homologação da junta médica militar, nos termos dos artigos 118°, alínea b) ex vi artigo 43°, n°2, alínea a) do Estatuto da Aposentação Pública na redacção anterior ao Decreto-Lei n° 503/99 (atenta a norma transitória – artigo 56° deste último diploma),
Sendo que,12ª Ao Autor não lhe pode ser vedado ou negado o direito a receber a pensão/reforma de invalidez,
Tanto mais,13ª Atenta a disposição especial prevista no Decreto-Lei n° 240/98 de 7 de agosto, quer no seu preâmbulo, quer na redacção dos seus artigos 1° e 3°.
Assim, é por demais evidente que,14ª O legislador criou uma lei especial que prevalece sobre o Estatuto da Aposentação Pública e que a Ré Caixa Geral de Aposentações se recusou a observar, o que está patente na decisão recorrida.
Sem prescindir,15ª Desprezou ainda a Ré que a Lei n° 60/2005 foi objeto de regulamentação, por via do Decreto-Lei n° 55/2006 de 15 de março - redação originária em vigor à data do cálculo da pensão ao Autor pela Ré, Caixa Geral de Aposentações - o qual produziu efeitos a partir de 1 de janeiro de 2006, dispondo o seu artigo 5º que “1 – Sempre que, por força da aplicação de legislação especial, o funcionário, agente ou outro pessoal beneficie de regime mais favorável por referência ao regime geral de aposentação, o acréscimo de encargos daí resultante é suportado por verbas inscritas nos orçamentos dos serviços e organismos que os funcionários, agentes ou outro pessoal estão vinculados ou das correspondentes entidades empregadoras.
2 – Para o cumprimento do disposto no número anterior são transferidas, anualmente, dos orçamentos referidos no número anterior para o orçamento da segurança social as correspondentes verbas”.16ª Dando mais uma vez ênfase que a existência de uma lei especial derroga a lei geral.
Em face do que antecede,17ª Bem andou a sentença recorrida!
Termos em que, deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se a decisão recorrida, com o que se fará inteira e sã JUSTIÇA.
A Senhora Procuradora Geral Adjunta notificada, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
A. O Autor entre 17/03/1980 e 01/10/1985, prestou serviço militar nas Forças Armadas - Exército Português em regime de contrato [facto não controvertido e cfr. PA fls. 76/351 do SITAF];
B. Em 12/10/1982, tem Participação de Acidente onde consta: “(...) quando ia a sair do edifício dos quartos de oficiais e se dirigia para a parada superior do quartel, para a formatura das 08H30 do dia 12OUT82, tropeçou e caiu numa vala de saneamento, tendo fraturado o braço direito. Que foi de imediato levado à enfermaria do Regimento e depois transportado ao H.M.R N.º 1 onde foi assistido (...)» [cfr. Parecer n.º 076/2014 do Ministério da Defesa Nacional – Exército Português – Comando da Logística – Comissão Permanente para Informações e Pareceres - PA fls. 76/351 do SITAF];
C. Em 25/10/1982, no Relatório Médico de Exame Directo do Hospital Militar Regional n.º 1 consta: "Foi presente no SU em 12/10/82 pelas 09H35 sofrendo contusão violenta do cotovelo direito (...)” [cfr. Parecer n.º 076/2014 do Ministério da Defesa Nacional – Exército Português – Comando da Logística – Comissão Permanente para Informações e Pareceres - PA fls. 76/351 do SITAF];
D. Em 05/02/2009, o A. solicitou a revisão do seu processo tendo em vista a reparação dos danos físicos sofridos ao serviço das Forças Armadas Portuguesas [cfr. Doc. 1 junto à PI];
E. Em consequência, foi deferido o seu requerimento e autorizado nos termos do despacho de 03/02/2011 do MGeneral Director dos Serviços de Saúde, a ser presente a Junta Hospitalar, tendo em vista a avaliação da sua situação clínico-militar e a atribuição do grau de desvalorização que eventualmente corresponda às sequelas das lesões do acidente ocorrido durante o cumprimento do serviço militar, algures em Portugal. “Sequela da fratura da tacícula radial direita" [cfr. Parecer n.º 076/2014 do Ministério da Defesa Nacional - Exército Português - Comando da Logística - Comissão Permanente para Informações e Pareceres - PA fls. 76/351 do SITAF];
F. Em 25/01/2012, no Hospital das Forças Armadas, o Autor foi submetido a Junta Hospitalar de Inspecção (JHI) onde foi considerado “Incapaz de todo o serviço militar, apto parcialmente para o trabalho com 15% de desvalorização" [cfr. Documento n.º 2 junto com a petição inicial e cfr. Parecer n.º 076/2014 do Ministério da Defesa Nacional - Exército Português - Comando da Logística - Comissão Permanente para Informações e Pareceres - PA fls. 76/351 do SITAF];
G. Em 27/03/2012, por despacho do Exmo. Vice-Chefe do Estado Maior do Exército, foi homologada a JI-11/HMR1 referida em F) e o processo foi enviado à Comissão Permanente para Informações de Pareceres (CPIP) para verificação do nexo de causalidade [cfr. Documento n.º 3 junto com a petição inicial];
H. Em 20/05/2014, o Director de Justiça e Disciplina do Exército Português homologou o seguinte parecer da Direcção de Saúde do EP: “que as razões que levaram a JHI a pronunciar-se nos termos acima enunciados se devem ao cumprimento do Serviço militar e são devidas ao seu desempenho." [cfr. Parecer n.º 076/2014 do Ministério da Defesa Nacional - Exército Português - Comando da Logística - Comissão Permanente para Informações e Pareceres - PA fls. 76/351 do SITAF];
I. Mediante ofício datado de 14/07/2014, a Direcção de Administração de Recursos Humanos do Exército enviou o processo [do Autor] de “reforma por invalidez de ex-militar não qualificado Deficiente das Forças Armadas" à Entidade Demandada [cfr., Documento n.º 6 junto com a petição inicial];
J. Em 16/07/2015, a CGA mediante ofício notificou o A. nos seguintes termos: a(...) Informo V.Exa. de que por parecer da Junta Médica desta Caixa, realizada em 30 de junho de 2015, constituída nos termos do n.°1 do art.° 119.° do Estatuto da Aposentação, conforme nova redação aprovada pelo Decreto- Lei n.° 241/98 de 7 de agosto, foi considerado que as lesões apresentadas resultaram de acidente/doença ocorra(a) no exercício das suas funções e por motivo do seu desempenho, tendo sido confirmada a desvalorização de 15%.
Mais informo V.Exa. que, caso não se conforme com esta decisão, pode requerer, no prazo de 60 dias a contar da data em que for notificado deste ofício, mediante pedido justificado, a reapreciação da sua situação clínica.(...)» [cfr. Doc.7 junto à PI];
K. Em 16/07/2015, pelo Conselho Directivo da CGA foi homologado o Parecer da junta Médica à qual o A. foi submetido, cfr. doc. 7 junto à PI, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e se transcreve parcialmente: «(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)»;
L. Mediante ofício datado de 05/10/2015, o Autor foi notificado para, querendo, se pronunciar em sede de audiência prévia sobre o seguinte projecto de decisão:
«(...) Informo V.Exa. que da análise dos elementos constantes do processo e em face da legislação em vigor, o pedido formulado irá ser, em princípio, indeferido, com base nos seguintes fundamentos:
O interessado já era militar contratado do Exército, com direito de inscrição na CGA, quando sofreu o acidente em serviço, pelo que, o grau de desvalorização atribuído, pela junta médica da Caixa Geral de Aposentações, apenas poderá relevar numa futura pensão de aposentação extraordinária, que o mesmo poderá requerer no prazo de um ano a contar da data da Junta Médica da CGA que lhe reconheceu o referido grau de desvalorização, pelas funções exercidas como militar e civil, tendo em conta o disposto na alínea c) do art°. 38° do Estatuto da Aposentação, conjugado com o art° 38° do mesmo Estatuto.
Todavia, nos termos do artigo 122. ° do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 4/2015, de 7 de janeiro, tem V.Exa. o prazo de 10 dias úteis a contar desta notificação para, querendo, informar do que se lhe oferecer sobre o assunto, assistindo-lhe ainda o direito de consulta do respetivo processo, nesta Caixa, na morada abaixo indicada. (...)» [cfr. Documento n.º 8 junto com a petição inicial];
M. O Autor não exerceu o direito de audiência prévia [admitido por confissão – art.º 20.º da PI];
N. Em 16/12/2015, a ED remeteu ao A. ofício com a referência ...0, como Assunto: Pensão definitiva de aposentação «AA» (acto impugnado), cfr. fls. 295/298 do PA, cujo teor aqui se dá por reproduzido e se transcreve parcialmente: «(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)» [cfr. PA, fls. 352/688 do SITAF];
O. Em 12/04/2016, foi intentada a presente acção administrativa [cfr. fls. 1 do SITAF];
DE DIREITO
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Assim,
É objecto de recurso a sentença que julgou procedente a acção.
Como aduzido, o erro da Caixa Geral de Aposentações reside (e subsiste) na circunstância de não fazer a destrinça entre a pensão de invalidez a que o Autor tem direito a receber por força de um acidente ocorrido durante a prestação do serviço militar e a pensão de reforma decorrente dos descontos efetuados para a função pública enquanto docente, “Unificando” as pensões, não obstante o Autor não o ter requerido.
Da ampliação da matéria de facto -
Determina o art.º 662.º do CPC que o tribunal de segunda instância “...deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”.
No caso, foi alegado na contestação, e provado no processo administrativo, (tendo sido identificadas no articulado as páginas do processo administrativo de onde decorriam esses factos) - que o Autor/Recorrido já era, durante o cumprimento do serviço militar, subscritor da CGA, efetuando os respetivos descontos para efeitos de aposentação/reforma e sobrevivência - cfr. fls. 5 a 9 do p.a..
Todavia, tem de improceder a alteração/ampliação da matéria de facto peticionada pela Ré, ora recorrente, na medida em que os alegados descontos efectuados pelo Autor, estavam ainda “em falta” quando lhe foi fixada a pensão.
Vejamos:
Com interesse para a apreciação do presente recurso, resulta que, no período compreendido entre 17/03/1980 e 01/10/1985 o Autor prestou
serviço nas Forças Armadas – Exército português – em regime de contrato e nos períodos compreendidos entre 21/10/1987 a 31/08/1998 e entre 02/20/2001 a 31/08/2002 exerceu funções como docente.
No exercício das suas funções militares, o Autor (com o posto de Alferes) sofreu uma queda da qual lhe resultou a fratura do cotovelo direito.
Na sequência de um pedido de revisão do seu processo militar, foi presente a uma Junta Hospitalar de Inspecção, que em sessão de 25/01/2012 o julgou “Incapaz de todo o serviço militar, apto parcialmente para o trabalho com 15% de desvalorização”, tendo a referida junta sido homologada em 27/03/2012.
Remetido o processo à Caixa Geral de Aposentações a mesma submeteu o Autor a uma Junta Médica nos termos do n° 1 do artigo 119° do Estatuto da Aposentação Pública (na redacção anterior ao Decreto-Lei n° 503/99, de 20 de novembro) e reconheceu o nexo causal entre o acidente sofrido pelo mesmo ao serviço das Forças Armadas, confirmando o grau de desvalorização já atribuído, criando a expectativa de que aquele beneficiaria de uma pensão/reforma de invalidez, nos termos do artigo 38°, alínea c) conjugado com o artigo 39° do Estatuto da Aposentação Pública, na redacção anterior ao Decreto-Lei n° 503/99, por força da redacção dos seus artigos 56° e 58°, independentemente do direito a uma futura pensão de aposentação decorrente da sua carreira contributiva enquanto professor da Função Pública.
Não obstante, a Caixa Geral de Aposentações acabou por calcular erradamente a pensão ao Autor, denominando-a de aposentação, ao abrigo do artigo 5° da Lei n° 60/2005 de 29 de dezembro (que estabeleceu mecanismos de convergência do regime de proteção social da função pública com o regime geral da segurança social no que respeita às condições de aposentação e cálculo das pensões), tomando como base de cálculo a remuneração base como professor, olvidando que o que estava em causa era a atribuição de uma pensão/reforma de invalidez, inviabilizando o direito do Autor a receber a compensação a que tem direito por Lei por força do acidente militar e demais direitos daí decorrentes, (não obstante o seu reconhecimento pelas entidades militares), nomeadamente privando-o do pagamento dos retroativos da pensão desde a data da homologação da junta médica militar, nos termos dos artigos 118°, alínea b) ex vi artigo 43°, n° 2, alínea a) do Estatuto da Aposentação Pública na redacção anterior ao Decreto-Lei n° 503/99 (atenta a norma transitória – artigo 56° deste último diploma), deixando o mesmo de receber retroactivos correspondentes a três anos de pensão (de 27/03/2012 – homologação da junta – a 16/12/2015 – data da fixação da pensão).
Acontece que, ao Autor não lhe pode ser vedado ou negado o direito a receber a pensão/reforma de invalidez, atento o disposto no Decreto-Lei n° 240/98 de 7 de agosto, quer no seu preâmbulo, nomeadamente na redacção dos seus artigos 1°, 3°, 5° e 6°, com especial destaque (no presente caso), para os artigos 1° e 3°
Com efeito,
No preâmbulo do referido diploma refere-se:
“ (...)
Um outro grupo que se considera também necessitado de especiais medidas de proteção é composto pelos militares que adquiriram deficiência durante a prestação do serviço militar em regime de voluntariado e de contrato. Nestes casos, e apesar de subscritores da Caixa Geral de Aposentações (CGA), a incapacidade adquirida em serviço, aliada ao caráter precário do seu vínculo com a instituição militar, por se tratar de carreiras de curta duração, acarreta consequências gravosas para toda a sua vida futura.
Acresce ainda que, em igualdade de circunstâncias com os militares que prestam serviço efetivo normal, se trata de jovens em início de carreira, constituindo esta prestação de serviço, na maioria das vezes, a primeira etapa da sua vida profissional.
Verifica-se, pois, a necessidade de adotar algumas medidas que visem, nomeadamente, apoiar e facilitar a reintegração sócio-profissional destes cidadãos.
Atendendo às dificuldades de inserção no mercado de trabalho, entende-se, para os casos referidos, permitir o exercício de funções públicas ou equiparadas, com dispensa de autorização prévia, no sentido de facilitar a sua reintegração na vida ativa.
Consagra-se também a possibilidade de os pensionistas em causa perceberem a remuneração do cargo em que estejam providos e a pensão de invalidez ou de reforma extraordinária que lhes tenha sido atribuída.
...”.
Nos termos do artigo 1º do supracitado diploma,
“Aos pensionistas de invalidez nos termos do artigo 127º do Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de Dezembro, bem como aos beneficiários de pensão de reforma extraordinária que tenham prestado serviço em regime de voluntariado ou de contrato nas Forças Armadas, é permitido o exercício de funções públicas ou a prestação de trabalho remunerado nas empresas públicas, institutos públicos e sociedades de capitais maioritária ou exclusivamente públicos, com dispensa da autorização do Primeiro-Ministro”.
Por sua vez, dispõe o seu artigo 3º que,
“Nas situações do artigo 1º, o valor da pensão é constituído pela soma da pensão de aposentação, calculada nos termos do Estatuto da Aposentação, com o da pensão de invalidez em vigor à data do facto determinante da aposentação”.
Temos assim para nós que o legislador criou uma lei especial que prevalece sobre o Estatuto da Aposentação Pública e que a Ré Caixa Geral de Aposentações não observou.
E desprezou ainda que a Lei n° 60/2005 foi objeto de regulamentação, por via do Decreto-Lei n° 55/2006 de 15 de março - redação originária em vigor à data do cálculo da pensão ao Autor pela Ré, Caixa Geral de Aposentações - o qual produziu efeitos a partir de 1 de janeiro de 2006,
dispondo o referido diploma, no seu artigo 5°, sob a designação de “Financiamento”, que:
“1 – Sempre que, por força da aplicação de legislação especial, o funcionário, agente ou outro pessoal beneficie de regime mais favorável por referência ao regime geral de aposentação, o acréscimo de encargos daí resultante é suportado por verbas inscritas nos orçamentos dos serviços e organismos que os funcionários, agentes ou outro pessoal estão vinculados ou das correspondentes entidades empregadoras.
2 – Para o cumprimento do disposto no número anterior são transferidas, anualmente, dos orçamentos referidos no número anterior para o orçamento da segurança social as correspondentes verbas”.
Dando o dito diploma ênfase que a lei especial derroga a lei geral, deve aplicar-se ao Autor as disposições do Estatuto da Aposentação, na redacção anterior ao Decreto-Lei n° 503/99, conjugadas com o Decreto-Lei n° 240/98 de 7 de agosto, ao invés da Lei 60/2005.
Ademais, ainda que a Ré não o invoque expressamente, sempre se dirá que jamais estaríamos perante um caso de aplicação do artigo 80° n° 2 do Estatuto da Aposentações tendo em conta que, por Acórdão n° 411/99 do Tribunal Constitucional, Processo n° 1089/98, publicado no Diário da República II Série n° 59, de 10 de março de 2000, o mesmo decidiu:
“(...)
13 - Conclui-se deste modo que a norma do artigo 80°, n° 2 do Estatuto da Aposentação contraria o princípio do aproveitamento total do tempo de trabalho para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, consagrado no artigo 63°, n°4 da Constituição.
III – 14 – Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Julgar inconstitucional o n° 2 do artigo 80° do Decreto-Lei n° 498/72, de 9 de dezembro, por violação do artigo 63°, n° 4 da Constituição da República Portuguesa;
b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida no que se refere à questão da constitucionalidade.”
Em face do que antecede, a Caixa Geral de Aposentações acabou por calcular erradamente a pensão ao Autor, denominando-a de aposentação, ao abrigo do artigo 5° da Lei n° 60/2005 de 29 de dezembro, englobando duas pensões numa só, tomando como base de cálculo a remuneração base como professor, descurando que o que estava em causa era a atribuição de uma pensão/reforma de invalidez, inviabilizando o direito do Autor a receber a compensação a que tem direito por Lei por força do acidente militar e demais direitos daí decorrentes, nomeadamente privando-o do pagamento dos retroativos da pensão correspondente a três anos de pensão de invalidez devidos desde a data da homologação da junta médica militar, nos termos dos artigos 118°, alínea b) ex vi artigo 43°, n°2, alínea a) do Estatuto da Aposentação Pública na redacção anterior ao Decreto-Lei n° 503/99 (atenta a norma transitória - artigo 56° deste último diploma), sendo que, ao Autor não lhe pode ser vedado ou negado o direito a receber a pensão/reforma de invalidez, tanto mais atenta a disposição especial prevista no Decreto-Lei n° 240/98 de 7 de agosto, quer no seu preâmbulo, quer na redacção dos seus artigos 1° e 3°.
Assim, como decidido, é claro que, o legislador criou uma lei especial que prevalece sobre o Estatuto da Aposentação Pública e que a Ré Caixa Geral de Aposentações não acatou.
Mais olvidou a Ré que a Lei n° 60/2005 foi objeto de regulamentação, por via do Decreto-Lei n° 55/2006 de 15 de março - redação originária em vigor à data do cálculo da pensão ao Autor pela Ré - o qual produziu efeitos a partir de 1 de janeiro de 2006, dispondo o seu artigo 5º que “1 – Sempre que, por força da aplicação de legislação especial, o funcionário, agente ou outro pessoal beneficie de regime mais favorável por referência ao regime geral de aposentação, o acréscimo de encargos daí resultante é suportado por verbas inscritas nos orçamentos dos serviços e organismos que os funcionários, agentes ou outro pessoal estão vinculados ou das correspondentes entidades empregadoras. 2 – Para o cumprimento do disposto no número anterior são transferidas, anualmente, dos orçamentos referidos no número anterior para o orçamento da segurança social as correspondentes verbas”, dando mais uma vez realce a que a existência de uma lei especial derroga a lei geral.
Ora, de acordo com o disposto no art.º 7º, n.º 3, do Código Civil “A lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador”.
Como refere Oliveira Ascensão, in “O Direito, Introdução e Teoria Geral”, 13ª ed., Almedina, 2006, pág. 534, “A afirmação, aparentemente lógica de que a lei geral, por ser mais extensa, incluirá no seu âmbito a matéria da lei especial, ficando esta revogada, não se sobrepõe à consideração substancial de que o regime geral não toma em conta as circunstâncias particulares que justificaram justamente a emissão da lei especial. Por isso não será afectada em razão de o regime geral ter sido modificado”. Ou, nas palavras de Marcelo Rebelo de Sousa e Sofia Galvão, in “Introdução ao Estudo do Direito”, LEX, 2000, pág.133, “…a lei especial quis consagrar um regime específico para determinado número de situações de facto. Do que resultam duas consequências: I) Quando se altera a lei geral, em princípio, não se pensa já em afectar aquele domínio especial que se tem por destacado. II) A lei especial não pode ver o seu próprio espaço ameaçado por eventuais mudanças de valoração e perspectiva em relação ao universo geral”.
A sobrevigência, como princípio, da lei especial não acontecerá, porém, se se retirar da lei nova a pretensão de regular totalmente a matéria, não deixando subsistir as leis especiais.
Certo a propósito que o vocábulo “inequívoco”, utilizado no art.º 7º, n.º 3 do Código Civil, não implica o “expresso” da intenção revogatória do legislador, podendo assim haver revogação tácita da lei especial pela lei geral - idem, pág. 134.
Deverá em qualquer caso o intérprete procurar apurar um sentido objectivo da lei, qual seja o de regular exaustivamente um sector, não deixando subsistir fontes especiais.
Em sentido técnico, dir-se-á que, nessas hipóteses, a nova lei realiza a revogação global da legislação referente ao instituto/sector processual em causa.
E tal sentido objectivo, para Oliveira Ascensão, haverá de revelar-se por indícios traduzidos na premência da solução da lei geral, igualmente sentida no sector em que vigorava a lei especial, ou resultantes do facto de a solução constante da lei “especial” não se justificar afinal por necessidades próprias desse sector, pelo que não merece subsistir como lei especial - in op. cit., págs. 534-535.
Em qualquer caso, quanto à existência de intenção revogatória inequívoca do legislador, que se não reconduza à referência expressa na própria lei, há de o intérprete ser particularmente exigente.
Pois como o mesmo Oliveira Ascensão igualmente sustentou, “…intenção inequívoca e declaração expressa são coisas diferentes. Mas também não podemos tomar a atitude oposta e dizer que tudo é questão de interpretação da nova lei, pois assim supriríamos arbitrariamente a palavra inequívoca, que exige uma posição qualificada por parte da lei. Não basta que da nova lei se retire uma intenção, é necessário que essa intenção seja inequívoca. Tudo somado, supomos que o art.º 7º, n.º 3, impõe uma presunção no sentido da subsistência da lei especial. Se não houver uma interpretação segura no sentido da revogação, ou se uma conclusão neste sentido não for isenta de dúvidas, intervém a presunção do art.º 7º, 3, e a lei especial não é revogada”.
Munidos destes ensinamentos, temos que bem concluiu a sentença recorrida ao referir:
(…)
Com efeito, entendemos que, o julgador deve enraizar a interpretação da lei no próprio texto da norma em causa, não lhe sendo permitido extrair dela um sentido que nesse texto não caiba, devendo ter sempre presente, na sua actividade hermenêutica, o pensamento legislativo subjacente à norma, extraído da exigível coerência do texto legal no seu todo e da unidade do sistema jurídico, presumindo, sempre, que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir-se de modo lógico e em termos adequados (cfr. artigo 9.º do Código Civil).
E continuou:
(…)
“mal andou a CGA ao aplicar a Lei n° 60/2005 quando conjugada com as normas contidas nos art°s 38° e 54° do EAP, mantidas em vigor para os casos como o do ora autor pelo art°. 56°/2 do DL n° 503/99, para cálculo da pensão do A.”.
Improcedem as Conclusões das alegações.
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Notifique e DN.
Porto, 20/6/2025
Fernanda Brandão
Rogério Martins
Isabel Jovita |