Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00176/22.6BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/14/2024
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:IRENE ISABEL GOMES DAS NEVES
Descritores:NULIDADE; EXCESSO DE PRONÚNCIA;
IVA; TAXA REDUZIDA DE 6%;
VERBA 2.23;
Sumário:
I. Nos termos do preceituado no citado artigo 615, nº.1, al. d), do CPC, é nula a sentença, quando o juiz conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento.

II. Haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido, pelo que considera-se nula, por vício de "ultra petita", a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido).

III. A nulidade da sentença não obsta a que o Tribunal de recurso conheça em substituição do objecto da impugnação, mas esse conhecimento só lhe é permitido no caso de os autos fornecerem todos os elementos para o efeito.

IV. A verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA, na redação anterior à Lei n.º 56/2023, de 06.10.2023, tem aplicação quando se verifiquem as seguintes condições: (a) estamos perante uma empreitada de reabilitação urbana, conforme legalmente definida e (b) a empreitada de reabilitação urbana realizar-se em imóvel ou espaços públicos localizados em Área de Reabilitação Urbana (ARU), legalmente delimitada.

V. Nem da letra da lei, nem do seu espirito, resulta que o taxa reduzida pressupõem a existência de um único contrato de empreitada, dito “geral”, não sendo de afastar, desde que verificados os restantes pressupostos, aos contratos firmados com sucessivos prestadores para a realização dos trabalhos necessários, as ditas subempreitadas.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. A [SCom01...], Lda., (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, datada de 12-10-2023, que julgando improcedente a impugnação judicial por si intentada contra as liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) números ...29, ...50, ...76, ...25, ...01, ...87, ...77, referentes aos exercícios de 2016 e 2017, no valor global de 96.459,86€, inconformada vêm dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões [sendo que a falta de enumeração foi por nós suprida oficiosamente]:
«(…)
Da nulidade da Sentença;
1º. - Nos termos do artigo 2° do D.L. n° 433/99 de 26 de Outubro, cujo texto se encontra republicado pela Lei n° 15/2001 de 5 de junho, aplica-se ao regime das sentenças a Lei n° 41/2013 de 26 de junho que, neste particular consta o seguinte:
2º. ...e nula a Sentença quando: ... o Juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido... artigo 615°, n° 1, al. e) da Lei n° 41/2013 de 26/7;
3º. - Ora a Sentença recorrida, assenta desde logo em argumento (pedido) não invocado pela requerida e, como tal, alheio às posições no processo, por parte dos respetivos intervenientes. Vide Inexistência de Aprovação de Operação de Reabilitação Urbana.
4º. - Em lugar algum dos autos de processo (ou da lei) consta que, a omissão por parte da Administração Local/Município/Autarquia Local, ou quem quer que seja, que, esteja a tal obrigado por lei, ou com poderes para obrigar, se obrigatório fosse, à “Realização de Operação de Reabilitação Urbana” enquanto requisito, para um particular beneficiar da taxa de 6%, quanto ao IVA, não bastando a criação da área de reabilitação urbana, da competência da Assembleia Municipal, a proposta da Câmara!
5º. - Tal questão (pedido) ao não ser suscitada, não devia o Tribunal tê-lo feito, bem entendido não ser o objeto do processo, nem o pedido por qualquer das partes.
6º. - Daí, desde já, se invocar a nulidade da Sentença, o que bem se justifica: de notar que, a decisão arbitral referida na Sentença (jurisprudência arbitral), não se coaduna com o caso em apreço, não só em termos de localização, circunstâncias e porventura ser matéria alegada (que foi), e fazia parte do pedido naquele caso.
7º. - Contudo, a relevância da existência da Área de Reabilitação Urbana (ARU) e a inexistência da Operação de Reabilitação Urbano (ORU), e a repercussão de cada uma delas, nas Relações Jurídicas Tributárias são bem distintas, sendo a primeira incontornável na recuperação das cidades e a segunda indiferente em localidades de menor dimensão. A existência de uma ARU, beneficia o S.P. empreendedor, mas a inexistência da ORU, ou até a existência, inevitavelmente, só prejudica aquele, neste caso o recorrente.
8º. - Urge pois averiguar da obrigatoriedade da existência da ORU, sem a ARU, as duas situações em simultâneo, ou a existência desta última, sem aquela, como é o caso, o que decorre da lei, e, que benefício resultam das situações.
9º. - É pois inusitada a referência da Sentença recorrida ao artigo 7º do RJRU, na versão atual – ou outra – para justificar a não aplicação ao impugnante da taxa de 6% do IVA, em virtude da inexistência da Operação de Reabilitação Urbana, para além de tal pedido seja inexistente (daí a nulidade invocada).
10º. - Pelo que, além do mais, importa referir que, onde a lei não distingue, como neste caso, não obriga ou cabe ao intérprete distinguir. A ORU não é obrigatória, nem individualmente, em simultâneo com a ARU, e muito menos a sua existência é requisito para a existência desta, o que até resulta dos termos utilizados pela lei – “e promovido”, podem ter lugar.
11º. - Por outro lado,
12º. Sendo a ARU, uma área territorialmente delimitada, que, em virtude de vários fatores – insuficiência, degradação ou obsolescência dos edifícios, das infraestruturas, dos equipamentos de utilização coletiva e dos espaços urbanos e verdes de utilização coletiva, designadamente no que se refere às suas condições de uso, solidez, segurança, estética e salubridade – só em circunstâncias extremos (caso a caso) é que se justifica a intervenção integrada através de uma Operação de Reabilitação Urbana, aprovada em instrumento próprio ou plano de pormenor de reabilitação urbana.
13º. - A ORU justificar-se-á em situações extremas, o que bem se compreende, pela grandeza da intervenção, sua minuciosidade, abrangência e o necessário maior tempo de execução, o que não se compadece com eventuais benefícios e recurso a incentivos.
14º. - Daí, não aproveitar neste caso a referência da Decisão a outra de cariz arbitral, onde está em causa uma realidade bem diferente de ..., da qual não se conhecem os contornos, mas foi alegada por quem lhe aproveitou e até se justificaria.
15º. - Bem se justifica, em geral e apenas a criação da ARU, por ser da competência da Assembleia Municipal sobre a proposta da Câmara, sendo esta que melhor e mais rápido, por conhecer a situação e poder em tempo útil recorrer aos necessários fundos;
16º. - Por sua vez, não se pode descurar, porque importante e por demais necessário que, a ARU, proporciona um conjunto de efeitos, onde se destacam os benefícios fiscais associados aos impostos municipais sobre o património (IMI), bem como o acesso dos candidatos aos apoios e incentivos fiscais e financeiros à reabilitação que, têm um momento próprio.
17º. - É por demais notório que, a Sentença (sem ninguém o invocar), pretender limitar a Administração Local, e consequentemente os agregados populacionais a usufruírem de apoios para reabilitar em tempo os seus bens, não o fazendo a lei, que o promove (limitar o que a lei promova!).
18º. - Isto é, a ORU pelo seu alcance, para além de ser de competência de órgãos regionais, não cria qualquer incentivo para os candidatos a beneficiários.
19º. - Não pode, pois, proceder a argumentação limitativa da Decisão recorrida, porque não foi invocada, não decorre da lei, nem é exigência de quem de direito, não podendo o Tribunal colocar-se numa posição notoriamente de válvula/estanque à reabilitação da áreas e o acesso aos benefícios por parte dos interessados.
TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO, DEVE A DECISÃO RECORRIDA SER REVOGADA, JULGANDO-SE A IMPUGNAÇÃO PROCEDENTE, ASSIM SE FAZENDO INTEIRA JUSTIÇA E NECESSÁRIA
1.2. A Recorrida (Autoridade Tributária e Aduaneira), notificada da apresentação do presente recurso não apresentou contra-alegações:
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 449 ss do SITAF, pugnando pela improcedência do recurso.
1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir:
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida enferma de nulidade por excesso de pronúncia.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 De facto
2.1.1 Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«1. A Impugnante tem como início de atividade em 1/7/2002 e, em 2015, alterou o seu objecto social que passou a contemplar a construção civil e venda de imóveis construídos, compra e vanda de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, investimentos em bens imobiliários, nomeadamente edifícios residenciais e não residenciais e de terrenos (CAE principal 41200) – Fls. 9 do Relatório de Inspecção Tributária (RIT);
2. A contabilidade da Impugnante foi objecto de inspecção tributária que incidiu sobre os exercícios de 2016, 2017 e 2018, que aqui se reproduz com o seguinte destaque (Fls. 8 e ss do RIT): “(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)”
3. Após, a Impugnante foi notificada das liquidações de IVA dos anos 2016 e 2017, no valor global de 96.459,86€ e que dizem respeito à diferença entre a taxa de 6% de IVA liquidada pela impugnante e a taxa normal exigida pela AT - doc 1 da PI, principalmente fls. 77 dos autos (suporte físico do processo);
4. Esses ofícios de liquidação (ões) têm data de “acerto de contas” de 15/4/2020, fazendo referência que poderia aqui Impugnante “apresentar (...) reclamação graciosa ou impugnação judicial nos termos do art.9 70.9 e 102.9 do CPPT” – doc 1 da PI;
5. Em 8/7/2020 a Impugnante deu entrada com a reclamação graciosa – doc. 8 e art.º 11.º da contestação não impugnado.
6. Em data não alegada, mas tempestivamente, após indeferimento a Impugnante deu entrada com o recurso hierárquico, que foi indeferido – doc 3 da PI, principalmente fls. 74 dos autos (suporte físico do processo);
7. No âmbito da inspecção, foi reconhecida, no decurso de 2015, 2016 e 2017 a reconstrução de um prédio para venda sito na Rua ..., n.º 20/22/24, em ... – Fls. 13 do RIT;
8. Por sua vez, no decurso de 2017 e 2018, a Impugnante procedeu à venda de nove fracções do referido prédio, designadamente uma loja comercial e oito apartamentos – Fls. 13 do RIT;
9. A Impugnante adquiriu bens e serviços necessários à execução das obras de reconstrução do imóvel em apreço, designadamente com a sociedade “[SCom02...]”, com a “[SCom03...]” e “[SCom04...]” - doc 5;
10. Com referência a esta obra, a Impugnante apresentou requerimento junto da Câmara Municipal ..., de forma a que esta pudesse obter certidão para efeitos de redução do IVA no sentido de lhe ver aplicada a verba 2.23 da lista I anexa ao CIVA – doc 6, que aqui se reproduz, (que se reporta à informação na qual o deferimento se fundamentou) com o seguinte destaque: “(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)”
11. Por sua vez, a Câmara Municipal ... emitiu uma certidão pelo facto de se tratar de uma obra de reconstrução em zona de reabilitação urbana – doc 7;»

2.1.2. Aditamento oficioso – densificação do item 2. do probatório
12. “Em conformidade com o determinado no n.º 1 e 2 do artigo 60.º do RCPITA conjugado com a alínea e) do nº 1 do artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT), o sujeito passivo foi notificado pessoalmente do “Projecto de conclusões do relatório”; a fim do mesmo exercer, querendo, no prazo de 15 (Quinze) dias o correspondente direito de audição, através da notificação nº ...98 de 2020.03.05.
A. QUANTO AO MERITO DA PETIÇÃO:
Em 2020.03.19, dentro do prazo concedido para o efeito, deu entrada na Direção de Finanças ... um exercício de direito de audição em sede dos presentes procedimentos inspetivos, sendo que o mesmo foi subscrito pelo atual contabilista certificado do sujeito passivo.
No que concerne à legitimidade da petição apresentada, nos termos do artigo 15.º e 16.º da Lei Geral Tributária (LG T), o contabilista certificado não tem por si só personalidade tributária efetiva para apresentar a petição em questão, pois não provou estar mandatado pelo sujeito passivo para o efeito.
Contudo, os argumentos e pretensões invocados naquela petição serão objeto de análise, conforme explanado nos ulteriores pontos, cujas conclusões serão reportadas ao sujeito passivo aquando da notificação do Relatório Final Inspetivo.
B. FUNDAMENTOS APRESENTADOS PELO SPA:
Na referida petição, em suma, é argumentado:
1. Concordância com as correções que resultaram da dedução indevida evidenciado na conta 24321131 no montante de 7.542,27€ e 7.203,69€, respetivamente em 2016 e 2017;
2. Discordância relativamente à correção ao IVA dedutível contabilizado na conta 243231431 , no montante de 54.466,47€ e 24.78422€, respetivamente em 2016 e 2017, alegando para o efeito que:
i. O IVA corrigido resultou da errada aplicação da taxa normal de IVA (23%), aquando da aplicação da regra de inversão prevista na alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, quanto às operações assentes em contratos de empreitada celebrados com as entidades [SCom02...]; [SCom02...], SA, [SCom04...], Unipessoal, Lda e [SCom03...], Unipessoal, Lda ([SCom03...]), pois a reconstrução do edifício em questão encontra-se dentro do perímetro de reabilitação urbana, conforme certidão emitida pela Câmara Municipal ... e, como tal a taxa a aplicar seria de 6%;
ii. O artigo 1207º do Código Civil, determina que “Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.”; sendo que os contratos de construção celebrados com as entidades acima identificadas reúnem os requisitos de empreitada, sendo que esta situação vai de encontro ao entendimento vertido na Informação Vinculativa processo n.º 2015.12.09, da AT, pois aquele contratos visam a efetiva realização de uma obra e não a mera aplicação de materiais;
iii. À data dos acontecimentos ainda não existia doutrina por parte da AT para o correto enquadramento da verba 2.23, lista I do CIVA e cujas Câmaras Municipais informavam que a taxa a aplicar seria de 6%;
iv. Perante o exposto, propõe-se substituir todas as Declarações Periódicas de IVA, ajustando nas mesmas o procedimento decorrente da regra de inversão de IVA, aplicando a taxa de 6%, relativamente às operações contabilizadas na conta 243231431, resultando assim numa redução do IVA corrigido, conforme abaixo descrito:
Ano de 2016: O valor do IVA corrigido passaria de 54.466,47€ para 23.370,58€, ou seja, uma redução de: 31.095,89€;
Ano de 2017: O valor corrigido passaria de 24.87422€. para 16.064,58€, ou seja, uma redução de: 8.809,64€.
C. ANÁLISE AOS FUNDAMENTOS APRESENTADOS:
Ora, ponderados quer os factos apurados em sede inspetiva quer os argumentos apresentados pelo sujeito passivo, em sede do exercício de direito de audição, fica por rnais evidente que o cerne da questão reside no conceito de “Empreitada” previsto na verba 2.23 da Lista I do CIVA e, por conseguinte, quanto à taxa de IVA a aplicar.
Quanto ao demais, é consensual entra as partes que o IVA deduzido por contrapartida da regra de inversão prevista na alínea j) do nº 1 do artigo 2.º do CIVA, contabilizado na conta 243231431, foi indevidamente deduzido, por aplicação da alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA, pois as vendas das frações do prédio reconstruído foram abrangidas pela isenção prevista no ponto 30 do artigo 9.º do CIVA.
Nestes termos, vem o sujeito passivo propor a redução do IVA corrigido, mediante a aplicação da taxa de 6% aos contratos de construção celebrados com as empresas por si identificadas, pois segundo o seu entendimento, tais operações reúnem os pressupostos contidos na verba 2.23 da Lista I do CIVA e, consequente não dedução desse imposto.
Assim sendo e, aferindo melhor o alcance da proposta apresentada pelo sujeito passivo, infere-se que efetivamente o que ele pretende é que todo o processo da regra de inversão de IVA por si contabilizado, quer quanto à liquidação quer quanto à dedução, seja revisto à taxa de 6%, cortando posteriormente o imposto deduzido, ajustando desta forma a correção aritmética efetuada.
Contudo, o pretendido pelo sujeito passivo, não é todo viável, porque contrariamente ao por si arguido, aquelas operações não consubstanciam uma empreitada para os efeitos contidos na verba 2.23. da Lista I do CIVA.
Pois, sobre esta matéria, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), nos termos do artigo 68.º da Lei Geral Tributária (LGT, tem redigido várias Informações Vinculativas nas quais fica claro que para poder beneficiar da taxa reduzida de IVA, a “Empreitada” tem de ser efetuada por um empreiteiro geral (único empreiteiro) e não por vários sucessivamente contratados pelo dono da obra.
Senão vejamos, entre outras, a seguinte que se adapta à presente situação:
I. Processo n.º 8323, por despacho de 2015-04-16, do SDG do IVA, por delegação do Director Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira - AT.
“… 10 - Sendo o contrato de empreitada a única modalidade contratual prevista na verba 2.23, a contratação direta (pelo dono da obra) de empresa(s) para execução de trabalhos distintos dos adjudicados ao chamado “empreiteiro geral” bem como, a aquisição por este
de materiais a fomecedores para utilização/aplicação pelo empreiteiro/subempreiteiro na obra ou, quaisquer custos relativos a projetos, honorários, fiscalização de obras entre outros, não expressamente previstos na respetiva empreitada, serão tributados à taxa normal, salvo as exceções previstas no Código. (Sublinhado nosso)…”
Importa referir que esta Informação Vinculativa data de 2015, pelo que contrariamente ao alegado pelo exponente, à data dos factos já existia doutrina sobre esta matéria, emitida pela AT.
Neste sentido e, atendendo ao facto do sujeito passivo não ter contratado um empreiteiro geral para a reconstrução do edifício, mas sim contratado sucessivos prestadores para a realização dos trabalhos necessários à dita reconstrução, nomeadamente as empresas por si acima identificadas, bem como a aquisição de materiais de construção para o efeito, fica claro que aqueles serviços de construção civil não se enquadram dentro do conceito previsto na verba em questão.
D. CONCLUSÃO:
Perante o exposto, não assiste razão ao sujeito passivo.
São de manter as correçóes meramente aritméticas evidenciadas no Capitulo III e as
infrações tributárias descritas no Capitulo VII, deste relatório.”.
2.2. De direito
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou improcedente a presente impugnação judicial, na interpretação restritiva que ali esgrimiu dos pressupostos previstos no artigo 18.º, n.º 1, al. a) e na verba 2.23 da Lista I do CIVA, para efeitos de aplicação da taxa de IVA de 6%, concluindo que apesar de a construção em causa se encontrar dentro de uma área de Reabilitação Urbana, não é menos verdade que inexiste qualquer operação de reabilitação urbana a desenvolver nessa área delimitada de reabilitação urbana quer através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana, o que determina que o IVA não pode ser corrigido de forma a poder aplicar-se a taxa de 6%.
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração, neste sentido confirmar o artigo 639º, do CPC e artigo 282º do CPPT.
A recorrente dissente do julgado alegando, em primeiro lugar e em síntese, que os fundamentos da impugnação constantes do articulado inicial, mas acima de tudo das posições assumidas pelas partes, não foram respeitados e tidos em consideração pelo Tribunal a quo.
Tal posição é patente das conclusões 3ª e 4ª em que a Recorrente afirma que “(...) a Sentença recorrida, assenta desde logo em argumento (pedido) não invocado pela requerida e, como tal, alheio às posições no processo, por parte dos respetivos intervenientes. Vide Inexistência de Aprovação de Operação de Reabilitação Urbana.
- Em lugar algum dos autos de processo (ou da lei) consta que, a omissão por parte da Administração Local/Município/Autarquia Local, ou quem quer que seja, que, esteja a tal obrigado por lei, ou com poderes para obrigar, se obrigatório fosse, à “Realização de Operação de Reabilitação Urbana” enquanto requisito, para um particular beneficiar da taxa de 6%, quanto ao IVA, não bastando a criação da área de reabilitação urbana, da competência da Assembleia Municipal, a proposta da Câmara!, a qual deve ser declarada nula nos termos do artigo 615º, nº.1, al. d), do CPC, com base em toda a argumentação que apresenta, contende com uma nulidade da decisão recorrida por excesso de pronúncia, dela emergindo a alocação ao erro de julgamento de direito da posição firmada na sentença.
Analisemos se a decisão recorrida padece de tal pecha.
2.2.1. Da nulidade da sentença – por excesso de pronúncia
Nos termos do preceituado no citado artigo 615º, nº.1, al. d), do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, seja por que foram alegadas pelas partes, seja por que são de conhecimento oficioso, nos termos da lei, ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão ou de um excesso de pronúncia. É consabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever estatuído no artigo 608, nº.2, do citado Código, o qual comporta, por um lado o dever de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, o de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente).
Ora, como se infere do exposto, o excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de ultra petita, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por um lado "questões" e, por outro, "razões" ou "argumentos" para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das "questões") integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das "razões" ou "argumentos" invocados.
E recorde-se que o objecto do recurso está dependente do objecto inicial da acção definido, essencialmente, a partir da conjugação entre o pedido e a causa de pedir, elementos que, por seu lado, são submetidos a apertadas regras a respeito da sua alteração, nos termos dos artigos 264º e 265º, do CPC [cf. Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra Editora, 1984, pág. 49 a 58 e 143 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. Edição, Almedina, 2009, pág.57; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. Edição, Almedina, 2009, pág.37].
Em relação, ao processo judicial tributário o excesso de pronúncia (vício de ultra petita), como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125º, nº.1, do CPPT, no último segmento da norma [vide acórdão do STA de 11.07.2019, proferido no âmbito do processo n.º 557/07.5BECBR; Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.366 e seg.].
Volvendo aos autos, desde logo, se dirá que no seu articulado inicial [fs. 4 a 37 do processo SITAF], a sociedade recorrente estruturou os seguintes fundamentos (causas de pedir) para a presente impugnação:
Os vários serviços de construção civil (empreitada de construção de estrutura de betão armado e alvenarias – empreitada de acabamentos exteriores – contrato de prestação de serviços de instalação eléctrica – contratos de prestação de serviços de climatização e canalização), constituem “obras de remodelação”, juntando para o efeito, certidões (Despacho) emitidas pelo município ... que atestam que essas obras de reabilitação podem beneficiar da aplicação da taxa reduzida prevista na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, contrapondo tal posição com os argumentos em que AT suporta a decisão impugnada.
Atentemos aos argumentos da AT, enquanto balizadores das questões apresentadas pela Recorrente, apresentados em sede de contestação, a saber:
“Apenas podem beneficiar da taxa reduzida de IVA se verificarem essas condições, cumulativamente:
A operação deve consistir numa OBRA DE REABILITAÇÃO (reconstrução do edifício) realizada nos termos do ARTIGO 2.º ALÍNEA J) DO RJRU;
Essa operação (reconstrução do edifício) deve ser efetuada sobre um bem imóvel situado em área de reabilitação urbana, legalmente titulada e delimitada nos termos do ARTIGO 2.º ALÍNEA B) DO RJRU;
A modalidade contratual prevista é o contrato de empreitada previsto no artigo 1207.º do Código Civil.”
Deste modo, afirma AT que para o enquadramento na verba 2.23 da Lista I Anexo ao Código do IVA, que se torna necessário que, cumulativamente:
(i) “Seja considerada pela câmara municipal, uma obra, efetuada no âmbito do Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro, ou seja, uma EMPREITADA DE REABILITAÇÃO URBANA; e,
(ii) O sujeito passivo seja possuidor de um documento, emitido pelo respetivo município, que comprove a localização do imóvel numa área de reabilitação urbana, bem como a obra ser enquadrada no âmbito do referido Decreto-Lei.”
Por sua vez, a sentença do Tribunal a quo, firma que “Ora o que nos autos se constata é que as obras de reabilitação em causa “se inserem dentro da área de Reabilitação Urbana, conforme proposta aprovada pela Assembleia Municipal em 30.09.2014 e publicada na 2.º série do Diário da República”. Contudo, nos termos do nº 1 do art. 7º do Regime jurídico da reabilitação urbana (RJRU), a reabilitação urbana estrutura-se, à luz do direito administrativo, em conceitos fundamentais: “i) o de área de reabilitação urbana como tal delimitada; ii) o de operação de reabilitação urbana a desenvolver nas áreas delimitadas de reabilitação urbana, através de instrumento próprio ou de um plano pormenor de reabilitação urbana.”, ou seja, concluindo que “Sendo verdade que a construção em causa se encontra dentro de uma área de Reabilitação Urbana, não é menos verdade que inexiste qualquer operação de reabilitação urbana a desenvolver nessa área delimitada de reabilitação urbana quer através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana./ Portanto, em conclusão, o IVA não pode ser corrigido de forma a poder aplicar-se a taxa de 6%.”
Ora, como o próprio julgador havia preconizado, e como já aludimos quanto às posições das partes, “(...) a Impugnante defende que o IVA devia ser corrigido de forma a aplicar a taxa de 6% aos contratos de construção celebrados com as empresas por si identificadas, pois segundo o seu entendimento tais operações reúnem os pressupostos previstos na verba 2.23 da Lista I do CIVA; A AT defende o contrário porque, em sua perspectiva, e atendendo ao facto da Impugnante não ter contratado um empreiteiro geral, mas sim contratado sucessivamente prestadores para a realização dos trabalhos e necessários à reconstrução do prédio, bem como a aquisição de materiais de construção para o efeito, fica claro, para a AT, que aqueles serviços de construção civil não se enquadram dentro do conceito previsto na verba em questão.”
O objecto do presente processo, cingia-se a questão de se saber se, à face da documentação apresentada pela Impugnante, se esta devia ter sido deferida, fazendo aplicação da taxa reduzida de 6%, por se estar perante uma «empreitada de reabilitação urbana», a qual atenta a posição das parte, mormente do indeferimento, o decidido pelo Tribunal a quo, não se insere na causa de pedir invocada pela Recorrente, mas sobretudo, cumpre vincar, que em momento algum as partes suscitaram a questão que obteve resposta nos presentes autos.
Donde se conclui que a decisão recorrida incorreu em excesso de pronúncia e, consequentemente, na nulidade a que se refere o artigo 615º, nº.1, al. d), do CPC, e artigo 125º, nº.1, CPPT, sendo que a nulidade em análise contende com o segmento decisório da sentença objecto do presente recurso, mantendo-se, no entanto, o julgado, por transitado, da improcedência por intempestividade da Reclamação Graciosa.

2.2.2. Do conhecimento em substituição
Declarada a nulidade da sentença recorrida, há que fazer apelo ao artigo 665º do CPC, uma vez que a anulação da decisão não tem como efeito incontornável a remessa imediata do processo ao Tribunal a quo, devendo o TCA proceder à apreciação da acção se dispuser dos elementos necessários para tal.
A competência conferida à 2ª Instância para reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar, em via de substituição, o julgado em 1ª Instância, apenas é possível se do processo constarem todos os elementos de prova.
Vejamos, então.
No caso concreto, como se demonstrará, este Tribunal de recurso está na posse de todos os elementos necessários à decisão da causa.
Assim sendo, cabe a este Tribunal discriminar a matéria de facto provada da não provada, seleccionando a matéria relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito – cfr. artigos 123º, nº2 do CPPT, 596º, nº1 e 607º, nº2 do CPC – o que, por economia de meios, se faz, desde já, por remissão para os pontos 1. a 11. dos factos provados, e respectiva fundamentação, da sentença ora anulada, que nesta parte se repristinam e ponto 12. aditado oficiosamente nesta sede.
Conhecendo em substituição:
A questão essencial que é objecto do processo é a de saber se, à face da documentação apresentada pela Recorrente em sede de audiência prévia no procedimento inspectivo e, em sede de Reclamação Graciosa, a sua pretensão deveria ter obtido deferimento, fazendo aplicação da taxa reduzida do IVA de 6% constante da verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), por se estar perante uma «empreitada de reabilitação urbana».
Não foi questionado pela Autoridade Tributária e Aduaneira quer nos fundamentos das correcções em sede de RIT, quer na decisão da reclamação graciosa, que as declarações de IVA em questão correspondem a facturas de serviços respeitantes aos contratos de empreitadas celebrados com as entidades [SCom02...], SA., [SCom04...], Unipessoal, Lda. e [SCom03...], Unipessoal, Lda. ([SCom03...]) – respeitantes a empreitada de construção de estrutura de betão armado e alvenarias – empreitada de acabamentos exteriores – contrato de prestação de serviços de instalação electrica – contratos de prestação de serviços de climatização e canalização, operações adquiridas para edificação do imóvel em questão sito em ..., construção essa inserida em área de recuperação urbana “ARU”.
A posição da Impugnante é de que aqueles serviços podem beneficiar da aplicação da taxa reduzida prevista na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA.
A posição da AT é que os serviços prestados, não constituem, por si só, e isoladamente, operações de reabilitação urbana nos termos do RJRU, nem o município ... emite certificação de que essas obras (prestações de serviços) são operações de reabilitação urbana nos termos do RJRU, assente em que o conceito de “Empreitada” previsto na verba 2.23 da Lista I do CIVA, exige para beneficiar da mesma que aquela tenha que ser efectuada por um empreiteiro geral (único empreiteiro) e não por vários sucessivamente contratados pelo dono da obra, como é o caso.
Aclamando sobre a matéria, as Informações Vinculativas emanada pela AT, nomeadamente a seguinte Informação: “I. Processo n.º 8323, por despacho de 2015-04-16, do SDG do IVA, por delegação do Director Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira - AT. “… 10 - Sendo o contrato de empreitada a única modalidade contratual prevista na verba 2.23, a contratação direta (pelo dono da obra) de empresa(s) para execução de trabalhos distintos dos adjudicados ao chamado 'empreiteiro geral', bem como, a aquisição por este de materiais a fornecedores para utilização/aplicação pelo empreiteiro/subempreiteiro na obra ou, quaisquer custos relativos a projetos, honorários, fiscalização de obras entre outros, não expressamente previstos na respetiva empreitada, serão tributados à taxa normal, salvo as exceções previstas no Código.”
Concluindo que, atendendo ao facto de o sujeito passivo/Impugnante não ter contratado um empreiteiro geral para a reconstrução do edifício, mas sim contratado sucessivos prestadores para a realização dos trabalhos necessários à dita reconstrução, bem como a aquisição de materiais de construção para o efeito, fica claro que aqueles serviços de construção civil não se enquadram dentro do conceito previsto na verba em questão
Cumpre apreciar e decidir, se a circunstância de estarmos perante vários contratos de “subempreitada” – e não de um único contrato de empreitada – condiciona a aplicação a taxa reduzida do IVA de 6% constante da verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), aplicável às empreitadas de reabilitação urbana.
In casu estamos perante uma entidade que é promotor (dono de obra) e sociedade de construção (empreiteiro ou executor), não celebrou um único contrato de empreitada com um terceiro para a construção do imóvel em questão, mormente porque possivelmente não reúne todas as valências dos trabalhos de construção e/ou não dispondo dos meios necessários a sua realização, recorreu à aquisição de serviços de “construção civil” a entidades terceiras, através da celebração de vários contratos de empreitada com tais entidades - com as entidades [SCom02...], SA., [SCom04...], Unipessoal, Lda. e [SCom03...], Unipessoal, Lda. ([SCom03...]) – respeitantes a empreitada de construção de estrutura de betão armado e alvenarias – empreitada de acabamentos exteriores – contrato de prestação de serviços de instalação electrica – contratos de prestação de serviços de climatização e canalização - em que circunstâncias se poderá aplicar a taxa reduzida?
Vejamos.
Conforme decorre das disposições conjugadas do artigo 18.º, n.º 1, alínea a) do Código do IVA e da Verba 2.23. da Lista I anexa ao Código do IVA, na redação concretamente aplicável, estão sujeitas à taxa de imposto de 6%:
Empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico, realizadas em imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zona de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais, ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional.
Nesta conformidade, constatamos que a aplicação da citada Verba 2.23 depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
a) Tratar-se de uma empreitada de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico;
b) Realizada em imóvel ou espaço público localizado em área de reabilitação urbana, delimitada nos termos legais.
Centremos a nossa atenção no primeiro requisito, pois foi nesse que assentou o indeferimento da pretensão do sujeito passivo, importa densificar os conceitos de “empreitada” e de “reabilitação urbana”, o que importa a convocação de diplomas legais de cariz não tributário, uma vez que “[s]empre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo de outro decorrer diretamente da lei” (cf. artigo 11.º, n.º 2, da LGT), sem perder de vista de que a interpretação das normas fiscais se deve também ancorar no princípio da prevalência da substância sobre a forma, consagrado expressamente no artigo 11.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária, ao prever que, persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários. Aliás, no concernente ao conceito de “reabilitação urbana”, é a própria norma fiscal que remete para a definição constante de diploma específico.
Assim, começando pelo conceito de “empreitada”, o artigo 1207.º do Código Civil define-o como sendo “o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”.
No tangente ao conceito de “reabilitação urbana” e seguindo o comando normativo que manda atender à definição constante de diploma específico, devemos convocar o Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro, que estabelece o regime jurídico da reabilitação urbana, cujo artigo 2.º, alínea j), define “reabilitação urbana” como “a forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente, em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através da realização de obras de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infraestruturas urbanas, dos equipamentos e dos espaços urbanos ou verdes de utilização coletiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios”.
O mesmo diploma legal alude, ainda, à “reabilitação de edifícios” – que é “a forma de intervenção destinada a conferir adequadas características de desempenho e de segurança funcional, estrutural e construtiva a um ou a vários edifícios, às construções funcionalmente adjacentes incorporadas no seu logradouro, bem como às frações eventualmente integradas nesse edifício, ou a conceder-lhes novas aptidões funcionais, determinadas em função das opções de reabilitação urbana prosseguidas, com vista a permitir novos usos ou o mesmo uso com padrões de desempenho mais elevados, podendo compreender uma ou mais operações urbanísticas” (cf. artigo 2.º, alínea i)) – e a “operação de reabilitação urbana” – que é “o conjunto articulado de intervenções visando, de forma integrada, a reabilitação urbana de uma determinada área” (cf. artigo 2.º, alínea h)) –, que são conceitos distintos do de “reabilitação urbana”.
No entanto, tal distinção não releva para efeitos de aplicação da mencionada Verba 2.23, pois não foi aqui considerada pelo legislador, porquanto este pretendeu aqui abarcar as empreitadas de reabilitação urbana realizadas em imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana. Ademais, como vimos, o conceito de “reabilitação urbana”, tal como é legalmente definido, abrange as “obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios”.
Cumpre ainda, a par da melhor interpretação atenta a sua ratio legis, por se tratar de uma norma que em si insere um benefício fiscal, por outro, não se pode olvidar que estamos no âmbito do IVA, dominado na sua essência pelo principio da neutralidade.
Ancorado este princípio na consideração de que o tributo seja neutro nos seus efeitos quanto às opções estratégicas dos agentes económicos, atendendo a que o seu objectivo último é tributar a capacidade económica evidenciada nos actos de consumo e não a actividade económica realizada pelos sujeitos passivos do imposto.
Assim à luz do mesmo, pouco importa se estamos perante um contrato de empreitada única para efeito da construção de um edifício ou se ocorreu a aquisição de serviços de construção civil a entidades terceiras, através da celebração de vários contratos de subempreitada, para atender aos motivos que subjazem à taxa reduzida prevista na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA.
É que o benefício em questão teve e tem em vista incentivar a reabilitação urbana, por via da redução da sua taxa, independentemente diremos nós de as obras serem realizadas por um único empreiteiro ou, contrariamente, por vários, por força de prestações de serviço em determinadas áreas da construção.
Assim pelo exposto, consideramos que a posição da AT de afastar o beneficio da aplicação da taxa reduzida de 6% as “subempreitadas” em questão, por se afastarem no seu entender de um contrato geral de empreitada, pressuposto de aplicação do mesmo, colide com o princípio da neutralidade e não tem acolhimento na melhor interpretação da lei, afastando-se da ratio legis da mesma.
A verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA, na redação anterior à Lei n.º 56/2023, de 06.10.2023, tem aplicação quando se verifiquem as seguintes condições: (a) estamos perante uma empreitada de reabilitação urbana, conforme legalmente definida e (b) a empreitada de reabilitação urbana realizar-se em imóvel ou espaços públicos localizados em Área de Reabilitação Urbana (ARU), legalmente delimitada.
De acordo com a referida verba, na redação acima transcrita, os requisitos para subsunção à previsão normativa da taxa reduzida de IVA são os seguintes:
a) Existência de uma empreitada;
b) De reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico;
c) Realizada em imóvel (ou espaço público) localizado em ARU
Resolvido que se mostra o conceito de empreitada e sua dimensão atender, cumpre atentar ao conceito de «reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico», pelo que este conceito tem de ser preenchido por recurso ao diploma específico em causa, a saber, o Regime Jurídico da Reabilitação Urbana, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro (RJRU), como já referimos.
Quando se refere ao conceito de «reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico», a verba 2.23 remete para a definição legal de reabilitação urbana constante da alínea j) do art.º 2 do RJRU, a qual define reabilitação urbana como «a forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente, em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através da realização de obras de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infra-estruturas urbanas, dos equipamentos e dos espaços urbanos ou verdes de utilização colectiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios».
No caso em apreço, para comprovação dos factos por si alegados, foi junta ao processo pelo Requerente uma certidão da Câmara Municipal ..., (Doc. 6 – item 10 do probatório), que atesta que o imóvel objeto de discussão “situa-se dentro da Área de Reabilitação Urbana, conforme proposta aprovada pela Assembleia Municipal em 30.09.2014, publicada ....” e que “ ...as obras que estão a decorrer... , se inserem dentro da Área de Reabilitação Urbana, para efeito de redução do IVA.”.

Posto isto e atento o pedido formulado em sede de petição inicial, qual seja:
“Nestes termos e nos mais de direito aplicável que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser julgada procedente por provada a presente impugnação e, consequentemente, revistas as demonstrações da liquidação de IVA (n.º ...29 de 09.04.2020, n.º ...50 de 09.04.2020, n.º ...76 de 09.04.2020, n.º ...25 de 09.04.2020, n.º ...01 de 09.04.2020, n.º ...87 de 09.04.2020 e n.º ...77 de 09.04.2020) e liquidações de juros compensatórios, (n.º ...12 de 09.04.2020, n.º ...13 de 09.04.2020, n.º ...14 de 09.04.2020, n.º ...15 de 09.04.2020, n.º ...31 de 09.04.2020, n.º ...32 de 09.04.2020, n.º ...33 de 09.04.2020), relativas aos exercícios de 2016 e 2017, no sentido de serem considerada legítima a aplicação da taxa reduzida de 6% às operações realizadas pela Impugnante no âmbito da reabilitação realizada no imóvel em assunto”, cumpre determinar a procedência da impugnação devendo as liquidações de IVA e juros compensatórios sub judice, serem revistas em conformidade.

2.3 Conclusões
I. Nos termos do preceituado no citado artigo 615, nº.1, al. d), do CPC, é nula a sentença, quando o juiz conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento.
II. Haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido, pelo que considera-se nula, por vício de "ultra petita", a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido).
III. A nulidade da sentença não obsta a que o Tribunal de recurso conheça em substituição do objecto da impugnação, mas esse conhecimento só lhe é permitido no caso de os autos fornecerem todos os elementos para o efeito.
IV. A verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA, na redação anterior à Lei n.º 56/2023, de 06.10.2023, tem aplicação quando se verifiquem as seguintes condições: (a) estamos perante uma empreitada de reabilitação urbana, conforme legalmente definida e (b) a empreitada de reabilitação urbana realizar-se em imóvel ou espaços públicos localizados em Área de Reabilitação Urbana (ARU), legalmente delimitada.
V. Nem da letra da lei, nem do seu espirito, resulta que o taxa reduzida pressupõem a existência de um único contrato de empreitada, dito “geral”, não sendo de afastar, desde que verificados os restantes pressupostos, aos contratos firmados com sucessivos prestadores para a realização dos trabalhos necessários, as ditas subempreitadas.
3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida no segmento decisório impugnado, e em substituição determinar a revisão das liquidações de IVA e juros compensatórios.
Custas a cargo da recorrida, em ambas as instâncias
Porto, 14 de novembro de 2024

Irene Isabel das Neves
Carlos Alexandre de Castro Fernandes
Graça Maria Valga Martins