Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00304/15.8BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/03/2020
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:JUNÇÃO DE PARECER; HIERARQUIA DOS PMOTS;
Sumário:1 – Os pareceres são peças que as partes têm o direito de juntar ao processo, e que contribuem ou podem contribuir para esclarecer o espírito do julgador.
Os pareceres têm apenas a autoridade que o seu autor lhes dá, não podendo ser considerados documentos, e por isso, podem ser juntos aos autos, nos tribunais de primeira instância, em qualquer estado do processo e, nos tribunais superiores, até se iniciarem os vistos aos juízes (cfr. artigo 426.º e 651.º do CPC)

2 - Em matéria de PMOTs – Planos Municipais de Ordenamento do Território - vigora incontornavelmente o princípio da hierarquia, o que se traduz na necessidade das disposições de um plano deverem respeitar as determinações dos planos hierarquicamente superiores, de acordo com o princípio da conformidade, sob pena de nulidade.

3 - Assim, em concreto, é incontornável que a nível Municipal, o Plano Diretor Municipal de Mira (RPDMM), encontrando-se, por assim dizer, no topo da hierarquia regulamentar urbanística do respetivo Município, em caso de conflito, sobrepor-se-á necessariamente e todo e qualquer outro normativo regulamentar de natureza urbanística do respetivo município.
Não regulamentando o Plano de Urbanização da Praia de Mira (PUPM) a questão dos afastamentos, está bem de ver que serão aplicáveis as regras do RPDMM, no que concerne aos “afastamentos”.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Município (...)
Recorrido 1:M.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
O Município (...), no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada contra si por M., tendente, em síntese, à declaração de nulidade dos Despachos do Vereador da Câmara Municipal (...) de 20.0.2014 e 21.02.2014, que aprovaram as obras de construção constantes dos alvarás nº 3/2014 e nº 12/2014, não se conformando com a Sentença proferida no TAF de Coimbra, em 4 de junho de 2019, que veio a julgar a ação procedente, declarando a nulidade dos referidos Despachos, veio em 9 de Setembro de 2019, a recorrer jurisdicionalmente do mesmo.
Formulou o aqui Recorrente/Município nas suas alegações de recurso, as seguintes conclusões:
“A. Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida pela Unidade Orgânica 1 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra datada de 19 de junho de 2019, no âmbito do processo que opôs a Recorrida M., e, o ora recorrente. Reage-se quanto ao segmento decisório pelo qual se declarou nulos os despachos do Vereador da Câmara Municipal (...), de 20/01/2014 e de 21/02/2014, que aprovaram as obras de construção que constam dos alvarás de obras de construção nº 3/2014 e nº 12/2014, respetivamente datados de 21/01/2014 e de 20/03/2014. (cfr. o ponto V da Sentença recorrida).
Da Junção do Parecer:
B. Para a boa decisão da causa, consideramos imprescindível a junção, nesta fase, do douto parecer da Prof. Dr.ª Fernanda Paula Oliveira, ao abrigo dos artigos 426º e 651º do CPC ex vi do art. 1º do CPTA.
*Os pareceres podem ser juntos aos autos, nos tribunais superiores, até se iniciarem os vistos aos juízes (cfr. artigo 426.º e 651.º do CPC)- vg neste sentido Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte datado de 24-10-2014 no proc. 00626/14.5BEPRT-A in www. dgsi.pt.
*Deve a junção do presente parecer ser admitido aos presentes autos, reputando-se o mesmo de extrema importância e esclarecedor da matéria controversa nos autos.
Da Matéria de Direito:
C. A sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito, por não ter feito uma correta interpretação e aplicação das normas e princípios estabelecidos aos procedimentos de gestão urbanística na área territorial em causa nos presentes autos.
D. Considerou, erradamente, o tribunal a quo, que o licenciamento das operações urbanísticas na área territorial objeto do licenciamento em causa nos presentes auto, se encontra sujeito em primeira linha, às normas concretizadas para essa área pelo PUPM e, no que nele não tiver sido especificamente concretizado, às normas gerais do RPDMM;
E. Declarando, assim, a nulidade dos despachos do Vereador da Câmara Municipal (...), de 20/01/2014 e de 21/02/2014 que aprovaram as obras de construção que constam dos alvarás de obras de construção nº 3/2014 e nº 12/2014 por violação do disposto no art. 12º, nº 1 e 2, do RPDM de (...) , referente a afastamentos.
F. O PDM, apesar de se apresentar como o instrumento de referência para os restantes planos, definindo a “estratégia de desenvolvimento territorial, a política municipal de ordenamento do território e de urbanismo e as demais políticas urbanas” para a totalidade do território municipal, a lei determina que, pelo menos para determinadas áreas territoriais, as suas disposições sejam concretizadas por via de planos (de urbanização ou de pormenor) mais precisos, mais próximos, em termos de escala, do território a que se aplicam.
G. Assim, quando uma área territorial é simultaneamente abrangida por vários instrumentos de gestão territorial, uns mais concretos que os outros, aqueles que preferencialmente devem ser convocados no âmbito dos procedimentos de gestão urbanística, são os mais concretos, em nome do princípio da maior proximidade territorial.
H. Significa isto que, as normas do PDM (de âmbito mais genérico) só terão aplicação numa área abrangida por um plano municipal mais concreto (de urbanização ou pormenor) se tal resultar de forma expressa ou implícita.
I. Ou seja, em regra, um plano de urbanização, ao concretizar para a sua área de abrangência as opções constantes do plano diretor municipal, passa a ser o único e exclusivo instrumento de planeamento mobilizável para efeitos de gestão urbanística, integrando a totalidade das regras que nela têm aplicação.
J. Só assim não será quando o plano mais concreto reconhece que existem normas do plano diretor municipal (que deve identificar), que continuam a fazer sentido naquela área territorial, determinando, por isso, a sua aplicação em complemento com as do plano mais concreto em vigor.
K. Não restam dúvidas que, se numa determinada área territorial onde está em vigor o respetivo plano diretor municipal for posteriormente elaborado um plano de urbanização, são as normas deste, que devem ser convocadas nos procedimentos de gestão urbanística.
Apenas assim não será quando, do plano de urbanização se retirar (de forma expressa ou por interpretação das suas normas) a aplicabilidade, das normas mais genéricas do plano diretor municipal.
L. O Tribunal a quo entendeu erradamente que na área de abrangência do PUPM se aplicava, para além da sua regulamentação própria, também o disposto no artigo 12º do RPDMM.
M. Não existe ao contrário do que parece dar a entender o Tribunal a quo, qualquer contradição entre a norma do RPDMM que o manda aplicar à totalidade do território municipal, e a sua não aplicação (derrogação) em concreto no âmbito dos concretos procedimentos de gestão urbanística em área abrangida pelo PUPM, sendo este que, na respetiva área de incidência, tem preferência de aplicação (aplicação essa que será integral se o PUPM tiver esgotado a totalidade regulamentação daquela área).
N. Ora ainda que a lei exija, por questões de segurança jurídica, que sempre que um plano altere outro deva fazer essa menção, a ausência desta não pode ter como consequência nem a invalidade do plano onde tal menção deveria constar (no caso, o PUPM) nem a manutenção das normas do plano precedente (no caso, as normas dos RPDMM)
O. Se é certo que o RPDM (alterado por adaptação ao PUPM) manteve intocados os artigos 1º e 2º do respetivo regulamento, não se pode olvidar que foi igualmente alterada a respetiva Carta de Ordenamento por forma a nela se proceder à delimitação expressa da área de aplicação regulamentar do PUPM (constando expressamente na legenda da Planta de Ordenamento “área sujeita a Plano de urbanização da (...)”).
P. É o próprio artigo 1.º do RPDMM que expressamente determina que “todas as ações de licenciamento de construções, recuperação, alteração de uso, destaque de parcelas, loteamentos, obras de urbanização e qualquer outra ação que tenha por consequência a transformação do revestimento ou do solo ficam sujeitas às presentes disposições regulamentares apoiado pela Carta de Ordenamento, parte integrante do Regulamento”.
Q. O mesmo é dizer que têm o mesmo valor jurídico a norma escrita constante do artigo 1.º do RPDMM e a Carta de Ordenamento que foi objeto de atualização após a aprovação do PUPM de modo a dela fazer constar expressamente a área de abrangência deste e a sua aplicação nessa área, em detrimento das regras do RPDMP.
R. Ou seja, uma leitura completa do PUPM permite concluir que ele regula de forma integral a sua área de abrangência, quer por conter a regulamentação especial aí aplicável (mais concreta e precisa que a do RPDMM) quer por identificar as normas que se aplicam quanto a tudo o que nele não esteja expressamente regulado
S. Assim, se tivermos como referência a matéria relativa a afastamentos (matéria não regulada no PUPM), a remissão para a legislação vigente só pode ser interpretada como a remissão para o Regulamento Geral de Edificações Urbanas (que é o diploma legal que regula, de forma genérica, esta matéria).
T. Do artigo 52.º do PUPM retiramos, pois, no que concerne a afastamentos, que a opção do PUPM não foi, claramente, ao contrário do que afirma o Tribunal a quo, manter a opção constante do RPDMM (mais exigente), mas a que resulta da regra geral (que consta do RGEU).
U. O que aliás se entende tento em conta que a área de aplicação do PUPM tem caraterísticas especificas, em termos de consolidação do tecido urbano, que faz com que não tenha sentido aplicar aí as regras, mais exigentes, em termos de afastamento que constam do RPDMM para as restantes áreas.
V. No sentido desta conclusão aponta a própria previsão do PUPM de que se mantém “(…) em vigor o Plano de Pormenor da Videira Norte, ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 69/2001, publicada no Diário da República, 1ª série, nº 140, de 19 de Junho de 2001.”
Nada se tendo referido quanto ao RPDMM, o que não pode deixar de denotar e indiciar a opção da não aplicação deste na área do PUPM.
W. Ora, afastado que está a aplicação das normas do RPDM e convocando as normas do RGEU temos que é inequívoco que o projeto de arquitetura objeto de licenciamento em causa nos presentes autos obedece à legislação em vigor: (i) As fachadas laterais onde se inserem as janelas dos compartimentos de habitação (cfr. artigo 66º RGEU - quartos, salas e cozinhas) observam o afastamento mínimo de 3 metros (cfr. Artigo 73ºdo RGEU); (ii) No 1º andar as moradias não possuem vão de compartimento de habitação.
X. Já no que concerne ao afastamento mínimo de 6 metros entre as edificações principais e os anexos de apoio ou entre as primeiras e o limite posterior do prédio nada é referido o RGEU para habitações unifamiliares. Efetivamente, a norma que obriga à existência de um logradouro com o mínimo de 6 metros aplica-se exclusivamente a habitação multifamiliar ou coletiva- vg artigo 62º do RGEU- o que não é o caso nos presentes autos.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, e, em consequência, deve:
Ser a Sentença recorrida revogada e substituída por novo aresto que julgue totalmente improcedente a ação, atentos os erros de julgamento da matéria de direito, em que incorreu o Tribunal a quo.

A aqui Recorrida/M. veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 23 de setembro de 2019, concluindo do seguinte modo:
“A. O presente recurso vem interposto pelo R. Município (...), tendo por objeto a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que declarou nulos os despachos do Sr. Vereador da Câmara Municipal (...) de 20.01.2014 e de 21.02.2014, que aprovaram obras de construção constantes dos alvarás de obras de construção nº 3/2014 e 12/2014;
B. A política de ordenamento assenta num sistema de gestão territorial organizado em três distintos âmbitos: nacional, regional e municipal – cf. artigo 2º do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (abreviadamente RJIGT);
C. O plano diretor municipal é um instrumento de referência para a elaboração dos demais planos municipais de ordenamento do território e para o estabelecimento de programas de ação territorial – cf. artigo 84º, nº 2 do RJIGT;
D. O mesmo é de elaboração obrigatória – cf. artigo 84º, nº 4 do RJIGT;
E. Por seu turno, o plano de urbanização concretiza, para uma determinada área do território municipal, a política de ordenamento do território e de urbanismo, fornecendo o quadro de referência para a aplicação das políticas urbanas e definindo a estrutura urbana, o regime de uso do solo e os critérios de transformação do território – cf. artigo 87º, nº 1 do referido diploma;
F. O plano de urbanização pode abranger qualquer área do território do município incluída em perímetro urbano por plano diretor municipal eficaz e outras áreas do território municipal desde que, de acordo com os objetivos e prioridades estabelecidas no plano diretor municipal – cf. artigo 87º, nº 2 do citado diploma;
G. Nas relações entre instrumentos de gestão territorial, devemos socorrer-nos dos Princípios da Hierarquia e da Articulação dos Planos;
H. Admitindo-se em casos especiais que se os planos de urbanização e os planos de pormenor não sejam conformes aos planos diretores municipais, seria obrigatória a ratificação governamental.
I. Esta mitigação acentuou-se com a entrada em vigor com a Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos e pelo próprio Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, eliminando-se a figura da ratificação governamental, reforçando a necessidade de articulação dos planos municipais.
J. A existência do PUPM não implica a não aplicação do RPDMM;
K. Atendendo à natureza do Plano Diretor Municipal de (...) (RPDMM), sendo o modelo de referência para a organização do território do Município (...), todas as questões indicadas no seu artigo 1º, ficam sujeitas às disposições do Plano Diretor Municipal e Carta de Ordenamento;
L. O PUPM não regulamenta especificamente a questão dos afastamentos, pelo que deverão ser aplicáveis as normas do RPDMM;
M. O PUPM não pretendeu afastar as normas do RPDMM;
N. Não resulta de forma expressa do texto do PUPM que seriam afastadas certas normas do RPDMM.
O. O PUPM veio estabelecer as regras e orientações a que terão de obedecer determinadas operações urbanísticas, que se aplicam à totalidade do território delimitado na planta de zonamento.
P. O RPDMM foi alterado para alinhamento com os vários planos municipais, incluindo o PUPM, tendo sido mantida expressamente, a redação dos seus artigos 1º e 2º;
Q. Do PUPM ou da deliberação que o aprovou, não consta ressalva expressa sobre a revogação ou alteração de quaisquer normas do RPDMM em vigor antes da aprovação do PUPM – cf. artigo 25º, nº 3 do RJIGT;
R. Do teor dos artigos 6º a 8º e 17º a 20º do PUPM, é possível constatar que este não regulou expressamente qualquer questão relativa a afastamentos;
S. Impera, assim, no caso concreto, o disposto no artigo 12º, nºs 1 e 2 do RPDMM referente a matéria de afastamentos;
T. A aplicação exclusiva do Regime Geral das Edificações Urbanas, por via do artigo 52º do PUPM, não deve proceder, já que não se verifica qualquer omissão dos instrumentos municipais aplicáveis, neste caso vigorando o RPDMM;
U. Não existe qualquer desconformidade do PUPM com RPDMM, pelo que, o plano municipal de urbanização deve conformar-se com o plano diretor municipal, prevalecendo este último em tudo o que não for expressamente regulamentado no primeiro;
V. O limite lateral mínimo para construções isoladas é de 3 (três) metros, preferencialmente 5 (cinco) metros, que são medidos entre as fachadas das edificações e os limites laterais do lote;
W. Nos procedimentos urbanísticos que culminaram na aprovação das obras de construção tituladas pelos alvarás de obras de construção nº 3/2014 e 12/2014 não foi verificada a conformidade dos afastamentos com aquelas disposições, concluindo-se da prova produzida que não são respeitados estes limites;
X. O afastamento posterior mínimo entre a fachada da edificação e o alinhamento dos anexos não contíguos é de 6 (seis) metros;
Y. Também estes afastamentos mínimos não estão respeitados;
Z. Ora, o incumprimento dos afastamentos previstos no artigo 12º, nº 1 e 2, do RPDMM gera a nulidade dos atos administrativos praticados nos termos dos artigos 67º e 68º do RJUE na sua redação em vigor à data dos factos, sendo de manter integralmente a decisão proferida.
Nestes termos, E nos melhores de Direito que V.ªs Exas. suprirão, Deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a decisão recorrida, com as legais consequências.”
O Recurso Jurisdicional veio a ser admitido por despacho de 6 de novembro de 2019.
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 26 de novembro de 2019, nada veio dizer, requerer ou Promover.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, verificando, designadamente, o suscitado “erro de julgamento de direito”.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada:
“Consideram-se provados os seguintes factos, com relevo para a decisão da causa:
1) A A. é proprietária, em regime de compropriedade e na proporção de 1/4, de um prédio urbano sito na Rua (...), na freguesia de (...), inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o art.º 478 (cfr. doc. de fls. 86, no verso, e 87 do suporte físico do processo).
2) Em 13/12/2013 as contrainteressadas, na qualidade de proprietárias do prédio urbano sito na Rua (...), na freguesia de (...), descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 2650 e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o art.º 396, apresentaram requerimento junto dos serviços do R. no qual solicitaram o licenciamento de obra de construção de uma moradia unifamiliar, anexos e muros numa parcela a destacar do referido prédio, cujo destaque foi requerido em simultâneo, bem como o licenciamento de obras de demolição das edificações existentes no referido prédio, o que deu origem ao processo n.º 01/2013/160 (cfr. doc. de fls. 57 a 59 do suporte físico do processo).
3) Segundo a planta de implantação que integra o projeto de arquitetura junto ao requerimento que antecede, o afastamento da moradia ao limite lateral direito (nascente) do terreno é de 1,50 metros, ao limite posterior (sul) do terreno é de 7,49 metros e ao limite superior (norte) do terreno é de 6,39 metros (cfr. doc. de fls. 21 do processo administrativo n.º 01/2013/160).
4) Segundo a mesma planta de implantação, entre a edificação principal e o limite posterior (sul) do terreno existe um anexo não contíguo àquela, sendo que a distância entre o alinhamento daquela edificação e o alinhamento deste anexo é inferior a 6 metros (cfr. doc. de fls. 21 do processo administrativo n.º 01/2013/160).
5) Em 17/12/2013 foi elaborada a informação n.º 1064-2013-UGU, da qual consta o seguinte:
“Após a análise do pedido, informo:
1) O requerente solicita o licenciamento de obras de construção de uma moradia, de um anexo de apoio a esta e de um muro confinante com a via pública, com demolição de construções existentes, numa parcela a destacar cuja aprovação da operação de destaque solicita em simultâneo;
2) O prédio situa-se em área abrangida pelo Plano de Urbanização da (...) – PUPM – estando classificado o uso do solo como Zona Consolidada de Utilização Coletiva Mista Predominante Nível 2 – 3 pisos – (art.º 14.º do Regulamento do PUPM, adiante designado RPUPM);
A) Operação de destaque
(…)
B) Construção de moradia, de anexo de apoio e de muro confinante com a via pública
9) O projeto de arquitetura da moradia cumpre com as disposições regulamentares do PUPM, nomeadamente no que respeita à profundidade (art.º 7.º do RPUPM), ao uso e tipologia (art.º 17.º do RPUPM), alinhamentos e n.º de pisos (art.ºs 18.º e 19.º do RPUPM);
10) O projeto de arquitetura do anexo de apoio cumpre com as disposições regulamentares do PUPM no que respeita à área, pé-direito, n.º de pisos e dimensões (art.º 8.º do RPUPM);
11) No que respeita ao muro confinante com a via pública, verifica-se que o projeto de arquitetura cumpre com o art.º 59.º da Lei n.º 2110/1961 de 19/08, no que respeita à altura e com o PUPM no que respeita à implantação, uma vez que segue o alinhamento dominante existente e consolidado da rua;
12) Para além deste muro, os requerentes pretendem ainda construir muros não confinantes com a via pública os quais, de acordo com o projeto de arquitetura apresentado, terão altura até 1,80m, estando por isso isentos de controlo prévio nos termos conjugados da al. b) do n.º 1 do art.º 6.º-A com a al. c) do n.º 1 do artigo 6.º, ambos do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, na sua atual redação.
Em conclusão, propõe-se que se remeta a despacho superior a aprovação da operação do destaque e a emissão da respetiva certidão, para que os requerentes possam proceder aos respetivos registos e em simultâneo que se continue a análise do projeto de arquitetura relativamente ao cumprimento das restantes normas legais e regulamentares aplicáveis”
(cfr. doc. de fls. 60 e 61 do suporte físico do processo).
6) Em 23/12/2013 o Vereador com o pelouro, no uso de competências delegadas, proferiu o seguinte despacho, exarado sob a informação que antecede: “Nos termos da informação técnica, aprove-se o pedido de destaque e emita-se a respetiva certidão” (cfr. doc. de fls. 60 do suporte físico do processo).
7) Em 23/12/2013 foi emitida certidão de destaque do prédio urbano referido supra no ponto 2), da qual resultou uma parcela a destacar, com a área de 287,50 m2, descrita na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 2677 e inscrita na respetiva matriz predial urbana sob o art.º 3564-P, e uma parcela restante com a área de 287,50 m2, descrita na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 2650 e inscrita na respetiva matriz predial urbana sob o art.º 3565-P (cfr. doc. de fls. 62 e 63 do suporte físico do processo, doc. de fls. 344 do processo administrativo n.º 01/2013/160 e doc. de fls. 6 do processo administrativo n.º 01/2014/3).
8) Na sequência de pedido de emissão do alvará de demolição em separado do alvará de construção, foi o pedido de demolição deferido por despacho do Vereador com o pelouro de 30/12/2013, exarado sob a informação n.º 1083-2013-UGU, de 27/12/2013 (cfr. docs. de fls. 64 a 66 do suporte físico do processo).
9) No âmbito do processo n.º 01/2013/160 e com base na informação n.º 29-2014-UGU, de 17/01/2014, o Vereador com o pelouro, no uso de competências delegadas, proferiu, em 20/01/2014, despacho de aprovação do projeto de arquitetura e dos projetos de especialidades, bem como de deferimento do pedido de licenciamento de construção de uma moradia unifamiliar, anexos e muros (cfr. doc. de fls. 346 do processo administrativo n.º 01/2013/160).
10) Em 21/01/2014 foi emitido o alvará de obras de construção n.º 3/2014, relativo ao processo n.º 01/2013/160, aí se fixando um prazo para conclusão das obras de 24 meses, com início em 21/01/2014 e termo em 22/01/2016, e do qual consta, além do mais, o seguinte:
“Nos termos do artigo 74.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, na sua atual redação, é emitido o alvará de licença de obras de construção n.º 3/2014, em nome de L. e outros, (…) que titula a aprovação das obras que incidem sobre o prédio sito em Rua (...) – (...), da freguesia de (...), descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 2677 e inscrito na matriz urbana sob o artigo n.º 3564-P da respetiva freguesia.
As obras aprovadas por Despacho de 20/01/2014 respeitam o disposto no Plano de Urbanização da (...) e apresentam as seguintes características:
Tipo de obras a executar – Construção nova; área total de construção – 261,90 m2; área de construção de habitação – 230,40 m2; área de construção do anexo – 24,20 m2; (…) número de pisos acima da cota da soleira: Habitação – Dois; Anexo – Um; número de pisos abaixo da cota da soleira – 0; altura máxima da habitação – 6,40 mts; altura máxima do anexo – 2,65 mts; número de fogos – Um; uso a que se destina a edificação: Habitação, anexo de apoio e muros”
(cfr. doc. de fls. 69 do suporte físico do processo).
11) Em 10/01/2014 a contrainteressada L., na qualidade de proprietária da parcela restante que resultou da operação de destaque do prédio urbano em referência, descrita na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 2650 e inscrita na respetiva matriz predial urbana sob o art.º 3565-P, apresentou requerimento junto dos serviços do R. no qual solicitou o licenciamento de obra de construção de uma moradia unifamiliar, anexos e muros, o que deu origem ao processo n.º 01/2014/3 (cfr. doc. de fls. 1 e 2 do processo administrativo n.º 01/2014/3).
12) Segundo a planta de implantação que integra o projeto de arquitetura junto ao requerimento que antecede, o afastamento da moradia ao limite lateral esquerdo (poente) do terreno é de 1,59 metros, ao limite posterior (sul) do terreno é de 6,98 metros e ao limite superior (norte) do terreno é de 6,27 metros (cfr. doc. de fls. 19 do processo administrativo n.º 01/2014/3).
13) Segundo a mesma planta de implantação, entre a edificação principal e o limite posterior (sul) do terreno existe um anexo não contíguo àquela, sendo que a distância entre o alinhamento daquela edificação e o alinhamento deste anexo é inferior a 6 metros (cfr. doc. de fls. 19 do processo administrativo n.º 01/2014/3).
14) Em 15/01/2014 foi elaborada a informação n.º 22-2014-UGU, da qual consta, além do mais, o seguinte:
“Após a análise do pedido, informo:
1) Os requerentes solicitam o licenciamento de obras de construção de uma moradia, de um anexo de apoio a esta e de um muro confinante com a via pública num prédio situado em área abrangida pelo Plano de Urbanização da (...) – PUPM – estando classificado o uso do solo como Zona Consolidada de Utilização Coletiva Mista Predominante Nível 2 – 3 pisos – (art.º 14.º do Regulamento do PUPM, adiante designado por RPUPM);
2) O projeto de arquitetura da moradia cumpre com as disposições regulamentares do PUPM, nomeadamente no que respeita à profundidade (art.º 7.º do RPUPM), ao uso e tipologia (art.º 17.º do RPUPM), alinhamentos e n.º de pisos (art.ºs 18.º e 19.º do RPUPM);
3) O projeto de arquitetura do anexo de apoio cumpre com as disposições regulamentares do PUPM no que respeita à área, pé-direito, n.º de pisos e dimensões (art.º 8.º do RPUPM);
4) No que respeita ao muro confinante com a via pública, verifica-se que o projeto de arquitetura cumpre com o art.º 59.º da Lei n.º 2110/1961 de 19/08, no que respeita à altura e com o PUPM no que respeita à implantação, uma vez que segue o alinhamento dominante existente e consolidado na rua;
5) Para além deste muro, os requerentes pretendem ainda construir muros não confinantes com a via pública os quais, de acordo com o projeto de arquitetura apresentado, terão altura até 1,80 m, estando por isso isentos de controlo prévio nos termos conjugados da al. b) do n.º 1 do art.º 6.º-A com a al. c) do n.º 1 do artigo 6.º, ambos do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, na sua atual redação”
(cfr. doc. de fls. 280 do processo administrativo n.º 01/2014/3).
15) No âmbito do processo n.º 01/2014/3 e com base na informação n.º 147-2014-UGU, de 21/02/2014, o Vereador com o pelouro, no uso de competências delegadas, proferiu, na mesma data, em 21/02/2014, despacho de aprovação do projeto de arquitetura e dos projetos de especialidades, bem como de deferimento do pedido de licenciamento de construção de uma moradia unifamiliar, anexos e muros (cfr. doc. de fls. 290 do processo administrativo n.º 01/2014/3).
16) Em 20/03/2014 foi emitido o alvará de obras de construção n.º 12/2014, relativo ao processo n.º 01/2014/3, aí se fixando um prazo para conclusão das obras de 24 meses, com início em 20/03/2014 e termo em 21/03/2016, e do qual consta, além do mais, o seguinte:
“Nos termos do artigo 74.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, na sua atual redação, é emitido o alvará de licença de obras de construção n.º 12/2014, em nome de L., (…) que titula a aprovação das obras qui incidem sobre o prédio sito em Rua (...), da freguesia de (...), descrito na conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 2650 e inscrito na matriz urbana sob o artigo n.º 3565-P da respetiva freguesia.
As obras aprovadas por Despacho de 21/02/2014 respeitam o disposto no Plano de Urbanização da (...) e apresentam as seguintes características:
Tipo de obras a executar – Construção nova; área total de construção – 256,40 m2; área de construção de habitação – 230,40 m2; área de construção do anexo – 26,00 m2; (…) número de pisos acima da cota da soleira (habitação) – Dois; número de pisos acima da cota de soleira (anexo) – Um; Anexo – Um; número de pisos abaixo da cota da soleira – 0; altura máxima da fachada: Habitação – 6,40 m; anexo – 2,65 m; número de fogos – Um; uso a que se destina a edificação: Habitação, anexo de apoio e muros”
(cfr. doc. de fls. 355 do processo administrativo n.º 01/2014/3).
17) A petição inicial da presente ação deu entrada em juízo no dia 16/03/2015 (cfr. doc. de fls. 1 do suporte físico do processo).”

IV – Do Direito
Em síntese, imputa o Município (...), à Sentença recorrida, predominantemente erro de julgamento de direito, sendo que a Recorrida se pronuncia no sentido da improcedência do recurso jurisdicional.

No que ao discurso fundamentador da decisão recorrida concerne, aí se discorreu, no que aqui releva, o seguinte:
“(...) No entender da A., a existência do PUPM, que vigora na zona territorial correspondente à freguesia da (...), não exclui que nessa mesma área territorial seja também aplicado o RPDM, em tudo aquilo que não for regulamentado expressamente no PUPM. Ou seja, atendendo à localização geográfica dos prédios em causa, o licenciamento das respetivas obras de construção tem de respeitar quer o PUPM, quer o RPDM, por serem ambos aplicáveis, sendo certo que este só o será na matéria que não estiver expressamente prevista e regulamentada naquele. Conclui, por isso, que os despachos impugnados incorrem em violação dos limites de afastamento previstos no art.º 12.º, n.ºs 1 e 2, do RPDM, bem como do alinhamento dominante das fachadas do conjunto em que as moradias se inserem, imposto pelo art.º 19.º, n.º 3, do PUPM e pelo art.º 10.º do RPDM.
Contestam o R. e as contrainteressadas, em suma, que, com a entrada em vigor do PUPM, em 2007, este passou a ser o único e exclusivo instrumento de gestão territorial vigente e eficaz na (...), sem necessidade de verificação da conformidade das operações urbanísticas em apreço com as disposições regulamentares do RPDM, por não serem legalmente aplicáveis. Daí que, no seu entender, os atos impugnados não padecem das nulidades invocadas, ora porque o RPDM não se aplica na (...), ora porque os projetos de arquitetura, respeitantes às moradias em causa, cumprem todas as disposições regulamentares aplicáveis do PUPM.
A primeira questão a dirimir nos presentes autos prende-se, pois, com saber se aos atos de licenciamento e aprovação das obras de construção aqui em crise (i) se aplicam o PUPM e, em tudo o que não estiver expressamente regulado por este, o RPDM (tese da A.), ou (ii) se aplica apenas o PUPM e, nas situações aí não previstas, o disposto na demais legislação vigente, ou seja, no RGEU, mas não no RPDM (tese do R. e contrainteressadas).
(...)
Como vimos, são dois os planos municipais de ordenamento do território cuja aplicação vem questionada no caso dos autos:
o PUPM, aprovado pela Deliberação n.º 2108/2007, publicada em Diário da República, 2.ª Série, n.º 202, de 19/10/2007, na redação conferida pelo Aviso n.º 8812/2012, publicado em Diário da República, 2.ª Série, n.º 123, de 27/06/2012;
o Regulamento do PDM de (...), ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 83/94, publicada em Diário da República, Série I-B, n.º 215, de 16/09/1994, e alterado por Deliberação da Assembleia Municipal de 20/12/2007 (publicitada através do Aviso n.º 8442/2008, publicado em Diário da República, 2.ª Série, n.º 55, de 18/03/2008).
Nos termos do art.º 84.º do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 380/99, de 22/09, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 316/2007, de 19/09 (diploma em vigor à data da prática dos atos aqui impugnados, mas que entretanto foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14/05, que aprovou a revisão do regime jurídico em causa), “o plano diretor municipal estabelece a estratégia de desenvolvimento territorial, a política municipal de ordenamento do território e de urbanismo e as demais políticas urbanas, integra e articula as orientações estabelecidas pelos instrumentos de gestão territorial de âmbito nacional e regional e estabelece o modelo de organização espacial do território municipal” (n.º 1).
Ademais, “o plano diretor municipal é um instrumento de referência para a elaboração dos demais planos municipais de ordenamento do território e para o estabelecimento de programas de ação territorial, bem como para o desenvolvimento das intervenções setoriais da administração do Estado no território do município, em concretização do princípio da coordenação das respetivas estratégias de ordenamento territorial” (n.º 2).
O PDM é, ainda, de elaboração obrigatória (n.º 4).
Dispõe, por sua vez, o art.º 87.º do RJIGT que “o plano de urbanização concretiza, para uma determinada área do território municipal, a política de ordenamento do território e de urbanismo, fornecendo o quadro de referência para a aplicação das políticas urbanas e definindo a estrutura urbana, o regime de uso do solo e os critérios de transformação do território” (n.º 1). O referido plano de urbanização pode abranger: “a) qualquer área do território do município incluída em perímetro urbano por plano diretor municipal eficaz e ainda o solo rural complementar de um ou mais perímetros urbanos, que se revele necessário para estabelecer uma intervenção integrada de planeamento; b) outras áreas do território municipal que, de acordo com os objetivos e prioridades estabelecidas no plano diretor municipal, possam ser destinadas a usos e funções urbanas, designadamente à localização de instalações ou parques industriais, logísticos ou de serviços ou à localização de empreendimentos turísticos e equipamentos e infraestruturas associadas” (n.º 2)
Ora, no que respeita às formas de relacionamento entre os instrumentos de gestão territorial e conforme assinala a doutrina (cfr. Fernanda Paula Oliveira, Direito do Urbanismo. Do Planeamento à Gestão, 2.ª ed., setembro de 2015, p. 105), são dois os princípios fundamentais da planificação territorial com relevo ao nível das relações jurídicas entre os diversos instrumentos de gestão territorial: o princípio da hierarquia e o princípio da articulação dos planos.
No sistema de planeamento anterior à Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo (LBPOTU) de 1998 (Lei n.º 48/98, de 11/08) e ao RJIGT de 1999, as relações entre os mais importantes instrumentos de planificação territorial (planos regionais, planos especiais e planos municipais) eram regidas, essencialmente, pelo princípio da hierarquia. Já nas relações entre os planos municipais vigorava um princípio de hierarquia mitigada, uma vez que, não obstante a relação de hierarquia entre estes planos, em casos excecionais admitia-se que os planos de urbanização e os planos de pormenor não se conformassem com o plano diretor municipal ratificado, ou que o plano de pormenor se desviasse, em algumas das suas regras, do estatuído no plano de urbanização ratificado.
Quando tal sucedesse, esses planos hierarquicamente inferiores que contivessem regras desconformes com os planos municipais superiores estariam sujeitos a ratificação governamental.
No domínio da LBPOTU de 1998 (entretanto revogada pela Lei n.º 31/2014, de 30/05 – Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e de Urbanismo – LBPPSOTU) e do RJIGT de 1999, as relações entre os instrumentos de gestão territorial tornaram-se, porém, mais complexas, isto porque, se bem que continuasse a vigorar o princípio da hierarquia, este passou a ficar bastante mais mitigado.
(...)
E, no que respeita, em concreto, aos planos municipais, a eliminação do requisito da ratificação estadual relativamente aos planos de urbanização e de pormenor veio impor uma exigência de clara e inequívoca articulação entre os planos de imputação municipal.
De facto, se é certo que, tendo a mesma fonte normativa, os planos municipais de ordenamento do território podem conter normas que derroguem normas de um anterior plano municipal de ordenamento do território, verifica-se, porém, que, para o efeito, o respetivo regime jurídico exigia, na redação do RJIGT de 1999 anterior ao Decreto-Lei n.º 316/2007, de 19/09, a necessidade de ratificação governamental de qualquer um desses planos (cfr. art.º 25.º, n.º 3, do RJIGT, na sua redação originária, segundo a qual, “na ratificação de planos municipais de ordenamento do território devem ser expressamente indicadas quais as normas dos instrumentos de gestão territorial preexistentes que revogam ou alteram”). Sucede que, com as alterações introduzidas pelo referido Decreto-Lei n.º 316/2007, de 19/09, ao RJIGT de 1999, a necessidade de ratificação governamental ficou reservada apenas para os planos diretores municipais que derroguem normas dos planos setoriais e regionais (cfr. art.º 80.º), passando a exigir apenas para os demais planos municipais (de urbanização e de pormenor) que “(…) nas deliberações municipais que aprovam os planos não sujeitos a ratificação devem ser expressamente indicadas as normas dos instrumentos de gestão territorial preexistentes revogadas ou alteradas” (cfr. art.º 25.º, n.º 3, do RJIGT de 1999, na sua última versão).
Após a nova Lei de Bases (2014), e considerando os artigos 26.º e segs. do novo RJIGT (2015), constata-se a dificuldade de o legislador encontrar um critério para hierarquizar os instrumentos de gestão territorial, daí o princípio da prevalência cronológica.
De todo o modo, também aí se determina que o plano diretor municipal fornece o quadro de referência para a elaboração dos demais planos municipais (cfr. n.º 5 do art.º 27.º do novo RJIGT).
Volvendo ao caso dos autos, considerando o acima exposto e em consonância com a vocação que legalmente lhe está acometida de constituir o modelo de referência na organização de todo o território municipal, o RPDM de (...) (quer na sua versão original, de 1994, quer na versão alterada após aprovação do PUPM, em 2007), estabelece no seu art.º 1.º, que “todas as ações de licenciamento de construções, recuperação, alteração de uso, destaque de parcelas, loteamentos, obras de urbanização e qualquer outra ação que tenha por consequência a transformação do revestimento ou do solo ficam sujeitas às presentes disposições regulamentares apoiado pela Carta de Ordenamento, parte integrante do Regulamento”. Acrescenta o art.º 2.º que se considera “abrangida por estas disposições toda a área do Concelho de (...), cujos limites estão expressos em cartografia anexa e que constitui a globalidade da área de intervenção do Plano Diretor Municipal”
E, na secção I do Capítulo II (epigrafado de “regulamentação das áreas de ocupação urbanística”), estabelece, nos art.ºs 8.º a 18.º, a regulamentação geral dos espaços urbanos (previamente definidos, no art.º 5.º, como classe das áreas de ocupação urbanística), entre os quais constam os seguintes preceitos:
o art.º 10.º, referente a alinhamentos, segundo o qual, “nas áreas em que não existam planos eficazes que definam os alinhamentos, as edificações a licenciar nos espaços urbanos ficarão sujeitas aos alinhamentos previstos no Capítulo IV ("rede viária") ou pelo alinhamento dominante das fachadas do conjunto em que se inserem, não sendo invocável a eventual existência de edifícios vizinhos ou envolventes que não respeitam o alinhamento dominante”;
o art.º 12.º, relativo a afastamentos, de acordo com o qual, “no caso das construções isoladas e ou geminadas e sem prejuízo do estipulado pelo Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), os afastamentos laterais mínimos são de 3 metros, sendo preferencialmente de 5 metros, medidos entre as fachadas das edificações e os limites laterais do lote” (n.º 1), sendo que “o afastamento posterior mínimo é de 6 metros medidos entre a fachada da edificação e o limite posterior do lote” e, “no caso de lotes com anexos não contíguos às edificações, o afastamento posterior mínimo deverá ser medido entre o alinhamento da fachada da edificação e o alinhamento dos anexos” (n.º 2).
Com a aprovação e publicação do PUPM, em 2007, veio este estabelecer “as regras e orientações a que deverá obedecer a ocupação, uso e transformação do solo”, aplicáveis “à totalidade do território, cujos limites estão expressos na planta de zonamento, e constitui a globalidade da área de intervenção do Plano de Urbanização” e a cujo regime ficam obrigatoriamente sujeitas “quaisquer ações de iniciativa pública, privada ou mista a realizar na área de intervenção do presente Plano de Urbanização e que tenham como consequência ou finalidade a ocupação, uso ou transformação do solo” (art.ºs 1.º, n.ºs 1 e 2, e 2.º), mais dispondo que “a qualquer situação não prevista nas presentes disposições regulamentares aplica-se o disposto na demais legislação vigente” (art.º 52.º, n.º 1).
O certo é que, note-se, no PUPM (e na deliberação municipal que o aprovou) não foi efetuada, de modo expresso, qualquer indicação de eventuais normas do RPDM de (...) preexistente que tivessem sido revogadas ou alteradas por aquele, como exige o art.º 25.º, n.º 3, do RJIGT/1999, na versão introduzida pelo Decreto-Lei n.º 316/2007, de 19/09.
Circunstância que, a nosso ver, claramente denota que não foi intenção do PUPM afastar, em todo e qualquer caso, a aplicação do RPDM ao território municipal abrangido pelo primeiro, nomeadamente em tudo o que não estiver aí expressamente regulado.
Além disso, o próprio RPDM foi alterado, como vimos, por adaptação àquele PUPM e a outros planos municipais (identificados no Aviso n.º 8442/2008) e, ainda assim, manteve a redação dos art.ºs 1.º e 2.º, acima transcritos, ou seja, sem que tivesse ressalvado do seu âmbito geral de aplicação as ações de licenciamento que se reportassem, em concreto, à área de intervenção do PUPM. Nem a exclusão de aplicação do RPDM à zona da (...), também abrangida pelo PUPM, pode validamente decorrer do facto de na sua planta de ordenamento ter sido delimitada a área sujeita ao regime do RPDM e que alegadamente não inclui a área da (...), sob pena de assim ocorrer uma divergência incompreensível entre os elementos fundamentais do plano, em face da redação dos art.ºs 1.º e 2.º do RPDM e da aplicação generalizada deste plano a todas as ações de licenciamento de construções situadas em toda a área do concelho de (...).
Ante o exposto, e ao contrário do defendido pelo R. e contrainteressadas, não se retira dos elementos descritos que o PUPM passou a ser, desde a sua aprovação, o único instrumento de gestão territorial vigente e eficaz na zona da (...), com exclusão de qualquer outro, nomeadamente do RPDM. Entendemos, pois, que aos dois processos de licenciamento em causa nos autos – processos n.ºs 01/2013/160 e 01/2014/3 – aplicar-se-ão as normas do PUPM e, no que este não tiver especificamente regulamentado, as normas gerais do RPDM, por exemplo, as relativas à regulamentação geral estabelecida para a classe dos espaços urbanos previstas nos seus art.ºs 8.º a 18.º, uma vez que só assim é possível alcançar uma solução de compatibilização entre os dois planos municipais que esteja em consonância com a vocação de cada um deles para disciplinar o território por si abrangido.
Ao invés do que ressalta das contestações, não se vislumbra no RPDM qualquer remissão genérica para a regulamentação do PUPM, mas apenas referências pontuais a propósito de aspetos específicos de regulamentação, por exemplo, nos seus art.ºs 10.º, 15.º e 21.º (e, concretamente, o excerto citado no art.º 16.º da contestação do R. é apenas relativo ao índice da “área bruta total de pisos acima do solo”, previsto no art.º 15.º do RPDM, que, como aí se estatui, “poderá ser revisto em situações excecionais, previstas e justificadas em Planos Municipais ratificados, em áreas de expansão dos núcleos centrais dos aglomerados da Vila de (...) e da (...)”).
Por outro lado, atento o disposto nos art.ºs 84.º, n.ºs 1 a 4, e 25.º, n.º 3, do RJIGT/1999, na redação do Decreto-Lei n.º 316/2007, de 19/09, então vigente, em conjugação com o disposto nos art.ºs 1.º e 2.º do RPDM de (...) (que, além do mais, prevê a aplicação das suas normas a todas as ações de licenciamento de construções situadas em toda a área do concelho), e em face da ausência de qualquer derrogação ou alteração dessas normas pelo PUPM (que, para o efeito, teriam de aí ser expressamente indicadas, como se referiu supra), não se pode sustentar – como o fazem o R. e as contrainteressadas – que, com a entrada em vigor deste Plano de Urbanização, o RPDM foi automática e totalmente “revogado” na área de intervenção do PUPM.
Acresce, como se viu, o facto de o próprio RPDM ter sido alterado, por adaptação, já depois da entrada em vigor do PUPM e, não obstante, ter mantido intacto o seu âmbito de aplicação, sem dela ressalvar a área abrangida pelo PUPM e/ou sem fazer qualquer remissão genérica para este.
Daí que, mesmo a defender-se a aplicação de um critério cronológico para resolver um qualquer conflito normativo entre o RPDM e o PUPM, tal teria de significar, no caso, precisamente o contrário do defendido nas contestações, na medida em que a alteração, por adaptação, do RPDM foi cronologicamente posterior à aprovação do PUPM.
Aliás, não se mostraria conforme ao RJIGT e aos desígnios do RPDM nele estabelecidos – isto é, de configurar um modelo de organização espacial de todo o território municipal, de elaboração obrigatória, e um instrumento de referência para a elaboração (facultativa) dos demais planos municipais de ordenamento do território – que, não tendo o PUPM previsto/concretizado uma determinada situação para a sua área de intervenção, deixassem de poder ser aplicadas as normas gerais que o RPDM de (...) , enquanto instrumento aplicável a todo o território municipal (cfr. respetivos art.ºs 1.º e 2.º), definiu para o concelho e, concretamente, para a classe de espaços urbanos (cfr. art.ºs 8.º e segs).
Não releva, a nosso ver, para efeitos de afastamento da aplicação do RPDM, o argumento expendido pelo R. e pelas contrainteressadas de que este plano não dispõe no respetivo regulamento de preceitos aplicáveis à zona urbana em causa, que se encontra catalogada no PUPM como “Zona Consolidada de Utilização Coletiva Mista Predominante Nível 2 (3 pisos)”. Isto porque a definição dessa zona urbana assim designada/efetuada no PUPM mais não é do que uma subcategoria da classe dos espaços urbanos, que, como tal, havia sido previamente classificada – e, posteriormente, mantida – no art.º 5.º do RPDM [cfr., ainda, os art.ºs 3.º, n.º 2, do PUPM, e os art.ºs 84.º, n.º 3, 85.º, n.º 1, alínea e), 87.º, n.º 2, alínea a), e 88.º, alíneas c) e h), do RJIGT]. E, como tal, na falta de concretização no PUPM de qualquer aspeto ou parâmetro urbanístico para essa zona urbana, continuará a ser-lhe aplicável a regulamentação geral prevista no RPDM – que continua em vigor – para a classe dos espaços urbanos, a que aquela pertence e de que apenas constitui uma subcategoria.
Aqui chegados, e considerando tudo o que acima deixámos exposto, temos que o licenciamento das operações urbanísticas em causa nos autos se encontra sujeito, em primeira linha, às normas concretizadas para essa área pelo PUPM e, no que nele não tiver sido especificamente concretizado, às normas gerais do RPDM de (...) .
Resolvida esta primeira questão, cumpre agora averiguar se se verificam, no caso concreto, as ilegalidades apontadas pela A. aos atos de licenciamento e aprovação das obras de construção aqui impugnados.
Alega a A., em primeiro lugar, que foram desrespeitados os limites de afastamento previstos no art.º 12.º, n.ºs 1 e 2, do RPDM.
Ora, compulsado o teor do PUPM, constata-se que este plano não concretizou qualquer norma respeitante a afastamentos, seja no âmbito das suas disposições gerais (art.ºs 6.º a 8.º), seja no que especificamente tange à zona ora em causa (art.ºs 17.º a 20.º), pelo que, nos termos acima descritos, continuará a ser-lhe aplicável o regime geral previsto para os “espaços urbanos” no art.º 12.º do RPDM, preceito que, como dele consta, foi entendido ser aplicável sem prejuízo do estipulado no RGEU.
Relembrando o disposto naquele art.º 12.º do RPDM, “no caso das construções isoladas e ou geminadas e sem prejuízo do estipulado pelo Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), os afastamentos laterais mínimos são de 3 metros, sendo preferencialmente de 5 metros, medidos entre as fachadas das edificações e os limites laterais do lote” (n.º 1), sendo que “o afastamento posterior mínimo é de 6 metros medidos entre a fachada da edificação e o limite posterior do lote” e, “no caso de lotes com anexos não contíguos às edificações, o afastamento posterior mínimo deverá ser medido entre o alinhamento da fachada da edificação e o alinhamento dos anexos” (n.º 2).
(...)
Com efeito, em termos de modelo de organização municipal definido pelo RPDM e mantido na ulterior alteração por adaptação (e, assim, aplicável a todos os licenciamentos de toda a área do concelho de (...) – cfr. art.ºs 1.º e 2.º do RPDM), foi estipulada, como regra geral da classe dos espaços urbanos (e que, de resto, não foi revogada ou alterada pelo PUPM – cfr. art.º 25.º, n.º 3, do RJIGT/1999, na redação então vigente), a observância, para além do disposto no RGEU (“sem prejuízo”), do regime de afastamentos aí previsto.
São, pois, também aplicáveis aos atos de licenciamento e aprovação de obras nesta sede impugnados as regras constantes do aludido art.º 12.º do RPDM, não apenas o RGEU.
(...)
Assim, exigindo o art.º 12.º, n.º 1, do RPDM que os afastamentos laterais mínimos, medidos entre as fachadas das edificações e os limites laterais do lote, sejam de 3 metros, preferencialmente de 5 metros, verifica-se, porém, que, no processo n.º 01/2013/160, o afastamento da moradia ao limite lateral direito (nascente) do terreno é de 1,50 metros e, no processo n.º 01/2014/3, o afastamento da moradia ao limite lateral esquerdo (poente) do terreno é de 1,59 metros, o que significa, portanto, que não foram respeitados os afastamentos mínimos impostos pelo preceito em referência.
De outra banda, exigindo o art.º 12.º, n.º 2, do RPDM que o afastamento posterior mínimo seja de 6 metros medidos entre a fachada da edificação e o limite posterior do lote – o que, em si mesmo, foi cumprido no caso em apreço, com afastamentos de 7,49 metros e de 6,98 metros – e, bem assim, que, no caso de lotes com anexos não contíguos às edificações, como sucede in casu, o afastamento posterior mínimo deve ser medido entre o alinhamento da fachada da edificação e o alinhamento dos anexos, verifica-se, porém, que, em ambos os processos n.º 01/2013/160 e n.º 01/2014/3, a distância entre o alinhamento da edificação e o alinhamento deste anexo (não contíguo) é inferior a 6 metros, o que significa, portanto, que, também aqui, não foram respeitados os afastamentos mínimos impostos pelo preceito em referência.
(...)
Por conseguinte, temos que, ao aprovarem e licenciarem obras de construção de moradias que não respeitavam os afastamentos aplicáveis, os despachos impugnados incorreram em violação do art.º 12.º, n.ºs 1 e 2, do RPDM de (...) .
Ora, segundo o art.º 67.º do RJUE, na versão em vigor à data dos factos, “a validade das licenças, admissão das comunicações prévias ou autorizações de utilização das operações urbanísticas depende da sua conformidade com as normas legais e regulamentares aplicáveis em vigor à data da sua prática, sem prejuízo do disposto no artigo 60.º”. E, de acordo com o art.º 68.º, alínea a), do mesmo diploma legal, na redação aplicável, “são nulas as licenças, a admissão de comunicações prévias ou as autorizações de utilização previstas no presente diploma que: a) violem o disposto em plano municipal de ordenamento do território, plano especial de ordenamento do território, medidas preventivas ou licença de loteamento em vigor”.
Assim sendo, conclui-se que os despachos do Vereador da Câmara Municipal (...), de 20/01/2014 e de 21/02/2014, que aprovaram as obras de construção que constam dos alvarás de obras de construção n.º 3/2014 e n.º 12/2014, devem ser declarados nulos, por violação do disposto no art.º 12.º, n.ºs 1 e 2, do RPDM de (...) .”

Desde logo e no que respeita ao Parecer junto aos autos com o Recurso, refira-se que se admite a sua apresentação, a luz do sumariado no acórdão deste TCAN nº 626/14.5BEPRT-A, de 24-10-2014, onde se afirma que “Os pareceres são peças que as partes têm o direito de juntar ao processo, e que contribuem ou podem contribuir para esclarecer o espírito do julgador.
Os pareceres têm apenas a autoridade que o seu autor lhes dá, não podendo ser considerados documentos, e por isso, podem ser juntos aos autos, nos tribunais de primeira instância, em qualquer estado do processo e, nos tribunais superiores, até se iniciarem os vistos aos juízes (cfr. artigo 426.º e 651.º do CPC)”
Em qualquer caso, não podemos acompanhar o aí discorrido, mormente quando se afirma (pag. 9) que “é certo que os planos de urbanização e de pormenor, em vez de concretizarem as normas do plano diretor municipal, podem alterá-las, solução que sempre foi admitida entre nós...”.

Na realidade, se assim fosse, facilmente se poderia subverter o teor dos PDM em função de quaisquer pressões de qualquer natureza, pela mera aprovação de um PP ou PU divergente, o que transformaria o PDM em mera “letra morta”, retirando-lhe a sua intrínseca autoridade e valor.

Enquadrando a referida questão, diga-se que os Planos Municipais de Ordenamento do Território (PMOT’s), são instrumentos de planeamento territorial os quais compreendem as seguintes figuras:
O Plano Diretor Municipal - o qual estabelece a estrutura espacial, a classificação básica do solo, bem como os parâmetros de ocupação, desenvolvendo a qualificação dos solos urbano e rural.
O Plano de Urbanização - Desenvolve, em especial, a qualificação do solo urbano.
O Plano de Pormenor - Define com detalhe o uso de qualquer área delimitada do território municipal.

A qualificação do solo determina o destino básico dos terrenos, assentando na distinção entre solo rural e urbano.

Solo urbano é aquele para o qual é reconhecida vocação para o processo de urbanização e de edificação, nele se compreendendo os terrenos urbanizados ou cuja urbanização seja programada, constituindo o seu todo o perímetro urbano.

Ao nível da concretização municipal, destacam-se os Planos Municipais de Ordenamento do Território, que compreendem os Planos Diretores Municipais (PDM), os Planos de Urbanização (PU) e os Planos de Pormenor (PP).

Os instrumentos de gestão territorial identificam e tendem a harmonizar os vários interesses em confronto na utilização e ocupação do território por forma a ser obtida uma eficaz sustentabilidade das soluções a que se vá chegando.

Os Planos Municipais de Ordenamento do Território (PMOT’s) são instrumentos de natureza regulamentar aprovados pelos municípios que estabelecem o regime de uso do solo, definindo modelos de evolução previsível da ocupação humana e da organização de redes e sistemas urbanos e parâmetros de aproveitamento do solo e de garantia da qualidade ambiental

Os Planos Municipais de Ordenamento do Território têm por principais objetivos estabelecer, designadamente: a tradução ao nível local do quadro de desenvolvimento do território, estabelecidos nos instrumentos de âmbito nacional e regional; A articulação das políticas sectoriais com incidência local; Critérios de localização das atividades industriais, turísticas, comerciais e de comércio bem como a definição dos parâmetros de uso do solo.

A reclassificação do solo como urbano tem carácter excecional sendo limitada aos casos em que tal for comprovadamente necessário face à dinâmica demográfica, ao desenvolvimento económico-social e à indispensabilidade de qualificação urbanística.

Os PMOT’s são aprovados pelas Assembleias Municipais mediante propostas formuladas pela Câmara e posterior ratificação por parte do Governo.

O PDM estabelece o modelo de estrutura espacial do território municipal, constituindo uma síntese da estratégia de desenvolvimento e ordenamento local, integrando as opções de âmbito nacional e regional com incidência na área de intervenção, sendo de elaboração obrigatória.

O Plano de Urbanização define a organização espacial de parte determinada do território municipal, integrada no perímetro urbano, que exija uma intervenção integrada de planeamento.

O plano de urbanização procura, designadamente, estabelecer:
- O equilíbrio da composição urbanística estabelecendo, a definição e caracterização da área de intervenção, identificando os valores culturais e naturais a proteger;
- A conceção geral da organização urbana;
- A definição do zonamento para localização das diversas funções urbanas e
- Os indicadores de e os parâmetros urbanísticos.

O Plano de Pormenor desenvolve e concretiza propostas de organização espacial de qualquer área específica de território municipal definindo com detalhe a conceção da forma de ocupação e servindo de base aos projetos de execução das infraestruturas, de arquitetura dos edifícios, e dos espaços exteriores, de acordo com as prioridades estabelecidas no PDM e PU.

O Plano de Pormenor estabelece nomeadamente:
- A definição e caracterização da área de intervenção;
- A situação fundiária da área de intervenção;
- O desenho urbano, definindo os alinhamentos, implantações, modelação do terreno, distribuição volumétrica, e localização das zonas verdes e equipamentos;
- A definição dos parâmetros urbanísticos, designadamente dos índices, densidade dos fogos, número de pisos e cérceas.

Dito isto, são nulos os planos elaborados e aprovados em violação de qualquer instrumento de gestão territorial com o qual devessem ser compatíveis.

Em matéria de PMOTs vigora incontornavelmente o princípio da hierarquia, o que se traduz na necessidade das disposições de um plano deverem respeitar as determinações dos planos hierarquicamente superiores, de acordo com o princípio da conformidade, sob pena de nulidade.

Feito o devido enquadramento, proceder-se-á à análise das questões colocadas, em concreto (O precedente enquadramento teve por base os sumários desenvolvidos da cadeira de Direito do Urbanismo-ESAI-2002).

Em síntese, a Sentença recorrida declarou nulos os despachos do Vereador da Câmara Municipal (...) de 20.01.2014 e de 21.02.2014, que aprovaram obras de construção constantes dos alvarás de obras de construção nº 3/2014 e 12/2014.

Entende o Recorrente/Município que a sentença recorrida está ferida de erros de julgamento, uma vez que a vigência do Plano de Urbanização de (...) (PUPM) afastará tendencialmente a aplicação do Regulamento do Plano Diretor Municipal de (...) (RPDMM).

A síntese da posição do município assenta no facto deste entender que apesar de os planos diretores municipais serem os instrumentos de gestão territorial de referência, ainda assim a lei admitirá que em determinadas áreas, as disposições do plano diretor municipal podem ser concretizadas através de planos mais precisos e mais próximos face ao território a que se aplicam, vigorando supletivamente as disposições do plano diretor municipal enquanto aqueles não forem elaborados, sendo que, quando uma área territorial é simultaneamente abrangida por vários instrumentos de gestão territorial, deve atender-se às disposições dos instrumentos de gestão mais concretos, em detrimento dos mais gerais, em consagração do Princípio da maior Proximidade Territorial.

Mais entende o Município que se numa determinada área em que vigorar o Plano Diretor Municipal, for posteriormente elaborado um Plano de Urbanização, são as normas deste último que fundamentam os procedimentos administrativos de gestão urbanística.

Como se aludiu já supra, este entendimento do Município subverte desde logo a hierarquia dos Planos Municipais de Ordenamento do Território, sendo que, levado ao extremo, permitiria tirar qualquer eficácia e autoridade aos PDM, viabilizando que um mero PU ou PP se sobrepusesse face a instrumentos ordenadores do Urbanismo Municipal de superior valia.

Sem prejuízo do enquadramento global e abstrato preteritamente feito à matéria urbanística, importa não perder de vista que o seu ordenamento assenta num sistema de gestão territorial legalmente organizado em três patamares, a saber, o Nacional, O Regional e o Municipal - Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial – RJIGT – Regime entretanto revogado pelo Decreto-Lei 80/2015 (Este ainda não aplicável à controvertida situação).

Ao contrário da perspetiva veiculada pelo Parecer junto aos Autos pelo Município, importa não perder de vista que nas relações entre instrumentos de gestão territorial municipais vigora, como regra, o Princípio da Hierarquia, embora excecionalmente se admita que possa haver PUs ou PPs não integralmente coincidentes com o PDM aplicável, ainda que neste caso se impusesse então a ratificação governamental da divergência regulamentarmente estabelecida.

Esta figura da ratificação governamental das divergências regulamentarmente estabelecidas entre Planos de Ordenamento do Território veio entretanto a ser eliminada, o que reforçou a necessidade de cada Plano respeitar necessariamente o Plano situado em patamar hierárquico superior.

Assim sendo, é incontornável que a nível Municipal, o Plano Diretor Municipal de (...) (RPDMM), encontrando-se, por assim dizer, no topo da hierarquia regulamentar urbanística do respetivo Município, em caso de conflito, sobrepor-se-á necessariamente e todo e qualquer outro normativo regulamentar de natureza urbanística do respetivo município.

Assim, importa pois compatibilizar os dois Regulamentos Urbanísticos em questão, sendo que, se for caso disso, e em caso de incompatibilidade, sempre se superiorizaria o PDM/RPDM

Vejamos então em concreto:
Estatui o artigo 12º do RPDMM, o seguinte:
«Artigo 12.º Afastamentos
1 — No caso das construções isoladas e ou geminadas e sem prejuízo do estipulado pelo Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), os afastamentos laterais mínimos são de 3 metros, sendo preferencialmente de 5 metros, medidos entre as fachadas das edificações e os limites laterais do lote.
2 — O afastamento posterior mínimo é de 6 metros medidos entre a fachada da edificação e o limite posterior do lote. No caso de lotes com anexos não contíguos às edificações, o afastamento posterior mínimo deverá ser medido entre o alinhamento da fachada da edificação e o alinhamento dos anexos.»

Não regulamentando o Plano de Urbanização da (...) (PUPM) a questão dos afastamentos, está bem de ver que serão aplicáveis as regras precedentemente transcritas do RPDMM, no que concerne aos “afastamentos”.

De sublinhar que o RPDMM foi objeto de alteração, exatamente para que todos os Planos Municipais de Ordenamento do Território se mantivessem uniformes e coerentes, tendo sido mantida a redação dos artigos 1º e 2º, o que denota, como não poderia deixar de ser, que o PDM/RPDMM se superioriza, designadamente face ao PUPM, ainda que se mantenham ambos em vigor, mesmo na área de influência deste último.

Com efeito, refere-se incontornavelmente nos Artº 1º e 2º do RPDM de (...) o seguinte:
“Artigo 1.º
Regime
Todas as ações de licenciamento de construções, recuperação, alteração de uso, destaque de parcelas, loteamentos, obras de urbanização e qualquer outra ação que tenha por consequência a transformação do revestimento ou do solo ficam sujeitas às presentes disposições regulamentares, apoiadas pela carta de ordenamento, parte integrante do Regulamento.
Artigo 2.º
Âmbito territorial
Considera-se abrangida por estas disposições toda a área do concelho de (...), cujos limites estão expressos em cartografia anexa e que constitui a globalidade da área de intervenção do Plano Diretor Municipal.”

Aliás, mesmo que assim não fosse, não resulta de qualquer norma regulamentar do PUPM que a partir da sua entrada em vigor, este tenha passado a ser o único instrumento de gestão territorial a aplicar na sua zona de influência e intervenção.

Efetivamente, não tendo o PUPM previsto qualquer limitação à aplicação na sua zona de intervenção, designadamente, do RPDMM, naturalmente que este se manterá naquela área plenamente eficaz, como resulta do transcrito Artº 2º do mesmo.

Mesmo que se defendesse o enquadramento legal da questão, através de um critério cronológico, o que seria discutível, ainda assim, e tal como se decidiu em 1ª instância, não se mostraria procedente a posição do Município Recorrente, pela singela razão que o RPDMM foi já alterado em momento ulterior à aprovação PUPM, não tendo “perdido” a sua plena abrangência a “toda a área do concelho de (...).” (Artº 2º RPDMM).

Acresce que, à data da publicação do PUPM vigorava, como se afirmou já, o RJIGT, o qual no seu artigo 25º, nº 3, referia expressamente que, se fosse caso disso, deveriam “(...) ser expressamente indicadas as normas dos instrumentos de gestão territorial preexistentes revogadas ou alteradas”, o que determinava que para que o PUPM se pudesse superiorizar ao RPDMM na sua área territorial de influência, sempre teria de o afirmar expressamente, o que não foi o caso, o que significa lapidarmente que o PUPM não quis, nem pode afastar a aplicação do RPDMM.

Assim, é manifesto, tal como entendido pelo tribunal a quo, que o RPDMM era aplicável à controvertida situação, em tudo o quanto não fosse especificamente concretizado no PUPM.

Aliás, basta atender ao teor, designadamente, dos Artigos 6º a 8º e 17º a 20º do PUPM, para facilmente se verificar que este não regulamentou ou condicionou a questão dos afastamentos, em face do que, por natureza, será de aplicar o artigo 12º do RPDMM, e não qualquer outro instrumento legal ou regulamentar, designadamente o RGEU, como pretende o Recorrente.

Aqui chegados, importa concluir que se não vislumbra sequer qualquer desconformidade entre o PUPM e o RPDMM, em face do que sempre prevalecerá a regra de que os Planos de Urbanização e de Pormenor devem conformar-se com os Planos Diretores Municipais, até por estes se situarem num patamar hierárquico superior, em tudo o que não for expressamente regulamentado nos primeiros.

Assim, uma vez que o artigo 12º do RPDMM determina que o limite lateral mínimo, no caso de construções isoladas é de 3 metros, preferencialmente 5 metros, que são medidos entre as fachadas das edificações e os limites laterais do lote, será esta a regra que terá de prevalecer na situação objeto de análise.

Com efeito, refere o Artº 12º do RPDMM:
“Afastamentos
1 - No caso das construções isoladas e ou geminadas e sem prejuízo do estipulado pelo Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), os afastamentos laterais mínimos são de 3 m, sendo preferencialmente de 5 m, medidos entre as fachadas das edificações e os limites laterais do lote.
2 - O afastamento posterior mínimo é de 6 m medidos entre a fachada da edificação e o limite posterior do lote.
No caso de lotes com anexos não contíguos às edificações. o afastamento posterior mínimo deverá ser medido entre o alinhamento da fachada da edificação e o alinhamento dos anexos.”

Correspondentemente, tendo resultado provado que no processo n.º 01/2013/160, o afastamento da moradia ao limite lateral direito (nascente) do terreno é de 1,50 metros e, no processo n.º 01/2014/3, o afastamento da moradia ao limite lateral esquerdo (poente) do terreno é de 1,59 metros, tal demonstra à saciedade que não foram respeitados os afastamentos mínimos impostos pelo Artº 12º do RPDMM, que prevê um afastamento mínimo posterior de 6 metros, entre a fachada da edificação e o alinhamento dos anexos não contíguos.

Por outro lado, se é certo que o art.º 12.º, n.º 2, do RPDMM prevê que o afastamento posterior mínimo seja de 6 metros medidos entre a fachada da edificação e o limite posterior do lote, o que aparentemente se mostraria cumprido, em qualquer caso, o afastamento posterior mínimo deve ser medido entre o alinhamento da fachada da edificação e o alinhamento dos anexos, o que determina que em ambos os processos n.º 01/2013/160 e n.º 01/2014/3, a distância entre o alinhamento da edificação e o alinhamento deste anexo (não contíguo) seja inferior a 6 metros, e como tal também em desrespeito pelos afastamentos mínimos impostos pelo referido normativo.

É pois manifesto que em ambas as situações se não encontram cumpridas as normas do RPDMM, pelo que, o Município ao aprovar e licenciar obras de construção de moradias em violação do disposto no artigo 12º, nº 1 e 2º do RPDMM, feriu de nulidade tais atos, nos termos dos artigos 67º e 68º do Regime Jurídico do Urbanismo e Edificação, na sua redação em vigor à data dos factos, impondo-se concluir que não merece censura a decisão recorrida ao ter declarado a nulidade dos Despachos do Vereador objeto de impugnação que aprovou as obras de construção constantes dos alvarás de obras de construção nº 3/2014 e nº 12/2014.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso Jurisdicional apresentado, confirmando-se a Sentença Recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Porto, 3 de abril de 2020

Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa