Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01569/20.9BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/19/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Helena Canelas
Descritores:LINHA DE MUITO ALTA TENSÃO – LEVANTAMENTO DA PROVIDÊNCIA PROVISORIAMENTE DECRETADA – PROVIDÊNCIA CAUTELAR
– PERICULUM IN MORA – DILIGÊNCIAS INSTRUTÓRIAS
Sumário:I - O artigo 131º nº 1 do CPTA, na sua atual redação (resultante da revisão operada pelo DL. nº 214-G/2015) admite a possibilidade do decretamento provisório em todos os casos em que se entenda existir uma situação de especial urgência, passível de dar causa a uma situação de facto consumado na pendência do processo cautelar, o que encontra justificação constitucional na garantia do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva (cfr. artigos 20º e 268º nº 4 da CRP).

II – O decretamento provisório de providências cautelares destina-se a prevenir o periculum in mora do próprio processo cautelar, evitando os danos irreversíveis que possam ocorrer na pendência desse processo.

III – Quando tenha havido lugar ao decretamento provisório de providência os requeridos poderão desencadear um incidente dirigido a obter o levantamento ou a alteração da providência provisoriamente decretada, mediante requerimento devidamente fundamentado, sendo a decisão sobre o incidente tomada, nos termos do inciso constante do nº 6 do artigo 131º, “…por aplicação do nº 2 do artigo 120º”.

IV – Do confronto entre o disposto no nº 1 e o disposto no nº 6 do artigo 131º do CPTA, emerge que a providência cautelar poderá ser decretada provisoriamente quando seja de reconhecer a existência de uma situação de especial urgência passível de dar causa a uma situação de facto consumado na pendência do processo cautelar, mas que esse decretamento provisório poderá ser levantado (ou modificado) sob requerimento da parte interessada, se ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua manutenção se mostrem superiores àqueles que poderiam resultar do seu levantamento, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.

V – Será, pois, esse o critério decisório para o incidente de levantamento do decretamento provisório da providência, o da ponderação dos danos que resultariam para os interesses públicos e privados em presença, com a sua manutenção; na lógica de que a existência de uma situação de especial urgência passível de dar causa a uma situação de facto consumado na pendência do processo cautelar, que nos termos do nº 1 justificou o decretamento provisório da providência, cede se os requeridos alegarem e demonstrarem que a sua manutenção causa danos para os interesses públicos e privados que se mostram superiores àqueles que podem resultar do seu levantamento.

VI – O juízo da necessidade da realização de diligências de prova, incluindo a produção da prova testemunhal requerida pelas partes no âmbito cautelar, nos termos do disposto no artigo 118º nºs 1, 3 e 5 do CPTA, compete ao juiz cautelar, e é tomado por base os factos concretos que se mostrem controvertidos, designadamente por terem sido alvo de impugnação na oposição, e dentro desses os que importem para a decisão da causa em conformidade com os critérios decisórios insertos no artigo 120º do CPTA.

VII – Quanto ao juízo sobre a necessidade, ou não, de levar a cabo diligências de produção de prova, a que aludem os nºs 1, 3 e 5 do artigo 118º do CPTA, o juiz cautelar não tem que assegurar, previamente, qualquer direito de contraditório.

VIII – A questão de saber se na situação concreta existe ou não periculum in mora que justifique a decretação da providência implica, também, ter-se presente o sentido e conteúdo do ato administrativo relativamente ao qual é pretendida a respetiva suspensão de eficácia até que seja definitivamente decidida na ação principal a sua invocada ilegalidade.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:FREGUESIA DE (...) e Outros
Recorrido 1:Agência Portuguesa do Ambiente, I. P., e Outros
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento aos recursos.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO
A FREGUESIA DE (...) e a Associação (...) Solidário, IPSS (ambas devidamente identificadas nos autos), instauraram em 05/10/2020 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga processo cautelar contra os requeridos (1) Agência Portuguesa do Ambiente, I. P., (2) REN – Rede Elétrica Nacional, S. A. e (3) Ministério do Ambiente e Transição Energética - Direção-Geral de Energia e Geologia (todos igualmente devidamente identificados nos autos) requerendo a decretação das seguintes medidas providências cautelares:
a) suspensão de eficácia da Declaração de Impacte Ambiental emitida pelo Presidente do Conselho Diretivo da APA, I.P., de 21 de novembro de 2016;
b) suspensão de eficácia do despacho de 27 de março de 2019 do Diretor Geral de Energia e Geologia, de concessão da Licença de Estabelecimento da instalação da Linha de Muito Alta Tensão (LMAT);
c) ser decretada embargada a obra consubstanciada na construção da “linha aérea dupla, a 400kV, Ponte de Lima – Vila Nova de Famalicão”, cujos trabalhos já iniciaram;
e
d) ser a requerida REN intimada a abster-se de qualquer conduta ou operação material, por si ou através de terceiros, que consubstancie a implementação no terreno da construção da “linha aérea dupla, a 400kV, Ponte de Lima – Vila Nova de Famalicão.

Requereram ainda o decretamento provisório da providência de intimação para abstenção de conduta por parte da requerida REN – Rede Elétrica Nacional, S. A., ao abrigo do disposto no art.º 131.º do CPTA.

Por despacho de 13/10/2020 (fls. 254 SITAF) do Mmº Juiz a quo foi deferido o requerido decretamento provisório com intimação da requerida REN – Rede Elétrica Nacional, S.A., a abster-se de prosseguir quaisquer trabalhos que digam respeito à construção da linha de muito alta tensão em causa nos autos, no território abrangido pela FREGUESIA DE (...).

Decretamento provisório que foi, entretanto, levantado por despacho de 13/11/2020 (fls. 1346 SITAF).

Inconformada com esta decisão de levantamento do decretamento provisório a recorrente FREGUESIA DE (...) dela interpôs desde logo, em 30/11/2020 (fls. 1370 SITAF), recurso de apelação.

E por sentença de 17/12/2020 (fls. 1404 SITAF) o Mmº Juiz do Tribunal a quo pronunciando-se sobre o mérito da pretensão cautelar, julgou-a improcedente, indeferindo o decretamento das providências cautelares requeridas.

Inconformada a FREGUESIA DE (...) dela interpôs recurso de apelação (fls. 1496 SITAF).

Tramitados os recursos, foram ambos admitidos por despacho de 21/01/2021 (fls. 1635 SITAF), com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.

São, pois, dois os recursos de apelação que vêm interpostos pela FREGUESIA DE (...):
- o primeiro (de fls. 1370 SITAF) dirigido ao despacho de 13/11/2020 (fls. 1346 SITAF) do Mmº Juiz a quo pelo qual foi levantado o decretamento provisório da providência;
- o segundo (de fls. 1496 SITAF) dirigido à sentença de 17/12/2020 (fls. 1404 SITAF) que julgando improcedente a pretensão cautelar indeferiu o decretamento das providências cautelares requeridas.

Quanto ao primeiro recurso, que vem interposto do despacho que levantou o decretamento provisório da providência, a recorrente FREGUESIA DE (...) formula as seguintes conclusões, nos seguintes termos:

A) O presente recurso jurisdicional vem interposto da sentença datada de 13.11.2020, na parte que determinou “o levantamento da providência cautelar provisoriamente decretada no nosso despacho de 13.10.2020”.
B) Tal sentença padece nulidade por oposição dos fundamentos com a decisão relativamente aos critérios geris da concessão de providências cautelares;
C) Visto que, a sentença recorrida pelos mesmos fundamentos que antes havia decretado a providência, agora de forma contraditória, determinou por falta dos pressupostos gerais o levantamento do decretamento provisório decretado.
D) Contudo, os pressupostos gerais que serviram ao decretamento provisório mantém-se inalterados, pelo que resulta dos mesmos a constituição do periculum in mora, e bem assim a adequação ou necessidade das providências – por constituírem questões intimamente conexas – as providências requeridas continuam a ser adequadas e necessárias ao fim visado.
E) Daí resulta a nulidade da sentença recorrida, pois os fundamentos que trilhou não conduzem à decisão que constitui o seu resultado lógico.
F) Nestes termos, podemos concluir que a douta sentença é nula, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, aplicável ex vi do disposto no art.º 1.º do CPTA, por oposição dos fundamentos com a decisão tomada.
G) Além do mais, a sentença recorrida resulta de uma errada apreciação dos interesses em presença, para efeitos da ponderação exigida pelo art.º 120.º, n.º 2, do CPTA.
H) Da matéria de facto dada como provada não é possível deduzir qual o impacto que a suspensão ou não suspensão da construção da linha vai ter na distribuição da energia elétrica.
I) Igualmente, não é possível aferir se o fornecimento do “bem absolutamente essencial” vai de alguma forma ser alterado.
J) Pelo que, não resulta de nenhum lado que a capacidade de produção de energia está a aumentar, ou que se a linha não for construída, ou no caso SUSPENSA a construção, que a eletricidade se vai PERDER como afirma o Douto Tribunal.
K) Salvo o devido respeito, o Douto Tribunal tirou conclusões sobre matérias que nem sequer foram alegadas pelas partes.
L) Além do mais, o Douto Tribunal pronunciou-se (erradamente) sobre as consequências da manutenção da providência para a imagem externa de Portugal, no entanto, NÃO resulta também da matéria dada como provada QUAIS serão as GRAVES consequências para a imagem externa do País.
M) ALIÁS, NÃO FOI SEQUER ALEGADO se Portugal se comprometeu COM PRAZOS de construção da Linha de Muito Alta Tensão em causa.
N) No entanto, o Douto Tribunal assumiu que a suspensão da construção da Linha de Muita Alta Tensão vai significar um atraso na concretização do projeto QUANDO NÃO SABE, até quando é que Portugal acordou com Espanha na construção da Linha de Muita Alta Tensão em causa.
O) Acresce ainda que este interesse publico referido pelo Douto tribunal não é actual pois é baseado numa eventualidade, ou seja, na suspensão da construção de uma Linha de Muito Alta Tensão, que obviamente, não está sequer em funcionamento.
P) Ora, se o interesse publico não é sequer actual, não pode sair prejudicado como se faz entender na decisão recorrida.
Q) Assim, o decretamento das providencias requeridas não se mostra “relevantíssimo” para o interesse publico, pois, a Linha objecto do acto suspendendo ainda nem sequer está em funcionamento, não tendo sido sequer alegado que consequências para o cidadão comum pode trazer.
R) Aliás, nas palavras do Douto Tribunal, a consequência é que a energia poderá “perder-se”.
S) Assim, mal andou a decisão recorrida ao considerar o decretamento das providencias relevantíssimo para o interesse publico, quando esse interesse publico não existe na actualidade nem resultou provado que possa existir com segurança, sendo meramente eventual e residual.
T) Por outro lado, dúvidas não podem existir, que a construção da linha IMPEDE a construção de equipamentos ESSENCIAIS para a população de (...), e, portanto, enquanto a Linha não é actualmente necessária, ACTUALMENTE as requerentes estão IMPEDIDAS de construir os equipamentos projetados.
U) Assim sendo, os interesses que se almejam salvaguardar com o decretamento das providências claramente superior aos danos para o interesse publico, devem ser decretadas, sem mais, as providencias requeridas.
V) Por fim, a Douta Sentença é proferida com Violação do princípio do dispositivo nos termos do normativo inserto no artigo 264º, nº 1 do C.P.C.
W) Aliás, o próprio Douto Julgador a quo o reconhece nas suas próprias palavras, conforme passámos a transcrever: “Não o diz a requerente, mas pode ainda acrescentar-se que, além do interesse público subjacente à obra, os danos que sofrerá também poderão ser muito superiores aos que resultam para as requerentes do levantamento da providência; é que, com toda a segurança, a paragem das obras traz custos, desde logo pelo eventual reequilíbrio financeiro dos contratos de empreitada estão associados à execução dos trabalhos, e que, numa obra desde género, seriam sempre apreciáveis.”
X) Consequentemente, por violação do artigo 5º e 615ºnº 1 al. d) do CPC, tal decisão é NULA.
*
Termina pugnando pela declaração de nulidade da decisão recorrida nos termos do artigo 615º nº 1 alíneas c) e d) ou, caso assim não se entenda, pela sua revogação, sendo em qualquer dos casos proferida decisão que julgue procedente o pedido de decretamento da providência cautelar de suspensão de eficácia e de intimação à abstenção de uma conduta formulada pela requerente.
*
A recorrida REN – Rede Elétrica Nacional, S.A. contra-alegou (a fls. 1455 SITAF) pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção da decisão recorrida, formulando a final o seguinte quadro conclusivo nos seguintes termos:

1.ª Só por lapso de compreende, a referência da recorrente ao «efeito suspensivo» do recurso interposto, já que estando em causa uma sentença que julga procedente um pedido de levantamento de um decretamento provisório no âmbito de um processo cautelar, o recurso ordinário tem efeito meramente devolutivo ex vi do artigo 143.º, n.° 2, alínea b) do CPTA.
2.ª A sentença recorrida determinou o levantamento da providência cautelar provisoriamente decretada fazendo aplicação do critério da ponderação de interesses por aplicação dos artigos 131.º, n.º 6 e 120.º, n.º 2 do CPTA e considerando, em face dos interesses alegados e provados, que «a manutenção da providência provisoriamente decretada será muito mais prejudicial que o seu levantamento, o que traduz um silogismo lógico sem qualquer contradição entre a decisão e os fundamentos, não enfermando por isso da nulidade que se lhe mostra imputada no recurso.
3.ª A providência foi provisoriamente decretada no pressuposto de que a requerida estaria a aumentar o ritmo dos trabalhos apesar da instauração da providência cautelar, pressuposto esse cujo erro veio a ser evidenciado pelo incidente, tendo neste sido feita a demonstração cabal de que as Requerentes mantiveram o curso das obras de acordo com a sua normal calendarização até terem sido citadas (a 13.10.2020), tendo determinado a imediata cessação das mesmas logo após a citação (v. factos N), O) e P) elencados na decisão recorrida).
4.ª Como muito bem decidiu a sentença recorrida, no caso dos autos, os interesses públicos patenteados - na providência cautelar e no incidente para levantamento do decretamento provisório - sobrelevam de modo inequívoco os interesses localizados invocados pela recorrente (quer na providência cautelar, quer no incidente), o que justifica em juízo sumário o levantamento do decretamento provisório, fazendo uma correta exegese e aplicação ao caso concreto do princípio da proporcionalidade, como determinam os artigos 120.º, n.° 2 e 131.º do CPTA.
5.ª Contrariamente ao pressuposto no recurso, a sentença recorrida decidiu ante os factos alegados pelas partes os elementos de prova juntos aos autos, sendo certo que o Tribunal também pode e deve extrair dos factos provados as presunções judiciais que dos mesmos possam ser extraídas.
6.ª Ao determinar o levantamento do decretamento provisório da providência, considerando ante os factos alegados e provados que «a manutenção da providência provisoriamente decretada será muito mais prejudicial que o seu levantamento, a sentença recorrida faz correta interpretação e aplicação dos artigos 120.º, n.º 2 e 131.º, n.º 6 do CPTA,
7.ª A sentença recorrida não viola o princípio do dispositivo ao acrescentar aos fundamentos que constituem a ratio decidendi da sentença, um discurso retórico e argumentativo lateral (obter dictum) expressando que para além dos interesses alegados pelas partes e que justificam a decisão, outros interesses existem - aliás, extraíveis dos factos provados por presunção judicial - que poderiam igualmente concorrer para o mesmo resultado decisório.
8ª. Dá-se por reproduzido todo o articulado no requerimento de oposição apresentado aos autos e bem assim no requerimento de levantamento da medida provisoriamente decretada, improcedendo as conclusões da alegação e devendo manter-se a decisão recorrida.

E o recorrido MINISTÉRIO DO AMBIENTE declarou (a fls. 1493 SITAF) aderir às contra-alegações da REN – Rede Elétrica Nacional, S.A..
*
Quando ao segundo recurso, que vem interposto da sentença de 17/12/2020 que julgando improcedente a pretensão cautelar indeferiu o decretamento das providências cautelares requeridas, a recorrente FREGUESIA DE (...) formula as seguintes conclusões, nos seguintes termos:

1. A douta sentença padece de nulidade por não realização da audiência da discussão e julgamento e realização dos meios de prova requeridos pelas partes;
2. Igualmente padece de uma errada apreciação dos interesses em presença, para efeitos da ponderação exigida pelo art.º 120.º, n.º 2, do CPTA;
3. Relativamente à nulidade por não realização da audiência de discussão e julgamento porque o preceito do art.º 118.º, n.º 5, do CPTA, destina-se aos casos em que não existe matéria controvertida ou casos em que se torna desnecessário o julgamento por falta dos demais requisitos necessários à procedência da providência cautelar, pelo que se tornaria inútil a realização do mesmo, o que não é o caso, pois de outro modo, jamais nos presentes autos se verificaria uma decisão de decretamento provisório, como aconteceu.
4. Não se verificando a hipótese da inutilidade, apenas resta a hipótese do Douto Julgador a quo entender, como entender (erradamente), que não há matéria controvertida que justifique a realização do mesmo ou havendo, que a prova a produzir não é apta a provar o alegado.
5. Tal foi (erradamente) decisão tomada nos autos do processo 365/17.5BEBRGA, processo a que a aqui Autora (aqui recorrente) é completamente alheia.
6. Aliás, tal processo, conforme referido pelo Supremo Tribunal Administrativo o recorrente (Município de (...)), nesse processo não argumentou devidamente os prejuízos, pelo que jamais a aqui recorrente (FREGUESIA DE (...)) poderá ser onerada com um processo na qual não foi interveniente, seja nos prejuízos elencados, na prova carreada e mesmo nos mandatários constituídos.
7. Pelo que, desde logo, por esse motivo jamais o Douto Julgador a quo poderia ter dispensado a realização de discussão e julgamento.
8. Pois, o Tribunal a quo, não querendo permitir a realização da audiência de discussão e julgamento, nos termos do art.º 118.º, n.º 5, do CPTA, deveria, pelo menos, previamente ter facultado às partes a discussão de facto e de direito, o que se impunha e assim não aconteceu.
9. Até porque, para além de estar em causa matéria de direito, existe, também, matéria de facto controvertida sobre a qual poderia e devia ter sido produzida prova adicional, nomeadamente quanto aos factos constantes em 65 a 128 e 129 a 159 da petição inicial, que não constando dos factos provados, nem dos não provados, constata-se que foram dados como irrelevantes.
10. Tal é contraditório com a decisão do STA referida no ponto 39 dos factos dados como provados.
11. Pois, no referido Acórdão a não se procedeu deveu-se à falta de alegação dos prejuízos.
12. Ora, conforme o já aqui referido os prejuízos em causa foram convenientemente alegados e com toda a certeza seria cabalmente provados e concretizados com a realização da audiência de discussão e julgamento decretada, mas a esse respeito iremos pronunciar-nos nos pontos seguintes.
13. Relativamente à errada apreciação dos interesses em presença, para efeitos da ponderação exigida pelo ar.º 120.º, n.º 2, do CPTA, é importante referir que todos os pressupostos estão preenchidos.
14. No que concerne ao PERICULUM IN MORA o tribunal conclui sobre a não verificação do Periculum in Mora, considerando que “não se retira daqui qualquer risco de formar uma situação de facto consumado” ou “sequer de serem gerados prejuízos de difícil reparação, quer pela irrelevância do alegado (que nunca conduziria a esse efeito jurídico) quer pela ausência de concretização da alegação.”
15. Como é obvio a recorrente não pode concordar qual tal consideração, já que a mesma está no limite do quase absurdo, nomeadamente no que concerne à classificação de não existir qualquer risco de formar uma situação de facto consumado.
16. Mesmo estando a argumentação da recorrente coartada pelo facto do Douto Tribunal a quo ter decidido não realizar audiência de julgamento, o que obviamente IMPEDE que a recorrente concretize algumas das alegações, (como é referido na Douta Sentença recorrida), é CLARO e EVIDENTE o risco de formação de uma situação de facto consumado.
17. O requisito do periculum in mora, como refere a doutrina, traduz-se “…no fundado receio de que, quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferida decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar a resposta adequada às situações envolvidas em litigio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendencia do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja pelo menos porque essa evolução conduziu à prolação de danos dificilmente reparáveis” (Cf. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, pág. 606).
18. Sendo certo que, a providencia cautelar também deverá ser concedida quando “mesmo que não seja de prever que a reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade se tornará impossível pela mora do processo, os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação no caso da providencia ser recusada” (Cf. Mário Aroso de O Novo Regime de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, pág. 309).
19. No presente caso, está em causa a prossecução da execução de uma obra qua a cada dia que passa ganha contornos mais firmes.
20. Pelo que, mais um e outro dia significam a consolidação de uma situação e facto decorrente da progressiva execução a obra.
21. Neste sentido, é manifesto que a não procedência das providencias ora requeridas contribuirá em muito, para que a obra avance e quase certamente seja concluída, antes da total tramitação da ação principal.
22. A recorrente confrontar-se-á com uma situação de facto consumado, tornando depois impossível a reposição da situação quando o acto de licenciamento vier a ser declarado nulo ou anulado.
23. E ainda, mesmo sem a realização do julgamento que impede a requerente de concretizar as consequências, algumas já consumadas, e irreversíveis ao nível da saúde publica das populações afetadas, a verdade é que a vivencia nas imediações de instalações de transporte de eletricidade aumenta exponencialmente o risco de se gerarem problemas de saúde, designadamente a nível oncológico.
24. Relativamente à questão da desvalorização dos terrenos e habitações abrangidas e adjacentes às zonas onde a linha vai ser implantada, sempre se dirá que a sua desvalorização vai ser total.
25. Dada a projeção que a implementação da linha obteve nos meios de comunicação social em geral, dir-se-á que a desvalorização dos citados terrenos e habitações é atual.
26. Ao que acresce ainda, a circunstância dos apoios da Linha se encontrarem projetados para zonas habitacionais gerarem também situações de risco premente que cumpre acautelar.
27. Pois, o transporte de energia de muito alta tensão é uma actividade perigosa, desde logo pelo facto de existir PERIGO DE MORTE imediata caso ser humano entre em contacto direto com essa linhas.
28. Portanto é incontornável que existe, portanto, um risco ACRESCIDO de morte, ou lesão grave às populações que residem no meio, perto e a poucas centenas de metros destas linhas.
29. Por fim, relativamente ao ruído a recorrente QUANTIFICOU O VOLUME desse ruído ao alegar que o mesmo violava TODAS as disposições legais, nomeadamente do Regulamento Geral do Ruido.
30. Assim, torna-se inequívoco que a recorrente alegou factos que demonstram prejuízos para a saúde, comodidade, bem-estar e integridade física da população de (...).
31. Pelo que, será forçoso concluir, que o presente requisito se demonstra verificado.
32. Relativamente ao DO FUMUS BONI IURIS e DO FUMUS BONI MALUS IURIS o Julgador a quo entendeu (ERRADAMENTE) que presente requisito não se demonstra preenchido.
33. Ora, conforme alegado nos artigos 11 a 64, no presente caso, é manifesta a ilegalidade dos atos que serão objecto da acção administrativa de impugnação de acto administrativo, a interpor na sequência da presente providencia cautelar.
34. Como o alegado DIA, e consequentemente a licença estão feridos de diversas violações da Lei, pelo que devem ser revogados.
35. O acto de licenciamento ofende conteúdo essencial de direitos fundamentais, sendo consequentemente nulo.
36. O acto de licenciamento encontra-se assim ferido de anulabilidade, por vicio de violação da lei, por violação dos supracitados preceitos legais.
37. O acto suspendendo violou também o disposto no Decreto-Regulamentar nº 1/92, de 18 de Fevereiro, que estabelece o Regulamento de Segurança de Linhas Elétricas de Alta Tensão.
38. Pelo que, o acto de licenciamento incorre ainda em vício de violação a lei, por violação do disposto nos artigos 5º, nº1, 6º, nº 1 do Regulamento de Segurança de Linhas Elétricas de Alta Tensão.
39. Sendo por isso consequentemente anulável, por vício de violação da lei, por violação dos preceitos legais supra citados.
40. Em conclusão, ao desrespeitar diversas disposições legais e também derivações de preceitos constitucionais, o acto de licenciamento incorreu também em vicio de violação e lei, por violação do princípio da legalidade.
41. Sendo certo que, a consequência de tal violação é a anulabilidade do ato em que as invalidades se verificam.
42. Por tudo o exposto, também este requisito se verifica.
43. Por fim, relativamente À PONDERAÇÃO DE INTERESSES há que frisar que os danos que hipoteticamente resultarão para as entidades requeridas da concessão das presentes providencias assumem uma natureza exclusivamente patrimonial.
44. Enquanto que, os interesses que a recorrente visa salvaguardar, de natureza essencialmente imaterial e portanto, inquantificável, são superiores aos interesses que as requeridas prosseguem com a implementação da Linha.
45. Pelo que, os danos resultantes da não concessão das presentes providencias são manifestamente superiores aos que resultarão do seu decretamento.
46. Assim, fica indubitavelmente demonstrado que estão demonstrados todos os requisitos para o decretamento das providências requeridas.
47. Assim, deve ser revogada a recorrida Sentença e substituída por outra que reponha a legalidade.

Termina pugnando pela anulação e revogação da decisão recorrida, com substituição por outra que julgue o processo cautelar totalmente procedente e, em consequência, decrete as providencias cautelares requeridas, ou, caso assim não se entenda, que seja decretada a realização dos meios de prova requeridas pelas partes.

Contra alegaram os recorridos MINISTÉRIO DO AMBIENTE (a fls. 1555 SITAF) e REN – Rede Elétrica Nacional, S.A. (a fls. 1570 SITAF) pugnando ambos pela improcedência do recurso, com manutenção da decisão recorrida. Sendo que a recorrida REN – Rede Elétrica Nacional, S.A. termina as suas contra-alegações formulando o seguinte quadro conclusivo, nos seguintes termos:

1.ª Ao contrário do que defende a recorrente, a decisão de dispensa de produção de prova adicional não é nula, não configura nulidade processual, nem padece de qualquer vício ou irregularidade, estando fundamentada e sendo perfeitamente consonante com o disposto no artigo 118.º, n.º 5 do CPTA, dela facilmente se extraindo que, mesmo que fossem considerados provados todos os supostos “factos” que foram alegados quanto aos prejuízos decorrentes da execução dos atos impugnados, esses sempre seriam irrelevantes para o decretamento da providência.
2.ª Decidiu bem o tribunal a quo ao dispensar a produção de prova adicional, pois de entre as conclusões e juízos opinativos que a Recorrente alega no seu requerimento, poucos serão os factos concretos que dele podem ser retirados e, de entre estes, pontuam apenas aqueles que se mostram já documentalmente contrariados, ou que só podem ser provados por documento e/ou que são totalmente irrelevantes para a integração dos critérios da providência cautelar.
3.ª Para preencher o requisito do perigo na mora ou da existência de prejuízos irretratáveis ou de difícil reparação «compete ao requerente da providência o ónus de alegar os factos integradores do conceito de prejuízo de difícil reparação, devendo fazê-lo de forma especificada e concreta» (cf. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 4/02/2009, proferido no processo 04227/08, in www.dgsi.pt), com a «demonstração de que estes são evidentes e reais, através de factos concretos que mostrem ser tais prejuízos fundamentados» (cf. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 17/06/2004, proferido no processo 0166/04 ou o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 26.07.2019, no Proc. n.º 00109/19.7BEMDL in www.dgsi.pt).
4.ª Ao contrário do que defende a Recorrente, a sentença recorrida não enferma de qualquer erro de julgamento ao decidir pela não verificação do requisito do periculum in mora em face do que se mostra alegado no requerimento inicial, seja porque as circunstâncias invocadas nunca conduziriam a qualquer facto consumado ou dificilmente reparável, seja por falta de alegação de factos concretos que o indiciem.
5.ª Ao contrário do pressuposto pela Recorrente, os prejuízos que se mostram invocados no requerimento inicial, ou não assentam na alegação de factos concretos e traduzem especulações sem base factual ou são prejuízos facilmente reparáveis.
6.ª A sentença recorrida não enferma de erro de julgamento ao decidir ser improvável a procedência da pretensão formulada de invalidade dos atos suspendendos, quer porque se mostra indiciado que não se verificam as ilegalidades imputadas a tais atos, quer pela indiciada existência de circunstâncias que obstam ao conhecimento do mérito da ação principal (v.g. a caducidade da ação e a situação de litispendência).
7ª. Contrariamente ao que defende a Recorrente no seu recurso (v. conclusão 2 do recurso), tendo a sentença recorrida julgado (e bem) prejudicada a questão da ponderação de interesses especialmente prevista no artigo 120.º, n.º 2 do CPTA, nunca poderia a decisão sub judice ter feito uma errada interpretação de tal norma ou ter feito errado julgamento em tal valoração.
8.ª Ainda que o presente recurso fosse procedente, sempre este douto Tribunal de recurso deveria ex officio conhecer e julgar as questões que o tribunal de recurso julgou prejudicadas (v. artigo 149.º do CPTA), decidindo que, no caso, os interesses públicos patenteados sobrelevam de modo inequívoco aos interesses localizados invocados pela Recorrente, o que sempre ditaria o não decretamento da providência cautelar em correta exegese e aplicação ao caso concreto do princípio da proporcionalidade, como o determina o artigo 120.º, n.º 2 do CPTA.
9.ª A pretensão cautelar deduzida pela Recorrente põe em causa interesses públicos de primeira grandeza e à escala nacional, relacionados também eles com a defesa do ambiente, do ordenamento do território, da saúde, da economia, da sociedade, do turismo, etc., interesses estes que são acautelados e defendidos pela observância dos exaustivos procedimentos de controlo que a aqui Recorrida está obrigada a respeitar e respeitou como demonstrado nos autos.
10ª. Dá-se por reproduzido todo o articulado no requerimento de oposição apresentado aos autos, improcedendo as conclusões da alegação e devendo manter-se a decisão recorrida.
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Admitidos os recursos (por despacho de 21/01/2021, de fls. 1635 SITAF), com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo, foram os autos remetidos a este Tribunal Central Administrativo Norte.
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Neste notificado, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA, o Digno Magistrado do Ministério Público não emitiu Parecer (cfr. fls. 1648 SITAF)
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Sem vistos (cfr. artigo 36º nº 1 alínea e) e nº 2 do CPTA), foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.
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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.

No caso vêm interpostos dois recursos:
- o primeiro (de fls. 1370 SITAF) dirigido ao despacho de 13/11/2020 (fls. 1346 SITAF) do Mmº Juiz a quo pelo qual foi levantado o decretamento provisório da providência;
- o segundo (de fls. 1496 SITAF) dirigido à sentença de 17/12/2020 (fls. 1404 SITAF) que julgando improcedente a pretensão cautelar indeferiu o decretamento das providências cautelares requeridas.

Cumprindo a ambos conhecer.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

A – De facto

No despacho de 13/11/2020 (fls. 1346 SITAF) pelo qual foi levantado o decretamento provisório da providência cautelar, o Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade, assim ali vertida ipsis verbis:

A) A REN é concessionária da atividade de transporte de eletricidade através da rede nacional de transporte de eletricidade, incluindo, entre outras, o estabelecimento e a exploração da mesma rede em regime de serviço público – facto não controvertido;
B) Por despacho de 27.03.2019, proferido pelo Senhor Diretor-Geral de Energia e Geologia, foi emitida à REN a licença de estabelecimento da linha em causa nos presentes autos – cf. o respetivo documento junto com o requerimento inicial;
C) Este despacho foi precedido de um processo de avaliação ambiental que culminou com uma declaração de impacte ambiental favorável, emitida em 21.11.2016 – cf. o respetivo documento junto com o requerimento inicial;
D) Em 04.10.2016, uma intitulada “Comissão de luta das Juntas de Freguesia do concelho de (...) contra a Linha de Muito Alta Tensão” foi ouvida na Assembleia da República, reclamando contra a construção da linha em questão – cf. página online do canal parlamento, no link indicado pela requerente;
E) Em 27.04.2018 foi aprovada por deliberação da Assembleia Municipal de (...) a constituição de uma comissão com representantes dos partidos e das Juntas de Freguesia do concelho, a denominada “Comissão de Acompanhamento da Linha de Alta Tensão” – cf. informação constante do sítio institucional da câmara municipal de (...), acessível no link indicado pela requerente;
F) Em 26.08.2019, a REN comunicou às Juntas de Freguesia de (...) que iria dar início à instalação da Linha, informando quanto à localização dos estaleiros de obra e a programação dos trabalhos – cf. documento n.º 1 junto com o requerimento em análise;
G) Em 04.09.2019, o Município de (...) requereu junto deste mesmo TAF uma providência cautelar contra os mesmos requeridos nestes autos, aí solicitando: (i) a suspensão de eficácia da declaração de impacte ambiental de 21.11.2016 e da licença de estabelecimento relativas à instalação da linha de muito alta tensão Ponte de Lima – Vila Nova de Famalicão; (ii) o embargo da obra de construção da referida linha, à data em curso; (iii) a intimação da REN a abster-se de qualquer conduta ou operação material, por si ou através de terceiros, de implementação no terreno da construção da linha – cf. autos do processo n.º 365/17.5BEBRG-A, consultados no SITAF;
H) A instauração de tal processo foi objeto de ampla cobertura mediática a nível nacional e regional – cf. documentos n.ºs 2 e 3 juntos com o requerimento em análise;
I) Por despacho de 17.09.2019, este TAF de Braga indeferiu o pedido de decretamento provisório, entre outras, da abstenção de qualquer conduta ou operação material, por si ou através de terceiros, que consubstancie a implementação no terreno da construção da “linha aérea dupla, a 400kV, Ponte de Lima – Vila Nova de Famalicão” – cf. documento n.º 4 junto com o requerimento em análise, e consulta aos autos do processo n.º 365/17.5BEBRG-A, consultado no SITAF;
J) Em 13.11.2019, este mesmo TAF proferiu sentença no sentido de julgar improcedente o processo cautelar acima mencionado, tendo a mesma sido confirmada por acórdão do TCA Norte de 21.01.2019 – cf. documentos n.º 5 e n.º 6 juntos com o requerimento em análise, e consulta aos autos do processo n.º 365/17.5BEBRG-A;
K) No dia 05.10.2020, foi apresentado o requerimento inicial que deu origem aos presentes autos, no qual é pedido ao tribunal que decrete as seguintes providências: (i) suspensão de eficácia da declaração de impacte ambiental de 21.11.2016 e da licença de estabelecimento relativas à instalação da linha de muito alta tensão Ponte de Lima – Vila Nova de Famalicão; (ii) o embargo da obra de construção da referida linha, à data em curso; (iii) a intimação da REN a abster-se de qualquer conduta ou operação material, por si ou através de terceiros, de implementação no terreno da construção da linha – cf. o requerimento inicial junto aos autos;
L) Nesse mesmo requerimento inicial foi requerido o decretamento provisório da intimação da REN para abstenção de qualquer conduta ou operação material de construção da linha – cf. o dito requerimento inicial junto aos autos;
M) Por despacho de 07.10.2020, foi proferido despacho judicial de admissão liminar do requerimento inicial, bem como de indeferimento do decretamento provisório requerido – cf. o despacho em causa, constante dos autos;
N) Nessa data, a REN encontrava-se a executar trabalhos de instalação da linha, através de empreiteiros e subempreiteiros, de acordo com a calendarização definida para a obra – cf. documentos n.ºs 1, 8, 9 e 10 juntos com o requerimento em análise;
O) No dia 13.10.2020, a REN recebeu na sua sede o ofício de citação para os termos dos presentes autos – cf. o referido AR junto aos autos;
P) No seguimento do que os responsáveis da requerida deram instruções para a suspensão imediata de todos os trabalhos de construção da linha – cf. documentos n.ºs 11 e 12 juntos com o requerimento em análise;
Q) No mesmo dia 13.10.2020 foi proferido despacho judicial nos presentes autos que determinou o decretamento provisório da providência consistente na intimação da REN a abster-se de prosseguir quaisquer trabalhos que digam respeito à construção da linha de muito alta tensão em causa nos autos, no território abrangido pela FREGUESIA DE (...) – cf. o referido despacho constante dos autos;

R) A obra em questão, de construção da linha de muito alta tensão, encontra-se contemplada nos “Planos de Desenvolvimento e Investimento da Rede Nacional de Transporte de Eletricidade” para os períodos de 2018-2027 e 2020-2029, sendo aí considerada como essencial ao projeto de interligação da rede nacional a Espanha, a 400Kv, na região da Galiza – cf. documentos juntos com o requerimento em análise, e informação constante do sítio institucional da ERSE;
S) O projeto de interligação referido continua em curso, quanto à sua implementação, tendo o respetivo estudo de impacte ambiental em fase de estudo prévio sido objeto de recente consulta pública – cf. informação constante do sítio da Internet colocado no item 48.º do requerimento em análise;
T) No passado mês de Outubro, na declaração conjunta emitida na sequência da Cimeira HispanoPortuguesa, os dois Estados afirmaram que “acolhem com particular satisfação o decisivo progresso alcançado em determinar uma solução técnica e ambientalmente viável para ambas as partes, que torne possível a interconexão entre Espanha (Galiza) e Portugal (Alto-Minho)” – cf. documento 16 junto com o requerimento em análise.
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E na sentença de 17/12/2020 (fls. 1404 SITAF) pela qual foi julgada improcedente a pretensão cautelar com indeferimento do decretamento das providências cautelares requeridas, o Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade, assim ali vertida ipsis verbis:

1. A Requerida REN é concessionária da atividade de transporte de eletricidade através da rede nacional de transporte de eletricidade [RNT], incluindo, entre outras, o estabelecimento e a exploração da mesma rede em regime de serviço público – facto não controvertido;
2. Nessa qualidade, incumbe à REN, de entre outros projetos de novas linhas de transporte de eletricidade, o projeto de interligação da rede nacional a Espanha, a 400 kV, na região da Galiza, contemplada nos “Planos de Desenvolvimento e Investimento da Rede Nacional de Transporte de Eletricidade” [PDIRT], designadamente através do eixo “Ponte de Lima” (ou “Vila Fria B”) – Vila do Conde (ou “Vila Nova de Famalicão”) – facto não controvertido;
3. Esse projeto pretende reforçar o abastecimento nacional, colmatando limitações técnicas da rede em períodos de maior congestionamento e assegurando a fiabilidade da RNT e do abastecimento dos consumos – cf. o PDIRT 2012-20117 (2022) disponível no site indicado pela REN, consultado neste dia;
4. E visa igualmente criar infraestruturas que permitam assegurar a receção da produção adicional de energia de origem hidroelétrica da bacia do Cávado – Salamonde II e Frades II, e respetiva transmissão entre a zona onde se localizam essas centrais e a zona do Grande Porto e Distrito de Aveiro – cf. o PDIRT 2012-20117 (2022) disponível no site indicado pela REN, consultado neste dia;
5. Ainda, este projeto e a expansão da RNT obedecem aos objetivos nacionais refletidos na Estratégia Nacional para a Energia para o horizonte de 2020, no Plano Nacional de Ação para as Energias Renováveis e no Plano Nacional para a Eficiência Energética;
6. Por sua vez, estes objetivos nacionais filiam-se em orientações europeias que obrigam o Estado Português e a requerida REN;
7. Pelo que, o projeto em questão surge no âmbito da integração de mercados a nível europeu, em específico para a região do sudoeste composta por Portugal, Espanha e França, e a consolidação do mercado ibérico (MIBEL) encontrando-se identificada a necessidade de se atingir a meta de 3000 MW de capacidade de interligação para fins comerciais, em ambos os sentidos, tal como acordado entre os Governos de Portugal e Espanha na Cimeira Luso-Espanhola de Badajoz, em Novembro de 2006 – facto não controvertido [cf. item 2.º do RI e itens 14.º e 15.º da oposição da REN];
8. A Requerida REN, em articulação com a Red Eléctrica de España, apresentou candidatura do projeto da “interligação a 400 kV V. Fria B (P. de Lima) – V. do Conde (V. Nova de Famalicão) – recarei (PT) e Beariz-Fontefria (ES)” ao estatuto de projeto de interesse comum, classificação que lhe foi atribuída – facto não controvertido [cf. item 4.º do RI e item 19.º da oposição da REN];
9. No mês de Dezembro de 2010, iniciaram-se os trabalhos de projeto e estudos de impacte ambiental, abarcando todo o eixo zona do Porto – Vila do Conde – Vila Fria B e ligação a Espanha, incluindo as seguintes infraestruturas: abertura da linha Recarei – Vermoim 4 para a subestação de “Vila do Conde” a 400 kV; subestação de “Vila do Conde” 400/60 kV; subestação de “Vila Fria B/Viana do Castelo” a 400 kV; linha “Vila Fria B Viana do Castelo” – Espanha, a 400 kV – facto não controvertido;
10. Uma parte desses projetos e infraestruturas encontram-se já executados, concluídos e em funcionamento – facto não controvertido;
11. Em Agosto de 2013, a Requerida REN deu início a um procedimento de avaliação de impacte ambiental junto da Requerida APA, em fase de estudo prévio, tendo por objeto o “Eixo da RNT entre Vila do Conde, Vila Fria B e a Rede Elétrica de Espanha, a 400 kV”, que veio a dar origem ao procedimento que correu termos sob o número 2687 na requerida APA – cf. documento n.º 6 junto com a oposição da REN; cf. procedimento consultado no link indicado pela APA;
12. Esse projeto do “Eixo da RNT entre “Vila do Conde”, “Vila Fria B” e a Rede Elétrica de Espanha, a 400 kV” envolvia a construção de duas linhas duplas trifásicas de muito alta tensão (LMAT) e uma subestação:
a. Linha dupla a 400 kV, entre a nova subestação de “Vila do Conde” (entretanto denominada “Vila Nova de Famalicão”) e a subestação de “Vila Fria B” (também referenciada com a designação de “Ponte de Lima”);
b. Subestação de “Vila Fria B” a 400/150 kV;
c. Linha dupla a 400 kV, entre a subestação de “Vila Fria B” e a Rede Elétrica de Espanha;

Cf. processo administrativo referente à DIA; facto não controvertido, atento o item 3.ºdo RI e o item 22.º da oposição da requerida REN; cf. link indicado pela APA para consulta ao procedimento;
13. Por ofício de 12.08.2014, de referência “REN – 6253/2014 ELPE 430/2014”, a aqui Requerida REN solicitou à também Requerida APA o seguinte:
(…)
Assunto: Processo de AIA n.º 2697: Projeto do “Eixo da RNT entre “Vila do Conde”, “Vila Fria B” e a REE a 400kV”: Pedido de Reconfiguração.
Exmo. Senhor Presidente,
Decorre no presente o processo de AIA n.º 2697 no âmbito do qual se contam as seguintes infraestruturas, todas em avaliação de estudo prévio (corredores e localizações):
• Linha a 400 kV entre a subestação de Vila Nova de Famalicão (objecto de avaliação já concluída em outro processo) e a futura subestação designada provisoriamente “Vila Fria B”;
• A futura subestação designada provisoriamente “Vila Fria B”;
• Linha a 400 kV entre a futura subestação “Vila Fria B” e a subestação de Fontefría, em Espanha, região autónoma da Galiza, adiante referida como “linha de interligação PT/ES”.
O desenvolvimento dos procedimentos de AIA da linha de interligação PT/ES, em particular durante a consulta pública, envolvendo também o lado espanhol, com relevância muito significativa o município fronteiriço de Arbo (Monção do lado português), apresenta dificuldades diversas que não permitem encontrar uma solução convergente em tempo útil para projetos de elevado interesse nacional inscritos, uns, no presente processo e conexos, outros, com o do troço junto à fronteira Galiza-Minho.
No passado dia 18 de julho decorreu na APA uma reunião (agenda em anexo) com a presença de representantes do MAGRAMA (Ministério do ambiente espanhol), da REE - Red Electrica de Espana, S. A., da REN - Rede Eléctrica Nacional, S. A. e da APA, com o objecto de uma avaliação de ponto de situação e partilha de informação. Esta reunião havia sido solicitada há algum tempo pela REN, por razões que de pronto serão expostas.
Nesta reunião e com respeito à linha de interligação PT/ES entre a futura subestação “Vila Fria B”, Cujas localizações alternativas estão situadas em Viana do Castelo e Ponte de Lima e Fonte Fria ficámos cientes das graves dificuldades que ocorrem no troço espanhol na zona próxima da travessia da fronteira junto do Rio Minho, na sua margem direita. Estas dificuldades, traduzidas em impactos que tomaram expressão social e política, acontecem em parte porque a caracterização natural e de ocupação urbana na margem esquerda (PT) e na margem direita (ES) não coincidem no espaço, estão “desfasadas”. Por outro lado o carácter acidentado das margens nesta zona transforma a consideração de outras alternativas num processo de elevada dificuldade, que vai exigir algum tempo de análise e negociação, tempo esse de que já não se dispõe para decisões relevantes da Rede Nacional de Transporte, com impacto na segurança do abastecimento, e que excedem a estrita circunscrição ao troço fronteiriço.
O troço português até “Vila Fria B” tem sido objecto de ajustes que procuram traduzir os anseios e preocupações de cidadãos e autarcas.
Na mesma reunião de 18 de julho pp as autoridades portuguesas tornaram claro às autoridades espanholas que a natureza das alternativas que se pretendia considerar (novos corredores, diferentes dos considerados em sede do processo de AIA e designadamente na sua consulta pública) implicam no ordenamento português a realização de um novo procedimento completo de avaliação de impacto ambiental para toda a extensão da linha de interligação PT/ES.
Por necessidade inadiável de dar escoamento a uma considerável produção hídrica renovável com origem na bacia do Rio Cávado (cerca de 1000 MW), por reforço da potência ali instalada com capacidade reversível relevante para efeitos de armazenamento, dando resposta a metas de política energética com impacto nos índices de planeamento para segurança do abastecimento, as infraestruturas a sul desta interligação precisam de concluir urgentemente o seu processo de avaliação de impacto ambiental. Isto inclui a localização da futura subestação “Vila Fria B”, cujas localizações alternativas estão situadas em Viana do Castelo e Ponte de Lima, e a linha a sul desta até à futura subestação de Vila Nova de Famalicão (a qual já tem localização autorizada). De facto, o projecto em avaliação recebeu pela própria Comissão Europeia estatuto de Projecto de Interesse Comum (“PIC”), dando expressão à importância específica deste eixo para os objectivos designados por “20-20-20”. Este projecto impacta com outros, também classificados pela EU como PIC, e cujos prazos de concretização não são compatíveis com estado
actual do processo de definição do cruzamento do rio Minho e do que tal acarreta nos troços associados em ambos os lados da fronteira.
É nestas circunstâncias envolvendo o processo de AIA n.º 2697 que somos levados, por razões de grande urgência e interesse nacional,
• a solicitar a imediata retirada da linha entre a futura subestação designada “Vila Fria B” e a subestação de Fonte Fria (em Espanha) do referido processo e
• a solicitar a conclusão do processo AIA n.º 2697 com a máxima urgência, com vista a emissão da decisão sobre a respetiva DIA tendo por base as restantes infraestruturas, incluindo a localização da subestação de “Vila Fria B” uma vez que estas infraestruturas são essenciais para os demais projetos internos em Portugal.
Este pedido é efectuado com informação e coordenação com a REE - Red Eléctrica de Espana, S. A., com a qual a nova data acordada de entrada em serviço da linha de interligação (troço entre a futura subestação de “Vila Fria B” (PT) e a subestação de Fonte Fria (ES) passou a ser 2017.
(…)”;

Cf. documento n.º 7 junto com a oposição da REN;

14. Tendo a Requerida APA aceitado esta solicitação da requerida REN, tendo sido decidido separar em dois o procedimento de avaliação ambiental então em curso – cf. documento n.º 8 junto com a oposição da REN;
15. Tendo assim sido retirada do procedimento de AIA 2687 a parte da linha entre a futura subestação designada Vila Fria B e a subestação de Fonte Fria (Espanha) – cf. documentos n.º 7 e n.º 8 juntos com a oposição da REN;
16. A execução desse segmento “Vila Fria B – Fontefria” foi então objeto de nova calendarização, com manutenção do seu objetivo e a decisão da sua concretização – cf. documentos n.ºs 9, 10 e 11, juntos com a oposição da REN;
17. Pelo que o procedimento de AIA 2687 prosseguiu os seus termos apenas para avaliação no restante itinerário, entre Ponte de Lima (antes designada por Vila Fria B) e Vila Nova de Famalicão, incluindo quanto à subestação de Ponte de Lima – cf. processo administrativo referente ao procedimento de AIA 2687;
18. Em 22.01.2015, neste procedimento de AIA 2687, foi emitida declaração de impacto ambiental favorável condicionada para a “linha dupla a 400 kV, entre a nova subestação de Vila do Conde e a subestação de Vila Fria B – corredor formado pelos troços T4+T5+T9+T10A+T11+T12B+T13+T15+T16 e “Subestação de Vila Fria B – Localização A” – cf. documento n.º 12 junto com a oposição da REN, e ao processo administrativo remetido pela APA [fls. 203 a 239], bem como procedimento acessível no link indicado pela APA;
19. Os mencionados troços contemplavam a passagem da linha na circunscrição territorial do Município de (...) nos seguintes troços: T4 (Vila do Conde; (...)), T5 (Póvoa de Varzim, Famalicão, (...)), T9 ((...)), T10A ((...)), T11 ((...)), T12B ((...)), T13 ((...)), T15 ((...)) e T16 ((...), Ponte de Lima), na extensão de cerca de 41,315 km – cf. documento n.º 13 junto com a oposição da REN, e documentos do processo administrativo junto pela APA [fls. 475];
20. A 29.05.2015, a REN apresentou o relatório de conformidade ambiental do projeto de execução (RECAPE) da linha dupla entre a nova subestação de “Vila do Conde” e a subestação de “Vila Fria B”, no corredor aprovado na DIA do procedimento 2687 – cf. RECAPE constante do procedimento acessível com recurso ao link indicado pela APA;
21. Porém, em Outubro de 2015 foi apresentada pela REN uma segunda versão do RECAPE, reduzindo o seu âmbito aos troços T4, T5 e T16, a qual se relacionou com a revisão do PDM de (...), tomando a designação de “troço intermédio”, de modo a permitir a análise comparativa entre a solução já viabilizada pela DIA de 22.01.2015 e a sugestão apresentada pelo Município de (...), e que deu origem ao procedimento de AIA n.º 2865 – cf. o parecer da CA junto ao processo administrativo indicado pela APA, e acessível no link indicado pela APA;
22. Em relação às alternativas analisadas neste procedimento 2865, no parecer da comissão de avaliação pode ler-se:
(…)
Foram definidas duas alternativas de traçado para a Linha Ponte de Lima – Vila Nova de Famalicão, a 400 kV (Troço Intermédio): Corredor A, correspondente ao corredor aprovado na DIA anteriormente emitida; e Corredor B, correspondente a um novo corredor entretanto estudado incorporando a revisão do PDM entretanto ocorrida (designado no presente EIA de Corredor B).
Assim, o EIA analisa os seguintes troços de traçado da linha:
- Troço 1
Traçado definido nos troços aprovados na DIA, entre os apoios 18 (exclusive) e 37 (exclusive) – sem alternativas
- Troço 2A
Traçado definido nos troços aprovados na DIA, entre os apoios 37 (inclusive) e 64 (exclusive) – que constitui uma alternativa ao Troço 2B
- Troço 2B
Traçado definido no interior do corredor B acima referido, entre os apoios 37B (inclusive) e 64 (exclusive) – que constitui uma alternativa ao Troço 2A
- Troço 3
Traçado definido nos troços aprovados na DIA, entre os apoios 64 (inclusive) e 66 (exclusive) – sem alternativas” (negrito nosso).
(…)”;

Cf. parecer da comissão junto ao procedimento em causa, acessível no link disponibilizado pela APA;

23. No dia 27.01.2016, foi emitida no âmbito do procedimento de AIA 2687 declaração de conformidade ambiental do projeto de execução referente a “linha dupla entre a nova subestação de “Vila do Conde” e a subestação de “Vila Fria B”, corredor formado pelos troços T4, T5 e T16”, mas condicionada à aprovação dos troços compreendidos na “zona intermédia”, nomeadamente os troços T10A e T12B – cf. o procedimento de AIA 2687, acessível no link disponibilizado pela APA; cf. ainda documento n.º 14 junto aos autos com a oposição da REN;
24. No dia 21.11.2016 a Requerida APA emitiu DIA favorável condicionada, no âmbito do procedimento 2865, na qual se pode ler o seguinte:
(…)
Síntese do resultado da consulta pública e sua consideração na decisão
(…)
Na sequência dos aspetos identificados e apontados nas exposições recebidas, para além do manifestado pela REN, S. A., considera-se de evidenciar os aspetos relevantes e de tecer os seguintes comentários:
- Alternativas
As opções de construção da linha indicadas referem-se à análise de novas alternativas (abrangendo opções de carácter técnico), constituindo uma situação que não se enquadra no âmbito da presente avaliação, uma vez que o EIA objeto do presente procedimento de AIA não as contempla.
- Proximidade a habitações e desvalorização de propriedades
O Projeto de Execução foi desenvolvido de forma a evitar afetações diretas de habitações existentes, correspondendo já à opção selecionada na presente decisão para o traçado ambientalmente menos desfavorável.
A implementação de um projeto desta natureza implicará sempre impactes negativos, que divergem quanto à sua natureza e significância consoante as características do território onde se implantam. De referir que na elaboração do Projeto de Execução, foram tidos em consideração critérios em matéria de planeamento da colocação dos apoios e do estabelecimento da diretriz da linha elétrica, estando ainda prevista a adoção de medidas de minimização, bem como a possibilidade de ajuste da colocação dos apoios da linha, de acordo com o definido na presente decisão.
(…)
- Riscos para a saúde pública
De acordo com a informação constante do EIA, o cálculo no valor do campo elétrico máximo entre 0 e 40 m do eixo da linha, bem como do campo magnético máximo, respetivamente, demonstram que os valores obtidos se encontram abaixo dos níveis de referência indicados pela Portaria n.º 1421/2004, de 23 de novembro.
O cálculo dos campos elétricos é efetuado, com base no conhecimento das cargas elétricas em cada um dos cabos da linha. A disposição geométrica dos cabos corresponde à da família “DL”, considerando uma distância ao solo que corresponde à distância mínima absoluta em todo o projeto, na situação mais desfavorável, onde existe uma linha dupla. Os valores obtidos correspondem, assim, a valores máximos absolutos do campo elétrico, nos planos horizontais em que foram calculados e que correspondem, sensivelmente, ao nível do solo e ao nível da cabeça de um homem (1,80 m do solo).
Acresce ainda que, o presente projeto constitui parte integrante da “Linha Ponte de Lima – Vila Nova de Famalicão, a 400 kV, nos troços T4, T5 e T16”, já avaliado em sede de RECAPE (com decisão emitida), no âmbito da qual ficou estabelecida a necessidade de realização de monitorização dos campos eletromagnéticos. Deste modo, para o presente projeto, deve ser implementada esta monitorização.
Refira-se que esta disposição decorreu de parecer emitido por parte da Direção-Geral da Saúde (DGS), enquanto entidade competente para o efeito.
(…)
Razões de facto e de direito que justificam a decisão
(…)
O projeto de execução da "Linha Ponte de Lima - Vila Nova de Famalicão, a 400 kV (Troço Intermédio)" presentemente em avaliação constitui parte integrante do Estudo Prévio da "Linha Ponte de Lima - Vila Nova de Famalicão, a 400 kV", objeto de procedimento de AIA (AIA n.º 2687). Este procedimento culminou com a emissão de Declaração de Impacte Ambiental (DIA) favorável condicionada para:
- Linha dupla a 400 kV, entre a nova subestação de "Vila do Conde" e a subestação de "Vila Fria B" - corredor formado pelos troços T4+T5+T9+T10A+T11+T12B+T13+T15+T16
- Subestação de "Vila Fria B" - Localização A
De referir que a subestação de "Vila Fria B" passou entretanto a ser designada como subestação de Ponte de Lima.
Em outubro de 2015, foi remetido à APA o Projeto de Execução da "Linha Ponte de Lima-Vila Nova de Famalicão, a 400 kV, nos troços T4, T5 e T16" (de acordo com a solução aprovada na DIA emitida no âmbito do procedimento de AIA n.º 2687) e respetivo RECAPE.
O Projeto de Execução avaliado nesse RECAPE era composto por dois troços: um primeiro troço que se desenvolvia no troço T16 e um segundo troço que se desenvolvia nos troços T5 e T4.
Na sequência da análise deste RECAPE, foi emitida, a 27 de janeiro de 2016, a respetiva DCAPE (Declaração de Conformidade Ambiental do Projeto de Execução).
No que respeita à zona intermédia do traçado, atendendo à revisão de instrumentos de gestão territorial, nomeadamente do Plano Diretor Municipal de (...), publicado em data posterior à emissão da DIA acima referida, foi elaborado um novo EIA, procedendo à análise comparativa entre a opção anteriormente submetida no âmbito do procedimento de AIA n.º 2687 (e aprovada na DIA para os troços T9+T10A+T11+T12B+T13+T15) e um novo corredor.
Deste modo, a “Linha Ponte de Lima – Vila Nova de Famalicão, a 400 kV (Troço Intermédio)” constitui o projeto objeto do presente constitui o projeto objeto do presente procedimento de AIA,
apresentado na sequência do enquadramento acima descrito.
Os traçados da LMAT localizam-se no distrito de Braga, concelho de (...), abrangendo as freguesias de Aborim; Carapeços; Carvalhal; Fornelos; Gilmonde; Paradela; Pereira; (...); Vila Seca; União das freguesias de Campo e Tamel (São Pedro Fins); União das freguesias de Creixomil e Mariz; União das freguesias de Milhazes, Vilar de Figos e Faria; União das freguesias de Tamel (Santa Leocádia) e Vilar do Monte; União das freguesias de Vila Cova e Feitos.
O projeto em avaliação, incluído no Plano de Desenvolvimento e Investimento (PDIRT) 2014-2023, faz parte de um novo eixo da Rede Nacional de Transporte (RNT) a concretizar no Minho com início na zona do Porto (Alfena/Sobrado) e inclui uma nova interligação com a Rede Elétrica de Espanha. O referido eixo da RNT inclui assim:
- Abertura da linha Recarei-Vermoim 4 para a subestação de Vila Nova de Famalicão, a 400 kV (passando a constituir as linhas Recarei- Vila Nova de Famalicão/Vermoim-Vila Nova da Famalicão a 400 kV);
- Subestação de Vila Nova de Famalicão a 400/60 kV;
- Subestação de Ponte de Lima 400/150 kV;
- Linha Ponte de Lima - Vila Nova de Famalicão, a 400 kV;
- Linha Ponte de Lima - Espanha, a 400 k.
A realização dos projetos deste eixo tem como objetivos específicos:
- Criar alternativas de escoamento da produção adicional de energia de origem hidroelétrica da bacia do Cávado (Salamonde II (207 MW) e Venda Nova III (736 MW)) para a zona do Grande Porto e distrito de Aveiro;
• Melhorar a segurança de abastecimento da energia fornecida à Rede de Distribuição, designadamente dos concelhos que atravessa através do reforço de abastecimento à atual subestação de Vila Fria 150/60 kV, não só em termos do aumento da capacidade de oferta, como também na melhoria da qualidade de serviço;
• Criar condições para construir uma nova interligação com a rede elétrica de Espanha na zona do Minho, contribuindo assim para o reforço do MIBEL (Mercado Ibérico de Eletricidade);
• Potenciar a receção de novos centros produtores (offshore e eólicos).
Os projetos constantes do eixo foram classificados pela Comissão Europeia como Projetos de Interesse Comum (PIC).
(…)
Os projetos relativos à abertura da linha Recarei-Vermoim 4 para a subestação de Vila Nova de Famalicão a 400 kV e à subestação de Vila Nova de Famalicão a 400/60 kV estão já em serviço, tendo sido objeto do respetivo procedimento de avaliação (processo de AIA n.º 2593) e licenciamento.
(…)
Da análise dos resultados da Consulta Pública constatam-se como preocupações recorrentes as associadas ao Ordenamento do Território, aos Usos e Ocupação do Solo, ao Património Cultural, à Socioeconomia, à Paisagem, para além dos efeitos na saúde pública (decorrentes dos efeitos dos campos eletromagnéticos) verificando-se que, na globalidade, as preocupações manifestadas e os principais impactes referenciados foram devidamente considerados na apreciação técnica desenvolvida. Na generalidade, a seleção da solução do Projeto de Execução para a linha elétrica ambientalmente preferencial permite atender a grande parte das manifestações transmitidas no âmbito da Consulta Pública, permanecendo inevitavelmente algumas divergências a que não é possível dar resposta.
Assim, ponderando os impactes negativos identificados, na generalidade suscetíveis de minimização ou compensação, e os perspetivados impactes positivos, emite-se Declaração de Impacte Ambiental favorável à solução de traçado formado pelos troços Troço 1 + Troço 2B + Troço 3 da "Linha Ponte de Lima - Vila Nova de Famalicão, a 400 kV (Troço Intermédio)", condicionada à apresentação dos elementos, ao cumprimento das medidas de minimização e dos planos de monitorização constantes do presente documento.
(…)
Elementos a Apresentar
(…)
Previamente ao início da obra, apresentar à autoridade de AIA, para análise e aprovação:
(…)
10 - Plano de Monitorização do Ambiente Sonoro, que obedeça aos critérios a seguir indicados.
Este documento deve contemplar não só a caracterização prévia dos recetores potencialmente mais expostos, mas prever também avaliações periódicas das condições acústicas locais nas situações mais críticas.
O Plano de Monitorização deve cumprir o indicado na Portaria n.º 395/2015, de 4 de novembro, nomeadamente as especificações constantes do anexo V, das quais se salienta o seguinte:
i. Identificação dos parâmetros monitorizados.
Devem ser medidos o nível sonoro contínuo equivalente (LAeq) correspondente aos períodos diurno (Ld), do entardecer (Le) e noturno (Ln) e calculados os indicadores de ruído relevantes para a avaliação em causa, nomeadamente, Lden e Ln. Devem ser avaliados e/ou calculados os indicadores de ruído mencionados na legislação em vigor, tanto para o critério do valor máximo de exposição como para o critério de incomodidade.
Terão ainda de ser avaliadas as características de impulsividade e tonalidade do sinal, pelo que se terá de medir simultaneamente com característica fast e impulsiva, além de ter de ser avaliado o espectro por bandas de terço de oitava.
il. Identificação dos locais de amostragem ou registo, com representação cartográfica (em extrato da carta do projeto), fotográfica e georreferenciada, bem como dos respetivos critérios de seleção e análise do seu significado estatístico.
Os locais de amostragem devem, no mínimo, ser os Indicados no Quadro 3 do Parecer da CA (o qual constitui um excerto do Desenho 16 do Volume 4 do Aditamento ao EIA).
Sempre que exista alguma reclamação, esse ponto deve ser objeto de monitorização e passará a integrar o conjunto de pontos a monitorizar em campanhas posteriores.
iii. Indicação do período definido para a prossecução dos objetivos de monitorização e da frequência das amostragens ou registos, incluindo a análise do seu significado estatístico.
Monitorização em fase de exploração
Quanto à periodicidade das campanhas de monitorização, deve ser realizada uma primeira avaliação no ano inicial de exploração e, posteriormente, sempre que existam alterações que motivem incremento do nível de emissão sonora ou como resposta a reclamações.
Recomenda-se que essa campanha de monitorização seja realizada em período favorável (húmido) para averiguar a qualidade das estimativas e o potencial de cumprimento do RGR2007.
iv. Métodos de amostragem e registo de dados, e equipamentos utilizados e limites de quantificação e erros associados ao equipamento e/ou método;
Os procedimentos de medição e relato devem cumprir as condições da norma NP ISO 1996, atual ou reformulada, tendo as medições uma duração mínima de 15 minutos, por ponto e campanha.
v. Identificação dos indicadores de atividade do projeto, associados à construção, exploração ou desativação, ou de fatores exógenos, que tenham relação com os resultados da monitorização. Os procedimentos de medição e relato devem cumprir as condições da norma NP ISO 1996, atual ou reformulada, (partes 1 e 2), pelo que as atividades de projeto e fatores exógenos que interfiram com os resultados da monitorização devem ser devidamente reportadas ou, se for caso disso, evitadas.
vi. Métodos de tratamento dos dados, incluindo tratamento estatístico.
Os procedimentos de medição e relato devem cumprir as condições da norma NP ISO 1996, atual ou reformulada, (partes 1 e 2).
vii. Critérios de avaliação dos dados, e respetiva fundamentação técnica ou legal.
Como critérios de análise, além do cumprimento do Valor-limite de exposição, deve ser garantido o cumprimento do Critério de incomodidade. O ajuste destes indicadores deve ser efetuado se ocorrer alteração na legislação vigente, atualmente RGR2007.
Se se verificar o algum incumprimento legal devem equacionadas as medidas de minimização necessárias para repor o cumprimento das disposições relativas ao ambiente sonoro.
A periodicidade de realização da monitorização deve ser reavaliada em função dos resultados da primeira campanha de monitorização.
viii. O conteúdo e forma do Relatório de Monitorização deve atender ao definido na Portaria n.º 395/2015, de 4 de novembro.
Durante a fase de construção, apresentará autoridade de A1A:
11. O Plano de monitorização dos campos eletromagnéticos, para a fase de exploração, caso se verifiquem alterações ao mesmo, acompanhado da respetiva validação por parte da Direção-Geral de Saúde (DGS), de acordo com o definido na DCAPE (Declaração de Conformidade Ambiental do Projeto de Execução) emitida para o projeto da "Linha Ponte de Lima-Vila Nova de Famalicão, a 400 kV, nos troços T4, T5 e T16".
(…)”;

Cf. documento n.º 1 junto com o requerimento inicial, e documento constante do processo administrativo remetido pela APA [fls. 595/615]

25. A qual foi, na mesma data, publicada no seu sítio oficial da Internet, estando desde então disponível para consulta;
26. No que respeita ao território da FREGUESIA DE (...), a LMAT tem cerca de 2,24 km, e tem projetados oito suportes, ou torres, identificadas como 44B, 45B, 46B, 47B, 48B, 49B, 50B e 51B – cf. documento n.º 2 junto com o requerimento inicial, e documentos juntos ao processo administrativo junto pela APA [fls. 410-B];
27. Na sequência de solicitação efetuada pela Requerida REN em 02.12.2016, correu termos junto da Direção-Geral de Energia e Geologia o processo identificado pela referência El 1.0/68147, tendo em vista a emissão de obtenção da licença de estabelecimento da linha – cf. processo administrativo indicado pelo Ministério [em especial, cf. fls. 529];
28. No dia 02.01.2017 foi publicado, na 2.ª série do Diário da República, o Édito n.º 2/2017, patenteando o projeto em causa, de acordo com o qual o mesmo se encontrava patente na secretaria da Direção-Geral de Energia e Geologia, e nas secretarias das câmaras municipais de Ponte de Lima, (...), Vila Nova de Famalicão, Póvoa de Varzim e Vila do Conde, mais sendo aí fixado o prazo de disponibilização por 15 dias úteis contados da publicação do Édito – cf. processo administrativo do Ministério [fls. 533/556 e 568];
29. Em 20.02.2017, o Município de (...) apresentou junto deste TAF petição inicial que deu origem ao processo n.º 365/17.5BEBRG, no qual, além do mais, visa a impugnação da DIA de 21.11.2016 acima referida;
30. Em 31.01.2018, foi elaborado por “Proman – Centro de Estudos e Projectos, S. A.” e “EcoRede, Engenharia e Serviços” documento escrito designado “relatório de avaliação de traçados”, que visou a avaliação de eventuais alternativas ao traçado já aprovado da linha entre os apoios P18 e P66 e utilizando o espaço canal da A28, tendo-se aí concluído que “entre o apoio 18 e 31 não existe qualquer outra alternativa viável melhor do que a que está aprovada ambientalmente e em licenciamento na DGEG, dado os elevados constrangimentos territoriais identificados”, e ainda que “o traçado aprovado ambientalmente e em licenciamento na DGEG continua a ser o traçado ambientalmente mais favorável. As hipóteses estudadas têm condicionalismos que agravam, ou podem mesmo impossibilitar a viabilidade destes traçados.”; tal estudo foi remetido pela REN à Direção-Geral de Energia e Geologia por ofício de 08.05.2018 – cf. documento n.º 18 junto com a oposição da REN, e processo administrativo do Ministério [fls. 987 a 1022];

31. Em 27.04.2018 foi deliberado pela Assembleia Municipal de (...) constituir uma comissão com representantes dos partidos e das juntas de freguesia do concelho, denominada “comissão de acompanhamento da linha de alta tensão” – cf. documentos juntos ao processo administrativo remetido pela APA;
32. Por ofício de 14.02.2019, a Direção-Geral de Energia e Geologia solicitou à REN uma “breve caracterização dos campos eletromagnéticos (CEM) nos receptores sensíveis que estão na zona de maior proximidade da linha, nos termos da Lei n.º 30/2010, de 2 de setembro” – cf. documento n.º 19 junto com a oposição da REN, e processo administrativo do Ministério [fls. 1087];
33. O que a Requerida REN fez, tendo elaborado relatório sobre a avaliação dos campos elétrico e indução magnética nos receptores sensíveis,; relatório que enviou à Direção-Geral de Energia e Geologia por mensagem de correio eletrónico em 11.03.2019 – processo administrativo do Ministério [fls. 1088 a 1116];
34. Sobre a informação elaborada pelos serviços da Direção-Geral de Energia e Geologia, datada de 08.03.2019, de referência 137/DSEE/2019, recaiu o seguinte despacho do respetivo Diretor-geral: “Concordo. Autorizo a atribuição de licença de estabelecimento de linha aérea 400 kV Ponte de Lima – Vila Nova de Famalicão.”; o que foi comunicado à REN por ofício de referência 691/DSEE/2019 – cf. documento n.º 22 junto com a oposição da REN, e processo administrativo do Ministério [fls. 1124/1129];
35. Em 26.08.2019, a REN comunicou por escrito às juntas de freguesia de (...) o início da instalação da LMAT, bem como a localização dos estaleiros de obra e a calendarização dos trabalhos – cf. documento n.º23 junto com a oposição da REN;
36. No dia 04.09.2019, o Município de (...) apresentou neste mesmo TAF petição inicial em que declara instaurar processo cautelar, a qual deu origem ao processo que correu termos neste mesmo TAF sob o n.º 365/17.5BEBRG-A; nesse requerimento inicial pode ler-se:

“(…)
§ Representação sem Mandato
102. A sua legitimidade ativa e interesse em agir advém, ainda, da extensão de legitimidade para a proteção de interesses difusos CPTA a que se reporta o n.º 2 do artigo 9.º [ver igualmente artigo 55.º, n.º 1 alínea f)], que remete, por sua vez, para a Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto (LAP).
103. Destas disposições resulta uma espécie de representação sem mandato que confere legitimidade à s autarquias para defenderem interesses difusos,
104. Pelo que, como vimos, o Município está igualmente em juízo para defesa de tais interesses;
105. Mas também, consequentemente, para defesa das “suas” freguesias e respetivas populações.
106. Das freguesias, enquanto representantes das respetivas populações, cujos interesses são obrigados constitucionalmente a defender e prosseguir,
107. Bem como enquanto defensoras de valores constitucionalmente protegidos, como os aqui em equação: ambiente, ordenamento do território, saúde pública, qualidade de vida e património cultural.
108. A este propósito, deve registar-se que esta defesa de interesses difusos abarca, igualmente, as freguesias que não são atravessadas pela LMAT, mas na mesma afetadas (basta ver o número de freguesias que não serão atravessadas pela linha que participaram na Consulta Pública, conforme explanado no Parecer da Comissão de Avaliação, pág. 115 ss, constante do processo administrativo junto pelo Réu, nos autos principais),
109. Dado que as suas consequências afetam direta ou indiretamente as respetivas populações, nomeadamente no que tange aqueles valores constitucionalmente garantidos, como o ambiente e nível de vida sadio e ecologicamente equilibrado, qualidade de vida e saúde pública.
110. Esta representação sem mandato para a proteção de interesses difusos resulta diretamente do n.º 2 do artigo 9.º [ver igualmente artigo 55.º, n.º 1 alínea f)], remetendo este, por sua vez, para a Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto (LAP);
111. A qual, nos termos do artigo 2.º, n.º 2, estabelece expressamente que são igualmente titulares do direito de ação popular as autarquias locais em relação aos interesses de que sejam titulares os respetivos residentes;
112. E os residentes das freguesias do concelho de (...) são, obviamente, residentes no Município de (...).
113. Neste caso, a afetação de “todas” as freguesias do concelho de (...) e respetivas populações é evidente, pois, como se demonstrará, as respetivas populações (também) sofrerão ou poderão sofrer prejuízos em virtude da instalação das linhas.
Assim
114. O Município de (...) atua, igualmente, em representação sem mandato de todas as freguesias do concelho, a saber:
(…)
c. FREGUESIA DE (...);
(…)
Termos em que se requer que, com o douto suprimento de V. Exa., seja proferido despacho liminar de admissão da presente providência e, posteriormente, sejam considerados provados e procedentes os fundamentos invocados, decretando-se de imediato as providências requeridas:
1) Suspensão da Eficácia da Declaração de Impacte Ambiental do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Diretivo da APA, I.P., de 21 de novembro de 2016, impugnada nos autos principais;
2) Suspensão de Eficácia do Despacho de 27 de março de 2019 do Senhor Diretor Geral de Energia e Geologia, de concessão da Licença de Estabelecimento da instalação da Linha de
Muito Alta Tensão (LMAT), em causa nos autos principais e neles impugnado através de requerimento de modificação da instância;
3) Embargo de obra nova consubstanciada na construção da “linha aérea dupla, a 400kV, Ponte de Lima – Vila Nova de Famalicão”, cujos trabalhos terão iniciado em 26-08-2019 de acordo com informação escrita da REN (cfr. doc. 3);
E
4) Abstenção de qualquer conduta ou operação material, por si ou através de terceiros, que consubstancie a implementação no terreno da construção da “linha aérea dupla, a 400kV, Ponte de Lima – Vila Nova de Famalicão.
(…)”;

Cf. documento n.º 1 junto com a oposição da REN;

37. No âmbito deste processo n.º 365/17.5BEBRG-A, veio a ser proferida sentença em 13.11.2019, na qual se decidiu julgar improcedentes os pedidos formulados, não decretando as providências cautelares solicitadas – cf. documento n.º 2 junto com a oposição da REN;
38. Sendo que, sempre no âmbito do aludido processo n.º 365/17.5BEBRG-A, foi proferido acórdão pelo venerando Tribunal Central Administrativo Norte em 13.03.2020, que negou provimento ao recurso interposto da mencionada sentença – cf. documento n.º 3 junto com a oposição da REN;
39. Por fim, no que a este processo respeita, em 02.07.2020 foi proferido acórdão pela formação de apreciação preliminar do colendo Supremo Tribunal Administrativo, no sentido de não ser admitida a revista interposta do mencionado acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte – cf. documento n.º 4 junto com a oposição da REN;
40. A petição inicial que deu origem aos presentes autos foi apresentada em 10.11.2020 – cf. comprovativo de entrega junto aos autos.

E consignou, quanto aos factos não provados, não subsistirem, com relevo para a decisão a proferir, factos que tenham sido considerados como indiciariamente não provados.
**
B – De direito
1. Das decisões recorridas

São dois os recursos de apelação que vêm interpostos pela FREGUESIA DE (...), requerente no processo cautelar:

- o primeiro (de fls. 1370 SITAF) dirigido ao despacho de 13/11/2020 (fls. 1346 SITAF) do Mmº Juiz a quo pelo qual foi levantado o decretamento provisório da providência;
- o segundo (de fls. 1496 SITAF) dirigido à sentença de 17/12/2020 (fls. 1404 SITAF) que julgando improcedente a pretensão cautelar indeferiu o decretamento das providências cautelares requeridas.

Admitidos os recursos (por despacho de 21/01/2021, de fls. 1635 SITAF), com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo, foram os autos remetidos a este Tribunal Central Administrativo Norte.

Cumprindo, agora, de ambos conhecer. O que se passa a fazer.

2. Do recurso dirigido ao despacho de 13/11/2020 (fls. 1346 SITAF) do Mmº Juiz a quo pelo qual foi levantado o decretamento provisório da providência.
2.1 Da decisão recorrida

Pelo despacho de 13/10/2020 (fls. 254 SITAF) do Mmº Juiz a quo foi deferido o requerido decretamento provisório com intimação da requerida REN – Rede Elétrica Nacional, S.A., a abster-se de prosseguir quaisquer trabalhos que digam respeito à construção da linha de muito alta tensão em causa nos autos, no território abrangido pela FREGUESIA DE (...). Decretamento provisório que foi, entretanto, levantado por despacho de 13/11/2020 (fls. 1346 SITAF). Decisão que, tendo por base a matéria de facto que nela foi dada como provada (vertida supra), assentou na seguinte fundamentação, que se passa a transcrever:
«(…)
Cumpre proceder à análise jurídica do incidente.
Conforme se estabelece no art.º 131.º, n.º 6, do CPTA “mediante requerimento devidamente fundamentado, os requeridos, durante a pendência do processo cautelar, podem solicitar o levantamento ou a alteração da providência provisoriamente decretada, sendo o requerimento decidido por aplicação do n.º 2 do art.º 120.º, depois de ouvido o requerente pelo prazo de cinco dias e de produzida a prova que o juiz considere necessária.”
Ora, resulta deste preceito que o critério decisório colide com o chamado pressuposto da “ponderação de interesses”, um dos três requisitos legais subjacentes ao decretamento de providências cautelares. Quer isto dizer que, na decisão do incidente suscitado ao abrigo do n.º 6 do art.º 131.º do CPTA não são de considerar quaisquer razões relativas ao periculum in mora ou ao fumus boni iuris.
Isso mesmo explicam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha [Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª Edição, Almedina, 2017, pág. 1045]:
Estabelece, entretanto, o n.º 6 que o incidente é decidido por aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 120.º. Há, assim, lugar, nesta sede, à aplicação de um dos critérios gerais que o Código estabelece para a atribuição de providências cautelares, a única diferença residindo, a nosso ver,
na circunstância de a apreciação ainda dever ser, nesta sede, mais sumária e, portanto, perfunctória do que já é, em circunstâncias normais, nos processos cautelares. (…)”
Portanto, e sucintamente, o único critério a utilizar na decisão deste incidente é a ponderação de interesses, tal como esta se estabelece no art.º 120.º, n.º 2, do CPTA. E, claro está, como assinalam os autores citados, neste caso a análise será ainda mais perfunctória do que já o é no âmbito do contencioso cautelar; bem se compreende que assim seja, se pensarmos que o instituto do decretamento provisório é, ele próprio, e na sua essência, a tutela cautelar da tutela cautelar.
Vejamos, por isso, o que nos diz o art.º 120.º, n.º 2, do CPTA.
Aí se lê o seguinte:
2 – Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.”
Falam os autores acima citados [op. cit, págs. 975/976] de uma “cláusula de salvaguarda”, destinada a permitir “(…) que, no interesse dos demais envolvidos, a providência ainda seja recusada quando, pese embora o preenchimento, em favor do requerente, dos requisitos previstos no n.º 1, seja de entender que a sua adoção provocaria danos (ao interesse público e/ou de eventuais terceiros) desproporcionados em relação àqueles que se pretenderia evitar que fossem causados (à esfera jurídica do requerente).”
A propósito do art.º 29.º do requerimento apresentado para levantamento da providência provisoriamente decretada, esclareça-se que não está correta a suposição feita pela REN. Não foi o desrespeito pelo art.º 128.º do CPTA que determinou o decretamento provisório; foi, sim, a alegação de que, conhecida a mera instauração do processo, os trabalhos haviam aumentado de ritmo, de modo a frustrar, tanto quanto possível, o efeito do art.º 128.º do CPTA.
De todo o modo, cumpre dizer desde já que se considera dever ser levantado o decretamento provisório.
Ambas as partes falham, em certa medida, o respetivo ponto, na medida em que se perdem em considerações sobre a existência ou não de um possível facto consumado em decorrência do decurso das obras, quando, como visto, o art.º 131.º, n.º 6, do CPTA se limita a aplicar a este caso o critério da ponderação de interesses consagrado no art.º 120.º, n.º 2, do mesmo Código.
Apesar de tudo, falha menos a REN, que, aqui e ali, se vai referindo aos interesses que são invocados no requerimento inicial; e, apenas dos artigos 44.º em diante, se foca naquilo que realmente releva. Por arrasto, no exercício do contraditório as requerentes seguiram linha semelhante.
De todo o modo, sempre se dirá que, lendo também o requerimento inicial e a oposição já apresentada, é possível discernir os interesses em presença.
Assim, refira-se desde logo que, no que diz respeito à requerente (...) Solidário, os seus interesses são quase exclusivamente patrimoniais (está alegada a impossibilidade de construir novas instalações, numa fase ainda embrionária – e dizer “embrionária” já é muito favorável…), apenas se alegando a necessidade dessas instalações para prestação dos serviços sociais por si prosseguidos, designadamente o apoio à terceira idade. Da parte da freguesia, o interesse em questão também se assume em grande parte como patrimonial, com a impossibilidade de construção de um pavilhão desportivo.
No restante, as requerentes limitam-se a cómodas afirmações genéricas sobre a saúde pública e o ambiente, mas sem concretizarem factos verdadeiramente densificadores de prejuízos para esses interesses.
Por outro lado, atendendo à obra em questão nos presentes autos, e aos interesses que a mesma visa prosseguir no âmbito da distribuição de energia elétrica, mostra-se relevantíssimo o interesse público que lhe subjaz, desde logo porque se traduzirá na integração da rede de distribuição de um bem absolutamente essencial como é a energia elétrica.
Mais, está demonstrado que a obra em questão se encontra contemplada em documentos estruturantes, v.g., os Planos de Desenvolvimento e Investimento da Rede Nacional de Transporte de Eletricidade, designadamente para os períodos de 2018-2027 e 2020-2029. É também um assunto de Estado ao nível de relações internacionais, como resulta provado.
Dúvidas não subsistem, por isso, que a manutenção da providência provisoriamente decretada será muito mais prejudicial que o seu levantamento.
E mesmo que, como explicado, a questão da existência de facto consumado ou de prejuízos de difícil reparação não ocupe lugar nos critérios de decisão do incidente, sempre se dirá que, no final do dia, será possível desfazer e parte da linha em causa, desmontando as torres; mais, mesmo que a obra prossiga, alguns dos alegados perigos só se potenciariam com o funcionamento da linha, e não propriamente com a sua construção.
Não o diz a requerente, mas pode ainda acrescentar-se que, além do interesse público subjacente à obra, os danos que sofrerá também poderão ser muito superiores aos que resultam para as requerentes do levantamento da providência; é que, com toda a segurança, a paragem das obras traz custos, desde logo pelo eventual reequilíbrio financeiro dos contratos de empreitada estão associados à execução dos trabalhos, e que, numa obra desde género, seriam sempre apreciáveis.
Por outro lado, os argumentos que as requerentes apresentam em sua defesa, ou para desacreditarem o interesse público invocado pela REN, não levam a alterar o raciocínio. Desde logo, porque por exemplo não se trata de aumentar a capacidade de produção e de a rede continuar a funcionar – é que a energia produzida a mais tem de ser transportada, caso contrário, mais cedo ou mais tarde, perde-se. Não se pode confundir o aumento de produção com a capacidade de distribuição: se a primeira aumenta e a segunda não acompanha, o resultado é a total inutilidade do primeiro investimento. Depois, mal se compreende o argumento relativo aos compromissos assumidos pelo Estado português, como se do atraso, ou não concretização do projeto, não resultassem graves consequências para a imagem externa do país.
Assim sendo, e em suma, atendendo aos interesses em presença, justifica-se o levantamento da providência provisoriamente decretada.
**
Nos termos e pelos fundamentos expostos, determino o levantamento da providência cautelar provisoriamente decretada no nosso despacho de 13.10.2020.».

2.2 Da tese da recorrente

A recorrente FREGUESIA DE (...) no recurso que interpôs desta decisão pugna desde logo pela declaração de nulidade da decisão recorrida nos termos do artigo 615º nº 1 alíneas c) e d), e subsidiariamente, para o caso de assim não se entender, pela sua revogação, e que em qualquer dos casos deve ser proferida decisão que julgue procedente o pedido de decretamento da providência cautelar de suspensão de eficácia e de intimação à abstenção de uma conduta formulada pela requerente.

Vejamos.
2.3 Da apreciação e análise do recurso
2.3.1 Das invocadas nulidades da decisão recorrida – (conclusões A. a F. e V. a X. das alegações de recurso)

2.3.1.1 Sustenta a recorrente, nos termos em que expõe nas suas alegações de recurso, que a decisão de 13/11/2020 pela qual foi determinado o levantamento da providência cautelar que havia sido provisoriamente decretada, padece nulidade por oposição dos fundamentos com a decisão relativamente aos critérios geris da concessão de providências cautelares, por pelos mesmos fundamentos que antes havia decretado a providência, agora de forma contraditória, determinou por falta dos pressupostos gerais o levantamento do decretamento provisório decretado; que os pressupostos gerais que serviram ao decretamento provisório se mantém, contudo, inalterados, pelo que resulta dos mesmos a constituição do periculum in mora, e bem assim a adequação ou necessidade das providências – por constituírem questões intimamente conexas – as providências requeridas continuam a ser adequadas e necessárias ao fim visado, daí resultando a nulidade da decisão recorrida, por os fundamentos que trilhou não conduzirem à decisão que constitui o seu resultado lógico, sendo a mesma nula nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, ex vi do disposto no art.º 1.º do CPTA, por oposição dos fundamentos com a decisão tomada – (vide conclusões A. a F. das respetivas alegações de recurso).

E invoca ainda que a decisão foi proferida com violação do princípio do dispositivo nos termos do normativo inserto no artigo 264º nº 1 do CPC, sendo nula por violação do artigo 5º e 615º nº 1 alínea d) do CPC, tendo o Mmº Juiz a quo reconhecido, nas suas próprias palavras, que “Não o diz a requerente, mas pode ainda acrescentar-se que, além do interesse público subjacente à obra, os danos que sofrerá também poderão ser muito superiores aos que resultam para as requerentes do levantamento da providência; é que, com toda a segurança, a paragem das obras traz custos, desde logo pelo eventual reequilíbrio financeiro dos contratos de empreitada estão associados à execução dos trabalhos, e que, numa obra desde género, seriam sempre apreciáveis.” – (vide conclusões V. a X. das respetivas alegações de recurso).

2.3.1.2 Comecemos pela primeira invocação.

Como é sabido as situações de nulidade da sentença encontram-se legalmente tipificadas no artigo 615º nº 1 do CPC novo, aplicável ao contencioso administrativo ex vi do artigo 1º do CPTA, cuja enumeração é taxativa, ali se dispondo o seguinte:
É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar -se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”


As quais se aplicam igualmente, com as necessárias adaptações, aos despachos (cfr. artigo 613º nº 3 do CPC).

2.3.1.3 Em sintonia com o comando constitucional inserto no artigo 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa o artigo 154º do CPC novo dispõe sob a epígrafe “dever de fundamentar a decisão” que “…as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas” (nº 1), não podendo a justificação consistir “…na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade” (nº 2).

A fundamentação das decisões jurisdicionais, para além de visar persuadir os interessados sobre a correção da solução legal encontrada pelo Estado, através do seu órgão jurisdicional, tem como finalidade elucidar as partes sobre as razões por que não obtiveram ganho de causa, para as poderem impugnar perante o tribunal superior, desde que a sentença admita recurso, e também para este tribunal poder apreciar essas razoes no momento do julgamento.

2.3.1.4 Nesta decorrência a nulidade da sentença por contradição entre a decisão e os fundamentos prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC novo (correspondente ao artigo 668º do CPC antigo) tem como premissa a violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial. Com efeito entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. De modo que se o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, tal oposição será causa de nulidade da sentença – vide a este respeito Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, Coimbra Editora; Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, págs. 689 ss; José Lebre de Freitas, in “Código de Processo civil Anotado”, 2º Vol., Coimbra Editora, 2001, pág. 670, e Luís Filipe Brites Lameiras, in, “Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil”, Almedina, 2009, pág. 36 ss..

2.3.1.5 Para que ocorra nulidade da sentença por contradição entre a decisão e os fundamentos prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC, aplicável ao contencioso administrativo ex vi do artigo 1º do CPTA, tem que se estar perante um paradoxo ou incoerência de raciocínio, de modo que as premissas consideradas (fundamentos) não poderiam conduzir, de forma lógica, à conclusão (decisão) a que se chegou, mas a outra, oposta ou divergente.

2.3.1.6 Ora, como facilmente se verifica da leitura do despacho recorrido, tal não sucede na situação dos autos, não havendo incoerência, ou contradição lógica, entre os fundamentos e a decisão.

O que poderá ocorrer é erro de julgamento, se for de concluir que o Tribunal a quo fez uma incorreta subsunção dos factos ao direito, mas não nulidade decisória. O que são coisas diferentes.

2.3.1.7 Não se verificando a invocada nulidade decisória, não colhe, pois, o recurso nesta parte.

2.3.1.8 E também não se verifica a nulidade decisória prevista no artigo 615º nº 1 alínea d) do CPC.

2.3.1.9 A nulidade da sentença por excesso de pronúncia a que se refere a recorrente está diretamente relacionada com os comandos insertos no artigo 608º nº 2, segunda parte e artigo 609º nº 1 do CPC novo (correspondes aos artigos 660º e 661º do CPC antigo) de acordo com os quais, respetivamente, o juiz “…deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada para a solução dada a outras”, não podendo a sentença “…condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir”.

O limite à condenação na sentença, assim previsto no CPC, surge como corolário do princípio do dispositivo (cfr. artigos 5º nº 1 do CPC novo, correspondente ao artigo 264º nº 1 e 664º, 2ª parte, do CPC antigo) e visa impedir que o Tribunal se pronuncie para além daquilo que lhe foi pedido pelas partes quer em termos quantitativos quer qualitativos.

De modo que limitado pelos pedidos das partes, seja em termos de ação, seja em termos de defesa, o juiz não pode, na sentença, deles extravasar, não podendo pronunciar-se sobre mais do que o que foi pedido ou sobre coisa diversa daquela que foi pedida. De modo que o objeto da sentença deve coincidir com o objeto do processo, não podendo o juiz ficar aquém nem ir além do que lhe foi pedido – vide a este respeito, Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, Lex, Lisboa, 1997, pág. 222 ss., José Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado”, 2º Vol. Coimbra Editora, pág. 648 ss..

Simultaneamente, de acordo com o disposto no artigo 615º nº 1 alínea d) do CPC novo a sentença é nula quando o juiz “…conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

2.3.1.10 Na situação presente o despacho recorrido versou e decidiu o pedido de levantamento da providência provisoriamente que havia sido decretada, pedido que foi solicitado pela requerida REN – Rede Elétrica Nacional, SA. ao abrigo do disposto no artigo 131º nº 6 do CPTA.

2.3.1.11 Na decisão recorrida o Mmº Juiz a quo pronunciou-se sobre esse mesmo pedido, decidindo pelo seu levantamento. O que fez por aplicação do artigo 120º nº 2 do CPTA, para que remete o nº 6 do artigo 131º do CPTA, como referiu.

E aí atendeu, como mencionou na fundamentação da decisão, aos interesses públicos e privados em presença e aos danos que para eles resultariam com a manutenção ou levantamento do decretamento provisório da providência.

2.3.1.12 Neste contexto, não só a decisão de levantamento do decretamento provisório da providência se encontra balizada pelo pedido que nesse sentido foi formulado pela requerida REN – Rede Elétrica Nacional, SA, como a apreciação que dele foi feita não extravasou as questões essenciais que havia a apreciar e decidir, à luz do respetivo critério decisório a que tal decisão se encontrava sujeita.

2.3.1.13 Pelo que não é de concluir, também aqui, pela apontada nulidade decisória, que não se verifica. Não colhendo, pois, o recurso também nesta parte.

2.3.2 Do apontado erro de julgamento – (conclusões G. a U. das alegações de recurso)

2.3.2.1 Defende também a recorrente, que a decisão de 13/11/2020 pela qual foi determinado o levantamento da providência cautelar que havia sido provisoriamente decretada, incorreu em erro de julgamento. Sustenta para o efeito, nos termos em que expõe nas suas alegações de recurso e reconduz à respetiva conclusões G. a U., que a decisão recorrida resulta de uma errada apreciação dos interesses em presença, para efeitos da ponderação exigida pelo art.º 120.º, n.º 2, do CPTA; que da matéria de facto dada como provada não é possível deduzir qual o impacto que a suspensão ou não suspensão da construção da linha vai ter na distribuição da energia elétrica; que igualmente não é possível aferir se o fornecimento do “bem absolutamente essencial” vai de alguma forma ser alterado e que assim não resulta de nenhum lado que a capacidade de produção de energia está a aumentar, ou que se a linha não for construída, ou no caso suspensa a construção, que a eletricidade se vai perder como afirmado pelo Tribunal a quo; que a decisão recorrida tirou conclusões sobre matérias que nem sequer foram alegadas pelas partes e se pronunciou erradamente sobre as consequências da manutenção da providência para a imagem externa de Portugal, mas que no entanto, não resulta da matéria dada como provada quais serão as graves consequências para a imagem externa do país, e que também não foi alegado se Portugal se comprometeu com prazo de construção da Linha de Muito Alta Tensão em causa; que no entanto o Tribunal a quo assumiu que a suspensão da construção da Linha de Muita Alta Tensão vai significar um atraso na concretização do projeto quando não sabe até quando é que Portugal acordou com Espanha na construção da Linha de Muita Alta Tensão em causa; que acresce ainda que este interesse publico referido pelo Tribunal a quo não é atual, por ser baseado numa eventualidade, ou seja, na suspensão da construção de uma Linha de Muito Alta Tensão, que obviamente, não está sequer em funcionamento, e que se o interesse publico não é sequer atual, não pode sair prejudicado como se faz entender na decisão recorrida; que, assim, o decretamento das providencias requeridas não se mostra “relevantíssimo” para o interesse publico, pois, a Linha objeto do ato suspendendo ainda nem sequer está em funcionamento, não tendo sido sequer alegado que consequências para o cidadão comum pode trazer; que nas palavras do Tribunal a quo a consequência é que a energia poderá “perder-se”, e que mal andou a decisão recorrida ao considerar o decretamento das providencias relevantíssimo para o interesse publico, quando esse interesse publico não existe na atualidade nem resultou provado que possa existir com segurança, sendo meramente eventual e residual; que, por outro lado, dúvidas não podem existir de que a construção da linha impede a construção de equipamentos essenciais para a população de (...), e, portanto, enquanto a Linha não é atualmente necessária, atualmente as requerentes estão impedidas de construir os equipamentos projetados; e que assim sendo, os interesses que se almejam salvaguardar com o decretamento das providências claramente superior aos danos para o interesse publico, devem ser decretadas, sem mais, as providencias requeridas.

2.3.2.2 Comecemos por atentar no enquadramento da decisão recorrida.

2.3.2.3 De harmonia com o disposto no artigo 131º do CPTA “…quando reconheça a existência de uma situação de especial urgência, passível de dar causa a uma situação de facto consumado na pendência do processo, o juiz, no despacho liminar, pode, a pedido do requerente ou a título oficioso, decretar provisoriamente a providência requerida ou aquela que julgue mais adequada, sem mais considerações, no prazo de 48 horas, seguindo o processo cautelar os subsequentes termos dos artigos 117.º e seguintes.” (nº 1) podendo o decretamento provisório também ter lugar durante a pendência do processo cautelar, com fundamento em alteração superveniente dos pressupostos de facto ou de direito” (nº 2), sendo que “…quando as circunstâncias imponham que o decretamento provisório seja precedido da audição do requerido, esta pode ser realizada por qualquer meio de comunicação que se revele adequado” (nº 3).

2.3.2.4 Na situação presente os requerentes da providência haviam requerido logo no requerimento inicial da providência o decretamento provisório. Pedido que foi, todavia, indeferido no despacho liminar de 07/10/2020 (fls. 220 SITAF), com os seguintes fundamentos:
«Ora, no caso concreto não se justifica o requerido decretamento. Com efeito, e desde logo, importa ter em consideração que, para além da providência em concreto visada no pedido de decretamento provisório, as requerentes também pretendem a suspensão de eficácia de dois atos administrativos: da declaração de impacte ambiental, proferida pela APA, aqui requerida; e do despacho de 27.03.2019 proferido pelo Sr. Diretor-Geral de Energia e Geologia, de concessão de licença de estabelecimento de linha de muito alta tensão.
Ou seja, encontrando-se peticionada a suspensão dos efeitos dos atos administrativos identificados, tem aplicação in casu o mecanismo previsto no art.º 128.º do CPTA, do qual decorre a proibição de executar, ou continuar a executar, os atos cuja suspensão é requerida.
Claro está que não queremos dizer que nos casos em que tem aplicação o disposto no art.º 128.º do CPTA não se pode requerer o decretamento provisório de certa providência – naturalmente que a aplicação de um instituto não invalida o outro. Porém, a questão coloca-se a outro nível, ou seja, consiste em saber se o mecanismo previsto no art.º 128.º é suficiente para acautelar provisoriamente a posição do requerente do processo cautelar.
E, no caso concreto, assim sucede. É que, mesmo que se constate que é a requerida REN a responsável pela execução dos trabalhos, sendo os atos a suspender da autoria de outras entidades, há que ter em consideração o disposto no art.º 128.º, n.º 2, do CPTA, segundo o qual sem prejuízo do previsto na parte final do número anterior, deve a entidade citada impedir, com urgência, que os serviços competentes ou os interessados procedam ou continuem a proceder à execução do ato.
O que significa que os requeridos Ministério e APA estão obrigados a impedir, com urgência, e de imediato, que a REN prossiga os trabalhos – além de estar também ficar abrangida pela proibição do n.º 1 diretamente, na qualidade de beneficiária do ato. E mesmo que venha a ser apresentada resolução fundamentada, terão sempre as requerentes, mediante a verificação de atos de execução, a possibilidade de discutir as suas razões, pelo que o tribunal sempre poderá, por essa via, intervir. Além de que, se o processo cautelar realmente demorar, não fica afastada a possibilidade de requerer novo decretamento provisório, conforme previsto no n.º 2 do art.º 131.º do CPTA.
Portanto, e em síntese, por ora o art.º 128.º do CPTA acautela os interesses das requerentes. E, prosseguindo a obra, nomeadamente por via de apresentação de resolução fundamentada, não fica coartado o direito a discutir as razões que conduzem ao prosseguimento, bem como não é de excluir que, caso se constate a possibilidade de a obra avançar rapidamente, se peticione novo decretamento na pendência da ação, com fundamento em alteração superveniente dos pressupostos de facto ou de direito.
Mas, por ora, nesta fase liminar, e em face do exposto, não se justifica decretar provisoriamente a providência em causa.»

2.3.2.4 Mas os requerentes formularam novo pedido de decretamento provisório, o que fizeram com fundamento em alteração superveniente de pressupostos de facto, através do requerimento de 12/10/2020 (fls. 234 SITAF), alegando, em suma, que a requerida REN, alertada para a admissão do processo cautelar redobrou os esforços para construção da linha de muito alta tensão em (...), deslocando para um terreno junto à torre 44B, nas imediações do campo de futebol da FREGUESIA DE (...), um grande número de homens e maquinaria de grande porte, procedendo à edificação da referida torre; que foi dada prioridade de construção da Linha na FREGUESIA DE (...), sendo notório que a requerida REN quer construir toda a linha na FREGUESIA DE (...), antes de qualquer decisão judicial; que o processo cautelar foi admitido, e daí resultam todas as consequências inerentes à aplicação do artigo 128º do CPTA; que as requeridas querem, no entanto, a construção da linha de modo a constituir assim uma situação de facto consumado.

Pedido que veio a ser deferido por despacho de 13/10/2020 (fls. 254 SITAF), sem audição prévia dos requeridos. Decisão que assentou na seguinte fundamentação essencial, que se passa a transcrever: «(…)o indeferimento do decretamento provisório teve, no essencial, e por base, dois fundamentos: a suficiência do mecanismo consagrado no art.º 128.º do CPTA, na medida em que estava peticionada a suspensão de eficácia de dois atos que são pressupostos da possibilidade de execução dos trabalhos; e a circunstância de a obra se encontrar no seu início e, em princípio, até à citação (v.g., até operar o art.º 128.º do CPTA) não ficar inviabilizado qualquer efeito útil da decisão cautelar (remetendo-se para um eventual incidente de declaração de ineficácia de atos de execução indevida a apreciação da eventual continuação dos trabalhos).
Tudo isto tinha por base, naturalmente, e como não podia deixar de ser, o desenvolvimento normal dos trabalhos associados a uma empreitada da envergadura daquela que era descrita no requerimento inicial.
Cuida-se, porém, que em face do agora referido, tais pressupostos efetivamente se alteraram. Desde logo, porque o desenvolvimento apressado dos trabalhos é sinal da tentativa de obviar à produção dos efeitos decorrentes da aplicação do disposto no art.º 128.º do CPTA, pelo que o anterior argumento (baseado, como se disse, na circunstância de entre o momento da admissão e o da citação não decorrer tempo suficiente para permitir a constituição de qualquer facto consumado, dada a envergadura da empreitada) que sustentou a recusa do decretamento provisório caiu por terra.
Com efeito, é de adivinhar que o risco de ser apresentada uma situação de facto consumado é agora muito mais elevado, prejudicando com isso a efetividade da tutela cautelar.
Em seguida, importa também sublinhar que, dada a alegação apresentada, tomada como boa para este propósito, o mecanismo previsto no art.º 128.º do CPTA deixou também de apresentar a mesma efetividade sob o ponto de vista do respeito pela tutela cautelar. Isto é, não é agora garantido que as entidades em causa aceitem a aplicação daquele mecanismo automático, pelo que se impõe a definição mais segura da situação pela pronúncia provisória do tribunal. E, neste caso, por via da obrigação imposta às entidades requeridas no sentido de solicitarem o levantamento ou a alteração da providência, nos termos do n.º 6 do art.º 131.º do CPTA. O mesmo é dizer que a iniciativa deixa de pertencer às requerentes (que teriam de deduzir o incidente de declaração de ineficácia de atos de execução indevida, mesmo no caso de ser apresentada resolução fundamentada), e passa a pertencer às requeridas, que terão de pedir o levantamento ou a alteração da providência provisoriamente decretada (cf. art.º 131.º, n.º 6, do CPTA).
Assim sendo, e em síntese, a situação relatada revela a possibilidade de ocorrência de um facto consumado, pela conclusão, ou pelo estado altamente adiantado, dos trabalhos inerentes à empreitada, impondo-se, assim, o decretamento provisório da providência, como forma de obviar a que a tutela cautelar perca qualquer efeito útil.
Em concreto, as requerentes pedem que o tribunal decrete provisoriamente a providência de intimação para abstenção de conduta por parte da REN, v.g., de suster a execução dos trabalhos de construção da linha de muito alta tensão (na área geográfica da FREGUESIA DE (...), como se depreende).
Com efeito, tal providência mostra-se adequada à garantia da tutela cautelar, dado que, sustendo os trabalhos, as providências requeridas não ficarão, em caso algum, prejudicadas, nomeadamente as que respeitem à suspensão de eficácia de atos administrativos.
O que, em conformidade, se decide.
Nos termos e pelos fundamentos expostos, defiro o decretamento provisório requerido e, em consequência, intimo a requerida REN – Rede Elétrica Nacional, S. A., a abster-se de prosseguir quaisquer trabalhos que digam respeito à construção da linha de muito alta tensão em causa nos autos, no território abrangido pela FREGUESIA DE (...)».

Decisão de que as partes foram notificadas por ofícios remetidos de 14/10/2020 (fls. 258-262 SITAF).

Foram ainda juntas aos autos, duas resoluções fundamentadas. Uma em 15/10/2020 (fls. 264-268 SITAF) pelo Presidente do Conselho Diretivo da AGÊNCIA PORTUGUESA DO AMBIENTE, IP, datada de 14/10/2020 (pela qual reconheceu, para efeitos do disposto no artigo 128º nº 1 do CPTA, “os graves prejuízos para o interesse público resultantes de um eventual diferimento na execução da Declaração de Impacte Ambiental (DIA), proferida em 21/11/2016, relativa ao projeto "Linha Ponte de Lima - Vila Nova de Famalicão, a 400 kV (Troço Intermédio)", em fase de projeto de execução, bem como, ainda, consequentemente, de todos os atos de licenciamento e de execução do referido projeto que dependem da manutenção da sua plena eficácia jurídica”); outra em 26/10/2020 (fls. 832 SITAF), pelo Secretário de Estado Adjunto e da Energia (pela qual se entendeu “por fundamentado que qualquer diferimento da execução dos atos administrativos postos em crise em juízo, o embargo da obra em causa, ou a determinação de abstenção da prática de qualquer conduta ou operação material com vista à implementação no terreno da construção da Linha aérea Ponte de Lima – Vila Nova de Famalicão a 400 kV é especialmente onerosa e gravemente prejudicial para o interesse público, devendo manter-se a respetiva prossecução, em consequência dos atos procedimentais já emanados e nos termos estipulados”).

2.3.2.5 E em 21/10/2020 a requerida REN – REDE ELETRICA NACIONAL, SA veio requerer ao Tribunal a quo (fls. 311 SITAF), ao abrigo do disposto no art.º 131º nº 6 do CPTA, o levantamento do decretamento provisório da providência, pugnando, em suma, que os interesses públicos em presença, que explicitou no requerimento, sobrelevam de modo inequívoco face aos interesses localizados invocados pelas Requerentes.

Determinada a audição das partes, nos termos do despacho do Mmº Juiz a quo de 23/10/2020 (fls. 528 SITAF), pronunciaram-se as requerentes na providência, a FREGUESIA DE (...) e a Associação (...) Solidário, IPSS em 30/10/2020 (fls. 1282 SITAF), defendendo a manutenção do decretamento provisório.

Após o que o Mmº Juiz a quo, por decisão de 13/11/2020 (fls. 1346 SITAF), levantou o decretamento provisório da providência (cujos respetivos fundamentos já se transcreveram supra).

2.3.2.6 Na sua atual versão, o artigo 131º do CPTA, afasta-se, de modo significativo daqueles que eram os pressupostos do decretamento provisório da providência que eram considerados exigidos na versão anterior à revisão operada pelo DL. nº 214-G/2015, de 2 de outubro, tendo sido eliminada a referência ao risco da lesão iminente e irreversível de direitos, liberdades e garantias que de outro modo não possam ser exercidos em tempo útil, a que o nº 1 então aludia, bastando-se agora com a “…existência de uma situação de especial urgência, passível de dar causa a uma situação de facto consumado na pendência do processo”.

Admite-se, assim, a possibilidade do decretamento provisório em todos os casos em que se entenda existir uma situação de especial urgência, passível de dar causa a uma situação de facto consumado na pendência do processo, o que encontra justificação constitucional na garantia do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva (cfr. artigos 20º e 268º nº 4 da CRP).

O decretamento provisório de providências cautelares destina-se, assim, a prevenir o periculum in mora do próprio processo cautelar, evitando os danos irreversíveis que possam ocorrer na pendência desse processo.

Pelo que, o decretamento provisório não depende da aplicação dos critérios do artigo 120º do CPTA mas da existência de uma situação de especial urgência que não se compadeça com a delonga do próprio processo cautelar, e que seja passível de dar causa a uma situação de facto consumado na pendência desse processo, que é o que dispõe o artigo 131º nº 1 do CPTA.

2.3.2.7 Simultaneamente, as alterações introduzidas pelo DL. nº 214-G/2015 a este artigo 131º do CPTA simplificaram também o procedimento. Na versão anterior o decretamento provisório da providência comportava duas fases, em que na primeira o decretamento provisório era apenas e só preliminarmente decretado, destinando-se a vigorar apenas durante um período de tempo limitado e necessário, até que, num segundo momento, de verificação necessária (regulado no n.º 6 na redação de então), se procedesse à avaliação se o decretamento provisório devia ser levantado, alterado ou mantido, cabendo ao juiz decidir, em definitivo, pelo levantamento, manutenção ou alteração da providência provisoriamente decretada.

Atualmente aquela segunda fase, de existência necessária, foi substituída pela possibilidade de os requeridos, durante a pendência do processo cautelar, desencadearem um incidente dirigido a obter o levantamento ou a alteração da providência provisoriamente decretada.

Com efeito, nos termos disposto no nº 6 do artigo 131º do CPTA, na sua redação atual, “…mediante requerimento devidamente fundamentado, os requeridos, durante a pendência do processo cautelar, podem solicitar o levantamento ou a alteração da providência provisoriamente decretada, sendo o requerimento decidido por aplicação do n.º 2 do artigo 120.º, depois de ouvido o requerente pelo prazo de cinco dias e de produzida a prova que o juiz considere necessária”.

Assim, quando tenha havido lugar ao decretamento provisório de providência os requeridos poderão desencadear um incidente dirigido a obter o levantamento ou a alteração da providência provisoriamente decretada, mediante requerimento devidamente fundamentado, onde os requeridos poderão fazer valer as suas razões. Sendo a decisão sobre o incidente tomada, nos termos do inciso constante do nº 6, “…por aplicação do nº 2 do artigo 120º”.

2.3.2.7 Do confronto entre o disposto no nº 1 e o disposto no nº 6 do artigo 131º do CPTA, emerge que a providência cautelar poderá ser decretada provisoriamente quando seja de reconhecer a existência de uma situação de especial urgência passível de dar causa a uma situação de facto consumado na pendência do processo cautelar, mas que esse decretamento provisório poderá ser levantado (ou modificado) sob requerimento da parte interessada, se ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua manutenção se mostrem superiores àqueles que poderiam resultar do seu levantamento, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.

2.3.2.8 Será, pois, esse o critério decisório para o incidente de levantamento do decretamento provisório da providência, o da ponderação dos danos que resultariam para os interesses públicos e privados em presença, com a sua manutenção.

Na lógica de que a existência de uma situação de especial urgência passível de dar causa a uma situação de facto consumado na pendência do processo cautelar, que nos termos do nº 1 justificou o decretamento provisório da providência, cede se os requeridos alegarem e demonstrarem que a sua manutenção causa danos para os interesses públicos e privados que se mostram superiores àqueles que podem resultar do seu levantamento.

2.3.2.9 No processo cautelar vem pedida a decretação de providência cautelar de suspensão de eficácia do despacho de 27/03/2019 do Diretor-Geral de Energia e Geologia pelo qual foi emitida à REN a licença de estabelecimento da Linha de Muito Alta Tensão identificada nos autos, bem como da Declaração de Impacte Ambiental favorável, emitida em 21/11/2016, que a precedeu, e decretada embargada a obra consubstanciada na construção da “linha aérea dupla, a 400kV, Ponte de Lima – Vila Nova de Famalicão”, cujos trabalhos já se haviam então iniciado.

Resulta dos factos dados como provados na decisão recorrida (os quais não vêm impugnados no recurso), que em 07/10/2020 a REN se encontrava a executar trabalhos de instalação da linha em causa, através de empreiteiros e subempreiteiros, de acordo com a calendarização definida para a obra (vide M. e N. do probatório); que a obra em questão, de construção da linha de muito alta tensão, se encontra contemplada nos “Planos de Desenvolvimento e Investimento da Rede Nacional de Transporte de Eletricidade” para os períodos de 2018-2027 e 2020-2029, sendo aí considerada como essencial ao projeto de interligação da rede nacional a Espanha, a 400Kv, na região da Galiza; que o projeto de interligação referido continua em curso, quanto à sua implementação, tendo o respetivo estudo de impacte ambiental em fase de estudo prévio sido objeto de recente consulta pública, e que no mês de outubro de 2020, na declaração conjunta emitida na sequência da Cimeira Hispano-Portuguesa, os dois Estados afirmaram que “acolhem com particular satisfação o decisivo progresso alcançado em determinar uma solução técnica e ambientalmente viável para ambas as partes, que torne possível a interconexão entre Espanha (Galiza) e Portugal (Alto-Minho) (vide R., S. e T. do probatório).

2.3.2.10 Neste contexto o Tribunal a quo não deixou de considerar que atendendo à obra em questão e aos interesses que a mesma visa prosseguir no âmbito da distribuição de energia elétrica, se mostra relevantíssimo o interesse público que lhe subjaz. E contrapondo com os interesses que as requerentes visam defender no processo cautelar considerou que a manutenção da providência provisoriamente decretada seria muito mais prejudicial que o seu levantamento. E essa conclusão é de manter.

2.3.2.11 Note-se que os requerentes sustentaram no requerimento inicial do processo cautelar que a construção da linha de muito alta tensão impedirá a construção de um pavilhão gimnodesportivo, com perda do financiamento prometido para a sua construção, causará danos para a saúde da população, perturbando o seu sossego e descanso pelo ruído que produzirá, trará a desvalorização do parque habitacional e da paisagem bucólica da freguesia, além de serem perigosas as próprias obras durante a sua execução e que em concreto quanto à associação, ficará privada de construir o edifício multiusos que já se encontra projetado e com parte do financiamento obtido. Tendo no requerimento de resposta ao pedido de levantamento do decretamento provisório da providência referido, ainda, que a Linha de Muito Alta Tensão conforme está planeada, além de danos não patrimoniais, está a causar já outros danos, nomeadamente, a impossibilidade de as requerentes construírem novas instalações e um pavilhão gimnodesportivo já há muito planeados, que assim não se está só a falar das consequências após a construção das torres e instalação das linhas, mas sim da própria edificação das torres que causa danos e prejuízos às requerentes, e que mesmo depois de ser dada razão às requerentes, o prejuízo causado pela construção das torres e instalação a linha é já irreparável, e não se sana com o retirar ou desvio das torres, não existindo nenhum fundamento para o levantamento do decretamento provisório (vide artigos 26º, 27º e 28º daquele seu articulado).

2.3.2.12 Ora, desde logo, e no que tange à impossibilidade de edificação das novas instalações ou de um pavilhão gimnodesportivo, ambicionado pelas requerentes, a decretação da providência não tem a virtualidade de a afastar. A providência cautelar provisoriamente decretada apenas será hábil a impedir a prossecução das obras de construção e instalação da linha de muito alta tensão, até que seja definitivamente decidido o processo cautelar.

E quanto aos demais prejuízos invocados, eles cedem na ponderação com os causados aos interesses que a instalação da linha de muito alta tensão visa prosseguir. E se não está em causa, ainda, o funcionamento da linha de muito alta tensão, mas apenas as obras em curso para a sua instalação, é inegável que a suspensão dos trabalhos causará atraso na execução da obra, e o consequente funcionamento e utilização da linha. Não se impondo, para a conclusão firmada, a medição do impacto que a suspensão ou não suspensão da construção da linha vai ter na distribuição da energia elétrica.

Lembre-se que na ponderação a que alude o nº 2 do artigo 120º do CPTA, para que remete o nº 6 do artigo 131º, o que importa é averiguar dos danos que possam resultam da concessão, por um lado, ou da recusa, por outro, da providência cautelar requerida, em termos que, como evidencia José Carlos Vieira de Andrade, in “A Justiça Administrativa (Lições)”, Almedina, Coimbra, 5ª Edição, Fevereiro 2004, pp. 329 a 331 “Não se trata aqui de ponderar o interesse público com o interesse privado, mesmo que muitas vezes o interesse do requerido seja o interesse público e o interesse do requerente seja o interesse privado: o que está aqui em conflito são os resultados ou os prejuízos que podem resultar para os interesses, da concessão ou da recusa da concessão, para todos os interesses envolvidos, sejam públicos, sejam privados. Na realidade, o que está em causa não é ponderar os valores ou interesses entre si, mas danos ou prejuízos e, portanto, os prejuízos reais, que numa prognose relativa ao tempo previsível da duração da medida, e tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, resultariam da recusa ou da concessão (plena ou limitada) da providência cautelar.

E igualmente a respeito da ponderação prevista no nº 2 do artigo 120º do CPTA sumariou-se no Acórdão do STA de 27/11/2014, Proc. n.º 0844/14 o seguinte: V - A imposição da «recusa» da adoção da providência requerida, tal como é consagrada pelo nº2 do artigo 120º do CPTA, emerge de três juízos que, apesar de interativos, são metodologicamente distintos: - o juízo de ponderação sobre os interesses públicos e privados, em presença; - o juízo sobre a superioridade dos danos que resultariam da concessão da providência, em face daqueles que podem resultar da sua recusa; - e o juízo sobre a possibilidade de evitar ou de atenuar aqueles primeiros danos, através da adoção de outras providências”.

Por outro lado, quando os danos para os interesses em jogo não são quantificáveis, a ponderação a que alude o nº 2 do artigo 120º do CPTA haverá de ser feita com base na relação de grandeza, extensão e dimensão comparativa, num juízo avaliativo não meramente quantitativo, havendo que atender-se às circunstâncias do caso. Nesse sentido vide, a título ilustrativo, vide os acórdãos do TCA Sul de 16/03/2017, Proc. nº 999/16.5BESNT, e de 28/01/2016, Proc. 12675/15, in, www.dgsi.pt/jtcas, ambos por nós então relatados, e entre outros, os acórdãos deste TCA Norte de 22/01/2021, Proc. nº 00945/20.1BEPRT e de 13/11/2020, Proc. nº 00957/20.5BEPRT, in, www.dgsi.pt/jtcn, este em que, entre o demais, se sumariou que «(…) Quando os danos para os interesses em jogo não são quantificáveis a ponderação a que alude o nº 2 do artigo 120º do CPTA haverá de ser feita com base na relação de grandeza, extensão e dimensão comparativa, num juízo avaliativo não meramente quantitativo, havendo que atender-se às circunstâncias do caso. (…)».

2.3.2.13 Assim, e sem necessidade de mais considerações, deve confirmar-se a decisão que levantou a providência provisoriamente decretada, negando-se provimento a este recurso.

3. Do recurso dirigido à sentença de 17/12/2020 (fls. 1404 SITAF)
3.1 Da decisão recorrida

Pela sentença de 17/12/2020 (fls. 1404 SITAF) o Tribunal a quo considerando não verificados os requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris julgou improcedente a pretensão cautelar indeferindo o decretamento das providências cautelares requeridas.

3.2 Da tese do recorrente

A recorrente começa por invocar que a sentença recorrida padece de nulidade por não realização da audiência da discussão e julgamento e realização dos meios de prova requeridos pelas partes, por o preceito do artigo 118º nº 5 do CPTA se destinar aos casos em que não existe matéria controvertida ou em que se torna desnecessário o julgamento por falta dos demais requisitos necessários à procedência da providência cautelar, pelo que se tornaria inútil a realização do mesmo, e que não sendo o caso, não poderia o Mmº Juiz a quo ter dispensado a realização de discussão e julgamento – (vide conclusões 1ª a 12ª das alegações de recurso). Defende também que que o Tribunal a quo fez uma errada apreciação dos interesses em presença, para efeitos da ponderação exigida pelo artigo 120º nº 2 do CPTA e que ao contrário do decidido os pressupostos do periculum in mora e do fumus boni iuris para a decretação da providência estão preenchidos – (vide conclusões 13ª a 47ª das alegações de recurso).

3.3 Da apreciação e análise do recurso
3.3.1 Da invocada nulidade (processual) – (vide conclusões 1ª a 12ª das alegações de recurso)

3.3.1.1 A respeito da produção de prova em sede cautelar dispõe o artigo 118º do CPTA o seguinte:
“Artigo 118.º
Produção de prova
1 - Juntas as oposições ou decorrido o respetivo prazo, o processo é concluso ao juiz, podendo haver lugar a produção de prova, quando este a considere necessária.
2 - Na falta de oposição, presumem-se verdadeiros os factos invocados pelo requerente.
3 - O juiz pode ordenar as diligências de prova que considere necessárias, não sendo admissível a prova pericial.
4 - O requerente não pode oferecer mais de cinco testemunhas para prova dos fundamentos da pretensão cautelar, aplicando-se a mesma limitação aos requeridos que deduzam a mesma oposição.
5 - Mediante despacho fundamentado, o juiz pode recusar a utilização de meios de prova quando considere assentes ou irrelevantes os factos sobre os quais eles recaem ou quando entenda que os mesmos são manifestamente dilatórios.
6 - As testemunhas oferecidas são apresentadas pelas partes no dia e no local designados para a inquirição, não havendo adiamento por falta das testemunhas ou dos mandatários.
7 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, e estando a parte impossibilitada de apresentar certa testemunha, pode requerer ao tribunal a sua convocação.”

3.3.1.2 A recorrente sustenta que a não realização de diligências de prova ao abrigo do disposto no artigo 118º nº 5 do CPTA se destina aos casos em que não existe matéria controvertida ou casos em que se torna desnecessário o julgamento por falta dos demais requisitos necessários à procedência da providência cautelar, pelo que se tornaria inútil a realização do mesmo, o que não é o caso, e que não poderia o Mmº Juiz a quo tê-la dispensado; que o Tribunal a quo, não querendo permitir a realização de diligências de prova nos termos do artigo 118º nº 5 do CPTA, deveria, pelo menos, previamente ter facultado às partes a discussão de facto e de direito, o que se impunha e assim não aconteceu; que existe matéria de facto controvertida sobre a qual poderia e devia ter sido produzida prova adicional, nomeadamente quanto aos factos constantes dos artigos 65º a 128º e 129º a 159º do requerimento inicial da providência, que não constando dos factos provados, nem dos não provados, se constata que foram dados como irrelevantes e que foram convenientemente alegados os prejuízos em causa e com toda a certeza seria cabalmente provados e concretizados com a realização da audiência de discussão e julgamento.

3.3.1.3 A final do respetivo requerimento inicial as requerentes arrolaram duas testemunhas e requereram as declarações de parte do presidente da Junta de Freguesia de (...).

Mas a mera circunstância de ter sido requerida pela parte, em sede de processo cautelar, a produção de prova, não implica que necessariamente o Tribunal a quo esteja adstrito à realização das respetivas diligências, como claramente decorre do disposto no artigo 118º nºs 1, 3 e 5 do CPTA.

3.3.1.4 Na situação presente o Mmº Juiz a quo preliminarmente à prolação da sentença proferiu o seguintes despacho:
«Compulsados os presentes autos, bem como os documentos que os integram, e ainda os que constam dos processos administrativos relativos às decisões impugnadas, e tomando ainda em conta a posição assumida pelas partes nos respetivos articulados, estão reunidas condições para proferir decisão sobre os pedidos formulados.
Como resulta do art.º 118.º, n.º 5, do CPTA “mediante despacho fundamentado, o juiz pode recusar a utilização de meios de prova quando considere assentes ou irrelevantes os factos sobre os quais eles recaem ou quando entenda que os mesmos são manifestamente dilatórios.”
Assim, nos termos expostos, dispenso a realização dos demais meios de prova requeridos pelas partes, nomeadamente quanto à prova testemunhal arrolada, passando a proferir sentença.»

3.3.1.5 É consabido que ao requerente de uma providência cautelar incumbe desde logo o ónus de alegação dos factos integradores dos elementos constitutivos do direito à obtenção da tutela cautelar, o que implica que deve ser feita no requerimento inicial do processo cautelar a alegação de factos concretos que, uma vez provados, permitam ao tribunal extrair as conclusões de que a lei faz depender a procedência da pretensão, mais do que a alegação dos pressupostos normativos.

O que decorre desde logo do princípio do dispositivo, ínsito no artigo 5º do CPC novo, aqui aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA, nos termos do qual cabe à parte interessada a alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir.

O que não deixa de ser também explicitado no artigo 114º nº 3 alínea g) do CPTA nos termos do qual deve o requerente de uma providência cautelar, no seu requerimento inicial, especificar os fundamentos do pedido.

O que significa que cabe ao requerente alegar os factos concretos e as razões de direito que constituem a causa de pedir da concreta pretensão cautelar que deduza, e que em sua opinião demonstram o preenchimento dos requisitos de que depende a procedência do pedido cautelar formulado, e por conseguinte, a adoção da providência requerida.

Deste modo, recai sobre o requerente o ónus de alegação, não podendo o Tribunal substituir-se ao requerente, a não ser na atendibilidade de factos complementares ou instrumentais que resultem da instrução e bem assim, claro está, daqueles que sejam de seu conhecimento oficioso (cfr. artigo 5º nºs 1 e 2 alíneas a), b) e c) do CPC novo), (neste sentido, vide Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, pág. 114 ss.).

3.3.1.6 Por outro lado, da conjugação do ónus, a cargo do requerente de uma providência cautelar, de no seu requerimento inicial especificar os fundamentos do pedido cautelar, alegando os factos integradores da causa de pedir da concreta pretensão cautelar, nos termos do princípio do dispositivo e do especificamente disposto no artigo 114º nº 3 alínea g) do CPTA, com o efeito cominatório previsto no artigo 118º nº 2 do CPTA de acordo com o qual “na falta de oposição presumem-se verdadeiros os factos invocados pelo requerente”, fazendo corresponder, assim, à falta de impugnação à admissão, por acordo, dos factos alegados, tem que considerar-se que as «diligências de prova necessárias», à luz do disposto do artigo 118º nº 3 do CPTA haverão de incidir desde logo sobre os factos que se mostrem controvertidos, designadamente por terem si alvo de impugnação na oposição, e dentro desses os que importem para a decisão da causa em conformidade com os critérios decisórios insertos no artigo 120º do CPTA.

3.3.1.7 Isto sem prejuízo de não ter o juiz cautelar que se satisfazer com as provas carreadas ou requeridas pelas partes, podendo ordenar a produção de outros meios de prova que considere necessárias em face das questões suscitadas e a decidir, à luz do princípio da inquisitoriedade na averiguação da verdade material, como também decorre do disposto no artigo 118º nº 3 do CPTA (vide a este respeito Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, pág. 597 ss. e José Manuel Santos Botelho, in, Contencioso Administrativo – Anotado – Comentado - Jurisprudência, Almedina, 2002, pág. 664).

3.3.1.8 Assim, apenas cumpre ao juiz cautelar levar a cabo as diligências de prova relativamente a factos concretos que se mostrem controvertidos, designadamente por terem si alvo de impugnação na oposição, e dentro desses os que importem para a decisão da causa em conformidade com os critérios decisórios insertos no artigo 120º do CPTA – (entre muitos outros, vide, a título ilustrativo os acórdãos do TCA Sul de 10/08/2015, Rec. n.º 12.424/15 (Proc. nº 232/15.7BECTB-A), e de 06/10/2016, Rec. nº 13.590/16 (Proc. nº 53/16.0BEBJA), disponíveis in, www.dgsi.pt/jtca e deste TCA Norte de 15/02/2019, Proc. nº 00593/18.6BECBR, de 03/05/2019, Proc. 00453/18.0BEMDL, e de 12/07/2019, Proc. nº 00014/19.7BEMDL disponíveis in, www.dgsi.pt/jtcn, todos de que fomos relatores).

3.3.1.9 São de aplicar ao presente processo cautelar os critérios decisórios ínsitos no artigo 120º do CPTA na sua redação atual que é a seguinte:
Artigo 120º
Critérios de decisão
1 — Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
2 — Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências
3 - As providências cautelares a adotar devem limitar-se ao necessário para evitar a lesão dos interesses defendidos pelo requerente, devendo o tribunal, ouvidas as partes, adotar outra ou outras providências, em cumulação ou em substituição daquela ou daquelas que tenham sido concretamente requeridas, quando tal se revele adequado a evitar a lesão desses interesses e seja menos gravoso para os demais interesses públicos ou privados, em presença.
4 - Se os potenciais prejuízos para os interesses, públicos ou privados, em conflito com os do requerente forem integralmente reparáveis mediante indemnização pecuniária, o tribunal pode, para efeitos do disposto no número anterior, impor ao requerente a prestação de garantia por uma das formas previstas na lei tributária.
5 - Na falta de contestação da autoridade requerida ou da alegação de que a adoção das providências cautelares pedidas prejudica o interesse público, o tribunal julga verificada a inexistência de tal lesão, salvo quando esta seja manifesta ou ostensiva.

6 - Quando no processo principal esteja apenas em causa o pagamento da quantia certa, sem natureza sancionatória, as providências cautelares são adotadas, independentemente da verificação dos requisitos previstos nos números anteriores, se tiver sido prestada garantia por uma das formas previstas na lei tributária.”.

3.3.1.10 Sendo que, como é sabido, a razão da tutela cautelar é a de permitir, em concretização do direito a uma tutela judicial efetiva, constitucionalmente consagrado no artigo 268º nº 4 da Constituição da República Portuguesa, a decretação judicial de medidas cautelares adequadas a precaver os direitos ou interesses legalmente protegidos dos interessados, enquanto não é definitivamente decidida a causa principal. Significando que a tutela cautelar visa apenas assegurar o efeito útil de uma sentença a proferir em sede de ação principal, regulando provisoriamente a situação sob litígio até que seja definitivamente decidida, naquela ação, a contenda que opõe as partes.

Razão pela qual se exige que as medidas cautelares cumpram as características de instrumentalidade e provisoriedade. E também motivo pelo qual se faz depender a sorte do processo cautelar do provável êxito do processo principal ou, pelo menos, da improbabilidade do seu fracasso (fumus boni iuris).

3.3.1.11 Simultaneamente, na fase de recurso, em que nos encontramos, o que importa, como é sabido, é apreciar se a decisão recorrida, proferida pelo Tribunal a quo, deve ser mantida, alterada ou revogada, circunscrevendo-se as questões a apreciar em sede de recurso, à luz das disposições conjugadas dos artigos 144º nº 2 do CPTA e 639º nº 1 e 635º do CPC, ex vi dos artigos 1º e 140º nº 3 do CPTA, às que integram o objeto do recurso tal como o mesmo foi delimitado pelo recorrente nas suas alegações, mais concretamente nas suas respetivas conclusões (sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso), mas simultaneamente balizadas pelas questões que haviam já sido submetidas ao Tribunal a quo (vide, neste sentido António Santos Abrantes Geraldes, inRecursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014, Almedina, págs. 27 e 88-90). Sendo os recursos jurisdicionais meios de impugnação de decisões judiciais o âmbito dos poderes cognitivos do Tribunal de recurso é balizado (i) pela matéria de facto alegada em primeira instância, (ii) pelo pedido (ou pedidos) formulado pelo autor em primeira instância e (iii) pelo julgado na decisão proferida em primeira instância (ressalvada naturalmente a possibilidade legal de apreciação de matéria de conhecimento oficioso e funcional, de factos notórios ou supervenientes, do uso de poderes de substituição e de ampliação do objeto por anulação do julgado) – cfr. artigos 149º nºs 1, 2 e 3 CPTA e artigo 665º nºs 1, 2 e 3 do CPC novo, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA (a este respeito, vide, António Santos Abrantes Geraldes, inRecursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014, Almedina, págs. 27 e 88-90; Miguel Teixeira de Sousa, in, “Estudos sobre o novo processo civil”, Lex, 2a edição, págs. 524 a 526; Alberto dos Reis, in, “Código de Processo Civil anotado”, Vol. V, Coimbra, 1981, págs. 309 e 359).

3.3.1.11 No caso dos autos o Mmº Juiz a quo convocando o disposto no artigo 118º nº 5 do CPTA considerou que atentos os documentos que integram os autos, e os que constam dos processos administrativos e tomando ainda em conta a posição assumida pelas partes nos respetivos articulados, estavam reunidas condições para proferir decisão, e dispensou a realização das diligências de prova requeridas pelas partes, nomeadamente quanto à prova testemunhal arrolada, passando a proferir sentença.

3.3.1.12 Diga-se, desde já, não poder proceder a invocação feita pela recorrente de que o Tribunal a quo não querendo permitir a realização de diligências de prova nos termos do artigo 118º nº 5 do CPTA deveria, pelo menos, previamente ter facultado às partes a discussão de facto e de direito.

O juízo da necessidade da realização de diligências de prova, incluindo a produção da prova testemunhal requerida pelas partes no âmbito cautelar, nos termos do disposto no artigo 118º nº 1 do CPTA, compete ao juiz, e é tomado por base os factos concretos que se mostrem controvertidos, designadamente por terem sido alvo de impugnação na oposição, e dentro desses os que importem para a decisão da causa em conformidade com os critérios decisórios insertos no artigo 120º do CPTA.

Deste modo, não se impõe qualquer audição prévia das partes relativamente a tal matéria, designadamente questionando-as quanto aos factos sobre os quais pretenderiam a produção de prova testemunhal.

Quanto ao juízo sobre a necessidade, ou não, de levar a cabo diligências de produção de prova, a que aludem os nºs 1, 3 e 5 do artigo 118º do CPTA, o juiz cautelar não tem que assegurar, previamente, qualquer direito de contraditório nos termos do artigo 3º nº 3 do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA, de acordo com o qual “…juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

Neste sentido vide, a título ilustrativo, o acórdão deste TCA Norte de 15/02/2019, Proc. nº 00593/18.6BECBR, in, www.dgsi.pt/jtcn, em que se sumariou o seguinte: «I – O juízo da necessidade da realização de diligências de prova, incluindo a produção da prova testemunhal requerida pelas partes, que compete ao juiz no âmbito cautelar, nos termos do disposto no artigo 118º nº 1 do CPTA, haverá de ser tomado tendo por base os factos concretos que se mostrem controvertidos, designadamente por terem sido alvo de impugnação na oposição, e dentro desses os que importem para a decisão da causa em conformidade com os critérios decisórios insertos no artigo 120º do CPTA. II – Quanto ao juízo sobre a necessidade, ou não, de levar a cabo diligências de produção de prova, a que alude o artigo 118º nº 1 do CPTA, o juiz cautelar não tem que assegurar, previamente, qualquer direito de contraditório nos termos do artigo 3º nº 3 do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA, não se impondo qualquer audição prévia das partes questionando-as quanto aos factos sobre os quais pretenderiam a produção de prova testemunhal

3.3.1.13 Sendo que os moldes pelos quais se encontra gizado o processo cautelar, de natureza urgente e célere, vocacionada para a pronta e rápida decisão cautelar, nele não se inclui nem prevê no respetivo trâmite qualquer audição prévia à prolação da sentença destinada a facultar às partes a discussão de facto e de direito, como parece defender a recorrente. A discussão de facto e de direito é feita nos articulados, e se não houver lugar a produção de prova, o juiz profere de imediato sentença (cfr. artigo 118º nºs 1, 3 e 5 e artigo 119º nº 1 do CPTA).

3.3.1.14 Depois, também não havia que haver lugar a diligências de prova quanto aos factos constantes dos artigos 65º a 128º e 129º a 159º do requerimento inicial como defende a recorrente.

3.3.1.15 Compulsado o requerimento inicial da providência constata-se as requerentes se referem aos danos e prejuízos que a instalação e funcionamento da Linha de Muito Alta Tensão, tal como está projetada no troço que passa na FREGUESIA DE (...), lhes causa a si e à população da Freguesia. Ou seja, não se referem ali as requerentes aos danos e prejuízos que possam ocorrer na pendência do processo principal e que justifiquem, pela natureza irreversível ou de difícil reparação, a decretação da providência. Que era o que importaria atento os critérios de decisão ínsitos no artigo 120º do CPTA. Sendo que, simultaneamente, a recorrente não imputa erro de julgamento quanto à matéria de facto feito na sentença.

3.3.1.16 Não havia, pois, motivo que justificasse a produção de prova quanto a qualquer da factualidade integrada na extensão dos artigos 65º a 128º e 129º a 159º do requerimento inicial da providência.

3.3.1.17 Não colhe, pois, por tudo o exposto, o recurso nesta parte.

3.3.2 Do erro de julgamento – (vide conclusões 13ª a 47ª das alegações de recurso).

3.3.2.1 Defende a recorrente que o Tribunal a quo fez uma errada apreciação dos interesses em presença, para efeitos da ponderação exigida pelo artigo 120º nº 2 do CPTA e que ao contrário do decidido os pressupostos do periculum in mora e do fumus boni iuris para a decretação da providência estão preenchidos.

3.3.2.2 A sentença recorrida, debruçando-se sobre o mérito da pretensão cautelar, começou por apreciar o requisito do periculum in mora, tendo concluído pela sua não verificação, com a fundamentação assim externada, que se passa a transcrever:
«(…)
A propósito do periculum in mora, e em termos sintéticos, as requerentes sustentam o seu preenchimento nas seguintes circunstâncias:
- É um desejo antigo da população de (...) a construção de um pavilhão gimnodesportivo coberto, e pelo menos desde 2013 tem contactado diversos proprietários de terrenos com aptidão para construir o pavilhão, tendo chegado no início de 2013 a acordo com um desses proprietários que se disponibilizou a ceder gratuitamente o terreno, tendo sido deliberada essa aquisição em reunião da junta de freguesia em 08.01.2013;
- Desde logo, começou também a reunir apoios de empresários no sentido de angariar os fundos necessários à execução da obra, tendo reunido, até ao início de 2017, promessas de financiamento de aproximadamente € 10.000,00;
- A construção da LMAT prejudica irremediavelmente a construção do pavilhão, e os empresários que prometeram auxílio quanto ao financiamento retiraram os seus apoios;
- Está em risco a saúde dos habitantes de (...), sendo perigoso o funcionamento das linhas e a própria execução dos trabalhos, incluindo pela produção de ruído;
- Será desvalorizado o parque habitacional, bem como será prejudicado o interesse urbanísticos e o turismo no local;
- Em concreto quanto à Requerente Associação, a obra inviabiliza a construção de um edifício multiusos para prestar o apoio à população, com perda do financiamento a que se candidatou, tendo de continuar a ocupar o edifício já junta de freguesia.
Sucede que não se retira daqui qualquer risco de se formar uma situação de facto consumado, ou sequer de serem gerados prejuízos de difícil reparação, quer pela irrelevância do alegado (que nunca conduziria a esse efeito jurídico) quer pela ausência de concretização da alegação.
Começando pela questão do pavilhão gimnodesportivo, mesmo considerando ser verdade tudo quanto alegam as requerentes, tratam-se de meros danos materiais, perfeitamente ressarcíveis mediante a reposição do património da Freguesia. Sendo certo que, quanto à eventual perda de € 10.000,00, como as próprias requerentes afirmam, são apenas “promessas de financiamento”, sendo, aliás, o valor perfeitamente residual atendendo à obra pretendida.
Aliás, a esse respeito, diga-se também que, apesar de se invocar a existência de uma deliberação da junta de freguesia, nem sequer está demonstrado que o tenha efetivamente adquirido e, portanto, que seja a proprietária de qualquer terreno. E, em qualquer caso, na pior das hipóteses, poderá exigir das Requeridas o valor desse terreno, tendo apenas como perturbação a necessidade de encontrar outro local para a obra. E nada mais.
Ou seja, nem existe o risco de facto consumado [quanto muito, terá de ser escolhida outra localização para o pavilhão, dado que não está sequer alegado que apenas naquele local existe aptidão construtiva], nem os eventuais prejuízos são de difícil reparação – pelo contrário, reparam-se facilmente pela integração do património da Freguesia com o pagamento dos valores perdidos.
No que respeita ao alegado risco inerente à construção da LMAT, nomeadamente porque para colocação das torres são abertas fundações com largos metros de comprimento e profundidade, notoriamente não constitui qualquer risco de prejuízo irreparável ou de constituição de facto consumado.
Claro que a construção da LMAT, e nomeadamente a implantação das torres, tem, ou pode ter, necessidade de executar fundações. Só que esse é um risco associado a qualquer obra de maior envergadura; assumir que este é argumento para decretar uma providência cautelar era o mesmo que assumir que qualquer obra que implicasse realizar fundações constituiria, por si só, risco de criação de prejuízos de difícil reparação ou de criação de um facto consumado. Na verdade, certamente que a execução da obra acarreta riscos, que deverão ser acautelados em vários planos, mas nunca se pode daí, singelamente, tirar a conclusão de que se regista por essa via uma situação de periculum in mora.
No que respeita aos eventuais problemas de saúde, é falso que nunca tenham sido considerados, bastando para tal atentar no teor da própria decisão, transcrito no ponto 24 dos factos indiciários provados.
De facto, a este propósito lê-se na DIA, o seguinte:
“De acordo com a informação constante do EIA, o cálculo do valor do campo elétrico máximo entre 0 e 40 m do eixo da linha, bem como do campo magnético máximo, respetivamente, demonstram que os valores obtidos se encontram abaixo dos níveis de referência indicados pela Portaria n.º 1421/2004, de 23 de novembro.”
Ora, basta ler o requerimento inicial para, em primeiro lugar, concluir que nem sequer vem alegado que as habitações se situam nesta faixa de 40 metros (genericamente, diz-se “a menos de 50 metros”, mas em princípio terá de ser a mais de 40, porque caso contrário das Requerente di-lo-iam); e para, em segundo lugar, constatar que esta parte da DIA, v.g., o respeito pelos valores previstos na Portaria, nem sequer vem questionado.
Sendo certo que competiria às Requerentes demonstrar os valores que se registarão, em perspetiva, no campo eletromagnético da linha, e quais os seus efeitos a sensivelmente 50 metros, mais demonstrando que esses valores não são seguros, nomeadamente por violação da portaria em causa. Como se colhe do requerimento inicial, nada disso é feito, bastando-se as requerentes com alegações genéricas, juízos de valores e simples conclusões não assentes em factualidade concreta.
O mesmo vale para a questão do ruído.
Na verdade, é certo que o transporte de eletricidade em muito alta tensão pode ser configurado como uma atividade de risco. Mas não basta vir dizer que os fortes ventos vão “provocar um constante ruído, violador de todas as disposições legais (nomeadamente do Regulamento Geral do Ruído)” sem sequer quantificar, designadamente em decibéis, e a título previsível, qual o volume desse ruído, a fim de aferir o cumprimento do Regulamento Geral do Ruído. O que volta a repetir-se, desta feita com o inciso “estes ventos ao serem cortados pelas linhas de transporte de energia provocam necessariamente muito ruído que impossibilita por completo habitar nas suas imediações”; ora, não basta dizer isto: é preciso alegar e provar o volume de ruído que, previsivelmente, será produzido pelas circunstâncias descritas, qual a sua propagação, etc… de modo a poder aferir dos potenciais danos; e conviria também, acrescente-se, especificar a velocidade do vento na FREGUESIA DE (...), varável sem a qual nenhuma conclusão se pode retirar; e quanto à jurisprudência citada pelas Requerentes (acórdão do venerando TCA Norte de 11.01.2019, proferido no processo n.º 00121/03.8TBBRG), atente-se que aí ficou provado que a linha em questão passava mesmo por cima da casa dos ali autores, a apenas 16 metros do telhado, e que a habitação em causa se situava num local alto, a cerca de 500 metros de altitude, sendo semelhantes os casos de outros autores; não falamos, por isso, de distâncias de 50 metros em relação às linhas, como no caso concreto, segundo o afirmado pelas Requerentes, mas sim de habitações situadas literalmente por abaixo das linhas.
Além do mais, a DIA também se refere à questão da proximidade de habitações, matéria que forçosamente colide com a questão do ruído, dizendo:
“O Projeto de Execução foi desenvolvido de forma a evitar afetações diretas de habitações existentes, correspondendo já á opção selecionada na presente decisão para o traçado ambientalmente menos desfavorável.
A implementação de um projeto desta natureza implicará sempre impactes negativos, que divergem quanto à sua natureza e significância consoantes as características do território onde se implantam. De referir que na elaboração do Projeto de Execução, foram tidos em consideração critérios em matéria de planeamento da colocação dos apoios e do estabelecimento da diretriz da linha elétrica, estando ainda prevista a adoção de medidas de minimização, bem como a
possibilidade de ajuste da colocação dos apoios da linha, de acordo com o definido na presente decisão.”
O que significa que o projeto sobre o qual incidiu a DIA não foi alheio à circunstância referida, nomeadamente à localização da LMAT, prevendo diversas possibilidades, de entre as quais a de ajuste da colocação dos apoios da linha e até da diretriz desta.

Quanto à desvalorização do parque habitacional, refira-se que também nesse caso seria sempre um prejuízo patrimonial, e nem sequer das Requerentes em concreto, plenamente ressarcível em termos monetários. De todo o modo, será sempre um problema dos proprietários, e não está entre as atribuições da Freguesia, menos ainda da Associação, defender a propriedade privada de terceiros.
Seja como for, a desvalorização pode perfeitamente ser ressarcida, mediante o pagamento da justa indemnização. Inclusive, e como decorre da jurisprudência citada pelas próprias requerentes, poderá ser ressarcida pela totalidade do valor do bem, caso se demonstre que fica totalmente inutilizado. Num caso como noutro, existe forma de ressarcir os proprietários pela perda de valor dos seus imóveis.

Quanto ao prejuízo paisagístico, e eventual afetação do turismo, incluindo o percurso pedestre, cumpre antes de mais referir que, quanto a estes, serão sempre prejuízos reparáveis. E nunca darão origem a um facto consumado.
É que, ao contrário do que afirmam as Requerentes, a obra em causa, no caso de vencimento da ação principal, poderá sempre ser demolida e, com isso, desaparecerão as torres e os cabos, voltando o local ao estado em que se encontrava; ou, pelo menos, sem a presença da obra. Nem sequer se vê como poderá existir aqui uma alegada causa legítima de inexecução, na medida em que bastaria desmontar as torres e demolir as fundações em que assentam, depois de removidos os cabos, o que não é, de todo, impossível.
Nos itens 114 a 128, as requerentes referem-se à possibilidade de o percurso ser alterado, de uma forma que, no seu entender, seria menos prejudicial. A qual obtém a partir dos troços já aprovados, pese embora considere que a fragmentação do projeto tenha limitado as alternativas disponíveis.
A este propósito, temos por certo que sempre se poderiam encontrar alternativas ao percurso proposto, e que é possível também recolher diversas opiniões sobre qual seria o melhor percurso. Agora, o que não pode deixar de reparar-se é que as Requerentes se limitam a propor um percurso que evita a passagem no território de (...). Esse é um fenómeno estudado, sobretudo em países anglo-saxónicos, onde é conhecido por NIMBY (“Not In My Back Yard”), e que, grosso modo, designa a resistência à construção de infraestruturas públicas perto de certos interesses, mesmo quando se concorda com a sua necessidade.
Ora, não obstante a dificuldade em enquadrar esta matéria no âmbito da análise dos pressupostos do processo cautelar (no requerimento inicial surge no âmbito da análise aos danos causados pela LMAT), o certo é que o estabelecimento do percurso da LMAT é matéria marcadamente técnica, e que o Tribunal só poderia sindicar com base em erro grosseiro. Todavia, não existe erro grosseiro pela mera discussão sobre a existência de um percurso alternativo com outras características, quiçá de maior interesse para as Requerentes; além de se poder concluir dos factos indiciariamente provados que os procedimentos se prolongaram por anos, com vários estudos e aferição de diversas alternativas, além de ter sido escrutinado, por ser público, pelo que não poderemos aqui falar de uma decisão tomada de forma apressada ou leviana. Para mais quando envolveu mais do que uma entidade pública.
E sempre notamos que as Requerentes dizem que, na sua alternativa, apenas “um troço de escassos km teria de ser alvo de AIA”, o que não deixa de se afigurar estranho, dado que parecem quase convidar as Requeridas a optar por uma solução ambientalmente menos escrutinada, ou, então, propõem mais uma fragmentação do projeto, contra a qual as próprias se insurgem… Mas, enfim, seja como for da proposta das Requerentes não pode resultar qualquer conclusão sobre o preenchimento deste requisito em matéria de periculum in mora.

Seguem-se depois os prejuízos relativos, em concreto, à Requerente “Associação (...) Solidário- IPSS”, e neste caso coincidem com a frustração da construção de um edifício multiusos próprio, de forma a atingir os objetivos a que se propôs, dado que, a esta data, utiliza um espaço cedido pela junta de freguesia, o que sucede desde 2010, no sentido de prestar auxílio a cerca de 55 idosos da FREGUESIA DE (...).
A questão que aqui se coloca é, em todo, similar à analisada para a invocada impossibilidade de construir o pavilhão gimnodesportivo. Cumprindo aqui salientar, antes de mais, que, segundo a versão das próprias Requerentes, a associação está a prestar os seus serviços em condições precárias há 10 anos, pelo que, mesmo sem a construção da LMAT, já estava em condições precárias.
Mas seja como for, estamos de novo perante a invocação de meros prejuízos de ordem patrimonial, suscetíveis de ressarcimento pecuniário; nomeadamente no que à alegada perda de financiamento diz respeito. Também neste caso, não se pode falar do risco de se constituir uma situação de facto consumado, dado que sempre a associação poderá encontrar outro terreno no qual possa edificar o edifício multiusos, solicitando novo financiamento; por ora, com ou sem a LMAT (e porque apenas reuniu metade do financiamento necessário) a verdade é que continuaria exatamente nas mesmas condições para prestar os seus serviços.
Menos ainda servirá para preenchimento do requisito a alegação de que a junta de freguesia também fica prejudicada pela presença da associação nas suas instalações. Tanto quanto se colhe da alegação, essa circunstância decorre de a associação não dispor de instalações próprias desde o momento da sua criação, e não por causa da LMAT.
Assim sendo, seja porque as circunstâncias invocadas nunca conduziriam à verificação de uma situação de periculum in mora, seja pela falta de concretização de factos que possam demonstrar o prejuízo para a saúde, comodidade, bem-estar ou integridade física das populações, nomeadamente quanto aos factos que se destinariam a demonstrar a nocividade dos ruídos a produzir ou a intensidade dos campos eletromagnéticos, não é possível dar por preenchido o requisito do periculum in mora.
Na medida em que o preenchimento dos requisitos é cumulativo, impõe-se assim, e desde já, concluir pela improcedência do presente processo cautelar.»
Fim da transcrição.

3.3.2.3 Vejamos do acerto ou desacerto do decidido.

3.3.2.4 Como refere José Carlos Vieira de Andrade, inA Justiça Administrativa – (Lições)”, Almedina, 5ª Edição, pág. 305 “…o processo cautelar é um processo que tem uma finalidade própria: visa assegurar a utilidade da lide (…). Pode dizer-se que os processos cautelares visam especificamente garantir o tempo necessário para fazer Justiça. Mesmo quando não há atrasos, há um tempo necessário para julgar bem. E é precisamente para esses casos, para aqueles processos em que o tempo tem de cumprir-se para que se possa julgar bem, que é necessário assegurar a utilidade da sentença que, a final, venha a ser proferida”.

A função preventiva das providências cautelares, i. é, das concretas medidas cautelares a serem decretadas (as quais podem, designadamente, consistir na suspensão da eficácia de um ato administrativo ou de uma norma; na admissão provisória em concursos e exames; na atribuição provisória da disponibilidade de um bem; na autorização provisória ao interessado para iniciar ou prosseguir uma atividade ou adotar uma conduta; na regulação provisória de uma situação jurídica, designadamente através da imposição à Administração do pagamento de uma quantia por conta de prestações alegadamente devidas ou a título de reparação provisória; no arresto; no embargo de obra nova; no arrolamento; na intimação para adoção ou abstenção de uma conduta por parte da Administração ou de um particular por alegada violação ou fundado receio de violação do direito administrativo nacional ou do direito da União Europeia – cfr. artigo 112º nº 2 do CPTA) conduz a que estas assumam como características típicas, decorrentes da sua própria natureza, a instrumentalidade e a provisoriedade.

Por a providência cautelar ser instrumental face à pretensão material objeto do litígio (principal), o processo cautelar, enquanto meio processual pelo qual se haverá de obter a providência cautelar pretendida, haverá naturalmente de assumir como característica processual a da instrumentalidade estrutural, nos termos da qual, ainda que tenha uma tramitação autónoma em relação ao processo principal que tem por objeto a decisão sobre o mérito da pretensão material (definitiva), daquele depende (cfr. artigo 113º nºs 1 e 2 do CPTA).

Essa característica da instrumentalidade, comum aos processos cautelares e às próprias providências, tem, designadamente, as seguintes manifestações:
- o pedido cautelar (a formular através de requerimento inicial que deve obedecer às exigências explicitadas no artigo 114º do CPTA) estando intimamente dependente da pretensão material principal (definitiva), pode ser apresentado previamente à instauração do processo principal, juntamente com a petição inicial do processo principal ou na pendência do processo principal (cfr. artigo 114º nº 1 alíneas a), b) e c) do CPTA), no primeiro caso o processo cautelar é intentado como preliminar do processo principal, e nos outros, como incidente (cfr. artigo 113º nº 1 do CPTA);
- o Tribunal competente para decidir o pedido cautelar é o que é competente para julgar a ação principal, devendo assim ser nele apresentado o requerimento inicial da providência (cfr. artigos 20º nº 6 e 114º nº 2 do CPTA);
- no requerimento inicial da providência deve ser indicada a ação principal de que o processo cautelar depende ou irá depender, se for preliminarmente instaurado, e quando apresentado na pendência do processo principal deve este ser identificado, conduzindo a falta de tais indicações, que não seja suprida após convite de aperfeiçoamento, à rejeição liminar do requerimento inicial da providência (cfr. artigos 114º nº 3 alíneas e) e i) e 116º nº 2 alínea a) do CPTA);
- a legitimidade para o pedido de decretação de providências cautelares está dependente da legitimidade para o processo principal, constituindo fundamento da rejeição liminar do requerimento inicial da providência a manifesta ilegitimidade do requerente (cfr. artigos 112º nº 1 e 116º nº 2 alínea b) do CPTA);
- se em sede de apreciação liminar do requerimento inicial da providência for de concluir pela manifesta ausência dos pressupostos processuais da ação principal o requerimento inicial da providência é liminarmente rejeitado (cfr. artigo 116º nº 2 alínea f) do CPTA);
- se o requerente da providência cautelar não fizer uso, no respetivo prazo, do meio contencioso adequado à tutela dos interesses a que o pedido de adoção de providência cautelar se destinou o processo cautelar extingue-se e a providência cautelar, quando decretada, caduca (cfr. artigo 123º nº 1 alínea a) do CPTA);
- o processo cautelar extingue-se e a providência cautelar, quando decretada, caduca, se, tendo o requerente feito uso do meio contencioso adequado à tutela dos interesses a que o pedido de adoção de providência cautelar se destinou, esse processo estiver parado durante mais de três meses por negligência sua em promover os respetivos termos ou de algum incidente de que dependa o andamento do processo, ou se esse processo findar por extinção da instância e o requerente não intentar novo processo, nos casos em que a lei o permita, dentro do prazo fixado para o efeito (cfr. artigo 123º nº 1 alíneas b) e c) do CPTA);
- se se verificar o trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo principal, no caso de ser desfavorável ao requerente, o processo cautelar extingue-se e a providência cautelar, quando decretada, caduca (cfr. artigo 123º nº 1 alínea d) do CPTA);
- quando o meio contencioso adequado à tutela dos interesses a que o pedido de adoção de providência cautelar se destina não está sujeito a prazo, o requerente deve fazer desse meio no prazo de 90 dias contado desde o trânsito em julgado da decisão que decrete a providência cautelar, sob pena de caducidade da providência (cfr. artigo 123º nº 2 do CPTA);
- o julgamento de improcedência da causa principal, decidido por sentença de que tenha sido interposto recurso com efeito suspensivo, é relevante para efeitos de alteração ou revogação da providência cautelar decretada com fundamento em alteração dos pressupostos de facto e de direito inicialmente existentes (cfr. artigo 124º nº 3 do CPTA);
- a decretação de providência cautelar depende (cumulativamente) de que haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e de que seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente (cfr. artigo 120º nº 1 do CPTA) - (vide, a este respeito, a título ilustrativo, o acórdão do TCA Sul de 23/11/2017, Proc. nº 22/17.2BELSB, então por nós relatado, disponível in, www.dgsi.pt/jtca).

3.3.2.5 E é precisamente por os processos cautelares terem função instrumental, destinando-se a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal – o que tem por objeto a decisão sobre o mérito do litígio – que a lei faz depender a concessão de providência cautelar da verificação de uma situação de periculum in mora, em qualquer das suas duas vertentes a que alude o nº 1 do artigo 120º do CPTA : “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado” ou a “produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal” (vide, a este propósito, entre outros, o acórdão do TCA Sul de 23/11/2017, Proc. nº 22/17.2BELSB, in, www.dgsi.pt/jtca).

E como refere Mário Aroso de Almeida, inO Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, Coimbra, Fevereiro 2003, pág. 260, a propósito do periculum in mora para efeitos de concessão de uma providência cautelar no âmbito do novo Código de Processo nos Tribunais Administrativos, “ela (a providência cautelar) deve ser concedida desde que os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade. (...) A providência deve também ser concedida (...) quando, embora não seja de prever que a reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade se tornará impossível, os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, essa reintegração no plano dos factos será difícil, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente.”. Explicitando ainda este autor que o CPTA reformulou os termos em que é concebido o periculum in mora para efeitos de concessão de uma providência cautelar à face do que até então dispunha a LPTA, de molde que “(...) à formula tradicional do “prejuízo de difícil reparação”, que era utilizada no artigo 76º, nº1 alínea a), da LPTA, é, assim, acrescentada, neste domínio, uma outra, que surge colocada em alternativa e faz apelo ao “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado” (...) Da conjugação das duas expressões resulta a clara rejeição do apelo, neste domínio, a critérios fundados na suscetibilidade ou insusceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos, pelo seu carácter variável aleatório ou difuso, em favor do entendimento segundo o qual o prejuízo do requerente deve ser considerado irreparável sempre que os factos concretos por ele alegados permitam perspetivar a criação de uma situação de impossibilidade da reintegração específica da sua esfera jurídica, no caso de o processo vir a ser julgado procedente.” (op. cit., págs. 258 e 259).

3.3.2.6 O periculum in mora enquanto requisito para a decretação de uma providência cautelar tal como previsto na primeira parte do nº 1 do artigo 120º do CPTA, pode assumir, assim, como se viu, uma das duas vertentes ali previstas, a de que haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou a da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal.

3.3.2.7 Tal significa que a questão de saber se na situação presente existe ou não periculum in mora que justifique a decretação da providência poderá, também, implicar que deva ter-se presente o sentido e conteúdo do ato administrativo relativamente ao qual é pretendida a respetiva suspensão de efeitos (suspensão de eficácia) até que seja definitivamente decidida na ação principal a sua invocada ilegalidade.
Neste sentido, vide, entre outros o acórdão do TCA Sul de 24/05/2018, Proc. nº 1993/17.4BELSB, então por nós relatado, disponível in, www.dgsi.pt/jtca, em que se sumariou o seguinte: «I - O princípio da tutela jurisdicional efetiva, tal como acolhido constitucionalmente no artigo 268º nº 4 da CRP e explicitado no artigo 2º nºs 1 e 2 alínea q) do CPTA, compreende “…a possibilidade (…) de obter as providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão”, designadamente em termos que “…a todo o direito ou interesse legalmente protegido corresponda a tutela adequada junto dos tribunais administrativos, designadamente para o efeito de obter: (…) a adoção das providências cautelares adequadas para assegurar o efeito útil das decisões a proferir em processo declarativo”. II - É precisamente por as providências cautelares terem função instrumental, destinando-se a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal que a lei faz depender a concessão de providência cautelar da verificação de uma situação de periculum in mora, em qualquer das suas duas vertentes a que alude o nº 1 do artigo 120º do CPTA, “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado” ou a “produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”. III - A questão de saber se na situação concreta existe ou não periculum in mora que justifique a decretação da providência implica, também, ter-se presente o sentido e conteúdo do ato administrativo relativamente ao qual é pretendida a respetiva suspensão de eficácia até que seja definitivamente decidida na ação principal a sua invocada ilegalidade.»; bem como, entre outros, o acórdão deste TCA Norte de 13/11/2020, Proc. nº 00957/20.5BEPRT, por nós igualmente relatado, disponível in, www.dgsi.pt/jtcn, em que, entre o demais, se sumariou o seguinte: «I – É precisamente por os processos cautelares terem função instrumental, destinando-se a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal – o que tem por objeto a decisão sobre o mérito do litígio – que a lei faz depender a concessão de providência cautelar da verificação de uma situação de periculum in mora, em qualquer das suas duas vertentes a que alude o nº 1 do artigo 120º do CPTA: “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado” ou a “produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”. II - A questão de saber se na situação concreta existe ou não periculum in mora que justifique a decretação da providência implica, também, ter-se presente o sentido e conteúdo do ato administrativo relativamente ao qual é pretendida a respetiva suspensão de eficácia, isto porque se na ação principal se visar a impugnação de um ato administrativo, há que ter presente o efeito reconstitutivo da sentença anulatória previsto no artigo 173º do CPTA. (…)».

3.3.2.8 Isto, porque, se na ação principal se visar a impugnação de um ato administrativo, há que ter presente o efeito reconstitutivo da sentença anulatória previsto no artigo 173º do CPTA, nos termos do qual “sem prejuízo do eventual poder de praticar novo ato administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no ato entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado” (n.º 1) e para “efeitos do disposto no número anterior, a Administração pode ficar constituída no dever de praticar atos dotados de eficácia retroativa que não envolvam a imposição de deveres, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como no dever de remover, reformar ou substituir atos jurídicos e alterar situações de facto que possam ter surgido na pendência do processo e cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença de anulação” (n.º 2). Atenha-se que por efeito da anulação de um ato administrativo a Administração pode ficar constituída nos deveres: i) de reconstituição da situação que existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado, mediante a execução do efeito repristinatório da anulação, ii) do cumprimento tardio dos deveres que a Administração não cumpriu, durante a vigência do ato ilegal, porque este ato disso a dispensava e iii) da eventual substituição do ato ilegal, sem reincidir na ilegalidade anteriormente cometida – (vide, a este respeito, na doutrina, Mário Aroso de Almeida, in “Sobre a autoridade do caso julgado das sentenças de anulação de atos administrativos”, Almedina, 1994), Vieira de Andrade, in, “Lições de Direito Administrativo e Fiscal”, Almedina, pág. 194; Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, in,Código do Procedimento Administrativo – Comentado”, 2.ª edição, págs. 649 e 650, bem como, na jurisprudência, entre muitos outros, os acórdãos do TCA Sul de 12/03/2015, Proc. 05144/09; de 26/11/2015, Proc. 0940/13; de 16/02/2017, Proc. 08435/12, in, www.dgsi.pt/jtcas e deste TCA Norte de 16/10/2020, Proc. nº 00402/15.8BECBR, in, www.dgsi.pt/jtcn).

3.3.2.9 Pelo que no juízo sobre a verificação, ou não, do requisito do periculum in mora, em sede de apreciação do pedido cautelar, sempre haverá que aferir se em face da natureza e objeto do ato a anulação que venha a ser decidida em sede de ação principal será bastante para afastar os efeitos do ato alegadamente ilegal, em termos que não perdurem os que foram causados na sua pendência, seja por não ser nessa altura possível a reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade, seja por se constatar a produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal.

3.3.2.10 Vem pedida no processo cautelar instaurado em 05/10/2020 pelas requerentes FREGUESIA DE (...) e Associação (...) Solidário, IPSS, a decretação de providência cautelar de suspensão de eficácia do despacho de 27/03/2019 do Diretor-Geral de Energia e Geologia pelo qual foi emitida à REN a licença de estabelecimento da Linha de Muito Alta Tensão identificada nos autos, bem como da Declaração de Impacte Ambiental favorável, emitida em 21/11/2016, que a precedeu, e decretada embargada a obra consubstanciada na construção da “linha aérea dupla, a 400kV, Ponte de Lima – Vila Nova de Famalicão”, cujos trabalhos já se haviam, então, iniciado.

3.3.2.11 A recorrente FREGUESIA DE (...) sustenta no recurso, que ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo existe periculum in mora por estar em causa a prossecução da execução de uma obra qua a cada dia que passa ganha contornos mais firmes, e que, assim, mais um e outro dia significam a consolidação de uma situação e facto decorrente da progressiva execução a obra, sendo manifesto, neste sentido, que a não procedência das providências requeridas contribuirá, em muito, para que a obra avance e quase certamente seja concluída, antes da total tramitação da ação principal, momento em que a recorrente se confrontará com uma situação de facto consumado, tornando depois impossível a reposição da situação quando o ato de licenciamento vier a ser declarado nulo ou anulado (vide, designadamente, conclusões 19ª a 22ª das alegações de recurso).

3.3.2.12 Mas não lhe assiste razão. A sentença recorrida ajuizou bem quando considerou, enfrentando o invocado prejuízo paisagístico, e eventual afetação do turismo, incluindo o percurso pedestre, que, quanto a estes, que os mesmos não originam a um facto consumado, entendendo, que a obra em causa, no caso de vencimento da ação principal, poderá sempre ser demolida, desaparecendo as torres e os cabos, voltando o local ao estado em que se encontrava, ou, pelo menos, sem a presença da obra.

3.3.2.13 Esse tem vindo a ser, aliás, o entendimento da jurisprudência quando, em situações similares, sempre que se coloca a questão de saber se construção e instalação de uma linha elétrica, mormente de alta ou muito alta tensão, consubstancia uma situação de facto consumado, de que são exemplos recentes o acórdão deste TCA Norte de 13/03/2020, Proc. nº 00365/17.5BEBRG-A, in, www.dgsi.pt/jtcn e o acórdão do STA (Pleno) de 10/12/2020, Proc. nº 010/20.1BEMDL-A, in, www.dgsi.pt/jsta, entendendo-se que não ser de considerar ocorrer irreversibilidade resultante de um licenciamento de projeto e instalação de linha de energia elétrica que pudesse ocorrer na pendência da ação principal, seja quanto a uma futura remoção das respetivas infraestruturas, sempre possível, seja quanto à perda de chance de realização de qualquer projeto local.
3.3.2.14 O mesmo quanto à questão da desvalorização dos terrenos e habitações abrangidas e adjacentes às zonas onde a linha vai ser implantada (vide, designadamente, conclusões 24ª e 25ª das alegações de recurso).

Sendo que, ademais, a recorrente não põe propriamente em causa o juízo feito na sentença recorrida de que a ocorrer desvalorização do parque habitacional, o mesmo, a verificar-se, constituirá um prejuízo patrimonial não das requerentes mas dos proprietários dos imóveis que eventualmente sejam afetados, ressarcível em termos monetários.

3.3.2.15 E também não lhe assiste razão quanto às consequências ao nível dos riscos invocados, mormente quanto à segurança, qualidade de vida e saúde pública das populações (vide, designadamente, conclusões 23ª, 26ª a 31ª das alegações de recurso).

3.3.2.16 Com efeito, não obstante possam ter sido, por vezes, e na nossa ótica, tratadas na sentença sob a alçada do periculum in mora questões que se prendem mais com o fumus boni iuris e que neste serão enquadráveis (sendo que as dificuldades práticas dessa destrinça são, aqui, na verdade, muitas), a conclusão a que nela se chegou, no sentido de não se verificar, também neste aspeto, periculum in mora é de manter.

3.3.2.17 Seja porque a alegação feita pelas requerentes no requerimento inicial da providência no que respeita aos danos e prejuízos que a instalação e funcionamento da Linha de Muito Alta Tensão, tal como está projetada no troço que passa na FREGUESIA DE (...), causa à população daquela Freguesia não se referem, propriamente, aos danos e prejuízos que possam ocorrer na pendência do processo principal e que consubstanciem, pela natureza irreversível ou de difícil reparação, uma situação de periculum in mora justificar da decretação da providência.
Seja porque não se encontra demonstrado, sequer minimamente e mesmo num juízo perfunctório, os alegados risco e perigo para a saúde dos habitantes da Freguesia de (...).

3.3.2.18 Atenha-se que, no que respeita à área territorial da FREGUESIA DE (...), a Linha de Muito Alta Tensão tem projetadas, no respetivo troço, cerca de 2,24 km e oito suportes ou torres, identificadas como 44B, 45B, 46B, 47B, 48B, 49B, 50B e 51B (vide ponto 26. do probatório).

E que, como entendeu a sentença recorrida, as requerentes não infirmaram que os valores dos campos elétrico e magnético a que a população se encontrará exposta nessa extensão, após o início de funcionamento da linha, se encontram dentro dos limites máximos admissíveis.

O mesmo quanto à faixa de proximidade das habitações, que as requerentes não concretizaram nem identificaram.

3.3.2.19 Aliás, sobre situação equivalente, e em que estava, ademais, também em causa esta mesma Linha de Muito Alta Tensão, já se pronunciou este TCA Norte no acórdão de 13/03/2020, Proc. nº 00365/17.5BEBRG-A, in, www.dgsi.pt/jtcn, onde, com apoio na jurisprudência citada se disse o seguinte: “(…) Ora, as questões que o Recorrente levanta foram decididas com acerto na sentença recorrida. Como o próprio Recorrente reconhece (pois refere a inexistência de estudos sobre os efeitos electromagnéticos das LMAT e a falta de acesso a dados que lhe permitam alegar factos concretos integradores do periculum in mora que invoca) basta-se, para fundar o periculum in mora, com uma alegação genérica quanto aos impactos que a construção da linha de muito alta tensão vai trazer para a população de (...), mormente em termos de saúde pública. Não concretiza riscos. O Recorrente não alegou e provou, como lhe competia, em conformidade com a regra geral estabelecida no artigo 342º, n.º 1, do Código Civil sobre a repartição do ónus da prova, factos concretos, que permitissem ao Tribunal concluir que, da instalação e funcionamento da linha elétrica resultará a produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses da população da autarquia, traduzidos designadamente na lesão da sua saúde. O Recorrente refere o princípio da precaução e incertezas significativas quanto aos riscos. Contudo, tal como se concluiu no acórdão do STA de 11.02.2010, proferido no processo 0961/09: À face do nosso ordenamento jurídico, o princípio da precaução não foi adotado como critério de decisão da prova, não podendo com base na mera falta de certeza da não produção de danos ambientais ou para a saúde pública o julgador concluir pela existência de receio de produção de danos ambientais e para a saúde pública, de difícil reparação ou irreversíveis, quando não se demonstra positivamente, mesmo de forma sumária, a existência de uma probabilidade séria de eles virem a ocorrer. Trata-se de uma opção legislativa discutível, em termos de política legislativa, mas que se justificará pela ponderação da necessidade de prossecução de outros interesses públicos, que se entendeu não dever ser obstaculizada por meros receios de danos eventuais ou hipotéticos, que não se demonstra com grau de probabilidade séria que possam vir a ocorrer.” O que o Recorrente pretende é, na verdade, uma inversão do ónus da prova, que fizesse incidir sobre os Recorridos a prova de factos integradores da inexistência de riscos para a saúde pública. Contudo, não se verifica nenhuma hipótese de inversão do ónus da prova in casu, por inexistir qualquer previsão normativa expressa que a preveja, condição expressamente prevista pelo artigo 344º, n.º 1, do Código Civil. Assim foi entendido no acórdão do TCAS, de 07.03.03, proferido no processo n.º 04613/08, no qual se sumariou o seguinte: “1.Fora do quadro geral e das regras especiais dos artºs. 342º e 343º CC, a inversão do ónus da prova consagrada no artº 344º nº1 CC depende da existência de lei expressa ou convenção válida nesse sentido. 2. Por ausência de consagração normativa superior, v.g. na Constituição da República ou na Lei de Bases do Ambiente, não é juridicamente admissível a transposição para o contencioso jurisdicional da técnica da inversão do ónus de prova própria dos procedimentos da decisão da administrativa em quadros de incerteza, defendida pela versão doutrinária mais radical do princípio da precaução.” E no qual se pode ler: “A exigência da prova da inocuidade da atividade como condição de obtenção de uma autorização ou de isenção de responsabilidade, obriga a uma diabólica probatio que afronta os cânones da proporcionalidade, em virtude da compressão intolerável, quer do direito (processual) de defesa, quer da liberdade (material) da iniciativa económica privada. (..)”.(…)”.

Acórdão relativamente ao qual o recurso de revista que dele foi interposto para o STA não foi admitido, por acórdão de 02/07/2020 daquele Supremo Tribunal (disponível, in, www.dgsi.pt/jsta), com a seguintes fundamentação essencial: «(…) Nas conclusões da sua revista, delimitativas do âmbito do recurso, o recorrente considera que alegou o bastante para que se considere preenchido, «in hoc casu», aquele requisito do «periculum in mora». Mas o recorrente não é persuasivo. Quanto aos prejuízos supostamente advindos da construção da linha – ligados à remoção de terras, à destruição de vegetação e de solos e à produção de ruídos e de incómodos – logo se vê que eles, para além de exagerados, sempre seriam facilmente indemnizáveis, «in natura» ou em dinheiro; pelo que o aresto «sub specie» andou aparentemente bem ao recusar-se a enquadrá-los na noção de «prejuízos de difícil reparação» (art. 120º, n.º 1, do CPTA). Quanto aos danos resultantes do funcionamento da linha, constata-se que o próprio recorrente admite, na conclusão 5.ª da sua minuta de recurso, que os não concretizou; pois diz aí que tais prejuízos não são traduzíveis em «factos concretos», mas apenas em «receios» que considera «fundados». Ora, é difícil argumentar melhor em prol do acórdão de que se recorre.
Portanto, a posição de ambas as instâncias – negatória da possibilidade de tais «receios» ou perigos serem enquadráveis num efetivo «periculum in mora» – torna-se logo credível. Ademais, o grau de plausibilidade da decisão de indeferimento do meio cautelar aumenta na exata medida em que as instâncias observaram a jurisprudência do Supremo – por elas citada – em casos similares. Assim, e até porque estamos num domínio cautelar – onde a admissão de recursos de revista deve obedecer a critérios especialmente rigorosos – não se justifica o reenvio do assunto para o STA. E antes deve aqui prevalecer a regra da excecionalidade das revistas.
».

3.3.2.20 Aqui chegados, e por tudo o explicitado supra, não colhe o recurso nesta parte, mostrando-se correta a conclusão, a que chegou a sentença recorrida, de não se mostrar verificado o requisito do periculum in mora.

3.3.2.21 E o que dizer quanto ao requisito do fumus boni iuris?

3.3.2.22 A sentença recorrida, muito embora reconhecendo que face à não verificação do requisito do periculum in mora e sendo o preenchimento dos requisitos para a decretação de providências cautelares cumulativos, era desde logo de concluir pela improcedência do pedido cautelar, debruçou-se, ainda assim, sobre o requisito do fumus boni iuris, que deu igualmente como não preenchido.

Tratando-se de questão que foi apreciada e decidida pelo Tribunal a quo e que é igualmente objeto do presente recurso, tal como ele foi delimitado nas respetivas conclusões pela recorrente, passemos também a conhecê-lo nesta parte.

3.3.2.23 Defende a recorrente que o Tribunal a quo errou quanto ao juízo sobre o fumus boni iuris por este se encontrar verificado. Sustenta para o efeito, em suma, que é manifesta a ilegalidade dos atos em causa; que a DIA, e consequentemente a licença estão feridos de diversas violações da lei, devendo ser revogadas; que ato de licenciamento ofende conteúdo essencial de direitos fundamentais, sendo consequentemente nulo; que o ato de licenciamento se encontra ferido de anulabilidade, por vício de violação da lei, por violação dos preceitos legais que cita; que o ato suspendendo violou também o disposto no Decreto-Regulamentar nº 1/92, de 18 de fevereiro, que estabelece o Regulamento de Segurança de Linhas Elétricas de Alta Tensão; que, assim, o ato de licenciamento incorre ainda em vício de violação a lei, por violação do disposto nos artigos 5º, nº1, 6º, nº 1 do Regulamento de Segurança de Linhas Elétricas de Alta Tensão, sendo anulável e que ao desrespeitar diversas disposições legais e também derivações de preceitos constitucionais, o ato de licenciamento incorreu também em vicio de violação e lei, por violação do princípio da legalidade - (vide conclusões 32ª a 42ª das alegações de recurso).

3.3.2.24 Neste desiderato pouco há, na verdade, a dizer.

3.3.2.25 Em causa estão a Declaração de Impacte Ambiental (DIA) emitida em 21/11/2016 pelo Presidente do Conselho Diretivo da AGÊNCIA PORTUGUESA DO AMBIENTE, I.P., e o Despacho de 27/03/2019 do Diretor Geral de Energia e Geologia, pelo qual foi concedida à REN a licença de estabelecimento da instalação da identificada Linha de Muito Alta Tensão, cuja suspensão de eficácia é requerida no processo cautelar.

3.3.2.26 As requerentes invocaram no requerimento inicial da providência vários fundamentos da invalidade daqueles dois atos, os quais foram explicitados na sentença recorrida nos seguintes termos:
- quanto à DIA:
- alteração dos pressupostos da linha de muito alta tensão, por ter sido descartada a ligação a Espanha;
- o projeto sofreu uma “uma conveniente divisão por lotes”, tendo sido emitida DIA para o troço Recarei-Vermoim 4 e ligação à subestação Vila Nova de Famalicão a 400 kV, entre outros, e que já se encontram em serviço;
- tal divisão corresponde a violação do disposto no art.º 1.º, n.º 3, do DL n.º 151-B/2013, de 31.10, bem como dos princípios da precaução, da legalidade e da boa-fé, tendo sido levada a cabo no intuito, único e exclusivo, de impossibilitar uma visão global do conjunto no(s) procedimento(s) de AIA.
- quanto à licença emitida pela DGEG:
- violação do princípio da igualdade dos cidadãos, dado que está a ser imposto o ónus aos habitantes de (...) em favor dos habitantes do grande Porto, havendo outras soluções possíveis, como enterrar a estrutura ou adotar um percurso alternativo;
- violação do direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, consagrado no art.º 66.º da CRP;
- violação do princípio da legalidade, remetendo basicamente para os mesmos fundamentos de ilegalidade da DIA;
- violação dos artigos 5.º, n.º 1, e 6.º, n.º 1, do Regulamento de Segurança de Linhas de Alta Tensão.

3.3.2.26 Enfrentando cada uma das invocações a sentença recorrida concluiu não ver condições de procedência quanto a qualquer dos apontados fundamentos de invalidade, dizendo o seguinte, que se passa a transcrever:
«(…)
No que à alteração aos pressupostos do projeto diz respeito, nomeadamente quanto a ter sido descartada a ligação a Espanha, importa desde logo referir que ficou indiciariamente provado precisamente o contrário, ou seja, que essa intenção continua a existir, tendo ocorrido apenas uma recalendarização – cf. facto indiciariamente provado no ponto 16.
Pelo que já por esta via se poderá antecipar que, em termos de prognose, o suposto vício de “falta evidente [do] pressuposto da DIA” não terá condições para proceder.
Mesmo que assim não fosse, não vemos razões para adivinhar aqui qualquer falta de pressuposto essencial do procedimento que conduziu à emissão da DIA, menos ainda de um vício formal em razão da fundamentação estar desenquadrada com a realidade fáctica.
Com efeito, constitui verdade (indiciária) que o primordial objetivo da infraestrutura a construir é a ligação a Espanha. Isso não negam as requeridas, e em particular a REN. Pelo contrário, até o reconhece expressamente.
Mas esse não é o único propósito da infraestrutura em causa. Tal como está indiciariamente provado, também estão associados ao projeto interesses exclusivamente internos – cf. factos indiciariamente provados nos pontos 3 e 4. De resto, as próprias Requerentes referem-se a esses interesses, quando questionam a necessidade de abastecimento à zona do grande Porto. E, assim sendo, estando subjacentes ao projeto também interesses de índole somente nacional, nunca seriam prejudicados os pressupostos da sua realização pela retirada da ligação a Espanha (ainda que tal, como se disse, também não seja verdade, pelo menos em perspetiva).
Numa segunda linha, as Requerentes invocam então que o projeto foi subdividido em lotes em termos convenientes, afastando a hipótese de ser avaliado o percurso como um todo, e por isso mitigando os seus verdadeiros impactos, com violação do disposto no art.º 1.º, n.º 3, do DL 151-B/2013, de 31.10, bem como dos princípios da precaução, da legalidade e da boa-fé.
Também neste caso não parece que tenham razão.
É certo, como se colhe dos factos indiciariamente provados, que o projeto em causa terá sido dividido por vários procedimentos de AIA. Mas não vemos como daí decorra qualquer violação legal, ou ainda de que modo essa divisão possa ter sido conveniente.
Note-se a este propósito que a REN até obteve, ainda em 2015, uma primeira DIA favorável condicionada [cf. facto indiciariamente provado do ponto 18], e, com esse ato, poderia ter prosseguido a sua atuação em conformidade com a lei. Todavia, como o PDM de (...) foi alterado em 2015, a REN aceitou desenvolver novo estudo para definição de alternativas, assim criando a designada “zona intermédia”, que veio a ser objeto da AIA em discussão nestes autos. Não se vê como se possa reputar de conveniente esta alteração. Além do mais, quando normalmente se fala na conveniência na divisão de certa realidade (seja na contratação pública seja em matéria ambiental) essa atuação tem por base obviar à aplicação de determinadas normas; ou seja, por exemplo, no caso concreto poderia ter por efeito diminuir a distância da linha e, dessa forma, subtrair essa parte ao procedimento ambiental exigido; mas nada disso aconteceu, já que, como se retira dos factos indiciariamente provados, todo o projeto, mesmo que dividido em procedimentos diferentes, foi sujeito a avaliação ambiental prévia.
É por isso que, não obstante as Requerentes alegarem a violação do disposto no art.º 1.º, n.º 3, do DL 151-B/2013, de 31.10, não identificam, em concreto, qual a parte do projeto que ficou livre de avaliação ambiental; a resposta para essa omissão é simples: porque, como se colhe dos factos provados, tal não sucedeu, e nenhum benefício tirou a promotora (v.g., a REN) dessa divisão, sendo certo que, quanto a uma delas, abdicou até de uma DIA anterior que já lhe permitia executar o projeto.
Por isso mesmo, também não se antevê qualquer espécie de sucesso na alegação de que, com essa divisão, foi mitigado o verdadeiro impacto do projeto; aliás, se atentarmos bem na própria DIA aqui impugnada, aí se referem precisamente os outros procedimentos de AIA, sinal a bem dizer inequívoco que, como não podia deixar de ser, todas as decisões estão interligadas, e o projeto pensado como um todo.
Quanto ao princípio da precaução, encontra-se, juntamente com o princípio da prevenção, previsto no art.º 3.º, alínea c), da Lei n.º 19/2014, de 14.04, nos termos do qual as entidades públicas estão obrigadas a adotar medidas antecipatórias com o objetivo de obviar ou minorar, prioritariamente na fonte, os impactes adversos no ambiente, com origem natural ou humana, tanto em face de perigos imediatos e concretos como em face de riscos futuros e incertos, da mesma maneira como podem estabelecer, em caso de incerteza científica, que o ónus da prova recaia sobre a parte que alegue a ausência de perigos ou riscos.
Ora, esse foi precisamente o objetivo do procedimento de AIA em causa nos autos, e dos outros que subjazem aos mesmo processo, não sendo identificado qualquer risco em concreto que não tenha sido devidamente acautelado na decisão. Com efeito, como expressamente se reconhece na DIA, é certo que impactos no ambiente existirão sempre num projeto desta natureza; na verdade, se tais impactos não existissem nem haveria qualquer procedimento prévia de AIA. Daí que a questão resida em fazer opções menos desfavoráveis em termos ambientais, procurando optar pela menos gravosa para o ambiente. E lendo o teor da DIA não vemos como tal não tenha sido considerado no caso concreto - muito pelo contrário.
No que respeita ao princípio da boa-fé, damos aqui por reproduzido tudo quanto acima se referiu sobre a questão da divisão do projeto. Cabendo apenas acrescentar que não se vislumbra qualquer espécie de vantagem em tal divisão, nomeadamente pela subtração de qualquer parte do projeto a procedimento de AIA. Sendo certo que a circunstância de para as Requerentes existir um percurso eventualmente mais adequado não é suficiente para demonstrar qualquer intenção maléfica no sentido de incumprir a lei.
Assim sendo, nesta parte se conclui que, ao que tudo indica, as alegadas violações do art.º 1.º, n.º 3, do DL n.º 151-B/2013, de 31.10, bem como dos princípios da legalidade, da precaução e da boa-fé não terão a virtualidade de proceder.
Já tendo subjacente a licença emitida pela DGEG, as Requerentes começam por invocar a violação do princípio da igualdade entre os cidadãos, nomeadamente porque os habitantes de (...) serão onerados com a passagem da LMAT para abastecimento a outras zonas do país, quando havia outro modo de realizar o interesse público, nomeadamente enterrando a infraestrutura/linha, ou escolhendo um percurso alternativo.
Sobre esta matéria, impõe-se dizer que não vemos sequer como configurar aqui uma violação do princípio da igualdade. Partindo deste pressuposto, na medida em que há sempre territórios que têm de ficar onerados com infraestruturas e servidões de natureza administrativa (sejam barragens, aeroportos, portos, linhas ferroviárias, autoestradas, etc…) teríamos de apurar constantemente violação do princípio da igualdade nos casos em que um determinado território é onerado para benefício de outros; ou seja, só seriam admissíveis imposições deste género quando somente o próprio onerado ficasse beneficiado com a infraestrutura.
Já aqui referimos o fenómeno NIMBY, que designa a resistência a este tipo de infraestruturas; que é, ademais, compreensível e aceitável. Mas o que não vemos é como retirar daqui a violação do princípio da igualdade só porque a obra se destina a garantir um bem essencial à população de outra zona do país. Simplesmente, não faz sentido; e por isso também esta alegação não parece ter a virtualidade de proceder.
Também não se afigura que será de proceder o vício de violação do direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, consagrado no art.º 66.º da CRP.
Naturalmente que esse direito existe, a questão não se coloca nesse prisma. Simplesmente, como grande parte dos direitos sociais, é suscetível de ser comprimido ou onerado.
E, de resto, tal como assinalado aquando da análise do requisito do periculum in mora, para que este vício procedesse (em perspetiva) teria de pelo menos ficar provado que a circunscrição territorial da freguesia ficaria inabitável; mas nem sequer existe alegação desses factos, nomeadamente quanto aos concretos níveis de poluição sonoro ou o alcance dos campos magnéticos. Além de que, seguramente, existirão outros espaços na mesma freguesia para fruir.
Seja como for, sem a alegação de factos concretos não será nunca possível reconhecer a violação deste direito em termos de invalidar qualquer ato administrativo, sendo certo que a mera passagem da LMAT não pode constituir fundamento bastante para esse efeito (nessa perspetiva, possivelmente grande parte das linhas existentes seriam ilegais, com base na ilegalidade das decisões que a sustentam, na medida em que admitem a sua simples existência).
Em relação à violação do princípio da legalidade, bem como da remissão que é feita para os fundamentos de ilegalidade da DIA, aqui se remete para o acima referido a este propósito, que se considere reproduzido, obviando a repetições desnecessárias.
Por último, de referir que não vemos como podem sair violados os artigos 5.º, e 6.º, n.º 1, do Regulamento de Segurança das Linhas de Alta Tensão – Decreto Regulamentar n.º 1/92, de 18.02.
Assim, no art.º 5.º, deste Regulamento diz-se que “as linhas serão estabelecidas de modo a eliminar todo o perigo previsível para as pessoas e a acautelar de danos os bens materiais, não devendo perturbar a livre e regular circulação nas vias públicas ou particulares, nem afectar a segurança do caminho de ferro, prejudicar outras linhas de energia ou de telecomunicação ou causar danos às canalizações de água, gás ou outras.”
Tanto quanto se lê da decisão ambiental subjacente à linha (ou seja, a DIA) tudo isso foi considerado, nomeadamente em sede de ruído, proximidade de habitações, valores do campo eletromagnético, etc… Não se mencionam quaisquer danos em bens materiais (por exemplo, não se refere qualquer demolição de uma casa), nem nada é dito sobre a perturbação de quaisquer outras infraestruturas. E, convém dizê-lo, não demonstram as Requerentes terem, em sede de consulta pública, informado os seus projetos para o local, como se esperava que tivessem feito, dada a importância que neste processo lhes atribuem.
Quanto ao art.º 6.º, n.º 1, do mesmo Regulamento, tem natureza essencialmente principiológica, afirmando-se aí que “no estabelecimento e exploração das linhas deverá respeitar-se, na medida do possível, o património cultural, estético e científico da paisagem, em especial quando tiver valor histórico, ecológico, paisagístico ou arquitectónico, e causar-lhe, bem como aos terrenos e outras propriedades afectadas, o menor dano, procurando reduzir ao mínimo as perturbações nos diversos serviços, tanto de interesse público como particular.”
Como a própria norma indica – porque também reconhece que projetos deste tipo têm sempre impacto – trata-se de minorar o impacto na medida do possível; sem prejuízo de se referir que não é alegado que, por exemplo, estejamos perante paisagens protegidas, fauna ou flora únicos, destruição de monumentos ou sítios de relevo, etc… A bem dizer, limitam-se as Requerentes a alegar genericamente a violação deste preceito, com base nas também alegações genéricas que anteriormente proferiram.
Do que vem de expor-se resulta, portanto, que nenhum dos vícios invocados terá condições de proceder, pelo que o requisito do fumus boni iuris não está preenchido.
Assim sendo, também por esta via o processo cautelar teria sempre de improceder.
(…)»
Fim de transcrição.

3.3.2.27 Ora, a recorrente limita-se no recurso a renovar a invocação dos fundamentos de invalidade a que alude, sem que rebata, sequer minimamente, o juízo (perfunctório) no sentido da sua inverificação que foi feito quanto a cada uma dela na sentença recorrida. Não concretizando nem consubstanciado, em que medida, aspeto ou dimensão o Tribunal a quo possa ter feito uma eventualmente incorreta interpretação ou aplicação do quadro normativo convocado, ou uma desadequada subsunção da realidade factual, não se encontra este Tribunal ad quem em condições de aferir do eventual erro de julgamento (de direito), no que tange à apreciação que foi feita na sentença recorrida a respeito do requisito do fumus boni iuris.

E assim sendo, tem que manter-se o entendimento que foi feito na sentença recorrida.

3.3.2.28 Por último, resta dizer que muito embora a recorrente defenda no recurso que o Tribunal a quo fez uma errada apreciação dos interesses em presença, para efeitos da ponderação exigida pelo artigo 120º nº 2 do CPTA (vide conclusão 13ª das alegações de recurso), a verdade é que a sentença recorrida não se efetuou essa ponderação.

O que se percebe, e encontra justificação, face à circunstância de terem sido considerados não preenchidos os requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris.

Pelo que não subsistia qualquer interesse ou utilidade na ponderação prevista no artigo 120º nº 2 do CPTA, que ficou prejudicada, se a decretação da providência cautelar se encontrava já votada ao fracasso.

3.3.2.29 Não se vê, pois, como possa o recorrente sustentar ter sido feita uma errada apreciação dos interesses em presença, se o Tribunal a quo considerando não preenchidos os requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris previstos no artigo 120º do nº 1 do CPTA e se omitiu, e bem, nessa conjuntura, de proceder à ponderação a que alude o nº 2 do mesmo artigo.

3.3.2.30 Sendo que, mantido que foi, nos termos supra decididos, o julgamento de inverificação daqueles dois requisitos, não há também que proceder agora, neste Tribunal ad quem, em substituição, a essa ponderação.

3.3.3 Aqui chegados, e por tudo o visto, não merece provimento o recurso dirigido à sentença de 17/12/2020 (fls. 1404 SITAF), que assim se mantém.
*
IV. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento a ambos os recursos, mantendo-se, pelos fundamentos supra, as decisões recorridas.
*
Custas pela recorrente - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP e 189º nº 2 do CPTA.
*
Notifique.
D.N.
*
Porto, 19 de março de 2021

M. Helena Canelas (relatora)
Isabel Costa (1ª adjunta)
Rogério Martins (2º adjunto)