Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00344/14.4BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/11/2024
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:IRENE ISABEL GOMES DAS NEVES
Descritores:NULIDADES;123º DO CPPT;
IVA;
MÉTODOS INDIRECTOS; ERRO DE FACTO;
Sumário:
I. Nos termos do preceituado no artigo 615º, nº.1, al. b), do CPC, é nula a sentença, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, tanto de facto, como de direito.

II. A falta de exame crítico da prova configura uma causa de nulidade da sentença porquanto a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. b) do CPC e no n.º 1 do artigo 125.º do CPPT abrange não só a falta de especificação dos factos provados e não provados, conforme exige o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, mas também a falta de exame crítico da prova, requisito igualmente exigido no artigo 607.º, n.º 4, do CPC.

III. A mera insuficiência ou mediocridade da motivação e/ou a falta de exame crítico da prova produzida, apenas poderá configurar aquela nulidade quando, sendo necessária, haja sido absolutamente omitida

IV. A prova atendível não é apenas a produzida em sede de audiência contraditória, mas toda a que resulta dos autos, independentemente da parte que a haja produzido, mormente a que esteja inserida no relatório da inspeção tributária.

V. Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT).

VI. Cabe à AT o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiciários e, nesta medida, demonstrar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto.

VII. Estando decidido que, no caso, a AT demonstrou a ocorrência dos necessários pressupostos legais à utilização de métodos indirectos, por um lado e, por outro, apresentando-se adequadamente fundamentados, como adequados e pertinentes, os critérios de que a AT se serviu na tarefa de quantificação, era à impugnante que se impunha demonstrar que a utilização dos critérios que se apresentam como fundamentados e adequados à situação, conduziram, sem margem para dúvidas, a um resultado final sem qualquer aderência à realidade.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. A [SCom01...], Ld.ª (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, datada de 21.11.2019, que julgando improcedente a impugnação judicial por si intentada contra as liquidações de IVA, referentes ao exercício de 2010, no valor global de € 10.205,79, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«(...)
1) A forma como o tribunal a quo se pronuncia sobre os factos provados e não provados não dá cumprimento ao disposto no art. 123°-2 do CPPT.
2) Sendo o próprio tribunal a quo a afirmar que «os factos aludidos nos artigos:67°, 69°,72°, 74°, 76°,78°,82°, 87°, 91°, 92°, 93°, 95°, 96°,98°, 99°, 100°, 191° da p.i., /.../ constituem o cerne da questão a decidir», impunha-se que, relativamente a eles, fosse tomada uma decisão no sentido de serem julgados como provados ou não provados.
3) Em vez disso, e de forma paradoxal, o tribunal a quo omite, em absoluto, qualquer decisão nesse sentindo não inclui os referidos factos na matéria de facto provada e refere que «não se apuraram factos relevantes a julgar não provados» , o que torna ininteligível o iter cognoscitivo que presidiu à selecção da matéria de facto e à decisão da causa.
4) Em consequência, por padecer de falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão, a Sentença recorrida padece da nulidade prevista no art. 125°­1 do CPPT, nulidade essa que aqui expressamente se argui.
Sem conceder,
5) De forma contrária ao decidido pelo tribunal a quo, da prova produzida na audiência de julgamento não decorre aquilo que consta dos pontos n°s 8, 9, 10, 13, 17, 18, 21, 22 e 24 da matéria de facto dada como provada.
6) A decisão sobre a matéria de facto não pode confinar-se unicamente à declaração de quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, nem a essa declaração acompanhada da fundamentação genérica dos meios de prova que conduziram a um ou a outro daqueles resultados, devendo a norma do art. 123º-2 do CPP ser interpretada no sentido de exigir, por um lado, a análise crítica dos meios de prova produzidos no processo, e, por outro, a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador expressa na resposta (positiva ou negativa) dada à matéria de facto controvertida.
7) Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede com a prova documental), a fundamentação de facto não deve, pois, limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo, para além disso, revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu.
8) O tribunal a quo, com referência aos pontos nºs 8, 9, 10, 13, 17, 18, 21, 22 e 24 da matéria de facto provada, não faz qualquer análise crítica ao meio de prova em que se terá baseado (Relatório de Inspecção Tributária), limitando-se a remeter para o teor do mesmo, sendo que essa mera remissão tem unicamente por consequência dar-se como provada a existência do documento em causa e não dos factos que dele alegadamente constam.
9) Atenta essa forma de fundamentação, a Recorrente não consegue apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido relativamente aos factos em causa, designadamente porque é que o tribunal a quo, não obstante os vários meios de prova ao seu dispor, decidiu dar mais importância ao Relatório de Inspecção Tributária.
10) Sendo o próprio tribunal a quo quem refere, na «Motivação de facto», que o depoimento da autora do Relatório de Inspecção Tributária («AA») «mostrou-se particamente irrelevante», impendia sobre o mesmo um especial dever de demonstrar o porquê de dar como provados os acima referidos factos única e exclusivamente com base na circunstância de a eles se fazer alusão no Relatório de Inspecção Tributária.
11) O teor do Relatório de Inspecção Tributária, desacompanhado de qualquer outro meio de prova, não é suficiente e adequado para se dar como provado o que consta dos pontos n°s 8, 9, 10, 13, 17, 18, 21, 22 e 24 da matéria de facto provada.
12) A alegação de que os factos que constam desses pontos (especificamente os que constam dos pontos n°s 8, 10, 13 e 18) «não foram impugnados» só pode resultar de lapso do tribunal a quo.
13) Sendo os referidos factos claramente constitutivos dos direitos que a Autoridade Tributária alega deter sobre a Recorrente (designadamente de se socorrer da aplicação de métodos indirectos para proceder à determinação da respectiva matéria tributável), era sobre ela que impendia o ónus de os provar (cfr. art. 74°-1 da LGT, cuja aplicação não se restringe apenas ao procedimento tributário, devendo estender-se também ao processo judicial tributário).
14) A Sentença recorrida enferma ainda de erro na apreciação da prova decorrente de, por força da desconsideração dos depoimentos das testemunhas «BB» e «CC», não terem sido dados como provados muitos outros factos que foram alegados pela Recorrente e que manifestamente interessam à decisão da causa.
15) A decisão do Tribunal a quo no sentido de considerar parciais as testemunhas «BB» e «CC», para além de não ter uma justificação lógica e coerente, afigura-se inadmissível, tendo em consideração as regras da experiência comum.
16) A prova testemunhal é apreciada livremente pelo julgador de acordo com a sua convicção e com as regras da experiência comum, devendo essa liberdade de apreciação ter como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio.
17) No caso sub judice, é por demais evidente que a opção do tribunal a quo de considerar parciais as duas referidas testemunhas arroladas pela ora Recorrente carece de justificação à luz das regras da lógica, da ciência e da experiência comum que devem presidir à apreciação da prova.
18) Como o Tribunal a quo não podia deixar de levar em consideração, a mera relação de parentesco com uma das partes na causa não desvaloriza o depoimento de uma testemunha, nem pode servir, por si só, para questionar a respectiva credibilidade, pois a própria lei permite que deponha como testemunha quem com a parte mantém uma relação de parentesco (cfr. art. 497º do CPC).
19) É que, não obstante essa relação de parentesco, a testemunha não deixa de ser um terceiro perante a relação jurídica processual, que presta juramento solene, que fica obrigado a cumprir especiais deveres no decorrer da prestação do seu depoimento, e que fica sujeito a graves sanções em caso de falsas declarações (cfr., v.g., arts. 459º e 516º do CPC).
20) Nos presentes autos, as testemunhas «BB» e «CC» não têm qualquer relação de parentesco com a ora Recorrente (que até é uma pessoa colectiva!), mas com a respectiva legal representante (de quem são, respectivamente, nora e filho).
21) No que respeita à alegada parcialidade dessas testemunhas, o raciocínio do Tribunal a quo padece ainda de uma evidente contradição, uma vez que, enquanto por um lado se desconsiderou tudo aquilo que as mesmas disseram no sentido dos factos alegados pela ora Recorrente, por outro lado aceitou-se os respectivos depoimentos na parte em que daí resultava benefício probatório para a Fazenda Pública.
22) O tribunal a quo não podia ter compartimentado os depoimentos em causa e considerá-los apenas credíveis na parte em que dos mesmos resultam factos alegadamente favoráveis à posição defendida pela Fazenda Pública, sujeitando, de forma enviesada, o depoimento dessas testemunhas ao regime legal do depoimento de parte.
23) Ao ter desconsiderado o depoimento das testemunhas «BB» e «CC», a Sentença recorrida enferma, pois, pelas razões supra expostas, de erro notório na apreciação da prova decorrente da violação dos critérios legais de valoração material da mesma, afigurando-se as considerações que nela são feitas inadmissíveis face às regras da experiência comum.
24) Procedendo-se à audição dos depoimentos dessas duas testemunhas, facilmente se conclui que as mesmas produziram depoimentos circunstanciados, coerentes e seguros, não sendo percetível que a relação de parentesco com a legal representante da ora Recorrente as tenha de alguma forma influenciado.
25) Com base nos depoimentos prestados na audiência pela testemunha «DD» (depoimento gravado em suporte digital disponível na aplicação informática em uso no tribunal a quo, desde as 09:42:14 às 10:00:56, conforme consta da «Acta de Inquirição de Testemunhas»), pela testemunha «BB» (depoimento gravado em suporte digital disponível na aplicação informática em uso no tribunal a quo, desde as 10:01:45 às 10:48:51, conforme consta da «Acta de Inquirição de Testemunhas») e pela testemunha «CC» (depoimento gravado em suporte digital disponível na aplicação informática em uso no tribunal a quo, desde as 10:49:36 às 12:08:25, conforme consta da «Acta de Inquirição de Testemunhas»), devem ser dados como provados, porque interessam sobremaneira à boa decisão da causa, os seguintes factos alegados na P.I.:
− Não obstante ter encerrado um dos seus estabelecimentos comerciais durante todo o mês de Maio de 2008 e ter sofrido, durante os meses de Março, Abril e também Maio, uma quebra muito grande na respectiva facturação, a Impugnante continuou a suportar, durante esses mesmos meses, os encargos referentes aos salários dos seus trabalhadores (arts. 23°, 24° e 25° da P.I.).
− A «existência de artigos indefinidos identificados com a designação – “Diversos”» na contabilidade da Impugnante deve-se à circunstância de, no sistema informático de facturação desta, não existiram teclas suficientes que permitam a descrição pormenorizada de todos os artigos comercializados no seu estabelecimento comercial (art. 40º da P.I.).
− Em virtude desse facto, a Impugnante tem de incluir nas teclas «diversos» os artigos que, muito embora não sejam vendidos com a mesma frequência de outros, são igualmente comercializados no seu estabelecimento comercial (v.g. velas de aniversário, pacotes de natas, farinhas, etc.) (art. 41º da P.I.).
− Os 8grs. de café/descafeinado a que se alude no ponto «II.4.5.1.» do RIT correspondem apenas às quantidades efectivamente consumidas em cada dose vendida pela Impugnante, nelas não se encontrando incluídas as naturais e inevitáveis perdas de produto (art. 48º da P.I.).
− A quantidade de fiambre ou queijo gasta pela Impugnante em cada sandes comercializada nunca se cifra em menos de 50 grs. (art. 61º da P.I.).
− Os produtos discriminados no quadro inserto a fls. 15 do RIT não servem apenas para o fabrico de sandes, sendo igualmente utilizados na elaboração de omeletes, croissants folhados, pizzas, lanches, cachitos, bolas de carne, bem como na confecção de algumas refeições (v.g. bifes recheados) servidas pela Impugnante no seu estabelecimento comercial (art. 62º da P.I.).
− Os autoconsumos de fiambre e de queijo dos funcionários da Impugnante cifram-se, em média, em duas sandes diárias por cada funcionário, sendo que, para além disso, existem naturais desperdícios dessas matérias-primas (+/- 200grs. por cada embalagem) (art. 63º da P.I.).
− A inutilização de «Caixas bolos aniv/tortas» e «Cxs pastéis» é algo comum, e resulta do facto de as mesmas por vezes se encontrarem mal coladas, dando origem a que se rasguem quando estão a ser abertas para que sejam colocadas no seu interior os bolos e os pastéis (art. 68º da P.I.).
− Essa inutilização ocorre com especial incidência nas cintas/formas de papel, as quais, por serem feitas de papel de muito fraca qualidade, e por se encontrarem acondicionadas em grande número, rasgam-se como muita frequência quando estão a ser separadas para serem utilizadas (art. 69º da P.I.).
− As caixas de bolos e pastéis também acabam muitas vezes por ter uma utilização um pouco diferente daquela para a qual foram concebidas, servindo igualmente para acondicionar outros produtos que não apenas pastéis e bolos, nomeadamente fatias de piza, chocolate raspado para a confecção de bolos em casa dos clientes, etc. (arts. 71º e 72º da P.I.).
− A quantidade de farinha gasta pela Impugnante aquando da concepção e preparação dos produtos (designamente através da respectiva colocação nas telas que vão ao forno e na mesa tendedeira), cifra-se, aproximadamente, em 10 a 15kg por dia (arts. 76º a 78º da P.I.).
− Há também muita farinha que, no referido acto de concepção dos produtos, acaba por cair para o chão, ficando assim inutilizada (art. 79º da P.I.).
− Há uma quantidade de pão de forma que se estraga quando é retirado da respectiva forma em que foi cozido, bem como que acaba por se queimar na confecção de torradas e tostas (art. 82º da P.I.).
− O mais pequeno pastel de massa folhada que é comercializado pela Impugnante (pastel de nata) tem um peso (antes da cozedura) que se cifra entre os 40 e 45 gramas, sendo que o peso médio (antes da cozedura) de todos os pastéis de massa folhada (pastel de nata, tarte de amêndoa, palmier, tarte de maçã, caramujo e palma) é superior a 44 gramas (arts. 85º a 87º da P.I.).
− A «margarina bolo-rei» adquirida pela Impugnante é utilizada não só na «massa brioche», mas também na confecção de muitos outros produtos de padaria/pastelaria produzidos pela mesma (pão italiano, pão de bico, fogaça, bolo-rei, biscoitos sortidos, bolos de arroz, etc.), bem como para untar formas e para pincelar produtos depois de acabados (art. 92º da P.I.).
− O peso dos bolos antes da cozedura não duplica com a posterior aplicação dos recheios e das coberturas, aumentando, em vez disso, apenas 30% a 40% (art. 95º da P.I.).
− Os 255 quilos de «satin cake» adquiridos pela Impugnante em 2010 não foram unicamente utilizados na produção de “pão de ló bolos aniversário redondos /.../”, tendo servido igualmente para produzir queques e fatias de bolo (arts. 97º e 98º da P.I.).
− A maior parte do «Pão bico-redondo-bijou» produzida pela Impugnante destina-se a revenda, sendo que o preço médio praticado pela mesma cifra-se entre € 0,06 e € 0,08, sobre o qual ainda incide um rapel de 15% (art. 99º da P.I.).
− Os empelos do «Pão Italiano» produzido pela Impugnante são de 2,1 quilos (art. 100º da P.I.).
26) Especificamente com respeito às quebras no pão de forma, o tribunal a quo desconsiderou o depoimento da testemunha «CC» por entender que, muito embora todos saibam «que a produção, corte e confecção de torradas e tostas é genericamente passível de gerar desperdícios de pão», o que «carece de prova, é o valor absoluto e ou relativo, desse desperdício» (cfr. pág. 20 da Sentença recorrida).
27) Sucede que o tribunal a quo olvida que a Inspecção Tributária, no RIT, referiu não haver quaisquer quebras no pão de forma (cfr. pág. 25 do RIT)!
28) É evidente, pois, que é o próprio tribunal a quo quem, com o seu raciocínio, demonstra a falta de razoabilidade daquela alegação da Inspecção Tributária.
29) Por tudo o exposto, fica demonstrado que, contrariamente ao que consta na Sentença recorrida, as liquidações impugnadas enfermam de manifesta ilegalidade.
30) Da acção inspectiva efectuada à escrita da Recorrente não resultam indícios de alegadas omissões de vendas, ou de qualquer outra circunstância impeditiva de atribuir credibilidade à sua escrita, e que fundamente o recurso a métodos indirectos, sendo que era sobre a Autoridade Tributária que impendia ónus da prova desses factos.
31) A decisão de proceder à correcção do lucro tributável da Recorrente enferma, pois, de erro nos pressupostos de aplicação dos métodos indirectos.
32) Para além disso, a matéria tributável de IVA fixada através daqueles métodos enferma de claro erro de quantificação, conforme resulta da matéria de facto provada (depois da alteração preconizada pela Recorrente).
33) Termos em que a Sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que determine a anulação das liquidações impugnadas, com as legais consequências.
34) A Sentença recorrida violou o disposto na norma do art. 123°-2 do CPPT e na norma do art. 74°-1 da LGT, normas essas que deveriam ter sido interpretadas e aplicadas com o sentido exposto nas presentes alegações e conclusões.
Nestes termos e nos melhores de direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a Impugnação deduzida pela ora Recorrente, anulando-se, em consequência, as liquidações de imposto impugnadas, com a consequente restituição à Recorrente das quantias (€5.102,89 e €5.102,90) que por ela já foram pagas na sequência das referidas liquidações, devendo ainda ser ordenado o pagamento à mesma Recorrente dos juros indemnizatórios vencidos sobre essas importâncias, contados à taxa legal de 4% ao ano ou de outra que venha a ser fixada até à data da emissão da nota de crédito em que esses juros indemnizatórios devem ser incluídos, desde a data de pagamento até à sua integral restituição à Recorrente, assim se reconstituindo a situação anterior à prática dos actos impugnados, tudo com verificação das respectivas consequências legais, como é de direito e de
JUSTIÇA!»
1.2. A Recorrida (Autoridade Tributária e Aduaneira), notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações.
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 350 do SITAF, pugnando pela improcedência do recurso, do qual destacamos:
“(...)
[SCom01...], Ld.a arrolou prova testemunhal, no sentido de demonstrar que era err6neo o critério de quantificação utilizado pela AT.
Voltando aos autos, a questão a dirimir é determinar se efectivamente logrou demostrar esse excesso de quantificação.
Os critérios de calculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos constam do RIT a fls. 16 e segs. do PA apenso.
Como já se referiu essa determinação nunca poderia ser exacta, senão estariamos no domínio da avaliação directa, cabendo a impugnante a demonstrar essa inexactidão e a desadequação dos critérios da AT.
Competia-lhe alinhavar factos na petição inicial demonstrativa do excesso de quantificação e que permitissem ao Tribunal concluir nesse sentido, só que o não logrou efectuar, conforme explanou o julgador na decisão.”

1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir:
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto (artigo 125º, n.º 1 do CPPT), se incorreu em erro de julgamento de facto, por errada valoração da prova testemunhal, e em erro de julgamento de direito no que concerne à verificação dos pressupostos de aplicação dos métodos indirectos e excesso de quantificação.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1 Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«Com base nos elementos de prova juntos aos autos considera-se provada a seguinte matéria de facto, com relevância para a decisão:
1. A sociedade impugnante exerce a atividade de “panificação, pastelaria, cafetaria” (CAE 1071) e, residualmente confeciona refeições e vende tabaco, pela qual se encontra fiscalmente enquadrada no regime geral do IRC e no regime normal de periodicidade trimestral do IVA – pág. 5 e 9 do Relatório, a fls. 4vº e 6vº do PA, não impugnado;
2. Trata-se de uma atividade de cariz familiar, exercida em dois estabelecimentos, um localizado na sede da Impugnante, Rua ..., ..., e outro na Rua ..., ..., e vendendo pão a diversos estabelecimentos escolares e empresas – pág. 6, 7 e 9 do Relatório, a fls. 5 e 6vº do PA;
3. Em 2004 a empresa efetuou obras num dos estabelecimentos, no valor de cerca de € 80.000,00, cujas amortizações se prolongaram pelos anos seguintes – artigo 28º p.i. e terceira testemunha, «CC», filho dos donos da sociedade, que reportou essas obras aos anos 2002/2003, admitindo-se que é natural ter perdido noção da temporalidade real da ocorrência devido ao tempo já decorrido desde então;
4. No inicio de março de 2008 um dos estabelecimentos acima referidos que não o referido no ponto anterior, onde servia refeições, foi alvo de fiscalização da ASAE, de que resultou o encerramento da atividade em março de 2008 e obras durante todo o mês de maio de 2008, tendo sido necessário contrair empréstimo no valor de cerca de mais de € 175.000,00 para custear aquelas obras – artigos 20º a 24º p.i., segunda testemunha, «BB», TOC e nora dos donos da sociedade, que quantificou o empréstimo em cerca de € 150.000,00, e terceira testemunha, «CC», filho dos donos da sociedade e cessionário da exploração do estabelecimento, que estimou o valor das obras entre € 180.000,0 e € 200.000,00;
5. Em agosto de 2008 os donos da empresa cederam a exploração de um dos estabelecimentos a cada um dos dois filhos de ambos, tendo um deles, «CC», devolvido a exploração do estabelecimento a seu cargo em meados de 2010, continuando o outro estabelecimento a ser explorado pelo outro filho dos donos da sociedade – artigo 26º da p.i., segunda testemunha, «BB», TOC, e terceira testemunha, «CC», cessionário do estabelecimento devolvido em 2010, e ponto II.3.4, pág. 6 do Relatório, a fls. 6 do PA;
6. Durante o tempo em que o estabelecimento esteve cedido a «CC» (agosto de 2008 a meados de 2010), esse cessionário desmontou forno a lenha e comprou forno elétrico e celebrou contratos de leasing relativos a um forno elétrico e a mais dois veículos automóveis e adquiriu computador – segunda testemunha, «BB», TOC, e terceira testemunha, «CC», cessionário do estabelecimento devolvido em 2010;
7. Quando, em meados de 2010, o cessionário «CC» devolveu o estabelecimento que explorava desde agosto de agosto de 2008, entregou também à agora Impugnante os equipamentos aludidos no ponto anterior tendo esta sociedade passado a assumir os respetivos encargos - segunda testemunha, «BB», TOC, e terceira testemunha, «CC», cessionário do estabelecimento devolvido em 2010;
8. A empresa da sociedade paga baixos salários aos seus trabalhadores, próximo do salário mínimo nacional, de que quase não resultam retenções na fonte de IRS – Ponto II.3.6, pág. 7, do Relatório, de fls. 5vº do PA, não impugnado;
9. De acordo com as demonstrações de resultados apresentados nos anexos A das declarações anuais, verifica-se que a sociedade apresenta os seguintes valores:
Rubricas/Ano2008200920102011
Volume negócios309.920,3433.000,00155.302,20296.443,36
Custos Merc, vend e mat.consu215.270,8064.545,02113.852,34
Gastos com pessoal104.329,709.051,4161.742,4599.830,13
Res. Antes Deprec, Fin., Imp.-69.937,7724.319,54-22.150,138.264,76
Impar.Invest.Deprec./amort.38.203,7541.373,0926.231,5829.058,85
Juros e similares suportados8.888,974.352,782.198,673.637,82
Resultado Liquido-112.434,06-21.234,35-50.580,38-24.431,91
Margem Br. s/VN29,84%100%58,54%61,60%
Margem Br. s/ Custos42,54%-89,92%160,40%
Rentabil. Fiscal do VN-36,28%-64,35%-32,57%-8,24%
- quadro do ponto II.4.1, pág. 8, do Relatório, fls. 6 do PA;
10. De acordo com as declarações de rendimentos apresentadas pela Impugnante, a sua atividade tem vindo a apresentar os seguintes resultados:
Apuramento/Ano20082009201020112012
Prejuízo Fiscal-112.433,49-15.326,37-42.430,49-23.775,78-58.789,12
-ponto II.4.1, pág. 9 do Relatório, fls. 6v' do PA, não impugnado;
11. Desde junho de 2010 a atividade produtiva da sociedade ocorre no estabelecimento situado na sede da empresa e a atividade comercial ocorre nesse estabelecimento e no Mercado da ..., para além das vendas de pão para escolas e outros estabelecimentos – parte final do ponto II.3.4 e ponto II.4.2, pág. 7 e 9, do Relatório, a fls. 5vº e 6vº do PA, e segunda testemunha, «BB», TOC;
12. As vendas no Mercado da ... eram feitas a partir do carro de distribuição do pão, que não levava computador nem caixa registadora - segunda testemunha, «BB», TOC, que disse que o registo dessas vendas seria feito posteriormente no computador;
13. Os documentos da contabilidade não permitem identificar (nem quantificar) as vendas efetuadas no mercado da ... – ponto II.4.3, pág. 10 do Relatório, a fls. 7 do PA, não impugnado;
14. A empresa utiliza um programa informático de faturação que está certificado pela AT e que elabora o ficheiro “SAFT” com o resumo das vendas registadas/faturadas em cada mês e para consulta pelas Finanças – primeira testemunha, «DD», técnico informático, e segunda testemunha, «BB», TOC, e ponto II.4.3, pág. 10, do Relatório, a fls. 7 do PA;
15. A empresa não possui arquivo de rolos internos, ou qualquer outro documento físico, correspondentes aos talões ou vendas a dinheiro emitidos aos consumidores finais – ponto II.4.3.1, pág. 10, do Relatório, a fls. 7 do PA, e primeira testemunha, «DD», técnico informático, que referiu que o programa acima dispensa o “rolo interno” e que este já não existe pelo menos desde 2009, e que a visualização do documento de venda registado nos ficheiros “Saft” é indispensável utilizar programas de visualização adequados que a Impugnante não possui, tendo a segunda testemunha, «BB», TOC, acrescentado que as máquinas não têm rolos mas têm discos duros internos onde essa informação fica gravada;
16. Dos ficheiros “Saft” constam registos de vendas de bens identificados com a designação de “Diversos” – acordo, ponto II.4.3.1, pág. 10, do Relatório, a fls. 7 do PA e primeira testemunha, primeira testemunha, «DD», técnico informático, que referiu que se trata de vendas de bens para os quais o empregado não se lembra do código ou de bens, de tipo novo na loja, para os quais ainda não foi atribuído um código na base de dados do programa; a segunda testemunha, «BB», TOC, acrescentou que os empregados não sabem criar novos códigos nem têm acesso à base de dados e que lhe pedem a ela ou à primeira testemunha para atualizarem essa base de dados;
17. Durante o ano 2010 a contabilidade da sociedade Impugnante registou empréstimos dos sócios no total de € 55.000,00, titulados por documentos internos e cujas entradas são registadas por contrapartida da conta “caixa” e com movimento de abertura no valor de € 172.587,23 – ponto II.4.4, pág. 11, do Relatório, a fls. 7vº do PA;
18. Relativamente ao ano 2010 a sociedade impugnante contabilizou e declarou compras de café (clássico) na quantidade de € 115 kg e de café descafeinado na quantidade de 1,95 kg e que vendeu ao preço unitário de € 0,60 por chávena, e pelo valor total relativo a café simples de € 6.655,20, tendo algum do café adquirido sido incorporado em outro tipo de produtos de cafetaria como galão, garoto, meia-de-leite, etc. – ponto II.4.5.1, pág. 12 do Relatório, a fls. 8 do PA, não impugnado;
19. Alguns bolos incorporam café tirado da máquina - terceira testemunha, «CC», filho dos donos da empresa e trabalhador;
20. Os empregados tomam café por conta da empresa quando querem, designadamente em cada uma das refeições (pequeno-almoço, almoço e lanche), podendo tomar cada um cerca de 2 ou cafés por dia - segunda testemunha, «BB», TOC, que também disse que a empresa tinha ao seu serviço, em 2010, 10 a 12 trabalhadores; a terceira testemunha, «CC», filho dos donos da empresa e trabalhador, disse que em 2010 havia 13 trabalhadores
21. Em 2010 os fornecedores de revistas e ou jornais “Vasp” e “Logista” faturaram em nome da Impugnante o valor total de € 11.430,99 relativo a produtos que lhe remeteram e que esta não registou na sua contabilidade – ponto II.4.5.2, pág. 13 do Relatório, a fls. 8vº do PA;
22. As faturas e os produtos referidos nos pontos anteriores foram reencaminhadas pela Impugnante diretamente para a empresa “[SCom02...]” e esta contabilizou na sua contabilidade os respetivos documentos de aquisição, apesar de neste constar a identificação da Impugnante como adquirente, mas não deduz o respetivo IVA – acordo, ponto II.4.5.2, pág. 13/14 do Relatório, a fls. 8vº/9 do PA;
23. A Impugnante vende tabaco através de máquinas apropriadas, acionadas por moedas, mas por vezes esquecem-se de fazer o registo do total das vendas no final do mês e fazem mais tarde – segunda testemunha «BB», TOC;
24. Na contabilidade da Impugnante relativa ao ano 2010 consta que as vendas de tabaco somam € 9.765,00, das quais € 6.078,35 reportam-se ao mês de dezembro, não havendo registo de vendas nos meses de outubro e novembro, mas nos ficheiros “Saft” consta que as vendas desse ano somam € 4.982,95 – ponto II.4.5.3, pág. 14, do Relatório, a fls. 9 do PA;
25. Em ação de inspeção efetuada com base na Ordem de Serviço nº OI2012.....56, que decorreu entre 4/4/2013 e 6/6/2013 e que culminou com Relatório final de 24/7/2013, homologado por despacho de 30/7/2013, a AT efetuou correções com recurso a métodos indiretos de avaliação de que resultou o apuramento de IVA em falta relativo ao ano 2010, no montante global de € 10.205,79 – fls. 1 e seguintes do PA;
26. Essas correções resultaram do facto de a AT ter concluído que “De acordo com o referido ponto II desta informação (Relatório), consideramos que a contabilidade não merece credibilidade pelos seguintes factos e indícios, designadamente:
- Margens brutas sobre o custo declarado divergente das margens brutas obtidas na amostragem efectuada que se demonstrará nos pontos seguintes, o que indicia omissão de vendas;
- Omissão de vendas verificada pela quantificação das unidades adquiridas dos vários produtos com as quantidades declaradas das vendas dos respetivos produtos (por exemplo no caso do café);
- Falta de identificação dos artigos nos documentos de vendas - por exemplo com a designação “diversos", impossibilitando desta forma qualquer tipo de controlo ou validação;
- O nível salarial dos funcionários em geral, ser muito baixo;
-Prejuízos declarados em anos consecutivos 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011;
- Sócios com baixos rendimentos comparativamente com os suprimentos que realizam;
- Suprimentos incorretamente documentados;
-Aquisição de Jornais e revistas às empresas [SCom03...] e [SCom04...] sem o consequente registo de compra ou venda dos mesmos;
-Omissão de vendas efectuadas no mercado da ...;”
e que : “face a tudo o que foi descrito anteriormente (pontos II e IV.1) e tendo ainda em conta a análise e o cálculo da produção estimada em função das margens encontradas aplicadas às aquisições de matérias primas e mercadorias, e que se apresentará no ponto seguinte, existem indícios de omissões e inexactidões relativas ao exercício em causa, que inviabilizam a comprovação e quantificação directa e exacta, dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável para o exercício, em sede dos impostos de IRC e de IVA, estando assim reunidos os pressupostos para a avaliação indirecta da matéria colectável, por aplicação de Métodos Indirectos, nos termos da alínea b) do artigo 87 °, alínea a) do artigo 88º e artigo 90º, todos da Lei Geral Tributária, (LGT), aprovada pelo Decreto-Lei n.º398/98, de 17.12. para os anos de 2010 e 2011.” - Ponto IV, pág. 16 e 17, do Relatório, de fls. 10 do PA;
27. Notificada do Relatório final, a agora Impugnante requereu abertura do procedimento de revisão previsto no artigo 91° da LGT, que ficou concluído sem que tivesse havido acordo entre os peritos – fls. 113 a 146 do PA;
28. Em 26/10/2013 a AT efetuou as liquidações de IVA-LA-FI nº ...........841 e nº..........843, relativas aos períodos de 2010.09T e 2010.12T, nos valores de € 5.102,89 e € 5.182,90, respetivamente, a pagar voluntariamente até 31/12/2013, que notificou à Impugnante – artigo 1° da pi. e fls. 31 e 32 do processo físico e fls. 147 do PA;
29. Em 17/12/2013 foram pagas as liquidações acima referidas – fls. 87 e 88 do processo físico;
30. Em 28/3/2014 foi enviada, por correio eletrónico (e-mail) a petição inicial da presente impugnação – fls. 3 e seguintes do processo físico;
3.2 Matéria de facto dada como não provada:
Não se apuraram factos relevantes a julgar não provados.
Os factos aludidos nos artigos:67°, 69°,72°, 74°, 76°,78°,82°, 87°, 91°, 92°, 93°, 95°, 96°,98°, 99°, 100°, 191° da p.i., não foram julgados provados nem não provados por se considerar que constituem o cerne da questão a decidir, como melhor esse verá no ponto 5 - ­B) desta sentença, onde se indicará a valoração efetuada pelo Tribunal e a respetiva fundamentação.
4 – Motivação de facto
O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao PA, que não foram impugnados, e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados – art.° 74° da LGT - também são corroborados pelos documentos juntos aos autos art.° 76° n° 1 da LGT e arts. 362° e ss do Código Civil (CC) – identificados em cada um dos factos descritos no probatório.
Os restantes factos alegados, se existem, não foram julgados provados ou não provados, em virtude de não ter sido produzida prova, por constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito ou não terem relevância para a decisão da causa
O Tribunal aceita todo o depoimento da primeira testemunha, «DD», técnico informático que presta serviços à Impugnante, porque considera que o seu depoimento assenta em razão de ciência adequada à matéria sobre a qual se pronunciou e mostrou-se imparcial e coerente.
Apesar de a segunda testemunha, «BB», TOC da impugnante, ser nora dos donos da empresa e a terceira testemunha, «CC», pasteleiro e trabalhador da impugnante, ser filho dos donos dessa empresa, afigura-se que, no geral, os depoimentos de ambos merecem credibilidade, pelo que foram valorados conforme se indica em cada um dos pontos do probatório. Sem prejuízo, afigura-se que, nas respostas às questões essenciais para a decisão do litigio, esses depoimentos não se mostraram suficientemente seguros e imparciais, encontrando-se em boa parte determinados pela comunhão dos seus interesses pessoais com os interesses da impugnante, relativamente ao desfecho da presente ação. Pelo que, nessa parte esses depoimentos foram valorados como se refere detalhadamente no ponto seguinte.
O depoimento da inspetora Tributária, «AA», mostrou-se praticamente irrelevante na medida em que se limitou a reiterar a matéria constante do relatório.»

2.1.2. Factos aditados em sede da apreciação do erro de julgamento de facto:
31.Os produtos de charcutaria adquiridos pela impugnante são utilizados na confecção de lanches, cachitos e bolas de carne;
32. O fiambre e o queijo eram objecto de autoconsumos pelos funcionários e inerentes desperdícios.

2.1.3. Aditamento oficioso
Ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 662.º do novo CPC adita-se à matéria de facto em complemento e densificação do item 27. da matéria de facto, constante de fls. 122 a 137 do PA que aqui se dá por integralmente reproduzido, extracto da decisão assente no parecer emitida proferida no âmbito do procedimento de revisão:
33. “... A prova do erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada por parte do contribuinte, tem de ser sustentada, demonstrada. Isto é, para pôr em causa a quantificação da matéria tributável a que a IT chegou com recurso a métodos indirectos não basta ao contribuinte suscitar dúvidas quanto ao resultado obtido, o que tenta fazer quando alega outras percentagens de quebras/desperdícios, sem provar o inicialmente alegado na reclamação. Sem prescindir, remetemos para o laudo do PAT, que quanto a esta matéria refuta cabalmente as alegações do contribuinte.
Da mesma forma recai sobe o contribuinte a prova de que são superiores os consumos de determinadas matérias primas, como por exemplo o consumo do queijo e fiambre na fabricação das sandes, ou quando alega que os pesos médios dos pasteis são superiores aos utilizados pela inspeção.
É verdade que alterando uma ou mais das variáveis que compõem as fachas técnicas de produção, obtém-se resultados diferentes. Nada mais fácil do que tentar lançar as dúvidas acerca da quantificação obtida através da metodologia adoptada pela IT, ao afirmar que as receitas afinal tinham outra composição/peso ou que as quebras/desperdícios são mais elevados. Contudo, todas as informações foram dadas de livre e espontânea vontade pelos sócios gerentes, com a colaboração do pasteleiro da empresa ou ainda resultam do conhecimento que tem sido obtido pela IT junto de variados contribuintes que operam no mesmo sector de actividade.
Com todo o respeito, temos que afirmar que a circunstância de a requerente indicar outras variáveis que determinariam uma quantificação muito inferior à que resultou do método utilizado pela IT não lhe confere a virtualidade de tornar este ilegítimo ou legal. Acresce ser um método objectivo por construído a partir de elementos fornecidos pelos próprios sócios gerentes.
Em conclusão, é nossa convicção que a inspecção conseguiu, através de metodologia adotada, obter um resultado o mais próximo possível dos resultados que seguramente seria obtido, directamente, através da sua escrita, se esta não apresentasse omissões, garantido uma menor margem de erro.
Pelo anteriormente exposto, concordo com a posição do perito da administração tributária, que aqui dou por integralmente reproduzida.
(...)”

2.2. De direito
Está em causa no presente recurso a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela Impugnante, contra as liquidações adicionais de IVA de 2010.09T e 2010.12T, no valor global de €10.205,79.
Na sequência de uma acção de fiscalização, a AT entendeu que a contabilidade da ora Recorrente (sociedade que exerce actividade de ““panificação, pastelaria, cafetaria”), com referência ao exercício de 2010, não merecia credibilidade, motivo por que procedeu à correcção do volume de negócios, com recurso a métodos indirectos e, após a decisão que viria a recair sobre o pedido de revisão formulado pelo sujeito passivo ao abrigo do disposto no artigo 91.º da Lei Geral Tributária (LGT), à consequente liquidação adicional do IVA aos períodos de 2010.09T e 2010.12T, nos valores de € 5.102,89 e € 5.182,90, respectivamente.
Efectivamente, tendo em conta, a análise às fichas técnicas fornecidas, alcançado um cálculo de produção estimada em função das margens encontradas aplicadas às aquisições de matérias primas e mercadorias, bem como os demais motivos que abalaram a credibilidade da contabilidade elencados no RIT e decisão de revisão, AT considerou a existência de indícios de omissões e inexactidões relativas as exercício de 2010, que inviabilizam a comprovação e quantificação directa e exacta à correcta determinação da matéria tributável daquele exercício em sede de IRC e IVA.
A Recorrente alicerçou a sua Impugnação, invocando, em suma, (i) ilegalidade da decisão de aplicar métodos indiretos de avaliação e (ii) erro de facto na quantificação da matéria tributável.
O tribunal a quo realizou a prova testemunhal arrolada pela Impugnante e Impugnada e, após alegações e emissão de parecer, conhecendo das questões enunciadas supras conclui pela improcedência da impugnação.
A Recorrente (Impugnante) insurge-se contra o assim decidido, invocando, a nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão [vide conclusões 1) a 13) das alegações de recurso], do erro de julgamento de facto decorrente da errada apreciação e valoração da prova produzida, a impor reapreciação dos depoimentos das testemunhas e aditamento dos factos que elenca e eliminação de outros [vide conclusões 14) a 25) das alegações de recurso], do erro de julgamento de direito ao considerar verificados os pressupostos de aplicação os métodos indirectos e, bem assim, que a matéria tributável de IVA fixada através daqueles métodos enferma de claro erro de quantificação conforme resulta na matéria de facto cujo alteração preconiza [vide conclusões 26) a 34) das alegações de recurso]
Em sede de exame do recurso, antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cf. artigo 639º, do CPC e artigo 282º, do CPPT).
Cumpre, pois, apreciar e decidir.
2.2.1. Da nulidade –125º do CPPT
A Recorrente começa por assacar à sentença a nulidade prevista no artigo 125º, nº1 do CPPT, por omissão, deficiência e obscuridade na indicação da matéria de facto, por referência ao preceituado no artigo 123º n.º 2 do CPPT.
Nas conclusões do recurso a Recorrente sustenta, em breviário, e transcrevendo parcialmente as conclusões 2), 8) e 9), de que a sentença é nula por falta de especificação dos fundamentos de factos pois o “tribunal a quo ao afirmar que «os factos aludidos nos artigos:67°, 69°,72°, 74°, 76°,78°,82°, 87°, 91°, 92°, 93°, 95°, 96°,98°, 99°, 100°, 191° da p.i., /.../ constituem o cerne da questão a decidir», impunha-se que, relativamente a eles, fosse tomada uma decisão no sentido de serem julgados como provados ou não provados”, mais afirma que “(...) com referência aos pontos nºs 8, 9, 10, 13, 17, 18, 21, 22 e 24 da matéria de facto provada, não faz qualquer análise crítica ao meio de prova em que se terá baseado (Relatório de Inspecção Tributária), limitando-se a remeter para o teor do mesmo, sendo que essa mera remissão tem unicamente por consequência dar-se como provada a existência do documento em causa e não dos factos que dele alegadamente constam.”, concluindo que a “(...) não consegue apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido relativamente aos factos em causa, designamente porque é que o tribunal a quo, não obstante os vários meios de prova ao seu dispor, decidiu dar mais importância ao Relatório de Inspecção Tributária.”.
Em suma, na sua perspectiva, não consegue descortinar na sentença a razão de ser da matéria de facto dada como não provada, bem como o cabal e adequado exame crítico que lhe subjaz e lhe permita aferir do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu de facto.
Diz o artigo 125º, nº 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), sob a epígrafe Nulidades da sentença:
“1 - Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.”
No que respeita à fixação da matéria de facto, estabelece o artigo 123º, nº 2 CPPT: “o juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões”.
Tradicionalmente, para que a sentença padeça deste vício considera-se necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a motivação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.
Ora, a falta de fundamentação como causa de nulidade da sentença não se confunde com o eventual erro da fundamentação de facto e de direito.
Como expende Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e Processo Tributário, Anotado e Comentado, 6ª edição, Áreas Editora, 2011, II vol., pág. 360, “deverão considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado, ou seja, ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.
Com efeito, a fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão.
Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação”.
Desde logo, importa chamar à colação o artigo 607º n.º 4 do CPC, aplicável ex vi artigo 2º do CPPT, segundo o qual: “na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção”.
Epilogando, no processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão como causa de nulidade da sentença está previsto no artigo 125º, nº 1, do CPPT, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida em processo judicial tributário (neste sentido cf. Jorge Lopes de Sousa, ob cit. pág.357 e seg.; acórdãos do STA de 24.02.2011 e 13.10.2010, in rec.871/10 e rec.218/10, respectivamente).
Como já dissemos, a exigência de fundamentação é justificada pela necessidade de permitir que as partes conheçam as razões em que se apoiou o veredicto do tribunal a fim de as poderem impugnar e para que o tribunal superior exerça sobre elas a censura que se impuser. Dito de outra forma, a fundamentação, para além de visar persuadir os interessados sobre a correcção da solução legal encontrada pelo Estado, através do seu órgão jurisdicional, tem como finalidade elucidar as partes sobre as razões por que não obtiveram ganho de causa, para as poderem impugnar perante o tribunal superior, desde que a sentença admita recurso, e também para o tribunal ad quem possa apreciar essas razões no momento do julgamento (neste sentido cf. acórdão deste TCAN, ainda inédito, proferido em 24.10.2019, no âmbito do processo nº 318/14.5BEMDL).
No que toca à falta de especificação dos fundamentos de facto da sentença, tem-se entendido que esta nulidade abarca não apenas a falta de discriminação dos factos provados e não provados, a que se refere o artigo 123º, nº 2 do CPPT, mas também a falta de exame crítico das provas, previsto no artigo 659º, nº 3 do CPC. Como bem refere Jorge Lopes de Sousa, in ob cit., pág. 358, “(...) esta falta não poderá deixar de reportar-se à fundamentação de facto exigida por este Código (leia-se, CPPT) e nele, ao contrário do que sucede no CPC (art.º 659º, nº3), exige-se não só a indicação dos factos provados, mas também dos não provados. Trata-se de uma exigência suplementar de fundamento de facto, não prevista no processo civil, que é a discriminação da matéria de facto não provada, cumulativamente com a provada. Na previsão desta norma, a indicação da matéria de facto não provada deve ser feita indissociavelmente da indicação da matéria de facto provada, como se depreende da expressão “o juiz discriminará também a matéria de facto provada da não provada”, o que pressupõe que essa discriminação seja feita concomitantemente. Sendo assim, a falta de discriminação da matéria de facto não provada, no domínio do contencioso tributário, será equiparável à falta de indicação da matéria de facto provada, para efeitos da nulidade prevista no art.º 125º, nº1 do CPPT”.
Como é evidente, a exigência de tal discriminação dos factos provados e dos não provados só se justifica relativamente aos factos que se mostrem relevantes segundo as várias soluções plausíveis de direito [artigo 508º-A, nº1, al. e), 511º e 659º do CPC].
Daí que, como refere o autor citado, Jorge Lopes de Sousa, in obra e volume citados, pág. 358., “só existirá nulidade de sentença por falta de indicação dos factos não provados relativamente a factos alegados que não tenham sido dados como provados e que possam relevar para a decisão da causa”.
O Meritíssimo Juiz a quo sustentou a inexistência da alegada nulidade, nos seguintes termos:
«A Recorrente invoca a nulidade da sentença por falta de fundamentação por considerar que não se percebe o motivo invocada para não julgar provado nem não provado o conteúdo de alguns artigos da petição inicial.
No ponto 3.2 da sentença consta que “Não se apuraram factos relevantes a julgar não provados. Os factos aludidos nos artigos:67º, 69º,72º, 74º, 76º,78º,82º, 87º, 91º, 92º, 93º, 95º, 96º,98º, 99º, 100º, 191º da p.i., não foram julgados provados nem não provados por se considerar que constituem o cerne da questão a decidir, como melhor esse verá no ponto 5-B) desta sentença, onde se indicará a valoração efetuada pelo Tribunal e a respetiva fundamentação.”
Discordando-se ou não, a verdade é que a fundamentação parece ser bem clara: não se apuraram factos relevantes a julgar não provados.
Sem prejuízo, as questões suscitadas nos indicados artigos 67º, 69º,72º, 74º, 76º,78º,82º, 87º, 91º, 92º, 93º, 95º, 96º,98º, 99º, 100º, 191º da p.i. constituem as “questões a decidir”, como consta do ponto 5-B, o que implica que não devem ser levadas ao probatório.
Pelo que não se reconhece a invocada nulidade.”
Como já vaticinamos, o juiz não tem o dever de tomar posição sobre toda a matéria, tendo o dever, isso sim, de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, segundo as várias soluções plausíveis de direito – artigo 508º-A, n.º 1, alínea e), 511º e 659º, todos do CPC e deste modo, relativamente aos factos provados e não provados no que concerne a matéria fáctica não relevante para a decisão, não há necessidade de fazer tal discriminação. Ora, no caso, a matéria de facto relevante para a decisão foi dada como provada e a demais matéria de facto alegada pela impugnante na petição inicial, revelou-se não ser provada apesar de aí se referir e identificar como questão a decidir e enunciada na sentença, sob o ponto 5 – B).
Vejamos.
É certo que a técnica utilizada pelo julgador de identificação dos factos não provados pela simples enunciação dos mesmos enquanto factos aludidos na petição, não é a mais correcta e não plasma pela sua clareza. Impunha-se a sua transcrição enquanto factos e a sua expurgação de elementos conclusivos, meras afirmações e matéria sem interesse para a decisão.
No entanto, de uma leitura cuidada e contextualizada com os articulados, motivação e demais fundamentação da sentença, aquela enunciação de factos não provados torna-se manifestamente perceptível.
Atento o probatório fixado e confrontando-o com a petição de impugnação, há que reconhecer que, aliás como discorre da pretensão da Recorrente na recondução daquela matéria aos factos provados (conclusão 25) das alegações de recurso) assente na prova testemunhal, a mesma compreendeu e assimilou a motivação do Tribunal a quo espelhada na fundamentação de direito ampla que tece em sede de pronúncia sobre o “erro de facto na quantificação da matéria tributável (artigos 65º a 112º p.i.)”, incorrectamente identificado como ponto 5-B) quando na realidade está identificado sob o ponto II) -. É que, os factos pela Impugnante elencados na p.i. e considerados não provados estão naquele ponto II) -, devidamente enunciados, ponto por ponto, facto por facto, tratados de forma autónoma, a saber, quanto aos “desperdícios”, “taxa de quebras”, e singularidades por referência ao “pão de forma”, “pasteis de massa folhada”, “massa brioche”, “do peso dos queques e bolo de arroz antes da cozedura”, “pão ló de entremeios”, “do peso de bolos com cobertura e recheios”, “ pão bico-redondo-bijou”, “pão italiano”, “Broa de milho” e “Pão de centeio”, numa apreciação minuciosa e criteriosa dos elementos constantes do RIT e pedido de revisão e depoimento de cada testemunha, estabelecendo o respectivo confronto e percurso cognitivo do mesmo com vista ao resultado (factos não provados).
Temos pois, que da sistematização adoptada na sentença recorrida - em que se elegeu como questões decidendas a de saber se “dos pressupostos do recurso aos métodos indirectos” e “do erro de facto na quantificação da matéria tributável” a prova deste último corre por conta da impugnante - compete à AT o ónus da prova da verificação desses pressupostos e passa a caber ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso cometido na respetiva quantificação (artigo 74°, n° 3, da LGT) - os factos não considerados no probatório fixado foram amplamente motivados no seu discurso fundamentador a fls. 18 a 28 da sentença.
Pelo que, tem de concluir-se que embora do probatório fixado constem como “não provados” factos alegados pela então impugnante na sua p.i., por referência à mesma, com a menção da sua identificação numérica, que os mesmos revelam a demonstração do erro na quantificação em que incorreu a AT, não pode considerar-se violado pela sentença o dever de falta de fundamentação de facto da decisão imposto pelos artigos 123.º n.º 2 do CPPT e 668.º n.º 1 alínea b) do CPC, geradores da respectiva nulidade (artigo 125.º n.º 1 do CPPT), pois que a decisão tomada se encontra fundamentada de facto e de direito alicerçada no probatório fixado e na vastíssima motivação do seu percurso cognitivo, mormente por confronto da posição assumida pela AT e depoimento das testemunhas, que discorre do seu discurso fundamentador.
Aliás a posição da Recorrente assenta, isso sim, no erro de julgamento de facto assente na errada apreciação e valoração da prova que desenvolve nas suas conclusões 14) a 25), que bem atestam que entendeu e descortinou o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu.
Improcedem, pois, as alegações da Recorrente tendentes a demonstrar a alegada nulidade da sentença por falta de especificação e de fundamentação.
2.2.2. Do erro na apreciação e valoração da prova
O Recorrente prossegue as suas alegações recursivas discordando da forma como o Tribunal a quo apreciou e valorou a prova em desconsideração dos depoimentos das testemunhas «BB» e «CC», e ao não ter dado como provados factos que foram alegados e que manifestamente interessam à boa decisão da causa.
Mais alega, que a Sentença recorrida enferma, de erro notório na apreciação da prova decorrente da violação dos critérios legais de valoração material da mesma, afigurando-se as considerações que nela são feitas inadmissíveis face às regras da experiência comum.
No presente processo a audiência de prova processou-se com gravação dos depoimentos prestados nesse acto processual, sendo que, no caso vertente, se encontram reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto estabelecidos no artigo 640º do CPC, em que, se bem percepcionamos as alegações e conclusões de recurso, a Recorrente sustenta a eliminação de factos provados que enumera dos factos não provados e a recondução dos factos por si elencados e alegados em sede de petição inicial ao probatório, sustentados nos depoimentos prestados por «DD», «BB» e «CC».
Assim, competirá ao Tribunal Central reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações da Recorrente, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Decorre deste regime que o Tribunal ad quem tem acesso directo à gravação oportunamente efectuada, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pela Recorrente e por esta transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade susceptíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais.
Cumpre ainda considerar a respeito da reapreciação da prova, que neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no artigo 396º do Cód. Civil.
Daí compreender-se o comando estabelecido na lei adjetiva (cf. artigo 607º, nº 4 do CPC) que impõe ao julgador o dever de fundamentação da materialidade que considerou provada e não provada.
Esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal de recurso, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão.
É, pois, através dos fundamentos constantes do segmento decisório que fixou o quadro factual considerado provado e não provado que este Tribunal vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância.
"Resulta daquele princípio que ao tribunal de recurso apenas é permitida a modificação da matéria de facto fixada no tribunal a quo se ocorrer erro manifesto ou grosseiro na sua apreciação, ou se os elementos documentais fornecerem uma resposta inequívoca em sentido diferente." (vide acórdão do TCAS de 0206.2014 no processo 01220/06).
Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se assiste razão a Recorrente, neste segmento recursório da impugnação da matéria de facto, nos termos por ela preconizados.
Como decorre das conclusões de recurso, as proposições factuais cujo julgamento discorda diz respeito aos factos elencados como não provados e os factos dados como provados sob os n.ºs 8, 9, 10, 13, 17, 18, 21, 22 e 24, e que na sua concepção se reconduzem à seguinte factualidade que enuncia e por nós enumerados para facilitar a base de trabalho:
1. − Não obstante ter encerrado um dos seus estabelecimentos comerciais durante todo o mês de Maio de 2008 e ter sofrido, durante os meses de Março, Abril e também Maio, uma quebra muito grande na respectiva facturação, a Impugnante continuou a suportar, durante esses mesmos meses, os encargos referentes aos salários dos seus trabalhadores (arts. 23°, 24° e 25° da P.I.).
2. − A «existência de artigos indefinidos identificados com a designação – “Diversos”» na contabilidade da Impugnante deve-se à circunstância de, no sistema informático de facturação desta, não existiram teclas suficientes que permitam a descrição pormenorizada de todos os artigos comercializados no seu estabelecimento comercial (art. 40º da P.I.).
3. − Em virtude desse facto, a Impugnante tem de incluir nas teclas «diversos» os artigos que, muito embora não sejam vendidos com a mesma frequência de outros, são igualmente comercializados no seu estabelecimento comercial (v.g. velas de aniversário, pacotes de natas, farinhas, etc.) (art. 41º da P.I.).
4. − Os 8grs. de café/descafeinado a que se alude no ponto «II.4.5.1.» do RIT correspondem apenas às quantidades efectivamente consumidas em cada dose vendida pela Impugnante, nelas não se encontrando incluídas as naturais e inevitáveis perdas de produto (art. 48º da P.I.).
5. − A quantidade de fiambre ou queijo gasta pela Impugnante em cada sandes comercializada nunca se cifra em menos de 50 grs. (art. 61º da P.I.).
6. − Os produtos discriminados no quadro inserto a fls. 15 do RIT não servem apenas para o fabrico de sandes, sendo igualmente utilizados na elaboração de omeletes, croissants folhados, pizzas, lanches, cachitos, bolas de carne, bem como na confecção de algumas refeições (v.g. bifes recheados) servidas pela Impugnante no seu estabelecimento comercial (art. 62º da P.I.).
7. − Os autoconsumos de fiambre e de queijo dos funcionários da Impugnante cifram-se, em média, em duas sandes diárias por cada funcionário, sendo que, para além disso, existem naturais desperdícios dessas matérias-primas (+/- 200grs. por cada embalagem) (art. 63º da P.I.).
8. − A inutilização de «Caixas bolos aniv/tortas» e «Cxs pastéis» é algo comum, e resulta do facto de as mesmas por vezes se encontrarem mal coladas, dando origem a que se rasguem quando estão a ser abertas para que sejam colocadas no seu interior os bolos e os pastéis (art. 68º da P.I.).
9. − Essa inutilização ocorre com especial incidência nas cintas/formas de papel, as quais, por serem feitas de papel de muito fraca qualidade, e por se encontrarem acondicionadas em grande número, rasgam-se como muita frequência quando estão a ser separadas para serem utilizadas (art. 69º da P.I.).
10. − As caixas de bolos e pastéis também acabam muitas vezes por ter uma utilização um pouco diferente daquela para a qual foram concebidas, servindo igualmente para acondicionar outros produtos que não apenas pastéis e bolos, nomeadamente fatias de piza, chocolate raspado para a confecção de bolos em casa dos clientes, etc. (arts. 71º e 72º da P.I.).
11. − A quantidade de farinha gasta pela Impugnante aquando da concepção e preparação dos produtos (designamente através da respectiva colocação nas telas que vão ao forno e na mesa tendedeira), cifra-se, aproximadamente, em 10 a 15kg por dia (arts. 76º a 78º da P.I.).
12. − Há também muita farinha que, no referido acto de concepção dos produtos, acaba por cair para o chão, ficando assim inutilizada (art. 79º da P.I.).
13. − Há uma quantidade de pão de forma que se estraga quando é retirado da respectiva forma em que foi cozido, bem como que acaba por se queimar na confecção de torradas e tostas (art. 82º da P.I.).
14. − O mais pequeno pastel de massa folhada que é comercializado pela Impugnante (pastel de nata) tem um peso (antes da cozedura) que se cifra entre os 40 e 45 gramas, sendo que o peso médio (antes da cozedura) de todos os pastéis de massa folhada (pastel de nata, tarte de amêndoa, palmier, tarte de maçã, caramujo e palma) é superior a 44 gramas (arts. 85º a 87º da P.I.).
15. − A «margarina bolo-rei» adquirida pela Impugnante é utilizada não só na «massa brioche», mas também na confecção de muitos outros produtos de padaria/pastelaria produzidos pela mesma (pão italiano, pão de bico, fogaça, bolo-rei, biscoitos sortidos, bolos de arroz, etc.), bem como para untar formas e para pincelar produtos depois de acabados (art. 92º da P.I.).
16. − O peso dos bolos antes da cozedura não duplica com a posterior aplicação dos recheios e das coberturas, aumentando, em vez disso, apenas 30% a 40% (art. 95º da P.I.).
17. − Os 255 quilos de «satin cake» adquiridos pela Impugnante em 2010 não foram unicamente utilizados na produção de “pão de ló bolos aniversário redondos /.../”, tendo servido igualmente para produzir queques e fatias de bolo (arts. 97º e 98º da P.I.).
18. − A maior parte do «Pão bico-redondo-bijou> produzida pela Impugnante destina-se a revenda, sendo que o preço médio praticado pela mesma cifra-se entre € 0,06 e € 0,08, sobre o qual ainda incide um rapel de 15% (art. 99º da P.I.).
19. − Os empelos do «Pão Italiano» produzido pela Impugnante são de 2,1 quilos (art. 100º da P.I.).
Desde logo, cumpre quanto ao facto 1. que o mesmo se desconsidere, pois não se descortina qual a importância de dar por assente que os encargos referentes aos salários foram mantidos nos meses de março, abril e maio de 2008, estando nós em sede de IVA respeitante ao exercício de 2010, razão pela qual, por irrelevante à sorte dos autos, não se considera.
No mais, atentemos ao que para fundamentar o sentido decisório referente a tal facticidade relevada em sede de matéria não provada, se escreveu na decisão recorrida [sempre que necessário a transcrição que se segue será interrompida com referência ao facto que a Recorrente pretende aditar]:
«O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao PA, que não foram impugnados, e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados – art.° 74° da LGT - também são corroborados pelos documentos juntos aos autos art.° 76° n° 1 da LGT e arts. 362° e ss do Código Civil (CC) – identificados em cada um dos factos descritos no probatório.
Os restantes factos alegados, se existem, não foram julgados provados ou não provados, em virtude de não ter sido produzida prova, por constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito ou não terem relevância para a decisão da causa
O Tribunal aceita todo o depoimento da primeira testemunha, «DD», técnico informático que presta serviços à Impugnante, porque considera que o seu depoimento assenta em razão de ciência adequada à matéria sobre a qual se pronunciou e mostrou-se imparcial e coerente.
Apesar de a segunda testemunha, «BB», TOC da impugnante, ser nora dos donos da empresa e a terceira testemunha, «CC», pasteleiro e trabalhador da impugnante, ser filho dos donos dessa empresa, afigura-se que, no geral, os depoimentos de ambos merecem credibilidade, pelo que foram valorados conforme se indica em cada um dos pontos do probatório. Sem prejuízo, afigura-se que, nas respostas às questões essenciais para a decisão do litigio, esses depoimentos não se mostraram suficientemente seguros e imparciais, encontrando-se em boa parte determinados pela comunhão dos seus interesses pessoais com os interesses da impugnante, relativamente ao desfecho da presente ação. Pelo que, nessa parte esses depoimentos foram valorados como se refere detalhadamente no ponto seguinte.»
E, em sede do ponto seguinte “Fundamentação de direito”, sob o ponto “II) – Do erro de facto na quantificação da matéria tributável (artigos 65º a 112º p.i.)”, de forma exaustiva e criteriosa, selecionando a facticidade constante da p.i., desenvolve todo um processo de motivação/fundamentação do seu percurso cognitivo de valoração e apreciação da prova testemunhal em confronto com a demais prova constante dos autos, que por constituir o objecto deste recurso, a sua transcrição integral aqui se impõem:
«A impugnante alega que a quantificação efetuada no Relatório não tem qualquer correspondência com a realidade (artigo 64° da p.i.) porque os cálculos da AT padecem de inúmeros erros de facto (artigo 65° a 112° da p.i.), designadamente por desconsiderar as quebras, desperdícios e sobras existentes nessa atividade, incluindo nas embalagens, na farinha, e outros ingredientes, e por errar nas quantidades/pesos das matérias-primas incluídas nos produtos, designadamente nos pasteis e na massa folhada, massa brioche, pão de ló e bolos de aniversário ou pão bico-redondo-bijou, pão italiano, pão da avó/pão de água, broa de milho ou pão de centeio, concluindo que estão muito exageradas as margens médias apuradas de 450% para a padaria e de mais de 300% para a pastelaria.
Na sua contestação, a Fazenda Pública considera que não se verifica o invocado vício porque a AT levou em conta valores de desperdícios que são razoáveis e adequados às condições da Impugnante e não se verificam os invocados erros na composição, quantidades ou pesos dos produtos em causa.
Decidindo:
Como se disse no ponto anterior, verificados os pressupostos de inversão do ónus da prova (artigo 75°, n° 2, da LGT) e de aplicação de métodos indiretos, compete à AT o ónus da prova da verificação desses pressupostos e passa a caber ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso cometido na respetiva quantificação (artigo 74°, n° 3, da LGT).
A avaliação indireta visa a determinação do valor real aproximado dos rendimentos ou bens tributáveis, e é feita a partir de indícios, presunções ou outros elementos ao dispor da AT (artigo 83°, n° 2, da LGT) e com base em critérios objetivos (artigo 84°, n° 1, da LGT) de entre os elencados no artigo 90° da LGT.
Ora, uma vez que a quantificação por métodos indiretos visa apurar o valor real aproximado ou estimado, é inerente a este tipo de avaliação a existência de uma certa margem de erro, considerado normal e aceitável, por oposição ao erro grosseiro e intolerável.
O facto de a necessidade de recorrer a este tipo de avaliação indireta se dever ao próprio sujeito passivo e este pretender manter a tributação ao nível declarado, mesmo depois de a AT ter recolhido elementos que indiciam fortemente que não tem esse direito, explica que, nestes casos, não se aplica o benefício da “dúvida fundada”, previsto no artigo 100º, n° 1, do CPPT.
Ou seja, cabe ao sujeito passivo o ónus de alegar e provar factos que convençam de que a quantificação efetuada no caso concreto é manifesta e intoleravelmente excessiva, não bastando a prova de um qualquer excesso – que, como se disse, é inerente a este tipo de tributação – ainda que seja gerador de dúvida acerca do acerto da quantificação efetuada.
Assim, cumpre averiguar se a Impugnante conseguiu cumprir esse ónus.
A Impugnante considera que a taxa de quebras no manuseamento de embalagens considerada no (ponto V.1.2.1.2) Relatório, de 5%, não reflete a realidade (artigo 66° p.i.), uma vez que nas caixas de bolos de aniversário/tortas e nas caixas de pastéis essas quebras cifram-se em 20% (artigo 67° p.i.), alegando que é comum a inutilização desse tipos de caixa por estarem coladas e serem de papel com má qualidade e rasgarem-se com facilidade, ou, como sucede com a formas de papel e caixas de bolos e pasteis, que acabam muitas vezes por ter utilização diferente daquela para que foram concebidas (artigos 68° a 73° p.i.).
A Fazenda Pública sustenta que no caso concreto a margem desses desperdícios não tem relevância para o calculo das omissões em causa, apenas se repercutindo na repartição das vendas entre as vendas para consumo no estabelecimento (sem caixas) e vendas para fora (em caixas); de qualquer maneira, sustenta que a experiência da AT adquirida em outras inspeções no mesmo setor de atividade confirma que a taxa de desperdícios ascende a 5%, carecendo de prova a alegação de uma taxa de 20%.
Quanto a isto a Impugnante não juntou qualquer prova documental, sendo certo que na sua contabilidade não existe registo de qualquer desperdício (nem sequer 5%).
A prova testemunhal relativa a esta questão assentou exclusivamente na terceira testemunha, «CC», pasteleiro e trabalhador da Impugnante e filho dos donos da sociedade e cessionário do estabelecimento no primeiro semestre desse ano, que disse que é frequente as cintas de papel estragarem-se e irem para o lixo, que 4 ou 5 em 100 caixa de plástico estão estragadas e que as caixas de pasteis são utilizadas também p/pizzas, bolos, fios de ovos, chocolate raspado, e não exclusivamente para pasteis.
Ora, tal prova – ainda que se aceitasse a imparcialidade e veracidade do depoimento, dada a ligação de interesses da testemunha ao fim da presente impugnação – não é suficiente para afastar o critério da AT, até porque nada nesse depoimento aponta para desperdícios de 20%.
Acresce que, como referiu a Fazenda Pública, a existência e valor de uma percentagem de desperdícios nesse tipo de bens é praticamente inócua para o caso dos autos, em virtude da finalidade da utilização desse critério referida no Relatório. [confere com o aditamento peticionado dos itens 8., 9. e 10, em que a Recorrente avoca o depoimento de «CC», ora esse depoimento por nós revisitado na sua forma áudio não nos suscita qualquer dúvida na apreciação efectuada pelo Tribunal a quo o qual reconhece que a testemunha em questão afirmou a existências de perdas, o que se sustenta isso sim, e o depoimento não é só por si susceptível de abalar tal valoração, é que o reconhecimento da existência de perdas nas embalagens, não afasta ou se sobrepõem, as perdas relevadas pela AT de 5%, para lograr considerar as pretendidas pela Recorrente de 20% tão só assente nesse mesmo depoimento. Nada a alterar ao decidido]
Quanto às quebras na padaria, a Impugnante alega que rondam 10%, em vez de 5% consideradas no Relatório, uma vez que nem todos os tipos de farinha são incorporados totalmente na confeção dos produtos vendidos já que todos sabem que alguma dessa farinha é colocada nas telas que vão ao forno, na mesa tendedeira, etc., para além da que cai ao chão, gastando nesses fins 10 a 15 kg por dia (artigos 74° a 79° da p.i.).
A Fazenda Pública contesta alegando que a Impugnante não quantifica discriminadamente esses desperdícios e que o desperdício total considerado pela AT (2.056,75 kg) se situa no intervalo indicado pela Impugnante (10kg/dia = 1.690 a 15kg/dia = 2.535).
Ora, não está em causa o facto público e notório, não carecido de prova, de que a atividade em causa gera desperdícios de farinha. Aquilo que carece de prova é a percentagem desse desperdício.
Acerca disso, a terceira testemunha, «CC», disse que, além da farinha usada nas telas e nas mesas, ao varrer as instalações encontra cerca de 7 kg de farinha em cada dia. Essa estimativa – ainda que muito falível - não se afasta dos valores indicados na petição inicial, pelo que nada contrariam o que foi dito e demonstrado pela Fazenda Pública. [confere com o aditamento peticionado dos itens 11. e 12. em que se avoca igualmente o depoimento de «CC», é certo que foi considerado um valor de perda de farinha, baseado nos valores apresentados pelo sujeito passivo em sede de procedimento inspectivo, atestada pela experiência a existência de perdas, o valor considerado de 5% pela AT não se mostra abalado pelo depoimento por nós atentado]
Relativamente ao pão de forma, a Impugnante alega que, como é do conhecimento comum, há necessariamente uma quantidade desse pão que se estraga quando é retirado da respetiva forma, no final da cozedura, e que se queima na confeção de torradas e tostas (artigos 80° a 83° p.i.).
Na contestação, a Fazenda Pública responde que o Relatório não nega a existência de quebras, mas considera-as materialmente irrelevantes, acrescendo que tais quebras não se encontram contabilizadas e a Impugnante mostra-se incapaz de as quantificar.
Também neste aspeto não vale o conhecimento comum. Todos sabem que a produção, corte e confeção de torradas e tostas é genericamente passível de gerar desperdícios de pão. O que não se sabe, e carece de prova, é o valor absoluto e ou relativo, desse desperdício.
A terceira testemunha, «CC», disse que esse pão é cozido numa forma e tende a levedar muito e que se levedar demais o pão estraga-se e, além disso, os topos não são utilizados, estimando que isso sucede com cerca de 30 pães por mês.
Ou seja, mesmo no cenário descrito pela testemunha – se a estimativa apontada se mostrasse credível e isenta - estariam em causa cerca de 200 pães, cujo valor seria praticamente insignificante em comparação com o valor dos tributos impugnados. Acresce que não é do conhecimento geral – pelo contrário, é bastante duvidoso – que os topos dos pães de forma são sistematicamente inutilizados. [confere com o aditamento peticionado do item 13., sustentando no depoimento de «CC», não sufragamos tal posição pois atenta a produção considerada no ano de 2010 de 351 unidades de pão de forma, a considerar 200 pães de desperdício é pouco provável a produção que restaria, ou seja o desperdício seria superior ao produzido ou pelo menos ao considerado pela AT, o que denota a falta de bom senso nos valores apresentados com referência ao exercício em referência. Mais se diga que efectivamente em sede de declarações no procedimento inspectivo foi expressamente referido a inexistência de consideração de quebras relativamente ao “pão de forma” o que nos leva a concluir que as mesmas a existirem seriam insignificantes e não contabilizadas, nada cumpre apontar à produção estimada pelos SIT e confirmado em sede de decisão no âmbito do pedido de revisão; no entanto e dando resposta ao inconformismo com a não consideração de quebras por parte da AT no pão de forma e contradição do Tribunal a quo ao aludir ao mesmo, por certo olvida a Recorrente que essa afirmação se prende com as declarações do próprio sujeito passivo em sede de procedimento, pois que no seu apuramento AT expressa que apesar do valor das quebras diárias fornecidas ser reduzido, atento o sector e localização geográfica será considerada uma percentagem de 5% nas quebras de pão e de 10% para a pastelaria, no entanto foi considerado materialmente irrelevante para efeitos de quantificação o pão de forma, 351 unidades em 2010 e afirmação de que o mesmo era apenas usado em tostas sem quebras pelo sujeito passivo em sede de procedimento]
A impugnante considera que a AT errou no peso médio dos pastéis que usam massa folhada, ao considerar que pesam 44 gramas cada um, antes da cozedura, sendo certo que esses serão os do tipo mais pequeno; diferentemente, o peso médio de todos os tipos desses pastéis (com massa folhada), como pastéis de nata, tarte de amêndoa, palmier, tarte de maça, caramujos e palma cifra-se em 100 gr. (artigos 84° a 87° p.i.).
A Fazenda Publica responde que o peso médio em causa (44 gr.) resultou dos pesos médios de massa crua fornecidos pela sócia gerente, «EE», e pelo pasteleiro, «FF», conforme termo de declarações de fls. 28 e seguintes do PA, e que a tese da impugnante padece de claro exagero.
A terceira testemunha, «CC», estimou pesos médios de cada tipo de pastel com massa folhada muito diferentes dos que constam dos termos de declaração referidos pela Fazenda Pública, a fls. 31 da PA.
Perante a divergência de depoimentos, o Tribunal opta sem hesitações pelos que constam do termo de declarações, pois estão subscritas por maior números de pessoas, tendo uma delas (o pasteleiro) idêntica razão de ciência em relação à testemunha e muito maior credibilidade por, segundo se crê, não ser filho da dona e gerente da empresa nem ter sido cessionário desse estabelecimento naquele mesmo ano; e considera o Tribunal que a declaração da outra subscritora do termo, mãe da testemunha, tem maior credibilidade por causa da temporalidade dessas declarações, que são anteriores ao Relatório final da inspeção e ao conhecimento das correções agora impugnadas. [confere com o aditamento peticionado do item 14., que mais uma vez assenta no depoimento de «CC», o qual se releva insuficiente para abalar a convicção do Tribunal a quo]
Acresce que a estimativa efetuada pela AT relevou apenas nos pastéis, e não nos bolos de aniversário e nas tartes de grandes dimensões.
A Impugnante refere que não compreende porque utilizou a quantidade de 700 kg de “farinha tipo T55” na composição da massa folhada, em vez de utilizar apenas a quantidade de 465 kg, por ano, conforme declaração da sócia-gerente, tal como não compreende como concluiu a AT que na composição da massa brioche foram utilizados 3.095,50 kg daquele tipo de farinha (artigos 88°e 89 p.i.).
A Fazenda Pública responde que a quantidade indicada pela sócia-gerente, de 465kg, se refere a apenas a 31 semanas de atividade no ano 2010 e que se sabe que essa farinha T55 é incorporada, não só na massa folhada e brioche, mas também em muitos outros produto. Além disso, o pasteleiro «FF» também declarou que a “margarina folhados consumida (kg) incorporada na massa de folhados corresponde a 60% da quantidade de farinha de trigo T55 consumida e que a “margarina bolo-rei” incorporada na fabricação da massa brioche correspondia a 10% da farinha de trigo T55 (fls. 30 do PA), a AT utilizou uma chave de repartição daquela farinha na proporção dessas gorduras e achou os totais dessa farinha agora referidos na p.i., que se referem à “quantidade anual de produção”
De facto, consultando o quadro das “fichas técnicas 2010” a pág. 25 do Relatório, fls. 14v° do PA, na “composição massa folhada” consta que a quantidade declarada no termo de declarações, em n° de quilos, é “+15x31=465”, percebendo-se que essa quantidade se refere a 31 semanas, e, ao lado, na coluna relativa à “quantidade anual produção” consta que 15kg semanais correspondem a 700kg anuais (e percebe-se a proporção da margarina). E identicamente, mudando o que há a mudar, quanto ao quadro seguinte relativo à composição da massa brioche.
Portanto, o Tribunal não reconhece qualquer o vício apontado.
Ainda quanto à composição da massa brioche a impugnante considera que o peso unitário de cada pastel, cifrado em 76 gr, está errado e que esse constitui um cálculo por defeito (artigos 90° e 91 p.i.).
A Fazenda Pública responde que esse peso médio resultou diretamente dos valores declarados pela sócia-gerente (fls. 31 do PA).
A Impugnante não produziu qualquer prova relativa a esse assunto, e, como já acima vimos, não o poderia fazer com recurso ao depoimento de familiares dos donos da sociedade Impugnante, como a segunda e terceira testemunhas, e, portanto, com interesse pessoal no desfecho da ação – referente a uma “empresa familiar” de família que integram.
A impugnante alega que a AT não considerou que a “margarina bolo-rei” é utilizada não só na massa brioche, mas também na confeção de muitos outros produtos confecionados na mesma empresa, como pão italiano, pão de bico, fogaça, bolo-rei, biscoitos sortidos, bolos de arroz, etc., bem como para untar formas e pincelar produtos acabados (artigo 92° p.i.)
A Fazenda Pública responde que essa alegação incorre em manifesto lapso na análise do Relatório, já que consta de pág. 18 do RIT que para a massa brioche o critério foi o de aquisição da margarina bolo-rei, depois de retirada a margarina necessária para a produção de pão, tudo de acordo com as fichas técnicas fornecidas pela sócia-gerente e pelo pasteleiro acima identificados, conforme termo de declarações a fls. 28 do PA.
A terceira testemunha, «CC», que a massa brioche é usada em diversos tipos de produtos, como bolas-de-berlim, lanches, pão-de-deus e que a manteiga serve para untar formas, pincelar bolos e para outros fins.
A fls. 30 do PA, no termo de declarações assinado pela sócia-gerente e pelo pasteleiro, consta que a margarina bolo-rei consumida na produção de massa brioche (em todos aqueles tipos de produtos) corresponde a 10% da farinha de trigo T55 e verifica-se que foi exatamente essa a percentagem utilizada pela AT como critério de quantificação. Pelas razões acima referida a propósito do peso médio da massa crua e do peso médio de cada pastel com massa brioche, o Tribunal dá prevalência a essa prova, em comparação com a prova testemunhal produzida.
Pelo que não se reconhece qualquer vício, nesta parte. [confere com o aditamento peticionado do item 15., em que a Recorrente avoca o depoimento de «CC» e «BB» no entanto atenta a valoração transporta para o critério de quantificação assente nas declarações lavradas em 04.04.2013 da sócia então gerente do sujeito passivo «EE» e do pasteleiro «FF» que o Tribunal a quo, e bem, levou em consideração e valorou pela sua proximidade temporal com os factos e realidade da actividade então exercida, mantém-se o julgado. E, mais se diga que a valoração que aqui se confirma não assenta na desacreditação e/ou pouca credibilidade do depoimento das testemunhas, mas antes da confrontação com os demais elementos constantes dos autos em confronto com depoimentos vagos e imprecisos em termos técnicos susceptíveis de suportar o alegado]
A impugnante também considera que o peso médio unitário, antes da cozedura, dos queques e dos bolos de arroz foi calculado pela AT por defeito (fls. 36 do Relatório), em 75 gr., uma vez que esse peso se cifra em cerca de 110 gr. (artigo 93° p.i.).
A Fazenda Pública respondeu que esses elementos foram fornecidos pela sócia-gerente e pelo pasteleiro, conforme termo de declarações de fls. 30 do PA, e que a Impugnante não faz prova do que alega.
A terceira testemunha, «CC», disse que os pesos em causa rondam 80 gr. de massa antes da cozedura. Ora, a AT considerou 75 gr. depois da cozedura, valor que é compatível com o afirmado pela testemunha. Porém, ainda que houvesse divergência o Tribunal sempre daria prevalência ao afirmado no termo de declarações, pelos motivos já indicados.
Quanto ao “pão de ló entremeios” a Impugnante alega que a composição indicada no Relatório é imprestável para aquele efeito, sendo certo que o peso dos bolos antes de cozedura não duplica com a posterior aplicação de recheios e coberturas, aumentando, em vez de 100%, apenas 30% a 40% (artigos 94° e 95° p.i.). E acrescenta que, pelas mesmas razões, carece igualmente de fundamento a afirmação de que “os bolos com recheio duplicam o peso, contudo vamos considerar um aumento de 75%”, conforme consta no quadro de pág. 27 do Relatório, referente ao “pão de ló – bolos aniversário redondos”.
A Fazenda Pública responde que a referida composição foi fornecida pela sócia-gerente e pelo pasteleiro, conforme termo de declarações de fls. 30v° do PA, e que o Relatório considerou um aumento médio de 75% em função das características de determinados bolos, cujo peso depois da incorporação de recheios e/ou coberturas mais que duplica.
Do no último quadro de pág. 26 do Relatório consta (na penúltima linha) “O peso dos bolos duplica com recheios e coberturas” e, na coluna do “nº de quilos”, consta o peso de 2.091,37, que é o dobro do peso inscrito na linha anterior, e em seguida consta uma nota “a)”. Também logo a seguir à informação que consta do quadro de pág. 27 consta uma nota a).
Logo a seguir àquele quadro consta a seguinte explicação para a referida nota a) e para toda essa linha: “a) A produção de pão de ló (bolos aniv. redondos / e de entremeios) foi efectuada com base no consumo de caixas, apresentado no quadro da página 22, que considera uma produção de 2850 quilos, contudo uma vez que para os bolos tipo "de aniversário", efectuados com farinhas compostas, a partir das compras de farinha (255Kg) chegamos a uma produção de 758,63Kg, os bolos de pão de ló entremeios - calcularam-se por diferença 2.850-758,63=2.091,37.”
Sendo assim, conclui-se que a Impugnante não alega nem prova que tal cálculo padece de qualquer excesso. [confere com o aditamento peticionado do item 16., em se que se avoca o depoimento de «CC» que atesta que o peso a considerar dos bolos não duplica com as coberturas e recheios, a mesma foi calculada aplicando as porções constantes das fichas técnicas fornecidas pelo sujeito passivo e foram apurados os consumos dos ingredientes consumidos]
A Impugnante alega que, com respeito ao “pão de ló – bolos aniversário redondos”, a AT comete outro erro (e um lapso na designação “satin cake”) ao imputar na respetiva produção de 2010 todos os 255 kg de “satin cake” (ou antes, “soft cake”) adquiridos nesse ano, sendo certo que essa matéria-prima também foi utilizada para produzir queques e fatias de bolo (artigos 97° e 98° p.i.).
A Fazenda Pública responde que a Impugnante não discrimina as quantidades alegadamente incorporadas nos queques e nas fatias de bolo, ao contrário do que sucede com a atitude da AT, que justificou a exclusiva imputação à produção de pão de ló, já que o fez porque é isso que resulta da ficha técnica resultante do termo de declarações subscrito pela sócia-gerente e pelo pasteleiro, como consta de fls. 28 do PA, onde é referida uma produção diária de queques nula.
A designação técnica ou comercial atribuída aos ingredientes é irrelevante para o caso, na medida em que a mera designação não contende com a quantificação efetuada, sendo certo que a Impugnante bem percebeu que o ingrediente em causa é utilizado, com essa ou outra designação, na confeção do pão de ló e bem percebeu a qual ingrediente a AT se referiu.
Por outro lado, a AT recorreu a composições qualitativas e quantitativas justificadas pelas declarações prestadas pela sócia-gerente e pelo pasteleiro, enquanto a Impugnante apenas se limitou a afirmar que o Relatório contém erros.
Ora, como já se disse, é irrelevante a mera existência de erros se a Impugnante não demonstrar sem margem para dúvidas que tais erros conduziram, no caso concreto a uma quantificação insuportavelmente excessiva.
O Tribunal considera que também nesta parte a impugnante não conseguiu cumprir esse ónus. [confere com o aditamento peticionado do item 17., em que se avoca o depoimento de «CC» o mesmo se releva insuficiente para abalar a convicção do Tribunal a quo sem mais]
Relativamente ao “pão bico-redondo-bijou” a Impugnante alega que os cálculos da AT padecem de erro decorrente de não atenderem a que a maior parte dessa produção se destinada a revenda, em que o preço médio varia entre € 0.06 e € 0,08, sobre a qual ainda incide um rapel (desconto) de 15% (artigo 99° p.i.).
A Fazenda Pública responde que a AT determinou o preço médio, de € 0,0834, com base nos preços efetivamente registados pela sociedade Impugnante, que foram recolhidos dos ficheiros “Saft”, e para apurar esse valor a AT levou em conta as vendas para revenda, com os códigos de registo n° 511 e 517; além disso o referido rapel de 15% encontra-se contabilizado na rubrica de gastos “689-Desconto especial concedido-Rappel”, no valor global de € 6.349,15, pelo que não pode ser considerado um desconto comercial refletido no preço médio de venda apurado, pelo que a AT apenas o considerou como desconto financeiro concedido.
Nessa matéria, a segunda e terceira testemunhas referiram que a revenda de pão e pastelaria é muito significativa, destina-se a [SCom05...] e outros clientes e escolas, que “espremem” preços e alongam os prazos de pagamento e exigem descontos, que chega a 15% (a segunda testemunha disse mesmo que esses descontos podem ser de 10%, 15% ou 20% e que essas entregas têm muitos custos, de transporte, embalagem individual e perigo de indemnização em caso de atraso). A segunda testemunha acrescentou, a instâncias do Representante da Fazenda Pública, que a Impugnante distribui pão, nas suas carrinhas, às empresas [SCom05...] e outras e a escolas.
Os depoimentos destas testemunhas - para além das suspeições que sobre eles recaem por causa da comunhão de interesses dos seus autores com a empresa impugnante – mostram-se incoerentes e até pouco razoáveis – denunciando intenção de não esclarecer o Tribunal
De qualquer modo, é certo que a o Relatório levou em conta as revendas, como resulta expressamente do segundo quadro de pág. 28 do Relatório, a fls. 16 do PA, onde consta, na última linha, “Preço de venda médio Revenda e balcão – 0,083”, nada infirmando nos autos a afirmação da Impugnante de que a AT desconsiderou essas revendas.
Além disso, o depoimento da terceira testemunha confirmou a interpretação da AT segundo a qual o desconto é variável e especial, podendo ir de 10% a 20%, conforme a concreta circunstância, mas podendo nem sequer existir. Pelo que deve ser qualificado como desconto financeiro, e não se integra no preço médio do produto.
Em suma, o Tribunal não reconhece qualquer erro relevante para o caso dos autos. [confere com o aditamento peticionado do item 18., perscrutado o registo áudio do depoimento de «CC» e «BB» a este Tribunal ad quem nada se lhe oferece acrescentar, mantendo-se o julgado pela negativa]
No que respeita ao “pão italiano”, a impugnante alega que a AT não considerou que os empelos são de 2,1kg, e não 1,8kg (artigo 100° p.i.).
A Fazenda Pública responde que o peso utilizado no Relatório foi fornecido pela sócia-gerente e pelo pasteleiro, conforme termo de declarações, e que a Impugnante não prova que os empelos pesam efetivamente 2,1kg.
A terceira testemunha, «CC», disse que o empelo de pão italiano pesa 2,150gr. em massa.
Do termo de declarações aludido pela Fazenda Pública consta que ao pedido para informar quais os produtos fabricados na área da padaria/pastelaria, tipo e quantidade de farinha usada, relação entre o peso da massa em cru e depois de cozida e a quantidade de produto final obtido, quantidade de masseiras/receitas fabricadas por dia e número de unidades fabricadas por masseira/receita, os signatários responderam que o pão italiano faz parte dos produtos de padaria fabricados (fls. 28v° do PA) e que, quanto à sua composição, responderam que não faziam esse tipo de pão nos anos em análise (segundo quadro de fls. 29v° do PA). Além disso responderam que a unidade do empelo de massa de pão bijou e de pão integral pesa 1,8 kg (fls. 29 do PA).
Da ficha técnica relativa ao pão italiano junta ao Relatório (fls. 26 do PA) consta o seguinte “Pão italiano – supostamente não faziam nos anos em análise” e nessa ficha consta que o peso unitário do empelo é 1,8.
A Impugnante não nega que existe produção de pão italiano, apenas impugna o peso unitário do respetivo empelo.
O empelo é um pedaço de massa crua, cortado da amassadura, antes de ir ao forno.
Ora, em abstrato esse corte pode ser feito com qualquer peso que o padeiro considere razoável e praticável.
Sucede que em concreto, no caso dos autos, a AT sabe objetivamente que a empresa usa empelos com 1,8 kg e nada no procedimento apontava para peso diferente.
Embora a AT não se tenha fundado em declaração expressa da sócia-gerente e do pasteleiro especificamente relativa ao pão italiano – até porque este não quiseram fornecer os elementos relativos a esses tipos de pão – a verdade é que a AT se fundou em declaração que leva a concluir razoavelmente que o peso em causa é 1,8 kg, e não 2,1 kg, como refere a impugnante, ou 2,150 kg, como afirmou a terceira testemunha, cujo depoimento se desvaloriza, neste contexto, nos termos já sobreditos.
Ou seja, se o empelo da massa de pão bijou e de pão integral pesa 1,8 kg não se vê qualquer razão plausível – que a Impugnante não indica – para o empelo do pão italiano ter peso diferente e suspeitosamente mais favorável à tese da Impugnante. [confere com o aditamento peticionado do item 19., os depoimentos das testemunhas «CC» e «BB» assentam tão só num peso distinto do considerado pela AT, sem um enquadramento que permita conceder que tenha ocorrido um erro crasso de valoração a relevar]
A Impugnante alega que a AT erra também ao considerar que na produção de “pão da avó/pão de água” é consumida toda a “farinha pão da avó” adquirida (390kg), sendo certo que as farinhas servem também para tender e para colocar nas telas que vão ao forno (artigo 101° p.i.).
A Fazenda Pública responde que, partindo dos consumos referidos no termo de declarações da sócia-gerente e do pasteleiro pode concluir-se que a as compras de farinha registadas na contabilidade poderiam ser insuficientes para aquele consumo estimado só para a massa produzida (o consumo de 4kg de farinha por dia equivale a 856kg nos 214 dias do ano 2010), pelo que a racionalidade económica impõe que a farinha de tender seja de um tipo mais comum e mais barato.
De facto, a fls. 29 do PA consta que a sócia-gerente e o pasteleiro declararam que a composição da massa de “pão da avó/pão de água” inclui 4 kg de “farinha de pão d´avó” e que “fazem normal/ com farinha pão da avó” e que ocorre perda de 15% na cozedura.
Na ficha técnica junto ao relatório (fls. 26 do PA) consta que a AT considerou que existe perda na cozedura de 20% e desperdício de farinha de 10%.
No primeiro quadro de pág. 28 do Relatório, a fls. 16 do PA, a AT não atendeu à quantidade declarada pela sócia-gerente, 856kg, mas apenas à quantidade das compras registadas, 390kg, e considerou a perda de 20% na cozedura, e não 15% como declarado pela sócia-gerente.
Afigura-se que não existe qualquer excesso de tributação e que, pelo contrário, a AT procedeu com assinalável razoabilidade.
Por fim, a Impugnante alega que, no que se refere à “Broa de milho” e ao “Pão de centeio”, a quantidade global de farinha T170 indicada no Relatório (770kg, na proporção de 182,86kg e 587,14kg, respetivamente) é superior à quantidade total (610kg) dessa mesma farinha que a AT diz (pág. 21 do RIT) ter sido adquirida aos fornecedores (artigo 102° p.i.).
A Fazenda Pública responde que estamos perante um lapso na precisão do descritivo da farinha de centeio incorporada na produção do “pão de centeio”, mas, considerando que os demais tipos de farinha de centeio considerados no Relatório constituem ingredientes para a produção daquele tipo de pão, entende que a quantificação da produção não enferma de erro de quantificação.
Com efeito, o Relatório atendeu à incorporação de 182,86 kg de farinha de centeio T170 na produção de “pão de centeio”, respeitando a proporção que consta da respetiva ficha técnica, sendo o remanescente da farinha de centeio de algum dos tipos disponíveis foi consumido na produção desse pão, apesar de a farinha concretamente utilizada não estar devidamente discriminada na respetiva ficha técnica.
Sendo assim, como parece, o Tribunal não reconhece a existência de qualquer excesso de tributação, que a Impugnante nem sequer se esforça por quantificar.
Em jeito de conclusão, a Impugnante alega que a aceitar-se a correção efetuada pela AT, teria de se concluir que vendeu os produtos da padaria com margem média superior a 450% e os produtos de pastelaria com margem média superior a 300%, o que retira credibilidade ao Relatório (artigos 103° a 112° p.i.).
A Impugnante responde que a Impugnante parece esquecer que as margens médias de comercialização apuradas pela AT não incluem custos diretos muito relevantes relacionados com a atividade de exploração, nomeadamente gastos com pessoal e fornecimentos de serviços externos, verificando-se que, atendendo a tais custos, margem bruta sobre o volume de negócios ascende a 28,17% e é inferior ao rácio médio nacional para o mesmo setor de atividade. Pelo que a afirmação da Impugnante não tem qualquer adesão à realidade.
De facto, no quadro da página 39 do Relatório, a AT apura o total de proveitos, já corrigidos, de € 230.193,39 e o total de custos de 209.426,60, de que resulta o valor líquido do exercício de € 20.766,79.
Além disso, como demonstra o quadro de fls. 116 do processo físico (e também a fls. 143 do PA), elaborado com base no referido quadro da pág. 39 do Relatório (sem considerar os custos relativos a amortizações do exercício nem os custos e perdas financeiros), a margem bruta resultante das correções efetuadas no Relatório, que é de 28%, afigura-se bastante razoável e nada excessiva.» (fim de transcrição)
Estabelecida esta correspondência, resta apreciar e decidir do aditamento pretendido quanto aos itens 2. a 7., que se prendem com a existência de artigos indefinidos identificados no sistema informático com a designação de “diversos”, com a quantidade considerada de café por dose, dos produtos descriminados no quadro inserto a fls. 15 do RIT e, quanto aos mesmos, na não consideração de autoconsumos de fiambre e queijo e naturais desperdícios dessas matérias primas de 200gr por embalagem.
Vejamos o quanto a eles se dissertou na sentença sob recurso em sede de erro nos pressupostos dos métodos indirectos.
«No terceiro indício elencado a AT parece confundir a impossibilidade de identificação do produto vendido sob a designação “Diversos” com a impossibilidade de determinação direta e exata do seu quantitativo. Em lado algum a AT contesta que o valor desses bens seja aquele que consta da contabilidade e dos ficheiros “Saft”.»
«O segundo indício constitui mais uma conclusão (omissão de vendas) de que um facto objetivo. Esse indício refere-se ao café. Porém, no ponto II do Relatório não consta qualquer facto objetivo que permita fundar a conclusão de que ocorreram omissão no registo das vendas de café. No ponto II.4.5.1 – Análise ao café, a AT limita-se a fazer uma presunção (de que a quantidade de café adquirida em 2010 foi totalmente vendida nesse ano e que, dividindo essa quantidade por 8 gramas por cada chávena, concluiu (presuntivamente) que a Impugnante vendeu determinado número de chávenas e, multiplicando todas essas chávenas pelo valor habitual de cada uma, resumiu que as vendas efetivas somam muito mais dinheiro do que aquele que consta na contabilidade.
Ora, é evidente que a utilização de presunções e estimativas como base da decisão de recorrer a métodos indiretos de avaliação constitui uma entorse inaceitável aos pressupostos legais (até porque é um facto público e notório – que não carecem de prova - que praticamente todas as atividades, incluindo essa, comportam determinado grau de quebras ou desperdícios, bem como de autoconsumos, que, no caso, não foram tidos em conta nessa fase de apreciação dos factos).»
Ou seja, isto é o que consta da sentença em sede de fundamentação de direito, para além claro do que consta dos factos provados - vide factos 14., 15., 16, 18. 19. e 20., factos estes cuja motivação assenta na prova testemunhal produzida e no Relatório de Inspecção.
Quanto à pretensão de aditar os itens 2.e 3. sobre “Diversos”, cremos que o levado ao probatório de que: “16. Dos ficheiros “Saft” constam registos de vendas de bens identificados com a designação de “Diversos”acordo, ponto II.4.3.1, pág. 10, do Relatório, a fls. 7 do PA e primeira testemunha, «DD», técnico informático, que referiu que se trata de vendas de bens para os quais o empregado não se lembra do código ou de bens, de tipo novo na loja, para os quais ainda não foi atribuído um código na base de dados do programa; a segunda testemunha, «BB», TOC, acrescentou que os empregados não sabem criar novos códigos nem têm acesso à base de dados e que lhe pedem a ela ou à primeira testemunha para atualizarem essa base de dados;”, se mostra suficiente e em conformidade com a pretensão da Recorrente.
Nesta sede, temos por irrelevante e despiciente se os mesmos “Diversos” é por insuficiência de teclas, ou produtos vendidos com menos frequência, certo é que foi levado e considerado pelo Tribunal a quo o existirem produtos, pelas razões alocadas em 16. do probatório consignados em “diversos” aliás o que vai de encontro com os depoimentos: De «DD» (técnico responsável pelo sistema informático da Recorrente) que sobre o assunto esclareceu, designadamente, que os seus clientes (entre os quais se incluía a Recorrente) tinham «alguma dificuldade em abrir produtos novos» e que «o “diversos” é para não ficar parado em frente a um cliente… “Vou registar isto, eh pá, este artigo ainda não criei, mas tenho aqui o ‘diversos’, e registo em ‘diversos’, para dar entrada no sistema» e que, exemplificou «Repare, se estou a fazer uma venda de um produto que não existe na base de dados, o próprio funcionário fica ali “O que é que eu faço agora no sistema?” Com o “diversos” desenrasca-se, entre aspas, e fico registado como outro produto… em vez de se chamar batatas chama-se “diversos”, é um bocado isso.»
E, já no que diz respeito ao café, da audição do registo fonográfico do aludido depoimento de «CC», extrai-se que o mesmo referiu que, «um café, para ser bem tirado, tem de ter, no mínimo, 8 gramas de café. Se não for 8 gramas de café, não sai café», é certo que este foi o valor de referência tido em consideração, por isso o que pretende a Recorrente é que seja levado ao probatório a existência de quebras que na sua óptica não foram levadas em linha de conta.
Vejamos o que foi levado ao probatório sobre esta matéria:
«18. Relativamente ao ano 2010 a sociedade impugnante contabilizou e declarou compras de café (clássico) na quantidade de € 115 kg e de café descafeinado na quantidade de 1,95 kg e que vendeu ao preço unitário de € 0,60 por chávena, e pelo valor total relativo a café simples de € 6.655,20, tendo algum do café adquirido sido incorporado em outro tipo de produtos de cafetaria como galão, garoto, meia-de-leite, etc. – ponto II.4.5.1, pág. 12 do Relatório, a fls. 8 do PA, não impugnado;
19. Alguns bolos incorporam café tirado da máquina - terceira testemunha, «CC», filho dos donos da empresa e trabalhador;
20. Os empregados tomam café por conta da empresa quando querem, designadamente em cada uma das refeições (pequeno-almoço, almoço e lanche), podendo tomar cada um cerca de 2 ou cafés por dia - segunda testemunha, «BB», TOC, que também disse que a empresa tinha ao seu serviço, em 2010, 10 a 12 trabalhadores; a terceira testemunha, «CC», filho dos donos da empresa e trabalhador, disse que em 2010 havia 13 trabalhadores.»
Nada, mais cumpre acrescentar, pois todo o demais será puramente conclusivo, mas sempre podemos adiantar que conforme decorre da decisão do pedido de Revisão, sobre esta temática é manifesto o que aí consta de “(...) que relativamente a análise efetuada aos consumos de café, foram apuradas as quantidades compradas e registadas, tendo-se procedido ao cálculo da quantidade de chávenas de café a vender, tendo por base os consumos por dose recomendados pelos fornecedores.
Deste modo, apesar da dose de café recomendada para produzir uma chávena de café, variar entre as 6,5 gramas e as 7,0 gramas, conforme se pada aferir da informação on-line de dois revendedores de café, cujos prints se juntam em anexo a este laudo (pag. 23 a 25): Marca 1 e Marca 2, a IT usou como unidade de medida 8,0 gramas por dose. Assim, considerando o consumo de 8,0 gramas de café par cada dose, permite incluir naquele consumo um desperdício nunca inferior a 1,0 grama por dose, ou seja cerca de 14,29% = ((8gr-7gr)/7gr)x100.
De referir ainda que, da informação existente nestes serviços, recolhida junto de outros operadores a exercer a atividade no setor da cafetaria, um quilograma de café rende aproximadamente 140 doses de café, ou seja, cada dose equivale a cerca de 7,0 gramas.
(...)
Admitindo, o cenário alegado pela reclamante, teríamos um número media de 11 trabalhadores, no ano de 2010, em que todos consumiram três cafés diários, no total dos 172 dias de trabalho (31 semanas x 7 dias — 14 dias de ferias — 31 dias de descanso semanal), teríamos um total de café autoconsumido de cerca de 5.676 doses. Aplicando o prego media de venda s/ IVA de 0,5357€ (conforme ponto V.1.2.6.1.1 Cálculo auto-consumos, na pag. 34 do RIT), teríamos um valor de autoconsumo de café, no ano de 2010, no valor de 3.040,63€.
Considerando agora, o consumo de 10,0 gramas de café por cada dose, coma alega a reclamante, os 115 kg de café adquirido, dariam para produzir 11.500 doses de café. Expurgando desta produção, os autoconsumos anteriormente calculados, apuramos que a reclamante faturaria 5.824 doses de café (11.500 — 5.676), valorizadas ao prego de 0,5357 € cada, dada um volume de vendas de café de 3.119,92€. Adicionando o volume de vendas estimado do descafeinado, (líquido de IVA) no valor de 159,29€, apurado no ponto 11.4.5.1 do RIT (pag. 13), teríamos um volume de vendas de café no valor total de 3.279,21E. Atendendo a que a reclamante registou Vendas de café, no ano de 2010, no valor de 6.655,20 € (conforme dados recolhidos no ficheiro SAFT), estaríamos perante um indício de omissão ao registo de compras de matéria-prima café.
(...)
Conforme se demonstra, as alegações da reclamante não tem qualquer aderência com a realidade contabilística, pelo que a estimativa da produção de cafés apurada em sede de IT se mostra razoável e assente em critério justo e objetivo. No entanto aquela quantificação da produção, poderia ser superior, se fosse considerada a dose de café de 7,0 gramas e um desperdício, na ordem dos 10%, e tivesse sido considerada produção de derivados de café resultante do aproveitamento das borras de café (nomeadamente carioca de café, garoto, pingo, etc)”.
Razão pelo qual, a sua apreciação apenas foi considerado enquanto indicio do recurso aos métodos indirectos pelo Tribunal a quo, e, já não, enquanto questão relevante para aferir do excesso ou erro de quantificação, afastada que se mostra o mesmo pelos cálculos apresentados pela Recorrida em confronto com a posição sustentada pela Recorrente.
Nada mais cumpre acrescentar, improcedendo a pretensão da Recorrente
Mas o inconformismo da Recorrente não se fica só pela errada valoração dos depoimentos, mas também assente na constatação que a discriminação da matéria de facto não pode limitar-se a dar como reproduzidos documentos que constem do processo, tendo essa remissão apenas como efeito dar como provada a existência do Relatório da Inspecção Tributária, enquanto documento. Sustentando que a sentença fundamentou a sua decisão sobre a matéria de facto essencialmente contida no Relatório da Inspecção Tributária, limitando-se a aludir aos documentos e informações oficiais e a desconsiderar, pura e simplesmente, os depoimentos testemunhais e a impugnação do seu teor.
Sempre se dirá que a sindicância da actuação da AT terá que passar pela fundamentação que dirigiu ao acto, tendo o seu ponto de partida relevante na decisão final do procedimento de revisão da matéria tributável. Ora, uma vez que esta decisão assentou e remeteu para os factos apurados em sede de fiscalização, apresenta-se pertinente o conteúdo, pelo menos parcial, do Relatório de Inspecção Tributária. Nestes termos, como a própria Recorrente acaba por reconhecer nas suas alegações de recurso, o que resulta provado na decisão da matéria de facto é a existência do Relatório da Inspecção Tributária, com a motivação que do mesmo consta. Mas isto não invalida que a Recorrente possa demonstrar que as conclusões a que a inspecção chegou assentam em pressupostos ou factos errados.
Mormente, a matéria que a Recorrente pretende ver eliminada do probatório os pontos n°. s 8, 9, 10, 13, 17, 18, 21, 22 e 24 da matéria de facto dada como provada, todos eles dados como provados com referência expressa ao RIT.
Somos de concluir, que os factos [e conclusões] vertidos no Relatório de Inspecção Tributária se baseiam em dados objectivos e na documentação anexa nele descritos, sendo relevante para decidir a questão da legalidade do acto impugnado.
Salientamos que, a propósito da deficiente avaliação fáctica por parte da AT proclamada pela Recorrente, esta se limitou apresentar como contraprova para convencer o Tribunal a quo as testemunhas que arrolou, o técnico informático que presta serviços à Impugnante, «DD», que quanto aos elementos inerentes ao excesso e erro na quantificação, nada adianta, para além da justificação que aponta para a existência de produtos vendidos em “diversos”, temos as testemunhas «BB», TOC da impugnante, ser nora dos donos da empresa e a terceira testemunha, «CC», pasteleiro e trabalhador da impugnante, ser filho dos donos dessa empresa, que em sede de valoração contrapõem com as declarações lavradas em 04.04.2013 da sócia então gerente do sujeito passivo «EE» e do pasteleiro «FF», com proximidade temporal com os factos e conhecimento directo da realidade da actividade então exercida.
Por último, não se conforma, ainda, a Recorrente com o facto de o julgador ter considerado como provados na decisão factos sobre os quais a Administração Tributária não terá produzido prova material.
No que concerne aos valores apontados pela AT não se pode ignorar os mesmos nos exactos termos em que assentam em elementos existentes na contabilidade, o fornecimento dos ficheiro SAFT, nos elementos de produção dos diversos produtos confecionados e comercializados fornecidos pela própria impugnante.
Por último, cumpre aferir dos itens 5., 6. e 7. cuja pretensão da Recorrente passa pelo seu aditamento aos factos dados como provados, o qual para melhor compreensão, aqui se transcreve de novo o teor do reivindicado “A quantidade de fiambre ou queijo gasta pela Impugnante em cada sandes comercializada nunca se cifra em menos de 50 grs. / Os produtos discriminados no quadro inserto a fls. 15 do RIT não servem apenas para o fabrico de sandes, sendo igualmente utilizados na elaboração de omeletes, croissants folhados, pizzas, lanches, cachitos, bolas de carne, bem como na confecção de algumas refeições (v.g. bifes recheados) servidas pela Impugnante no seu estabelecimento comercial / Os autoconsumos de fiambre e de queijo dos funcionários da Impugnante cifram-se, em média, em duas sandes diárias por cada funcionário, sendo que, para além disso, existem naturais desperdícios dessas matérias-primas (+/- 200 grs. Por cada embalagem).
A prova apresentada pela Recorrente a sustentar o aditamento assenta em exclusivo no depoimento da testemunha «CC».
É certo que, revisitado o mesmo, no seu depoimento a inquirição do mandatário, aquela testemunha anuí nos autoconsumos de fiambre e queijo (produtos de charcutaria), na utilização de duas fatias de fiambre e duas de queijo por sandes, quando as confecionava, e de aqueles produtos de charcutaria eram usados na elaboração de lanches, bolas de carnes e cachitos.
Registe-se, desde logo, que, na economia da presente ação, a materialidade em causa relevará para efeito de afirmação do erro na quantificação, e neste parâmetro cumpre desde logo atentar que em sede de autoconsumos foram relevados os valores descritos no ponto V.1.2.6.1.1 “calculo de autoconsumos” que levou em linha de conta o número médio de trabalhadores por ano e o número de dias de trabalho, tendo sido considerados 1518 doses em sede de café, refrigerante e pão, num total de 2.127.56€.
Por sua vez, conforme discorre dos quadros elaborados, o consumo de mercadorias de charcutaria foi contabilizado pelos SIT em serviços de cafetaria, com atribuição de uma margem de 3,20 acrescida, partindo de uma utilização de 35 gr. de queijo ou de fiambre, sendo que o valor do pão e dos croissants foi considerado no respectivo cálculo de produção.
Significa isto, portanto, que colocado este Tribunal ad quem perante a transcrita motivação da decisão de facto, os demais elementos constantes dos autos e o registo fonográfico da testemunha avocada pela Recorrente com vista ao rebatimento do sentido decisório acolhido, damos aqui por provado:
31.Os produtos de charcutaria adquiridos pela impugnante são utilizados na confecção de lanches, cachitos e bolas de carne;
32. O fiambre e o queijo eram objecto de autoconsumos pelos funcionários e inerentes desperdícios.
Aqui chegados, no mais, sobre o julgamento de facto, por todo o exposto não se verifique razão bastante para divergir do sentido decisório trilhado pelo julgador de 1ª instância relativamente a materialidade por aquele fixado, excepcionando-se os dois factos aditados 31.e 31., na consideração de que Recorrente não aportou aos autos quaisquer elementos de prova que, de forma consistente e objetiva, permitissem suportar conclusão segura no sentido que proclamava de eliminação de itens do probatório assentes na vasta fundamentação constante do RIT e decisão do procedimento de revisão e, concomitantemente a pretensão de verter para o probatório os factos que identifica insertos na sua petição inicial
Improcedem parcialmente, as conclusões 11ª a 28ª, aqui se declarando a matéria de facto assim estabilizada.
2.2.3. Do erro de julgamento de direito
O recurso dirige-se ainda ao segmento decisório recorrido que apreciou os pressupostos para aplicação da avaliação por métodos indirectos, defendendo a Recorrente que “Da acção inspectiva efectuada à escrita da Recorrente não resultam indícios de alegadas omissões de vendas, ou de qualquer outra circunstância impeditiva de atribuir credibilidade à sua escrita, e que fundamente o recurso a métodos indirectos, sendo que era sobre a Autoridade Tributária que impendia ónus da prova desses factos.”
Importa, assim, decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar legitimado o recurso a métodos indirectos, cabendo conhecer se assiste razão à Recorrente quando defende que não estavam reunidos os pressupostos de aplicação dos métodos indirectos para fixação da matéria tributável, em termos de IVA.
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 85.º da LGT a avaliação indirecta é uma forma subsidiária da avaliação directa de determinação do lucro tributário dos contribuintes, apenas podendo ser aplicada aquela primeira forma de avaliação nos casos expressamente previstos na lei e quando estejam reunidos os pressupostos legalmente estabelecidos para o efeito (cf. artigo 81.º, n.º 1 da LGT).
O recurso a métodos indirectos de determinação da matéria colectável é uma ultima ratio, apenas podendo ser aplicado quando não seja possível que esta avaliação seja feita por via da avaliação directa, em conformidade com o princípio constitucional segundo o qual a tributação das empresas recai fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cf. artigo 104.º, n.º 2 da CRP).
Dito de outra forma, tendo a avaliação indirecta carácter subsidiário em relação à avaliação directa (cf. artigo 85.º, n.º 1, da LGT) e excepcional (cor. artigo 81º da LGT, n.º1 da LGT), cabe à Administração Tributária (AT) a demonstração da verificação dos pressupostos do recurso à avaliação indirecta da matéria tributável, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (cf. artigo 74.º, n.º 3, da LGT) – vide, entre outros, o Acórdão do STA, de 17.03.2010, processo n.º 01211/09.
A Recorrente, na sua alegação, parece apontar para a efectiva não verificação dos pressupostos do recurso à avaliação indirecta, quando alude a ilegalidade da decisão de aplicar os métodos indirectos de avaliação.
Impõe-se, antes de mais, que se faça a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa, e é precisamente nesta última que nos situamos, enquanto verificação dos indícios e da legalidade da decisão que os mesmos importam.
A sentença recorrida considerou justificado o recurso à avaliação indirecta, referindo-se aos pressupostos de facto do recurso aos métodos indirectos, nos seguintes termos que aqui transcrevemos expurgado do seu enquadramento jurídico:
«A Impugnante alega que as circunstâncias invocadas no Relatório da inspeção não são suficientes para preencher a previsão das normas que admitem o recurso a métodos indiretos de avaliação da matéria tributável (artigo 17° p.i.) e explica porquê (artigos 8° a 64° da p.i.).
A Fazenda Pública discorda e alega que os indícios recolhidos na ação de inspeção demonstram que a contabilidade da Impugnante, tal como estava, impedia a comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável (artigo 45° da contestação).
(...)
As situações mais graves que justificam a aplicação de métodos indiretos, previstas no referido artigo 87° da LGT (passagem à segunda fase da relação tributária a que vimos aludindo) traduzem-se em anomalias ou incorreções imputáveis ao contribuinte a título de dolo, que revelam a intenção de não colaborar com a A.T. e de ocultar a verdade fiscal, inviabilizando a cabal aferição da sua capacidade contributiva, como sucede no caso de ser recusada a exibição da escrita depois de a sua apresentação lhe ser exigida pela A.T., no caso de terem sido falsificados ou viciados os suportes documentais da escrita ou quando existam diversas contabilidades.
No caso dos autos, a AT acusa a Impugnante de falsificação ou viciação da contabilidade em resultado da omissão de registo nela de alguns proveitos [alínea b) do artigo 88° da LGT].
Num segundo grupo incluem-se as anomalias e incorreções de que, por si só, não se pode extrair uma imputação ao sujeito passivo senão a título de negligência. Isso sucede, em primeiro lugar, nos casos de inexistência ou insuficiência dos elementos da contabilidade ou da declaração. Segue-se a falta ou atraso na escrituração. Por último, isso ocorre nos casos de erros ou inexatidões na contabilidade e as irregularidades na sua organização ou execução. Comum a estas três situações é o facto de o legislador exigir que seja fixado um prazo legal para o suprimento da falta [alínea a) do artigo 88° da LGT].
Todavia, a verificação de meras irregularidades que justifiquem a quebra da referida presunção de verdade não implica necessariamente, em todos os casos, o recurso a métodos indiretos de avaliação; para que seja legítima a aplicação de métodos indiretos, é imprescindível que a AT verifique factos concretos e objetivos que indiciem a existência de divergência entre o resultado fiscal declarado e o resultado fiscal real e que, além disso, as irregularidades que justificam a quebra da presunção de verdade inviabilizam a determinação direta e exata da matéria tributável (corpo do artigo 88° da LGT).
Portanto, a primeira questão a decidir é a de saber se os indícios arrolados pela AT são suficientemente fortes para fundarem a inversão do ónus da prova previsto no n° 3 do artigo 74º da LGT, isto é, se podem fundar a convicção de que a Impugnante omitiu a declaração de proveitos sujeitos a tributação.
A AT entendeu que a avaliação indireta se justifica com base nos seguintes indícios (facto 26 de 3.1 supra):
1- Margens brutas sobre o custo declarado divergente das margens brutas obtidas na amostragem efectuada que se demonstrará nos pontos seguintes, o que indicia omissão de vendas;
2- Omissão de vendas verificada pela quantificação das unidades adquiridas dos vários produtos com as quantidades declaradas das vendas dos respetivos produtos (por exemplo no caso do café);
3- Falta de identificação dos artigos nos documentos de vendas - por exemplo com a designação “diversos", impossibilitando desta forma qualquer tipo de controlo ou validação;
4- O nível salarial dos funcionários em geral, ser muito baixo;
5-Prejuízos declarados em anos consecutivos 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011;
6- Sócios com baixos rendimentos comparativamente com os suprimentos que realizam;
7- Suprimentos incorretamente documentados;
8-Aquisição de Jornais e revistas às empresas [SCom03...] e [SCom04...] sem o consequente registo de compra ou venda dos mesmos;
9-Omissão de vendas efectuadas no mercado da ...;” - ponto IV, pág. 16, do Relatório, de fls. 10 do PA;
Apreciemos a relevância de cada um desses indícios.
Comecemos pelo último indício, relativo à omissão das vendas efetuadas no Mercado da ....
A Impugnante nada diz quanto a isso, afigurando-se que admite esse facto.
Não há dúvida de que a Impugnante vende bens, designadamente pão, no Mercado da ... e que, para isso, desloca trabalhadores que reconhecidamente não estão acompanhados por qualquer equipamento de registo das vendas efetuadas. A segunda testemunha inquirida, «BB», TOC, que disse que o registo dessas vendas seria feito posteriormente no computador, sendo certo que não está alegado nem provado que tais registos eram efetivamente feitos no computador (factos 13 a 16 de 3.1 supra).
Assim, desconhecendo-se a quantidade e valor do pão e outros bens vendidos no Mercado da ... durante o ano 2010, e não havendo qualquer maneira de apurar a natureza quantidade e respetivo valor com base em outros elementos não levados à contabilidade (como guias de transporte ou outros documentos circunstancialmente considerados fiáveis), verifica-se a impossibilidade de apuramento direto e exato da matéria coletável e justifica-se o recurso a métodos indiretos de avaliação, nos termos dos artigos 81° a 85°, 87°, al. b), 88° e 90 da LGT.
Embora isso seja irrelevante para o caso, dado o acima decidido, o Tribunal considera que os restantes indícios são muito fracos e praticamente inaptos para servirem de base à decisão sob análise.
Como resulta da própria formulação acima transcrita, e da ordem pela qual vem exposto no Relatório, o primeiro indício constitui mais um critério de quantificação presuntiva de que um pressuposto da decisão de aplicar métodos indiretos. Além disso, as margens brutas em causa – porque resultam de comparação com uma amostragem estatística - não são indício suficientemente preciso para justificar esse método de avaliação, sobretudo se lhe faltar concordância com outros indícios que o reforcem.
O segundo indício constitui mais uma conclusão (omissão de vendas) de que um facto objetivo. Esse indício refere-se ao café. Porém, no ponto II do Relatório não consta qualquer facto objetivo que permita fundar a conclusão de que ocorreram omissão no registo das vendas de café. No ponto II.4.5.1 – Análise ao café, a AT limita-se a fazer uma presunção (de que a quantidade de café adquirida em 2010 foi totalmente vendida nesse ano e que, dividindo essa quantidade por 8 gramas por cada chávena, concluiu (presuntivamente) que a Impugnante vendeu determinado número de chávenas e, multiplicando todas essas chávenas pelo valor habitual de cada uma, resumiu que as vendas efetivas somam muito mais dinheiro do que aquele que consta na contabilidade.
Ora, é evidente que a utilização de presunções e estimativas como base da decisão de recorrer a métodos indiretos de avaliação constitui uma entorse inaceitável aos pressupostos legais (até porque é um facto público e notório – que não carecem de prova - que praticamente todas as atividades, incluindo essa, comportam determinado grau de quebras ou desperdícios, bem como de autoconsumos, que, no caso, não foram tidos em conta nessa fase de apreciação dos factos).
No terceiro indício elencado a AT parece confundir a impossibilidade de identificação do produto vendido sob a designação “Diversos” com a impossibilidade de determinação direta e exata do seu quantitativo. Em lado algum a AT contesta que o valor desses bens seja aquele que consta da contabilidade e dos ficheiros “Saft”.
O quarto indício apontado, relativo aos baixos salários pagos aos trabalhadores não tem qualquer relação com a omissão de proveitos (tal como a acima referida árvore que cresce, por acaso, junto de uma pedra). Esse indício, quando associado ao facto de a empresa apresentar sucessivos resultados negativos (quinto indício elencado), poderia causar estranheza, mas apenas se tivesse sido procurada uma explicação e fosse impossível reconhecê-la. No caso, resulta do próprio Relatório que os custos com o pessoal, apesar do baixo nível dos salários praticados, associado ao custo das matérias-primas e aos juros suportados, cuja existência e valor a AT não contesta, justificam a existência de sucessivos resultados negativos, incluindo no ano 2010.
O sexto indício, relativo à incongruência entre os valores dos suprimentos/empréstimos de sócios e os respetivos rendimentos, salta à vista que o ponto II do Relatório, designadamente o seu ponto II.4.4, respeitante aos empréstimos dos sócios à sociedade, nada consta quanto aos rendimentos dos sócios.
Acresce que do Relatório também não consta qualquer referência ao património acumulado, heranças recebidas, contas bancárias, etc., nem à existência de créditos obtidos em 2010 ou em anos imediatamente anteriores.
Por isso, não se pode considerar objetivamente que os referidos empréstimos só podem resultar de rendimentos omitidos e transferidos por fora da contabilidade da Impugnante, diretamente dos clientes desta para os seus sócios.
Apesar de tudo, esse indício, não impugnado e explicado na petição inicial, tende a reforçar o indício relativo à omissão de registo dos proveitos das vendas no Mercado da ....
O sétimo indício em causa refere-se à incorreção do registo de suprimentos (empréstimos de sócios) a que aludo o ponto II.4.4 do Relatório, titulados por documentos internos e a sua entrada ter por contrapartida a movimentação da conta caixa, em de “bancos”, em infração ao disposto no artigo 63°-C, n° 2, da LGT. Não vindo alegado que tais lançamentos contabilísticos são falsos, simulados, que não correspondem a verdadeiros fluxos de capital, a irregularidades reduz a uma mera infração das regras formais da contabilidade, que não constitui um indício objetivo que permita fundamentar o recurso a métodos indiretos.
O oitavo indício, que se refere à “Aquisição de Jornais e revistas às empresas [SCom03...] e [SCom04...] sem o consequente registo de compra ou venda dos mesmos” induz a ideia de que a impugnante adquiriu bens, que terá vendido, e não registou na sua contabilidade. Porém não é isso que consta no ponto II.4.5.2 do Relatório. Aí diz-se que a explicação apresentada pela gerência da Impugnante é a de que tais bens são formalmente faturados em nome da empresa, mas não são realmente adquiridos por ela, antes se destinam à empresa “[SCom02...]”, que as regista na contabilidade – apesar de os documentos conterem a identificação da Impugnante -, muito embora não proceda à dedução do IVA. Logo após a exposição dessa explicação, a AT conclui que isso demonstra a completa falta de rigor de procedimentos, mas não indica que se opõe a essa explicação. Pelo contrário, a AT aceita a explicação da Impugnante e discorda desses procedimentos, criticando-os.
Ora, se bem se percebe, a AT disse – e a AT não refuta - que não adquiriu aqueles bens (jornais e ou revistas), que, por isso, não vendeu, pelo que não tem obrigação de contabilizar proveitos dessas vendas.
Nessa situação, quando muito a AT poderá exigir que a Impugnante registe a compra, conforme consta dos documentos emitidos pelos fornecedores, e que registe a entrega ao verdadeiro adquirente, “[SCom02...]”, pelo mesmo valor (mediante emissão dos respetivos documentos de transmissão).
Este indício serve apenas para demonstrar/reforçar que a contabilidade da Impugnante contém erros e omissões graves que justificam a cessação da presunção de verdade atribuída pelo artigo 75º da LGT. No entanto, uma vez que a operação descrita pela Impugnante não foi contestada no Relatório da AT, conclui-se que tal omissão não justifica qualquer correção presuntiva na esfera da Impugnante (uma vez que não houve qualquer acréscimo de rendimento ou de IVA), mas apenas uma sanção apropriada, nos termos do RGIT (sem prejuízo da análise da situação tributária da empresa utilizadora desses documentos, que não cumpre fazer nestes autos).
De qualquer modo, atendendo ao que acima se disse quanto ao nono e último indício, relativo à omissão do registo das vendas no Mercado da ..., reforçado pelo primeiro e pelo sexto indício, o Tribunal considera que não ocorre o invocado vício.» (fim de transcrição)
Confirma integralmente este tribunal o assim decidido.
Vejamos por que razão.
No caso sub judice, como referimos, está em causa a legalidade da decisão de tributação com recurso a métodos indirectos.
Por outro lado, não pode aqui deixar de se sublinhar que em momento algum da sua alegação perante este Tribunal a aqui Recorrente infirmou em concreto a gravidade das falhas da sua contabilidade ou demonstrou a possibilidade de reconstituição da mesma através de meras correções aritméticas.
A que acresce que as pretensões por si preconizadas em sede de matéria de facto em momento algum eram susceptíveis de “beliscar” o julgamento transcrito.
Estão, assim, expressos dados objectivos e seguros, sobre os quais a Recorrente não logrou provar erro nos pressupostos de facto, claramente demonstrativos da impossibilidade de comprovação directa e exacta da matéria tributável, assim revelando a legalidade do recurso aos métodos indirectos, pois confirmam que existem irregularidades contabilísticas, do ponto de vista dos registos de operações financeiras (que se sabe terem existido), que inviabilizam a aferição do quantum dos proveitos e dos custos omitidos, como disso claramente se deu nota na análise que o Tribunal a quo dedicou ao por si denominada indicio 9. “omissão das vendas efetuadas no Mercado da ...”.
No que respeita ao critério eleito pela AT para proceder à determinação da matéria tributável relativa ao ano de 2010 aqui em causa – descrito e concretizado no ponto V.1.2. do relatório da inspecção, e que consistiu em estimar um cálculo de produção em função das margens encontradas aplicadas às aquisições de matérias primas e mercadorias e a uma produção calculada, tendo sido considerado quebras de 5% para o pão e 10% para a pastelaria, foram relevados autoconsumos, para cálculo da produção em sede de padaria e pastelaria foram tidos em consideração as fichas técnicas elaboradas – entendemos que não está a AT impedida de a ele recorrer, pois que o n.°1 do artigo 90.° da Lei Geral Tributária não tem carácter taxativo e o método escolhido mostra-se racional e fundamentado em factos concretamente apurados assim como procurou ter em conta os dados conhecidos relativos à actividade da contribuinte, com respeitos pelos elementos técnicos fornecidos pelo próprio, em conta as particularidades do sector, a zona geográfica e aceitando em tudo o que era possível os valores apresentados na contabilidade, como disso dá nota quanto às bebidas espirituosas, tabaco e restauração, não infligindo qualquer correcção.
A pretensão da Recorrente de questionar o método de determinação indirecta da matéria tributável não pode colher, pois que cabe à AT, dentro dos limites da lei, eleger aquele que repute mais adequado à determinação da matéria tributável, cabendo ao Tribunal verificar a sua correcta interpretação e aplicação em caso de litígio entre a AT e o sujeito passivo. Assim, o método adoptado pela AT para a determinação da matéria tributável, não é nem inadmissível nem se mostra, em abstracto, ostensivamente inadequado
Daí que não seja correcto afirmar-se que o Tribunal a quo reconheceu “que a produção, corte e confecção de torradas e tostas é genericamente passível de gerar desperdícios de pão», o que «carece de prova, é o valor absoluto e ou relativo, desse desperdício”, para extrapolar que tal afirmação contradiz afirmação da AT de inexistirem quebras no pão de forma. Tal matéria, do pão de forma, já foi alvo de pronúncia em sede de erro de valoração da prova, pelo que nos limitamos a remeter para o ali dito, sem deixar de mencionar que uma eventual adesão a tese de desperdícios deste tipo de pão, o que não foi logrado, não seria suficiente para abalar a quantificação, como disso dá nota a própria AT ao dar nota dos critérios de quantificação.
Este Tribunal ad quem, apenas considerou pelo aditamento dos factos 31. e 32., a existência de autoconsumos de fiambre e queijo, os quais como sabemos foram tidos em consideração no ponto V.1.2.6.1.1. num total de 2.127,56, pelo que aquela constatação só por si não abala de modo algum a quantificação apurada.
E, o mesmo se diga, dos desperdícios de fiambre e queijo e utilização de matérias primas de charcutaria na confeção de outros produtos, só por si, não é susceptível de demonstrar que tal omissão de quebras e utilização na produção (não quantificadas) teve repercussões efetivas na quantificação e se teve, em que medida, sendo que resulta do RIT que foram considerados e relevados todos os dados técnicos fornecidos pelo próprio sujeito passivo e, não são fornecidos mecanismos de controlo da produção a relevar, que não aqueles.
No plano hipotético todo o alegado pela Recorrente (quebras, valores de café e de mercadorias de charcutaria a ter em consideração), poderiam conduzir a um excesso na quantificação da matéria colectável apurada, olvida por certo a Recorrente que o ónus da prova do erro ou excesso daquela lhe cabe a si. E, o que se verifica, é que nenhum facto consta do probatório que permita concluir pelo excesso de quantificação da matéria tributável.
Mais acresce, que as questões colocadas à apreciação deste tribunal em sede de erro de julgamento de direito estão colocadas de forma conclusiva e transversalmente inerentes a uma alteração da matéria de facto. Na medida em que a decisão da matéria de facto se mantém, praticamente incólume, a alteração preconizada nesta sede por via dos itens 31. e 32., como disso já demos nota, não é só por si na sua consideração, susceptível de alterar o julgado em 1ª instância, o qual se mantém.
De facto, a Impugnante, ora Recorrente, preocupou-se mais em tentar descredibilizar o critério de quantificação valorado pela AT do que em evidenciar factos concretos partindo dos quais o Tribunal a quo pudesse concluir, num juízo de normalidade assente em regras da experiência comum, pelo manifesto, notório ou ostensivo erro ou excesso de quantificação da matéria tributável, desmontando este ou apresentando valores alternativos.
Com efeito, dispõe o n.º 3 do artigo 74.º da LGT que “Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação”.
E, mais se diga, em prol do decidido que pela sua natureza o método indirecto está sempre afectado por alguma incerteza na quantificação da matéria tributável, distinta da precisão alcançada pelo método directo, baseado na análise da contabilidade do sujeito passivo, quando considerada fiável, ou em outros elementos de prova do valor real do rendimento sujeito a tributação (art.83º nºs 1/2 LGT), ou seja, estamos sempre perante um critério e uma quantificação assente em elementos de uma contabilidade inverosímil, consciente de que a mesma enferma de incorreções devidamente assinaladas, cumpre AT com os elementos que considera verossímeis alcançar uma quantificação o mais próxima possível da realidade que os mesmos permitem alcançar.
E como ficou dito no acórdão deste TCAN n.º 00165/04 de 24.02.2005 a incerteza da quantificação na avaliação indireta é uma hipótese possível como consequência do método utilizado na determinação da matéria tributável “…que por culpa do contribuinte não foi apurada através da forma normal dadas as deficiências que a sua escrita comercial apresentava ou dada a sua pura e simples falta, cabe àquele a quem o método é oposto (o contribuinte) o ónus probandi de que a realidade é completamente distinta do resultado a que conduziu a utilização das mencionadas regras, que o critério utilizado é ostensivamente desadequado e/ou inadmissível, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada.”
O recurso está, pois, condenado ao fracasso, sendo de confirmar a sentença recorrida por não padecer dos vícios que lhe são apontados.

2.3 Conclusões
I. Nos termos do preceituado no artigo 615º, nº.1, al. b), do CPC, é nula a sentença, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, tanto de facto, como de direito.
II. A falta de exame crítico da prova configura uma causa de nulidade da sentença porquanto a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. b) do CPC e no n.º 1 do artigo 125.º do CPPT abrange não só a falta de especificação dos factos provados e não provados, conforme exige o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, mas também a falta de exame crítico da prova, requisito igualmente exigido no artigo 607.º, n.º 4, do CPC.
III. A mera insuficiência ou mediocridade da motivação e/ou a falta de exame crítico da prova produzida, apenas poderá configurar aquela nulidade quando, sendo necessária, haja sido absolutamente omitida
IV. A prova atendível não é apenas a produzida em sede de audiência contraditória, mas toda a que resulta dos autos, independentemente da parte que a haja produzido, mormente a que esteja inserida no relatório da inspeção tributária.
V. Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT).
VI. Cabe à AT o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiciários e, nesta medida, demonstrar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto.
VII. Estando decidido que, no caso, a AT demonstrou a ocorrência dos necessários pressupostos legais à utilização de métodos indirectos, por um lado e, por outro, apresentando-se adequadamente fundamentados, como adequados e pertinentes, os critérios de que a AT se serviu na tarefa de quantificação, era à impugnante que se impunha demonstrar que a utilização dos critérios que se apresentam como fundamentados e adequados à situação, conduziram, sem margem para dúvidas, a um resultado final sem qualquer aderência à realidade.

3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da Recorrente.

Porto, 11 de abril de 2024


Irene Isabel das Neves
Virgínia Andrade
Carlos Castro Fernandes