Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00932/19.2BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/02/2020
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rosário Pais
Descritores:RAC; FALTA DE CITAÇÃO; RECURSO EM MATÉRIA DE FACTO; ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO;
ATO EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA VERSUS ATO DE TRÂMITE; CONFISSÃO.
Sumário:I – Na verificação do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no artigo 640.º do CPC, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

II - O processo de execução fiscal constitui um processo judicial ou meio processual utilizado pelo Estado para a arrecadação coerciva das receitas previstas no artigo 148.º do CPPT através da atuação, ainda que “tutelar”, de um tribunal tributário, que é um órgão do poder judicial.

III - O Órgão da Execução que instaura, conduz e tramita a execução fiscal constitui um sujeito processual que age como interlocutor no diálogo processual, “substituindo” o juiz e praticando nele todos os atos que, não contendendo com qualquer composição de interesses, sejam legalmente necessários para a obtenção do fim a que o processo se destina. E a competência que detém no processo não brota, em princípio, da função tributária exercida pela Administração Fiscal nem emana de um poder de autotutela executiva da Administração, resultando, antes, de uma competência que a lei lhe confere para intervir no processo judicial como órgão auxiliar ou colaborador operacional do Juiz.

IV - Todos os atos inscritos no procedimento processual pelos sujeitos processuais (partes, mandatários, órgão da execução, funcionários, juiz) estão submetidos a estritas regras processuais, que encontram previsão nas normas que regulam o processo tributário e, subsidiariamente, nas normas inscritas no Código de Processo Civil por força do disposto no artigo 2º, alínea e), do CPPT.

V - Só assim não será nos casos em que no procedimento processual surge “enxertado” um procedimento administrativo/tributário, em que a Administração Tributária atua como tal, no exercício da sua função tributária, agindo sobre a relação jurídica tributária estabelecida entre si (como sujeito ativo) e o contribuinte (como sujeito passivo) ou sobre a obrigação que dela emana, produzindo atos materialmente administrativos em matéria tributária.

VI - Só a estes procedimentos tributários há que aplicar os princípios gerais que regulam a atividade administrativa e as normas que a Lei Geral Tributária prevê para os procedimentos tributários, designadamente as normas contidas nos seus artigos 56.º e 57.º, bem como nos artigos 36.º e 37.º do CPPT.

VII – A decisão que aprecia a arguição de nulidade processual por falta de citação da revertida configura um ato de tramite processual e não um ato administrativo em matéria tributária.
VIII – Por força do artigo 352.º do CCiv, apenas constitui confissão o reconhecimento que a parte faz de um facto que lhe é desfavorável.

IX – À parte que alega a falta de citação cabe demonstrar qualquer dos factos previstos no 188.º do CPC, por imposição das regras do ónus da prova que resultam dos artigos 74.º da LGT e 342.º do CCiv. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:R.
Recorrido 1:Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO

1.1. R., devidamente identificada nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 17/01/2020, pela qual foi julgada improcedente a reclamação deduzida nos termos do artigo 276.º e seguintes do CPPT contra a decisão da Coordenadora da Secção de Processo Executivo de (...) do Instituto da Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., proferida no processo de execução fiscal n.º 0301200801247514, originalmente instaurado contra a sociedade “F., Lda”.
1.2. A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
«A. Pelo que e ressalvado o devido respeito por diversa opinião, a douta sentença enferma de erro de julgamento em matéria de facto, por errada valoração dos factos assentes no probatório e, consequentemente, erro de julgamento em matéria de direito.
B. A reclamante arguiu em síntese a falta de citação por requerimento apresentado no IGFSS em 29/04/2011, o qual não mereceu resposta do órgão de execução fiscal.
C. Como consta dos autos, a reclamante só após a notificação da penhora do seu vencimento, datada de 05/04/2019, apresentou em 16/04/2019 no IGFSS um requerimento onde peticionava a pronúncia sobre o requerimento apresentado em 29/04/2011, o qual mereceu pronúncia do IGFSS em 18/04/2019, e sobre o qual apresentou a reclamação ora indeferida.
D. Efetivamente e contrariamente ao doutamente decidido considera a reclamante que o despacho emanado pelo IGFSS que indefere a arguição de falta de citação é ilegal, reiterando que a citação nunca chegou ao seu conhecimento e, consequentemente, ilegal é o ato de penhora subsequente.
E. O despacho do IGFSS enferma de vício de violação de lei por violação do direito à decisão, pelo que, tendo decidido no sentido de negar provimento ao peticionado pela reclamante e nos termos e fundamentos invocados, é entendimento desta que a sentença enferma de erro de julgamento em matéria de facto.
F. Atenta a qualidade de responsável subsidiário e executada por reversão, a reclamante tinha obrigatoriamente de ser citada pessoalmente para a execução (cf. artigo 191º, no 3 do CPPT), o que como vimos, não foi, pois a citação-reversão enviada em 2010-03-22 por carta registada com aviso de receção para o domicílio fiscal daquela, nunca foi rececionado pela reclamante.
G. E não se diga que a citação em apreço foi cumprida por o registo sido subscrito por terceira pessoa, que ficou com o encargo de a dar a conhecer à recorrida.
H. Efetivamente não pode ter-se alguém como citado (chamado à ação pela primeira vez) e que o não cumprimento do disposto no art.º 241º do CPC apenas pode integrar uma mera irregularidade, que se deve considerar sanada por falta de arguição dentro do respetivo prazo, atento o disposto no art.º 198º, no 2 do CPC na redação à data vigente.
I. A situação a dirimir nos presentes autos, contrariamente ao sustentado pelo douto decisório e na senda do despacho proferido pelo órgão de execução fiscal é que estamos perante uma verdadeira falta de citação, o que constitui uma nulidade insanável e de conhecimento oficioso.
J. A reclamante demonstrou e comprovou através da prova testemunhal produzida que não chegou a ter conhecimento do ato, por motivo que não lhe foi imputável, como exige o art.º 190º, no 6, do CPPT, e decorre do depoimento prestado pela testemunha M., funcionária da executada originária que, contrariamente ao decidido foi elucidativo quando afirmou reconhecer como sua “patroa” O., afirmando não conhecer a reclamante R..
K. Quanto a esta testemunha o Tribunal considerou que a mesma demonstrou ter um conhecimento direto dos factos em causa nos presentes autos, depondo de forma espontânea e sincera, afirmando no que se refere à correspondência em causa nos presentes autos, que foi a própria que levantou a correspondência na estação de correios, após entrega do aviso de levantamento assinado pelo destinatário, que levava acompanhada de fotocópia do documento de identificação da reclamante, conforme expresso na douta sentença.
L. Afirmou desconhecer qual o destino das cartas que levantou nos Correios, as quais entregou à D. O., que lhe disse que “ia tratar do assunto”.
M. Trata-se, in casu, de um depoimento consistente, tal como o próprio Tribunal a quo expressou, e que, do mesmo resulta que à reclamante não lhe pode ser assacada qualquer responsabilidade, na medida em que as cartas não lhe eram entregues pela mãe e como tal não poderia saber do respetivo conteúdo. E, nesse sentido, é errada a valoração que a decisão a final veio a acolher.
N. Por seu turno, considera ainda a reclamante que as premissas do decisório no que ao depoimento da testemunha O., mãe da reclamante se refere, no sentido de que este depoimento limitou-se a produzir declarações vagas e genéricas, as quais não foram conclusivas para a demonstração dos factos alegados é erradamente valorado, padecendo tal valoração de algumas incongruências. Num primeiro momento, é afirmado tratar-se de um depoimento frágil, atenta a debilidade do estado de saúde da depoente e num segundo momento, refere que a testemunha se lembra de factos com clareza, nomeadamente, quando afirmou que não entregou as cartas à reclamante.
O. Ora, não cremos ser possível afirmar-se que não foi produzida prova segura de que a reclamante não tomou conhecimento do conteúdo do ofício de citação por a sua mãe nunca a ter feito chegar ao conhecimento, pois, no modesto entender da reclamante foi feita essa prova. Ou pelo menos, o Tribunal se entendesse que a testemunha O. se encontrava debilitada por motivos de saúde, teria o dever de, no âmbito do poder inquisitório e da descoberta da verdade material previsto no art.º 13º do CPPT, ordenado a suspensão do depoimento e proferido despacho que determinasse que o depoimento fosse prestado em data a determinar, de molde a que a testemunha fulcral no caso, pudesse restabelecer-se e recuperar em termos de saúde.
P. Esta situação constitui o Tribunal a quo em erro de julgamento em matéria de facto por manifesto deficit instrutório, o que expressamente se requer e devendo, em consequência, ser ordenada a baixa dos autos à 1ª instância para que a testemunha em questão possa prestar novo depoimento, desta vez na plenitude das suas faculdades mentais e físicas, em condições de saúde adequadas.
Caso assim não se entenda e sem prescindir
Q. A reclamante defendeu e defende que o despacho reclamado é ilegal por violação do direito à decisão previsto no artigo 56º da Lei Geral Tributária (LGT), uma vez que, tendo arguido a falta de citação por requerimento apresentado em 29/04/2011, o mesmo só obteve resposta em 18/04/2019, após insistência da reclamante, em 16/04/2019.
R. Sucede, porém, que o incumprimento do dever de decidir, no âmbito do procedimento tributário em concreto, não tem enquadramento legal na presunção do indeferimento tácito, prevista no artigo 57º, no 5 da LGT, mas, ainda que por mera hipótese académica assim seja entendido, o incumprimento do prazo de decisão pela Administração inquina de ilegalidade a decisão proferida, ainda que intempestivamente, pelo que há um erro de julgamento em matéria de direito, por errada interpretação do disposto no art.º 56º da LGT.
S. Afirma a reclamante que o despacho reclamado é ilegal por não indicar os meios e prazos de defesa, em violação do disposto no artigo 36º, no 2 e 3 do CPPT, sugerindo a douta sentença que o recurso ao disposto no art.º 37º do CPPT.
T. Ora, é pacificamente aceite pela doutrina e jurisprudência que o preceito invocado não tem aplicação ao processo de execução fiscal, nem aos seus incidentes, na medida em que este processo e seus incidentes têm a natureza de processo judicial e o preceito em questão tem aplicabilidade em sede de procedimento administrativo gracioso. Tendo sido negado provimento ao vício que a reclamante assacou ao ato sindicado é evidente que, neste segmento, o aliás douto decisório incorreu em erro de julgamento em matéria de direito, por errada interpretação e aplicação do art.º 37º do CPPT ao processo em causa.
U. Relativamente à falta de citação e in casu constitui nulidade insanável na medida em que prejudicou a defesa do interessado que alegou e provou não ter tido conhecimento do ato por motivo que lhe não foi imputável.
V. No caso dos autos, ficou demonstrado que foi remetido à reclamante, via correio registado com aviso de receção, ofício destinado à citação da executada para o PEF ora em causa, o qual foi assinado por terceiro (cf. facto provado n.º 11).
W. Alega a reclamante que aquela “carta nunca chegou ao seu conhecimento, pois não residia em (...) à data e a pessoa que recebeu o aviso de receção não foi a própria, mas a sua mãe que nunca lhe fez chegar” (cf. artigo 18.º da petição inicial). Ora, os factos confessados pelos respetivos autores nos articulados deve ser também objeto de ponderação na decisão a tomar a final. E como é notório este facto não foi impugnado pelo IGFSS, o que, a contrário, implica a valoração do mesmo a favor da reclamante que o invocou e sobre o mesmo requereu a produção de prova testemunhal, nos termos do n.º 2 do art.º 465º do CPC.
X. Acresce que o aviso de receção que acompanhou o ofício de citação se mostra assinado por pessoa diversa da reclamante e que efetivamente não lhe foi dado conhecimento da sua existência, como foi demonstrado e provado, pelo que não pode ser concluído como foi concluído que não ocorreu nos autos qualquer falta de citação.
Y. A interpretação dos factos e subsunção dos mesmos ao direito levada a cabo pela douta decisão não poderá, em circunstância alguma, substituir o ato omitido – a citação.
Z. A própria Exequente afirma, erradamente, que a citação pessoal foi confirmada em 22/02/2010, sendo certo que essa data apenas se reporta à entrega de uma carta registada com aviso de receção, mas a pessoa diversa da reclamante.
AA. A citação em questão nos autos é, por força da legislação aplicável, de caráter pessoal. E só se poderia considerar perfeita se tivesse chegado ao conhecimento do respetivo destinatário o que, mais uma vez se reitera, não ocorreu de forma alguma, pelo que é nulo todo o processado posterior a tal ato, designadamente, os atos praticados após a notificação para o exercício do direito de audição prévia.
BB. Perante este facto – falta de citação – e respetivas consequências jurídicas e embora não aceite, o que se discorda, é inegável que a penhora do vencimento não poderia ter ocorrido.
CC. E a circunstância de a reclamante ter visto o seu vencimento alvo de uma penhora e essa penhora enfermar de manifesta ilegalidade por falta de citação anterior, deve ser revogada a douta sentença por manifesto erro de julgamento em matéria de facto, por errada valoração da prova produzida e afinal ser substituída por outra que declare a ilegalidade do ato praticado pelo IGFSS.
Nestes termos,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências, assim se fazendo
JUSTIÇA».
1.3. A Recorrida não contra-alegou.
1.4. Foi emitido parecer pela EPGA junto deste Tribunal considerando o seguinte:
«(…)
Sobre a citação e a prova arrolada pela recorrente com o objetivo de demonstrar que não tomou conhecimento da citação para a execução fiscal.
Como se sabe, segundo o disposto no artº 607º, nºs 4 e 5 do CPC, na sentença o Juiz consigna os factos provados e os não provados, fazendo uma análise crítica das provas, que aprecia livremente segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, excetuando-se aqueles para os quais a lei exige formalidade especial ou possam ser provados por documentos.
E, em sede de recurso impõe-se ao recorrente que especifique os concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados e indique os concretos meios probatórios, devendo o tribunal alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, mas apenas se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa – cfr. artºs 640º e 662º, ambos do CPC.
No caso, a recorrente focaliza-se no depoimento de sua mãe, a testemunha O., dando destaque ao facto de a sentença aludir a um depoimento frágil face à debilidade do seu estado de saúde e, mesmo assim, ter acabado a concluir que não foi produzida prova segura de que não lhe foi dado conhecimento do conteúdo do ofício de citação.
Entende que, perante esse quadro, o Tribunal deveria suspender o depoimento e aprazar nova data, por forma a permitir o seu restabelecimento em termos de saúde.
Ora, atentando no trecho da sentença que se debruça e analisa a prova testemunhal, não noto qualquer incongruência nem vejo que se ali se denuncie uma situação que suscite uma reinquirição da testemunha.
Denota, é certo, algumas fragilidades, seguramente em parte motivadas pela relação de familiaridade e possíveis implicações das suas declarações no prosseguimento da execução.
De qualquer modo, afigura-se-me que a sentença faz uma análise criteriosa, concatenando toda a prova, sendo de salientar o depoimento da testemunha M…, quando afirma ter entregue as cartas à D. ficando convencida que ela lhas entregaria, e ainda a contradição entre a justificação desta de querer esconder à filha os problemas com o IGFSS quando a recorrente admite ter tomado conhecimento do procedimento de reversão numa reunião naquele Instituto, apenas 13 dias antes.
Ora, os poderes de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto só se justificam quando possa concluir-se pela existência de erro, designadamente quando os depoimentos prestados, concatenados com a restante prova, impuserem conclusão diversa, sendo que sempre devem prevalecer os princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova.
E, no caso, a recorrente não consegue, pelo que se deixa exposto, persuadir do erro na apreciação da prova efetuada pelo julgador, devendo, por isso, improceder o recurso nessa parte.
Prosseguindo, quanto ao decidido no tocante à pretendida ilegalidade do direito à decisão.
O despacho reclamado, de 18.4.2019, responde à arguição de nulidade apresentada pela recorrente em 29.4.2011, já depois de efetuada a penhora, a 1.4.2019, e efetuada a sua notificação e nomeação como fiel depositária, a 16.4.2019.
Diz a recorrente que a presunção do indeferimento previsto no artº 57º da LGT não tem aplicação no caso concreto e que, mesmo que assim se não entenda, a decisão é ilegal por que proferida para além do prazo ali estipulado.
Sem razão.
Apelando ao ac. do STA de 8.1.2014, proc. nº 032/13, citado na sentença, .. “ Embora o processo de execução fiscal tenha natureza judicial na totalidade (artº 103º da LGT), na parte em que nele se desenvolve atividade administrativa deverá aplicar-se, diretamente ou por analogia, o regime do indeferimento tácito previsto no artº 57º, nº 5 da LGT, formado após o decurso legal de decisão, que é de dez dias para a prolação do despacho no processo de execução fiscal pelo órgão de execução fiscal..” (artº 23º, nº 2 do CPPT).
De qualquer modo, e como bem se conclui na sentença, embora a lei estabeleça esse prazo para presumir o indeferimento tácito, a administração não fica desobrigada de decidir, como aconteceu no caso, embora tardiamente.
Finalmente, quanto à pretensa ilegalidade do despacho por falta de indicação dos meios de defesa, a sentença não me merece qualquer reparo.
Com efeito, como ali se consigna, a omissão da indicação dos meios de defesa no ato de notificação não conduz à sua nulidade mas antes lhe faculta o direito de requerer os elementos omitidos, nos termos e prazo estabelecido no artº 37º, nº 1 do CPPT.
Não sendo exercida essa faculdade a omissão irreleva para afastar os efeitos normais da notificação já efetuada.
Elucidativos nesse sentido são os acs. do STA citados na sentença.
Por conseguinte, e em conclusão do que vem exposto, deverá o recurso improceder.».

Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente deste processo, cumpre apreciar e decidir, uma vez que a tanto nada obsta.

2. QUESTÕES A APRECIAR
Tendo presente que as conclusões das alegações balizam o objeto do recurso e que não existem questões de que oficiosamente importe conhecer, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de:
i) Erro de julgamento de facto e
ii) Dos erros de julgamento de direito em virtude de não ter considerado ilegal o despacho reclamado (por violação do direito à decisão e por falta de indicação do prazo e meios de defesa) e por não ter concluído pela invocada falta de citação da ora Recorrente.

3. Fundamentação de Facto
A sentença recorrida contém o seguinte julgamento de facto:

«Julgo provados os seguintes factos, relevantes para a decisão da causa:
1. Em 15/10/2007 foi constituída a sociedade comercial F. LDA, NIPC (...), com objecto social de confecção de vestuário exterior e interior em série, e o capital social de 5.000,00 € integralmente subscrito por O., na mesma data designada única gerente da sociedade – cfr. apresentação nº 6/20071015, certidão do registo comercial de fls. 63-69;
2. Em 27/09/2008 a indicada O. renunciou à gerência - cfr. apresentação nº 1/20080924, certidão do registo comercial de fls. 63-69;
3. Por deliberação de 19/09/2008 foi alterado o contrato da sociedade F. LDA, passando a ser única sócia e gerente R., ora reclamante - cfr. apresentação nº 2/20080924, certidão do registo comercial de fls. 63-69;
4. Em 04/12/2008, a Secção de Processo Executivo de (...) do IGFSS, IP, instaurou contra a sociedade F. LDA, NIPC (…), o processo de execução fiscal nº 0301200801247514 e apensos, com base nas certidões de dívida nº 71681/2008 e 71682/2008, ambas emitidas em 03/12/2008, no montante exequendo global de 45.187,82 €, por dívidas de cotizações dos períodos de Maio a Outubro de 2008 e de contribuições dos períodos de Março a Outubro de 2008 - cfr. autuação e certidões de dívida a fls. 1 a 5 do PEF apenso;
5. A executada F. LDA foi citada para o PEF nº 0301200801247514 e apensos em 19/01/2009 - cfr. ofício e aviso de recepção a fls. 4 a 6 do PEF apenso;
6. Por despacho de 02/02/2010 foi determinada a preparação do PEF nº 0301200801247514 e apensos com vista à reversão da execução fiscal contra a ora reclamante e determinada a sua notificação para audição prévia – cfr. despacho de fls. 11 do PEF apenso;
7. Em 08/02/2010 foi remetido a R., ora reclamante, ofício datado de 02/02/2010, denominado “NOTIFICAÇÃO – AUDIÇÃO PRÉVIA”, por correio registado com aviso de recepção, assinado em 10/02/2010 por “M.” – cfr. ofício, talão de registo e aviso de recepção a fls. 15 a 17 do PEF apenso;
8. A reclamante tomou conhecimento da notificação para exercício de audição prévia – facto não controvertido, cfr. artigo 14º da petição inicial;
9. Em 09/03/2010 foi lavrada nota no PEF nº 0301200801247514, do seguinte teor “(…) em 08-03-2010 reuni na SPE com as duas gerentes (mãe e filha), com a advogada (Dra E.) e com a contabilista (Dra C.)”, subscrita pelo Coordenador da Secção de Processo – cfr. fls. 20 do PEF apenso;
10. Por despacho de 09/03/2010 foi determinada a reversão das dívidas em cobrança coerciva no PEF nº 0301200801247514 e apensos, referentes aos períodos de Setembro e Outubro de 2008, contra R., ora reclamante - cfr. despacho de fls. 23 do PEF apenso;
11. Em 17/03/2010 foi remetido à reclamante ofício denominado “CITAÇÃO (REVERSÃO)”, no âmbito do PEF nº 0301200801247514 e apensos, por correio registado com aviso de recepção, assinado em 22/03/2010 por “M.”, destinado a comunicar-lhe que era executada, por reversão, na qualidade de responsável subsidiária, com referência à quantia exequenda de 11.507,01 €, e, para, querendo, proceder ao pagamento, requerer o pagamento em regime prestacional e/ou a dação em pagamento ou deduzir oposição judicial – cfr. ofício, talão de registo e aviso de recepção de fls. 24 a 30 do PEF apenso;
12. Em 04/03/2011 a ora reclamante renunciou à gerência da sociedade F. LDA - cfr. apresentação nº 62/20110307, certidão do registo comercial de fls. 63-69;
13. Em 29/04/2011, no âmbito do PEF nº 0301200801247514 e apensos a reclamante apresentou requerimento junto do IGFSS, arguindo a falta de citação para a execução e requerendo que “… deve ser declarada a falta de citação, com a subsequente anulação de todo o processado posterior à prolação do despacho que determina a reversão contra a Requerente do processo executivo instaurado contra a devedora originária F..” – cfr. requerimento constante de fls. 54 a 59 do PEF apenso;
14. Em 01/04/2019, no âmbito do PEF nº 0301200801247514 e apensos, o IGFSS procedeu à penhora do vencimento da reclamante na sociedade M., LDA, no valor global de 14.472,19 €, a qual foi nomeada fiel depositária do valor penhorado – cfr. ofício, talão de registo e aviso de recepção de fls. 44-45 e 48-49 do PEF apenso;
15. Em 16/04/2019 a reclamante foi notificada do acto de penhora e nomeação de fiel depositário indicado no ponto antecedente – cfr. ofício, talão de registo e aviso de recepção de fls. 46-47 e 50-51 do PEF apenso;
16. Em 16/04/2019 a ora reclamante apresentou no IGFSS, IP requerimento no qual solicitou “se digne informar sobre o despacho que recaiu sobre o requerimento apresentado em 29/04/2011 e devidamente endereçado ao Meritíssimo Juiz do TAF de Braga, conforme cópia em anexo” – cfr. requerimento e envelope de fls. 52 a 60 do PEF apenso;
17. Em 18/04/2019 foi emitida “Resposta a arguição de falta de citação”, da qual consta, designadamente, o seguinte - cfr. documento de fls. 61 a 66 do PEF apenso:
“(…) A- DO INTROITO:
1. O aqui articulado foi dirigido ao Juiz de Direito do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga;
2. A execução fiscal é um processo de natureza judicial art. 103º da Lei Geral Tributária (LGT), motivo por que os interessados que se sintam lesados por algum acto ou omissão do órgão da execução fiscal têm a possibilidade de suscitar a intervenção do juiz do processo.
3. A Jurisprudência consolidada vai no sentido de que a nulidade do processo executivo por falta de citação do executado nos termos do nº 6 do art. 190º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) tem de ser primariamente arguida perante o órgão de execução fiscal (OEF), intervindo o tribunal na apreciação da questão se, na sequência do indeferimento dessa arguição, a sua intervenção for requerida através de reclamação judicial deduzida nos termos dos arts. 276º e seguintes do CPPT.
4. Assim, não obstante o referido articulado ter sido dirigido ao Juiz do Processo, cabe ao OEF a apreciação do mesmo.
Isto posto,
B - DOS FUNDAMENTOS:
5. Compulsados os autos constata-se que:
Em 2010-02-02, no âmbito dos tramites para a reversão foi o responsável subsidia rio foi notificado para o exercício de audição prévia;
Em 2010-03-22, foi confirmada a citação pessoal em sede de reversão:
Em 2019-04-16, apresenta a presente reclamação invocando a nulidade da citação no seguimento de alegada notificação de execução.
6. Analisados os fundamentos, conclui-se que não lhe assiste razão, porquanto:
7. Quanto à alegada nulidade do processo de execução fiscal, por falta de citação, importa precisar que a falta de citação apenas ocorre nas situações enunciadas nas várias alíneas do nº 1 do artigo 195º do C.P.C. - na data dos factos, (actual 188º) complementadas com as restrições da alínea a) do nº 1 do art. 165º e do nº 6º do art. 190º do C.P.P.T.
8. A regulamentação da matéria relativa à citação, e respectivas formalidades a respeitar, no âmbito dos processos de execução fiscal, acha-se vertida nos artºs 188º a 194º do C.P.P.T.
A falta de citação não ocorre apenas nos casos em que ela é omissa.
(…)
9. A citação pode ser efectuada por via postal e é de considerar como pessoal (cf. artigos 233º, 192º, nº 2 e artigo 236º do CPC, na redacção em vigor à data, aplicáveis ex vi do artigo 192º, nº 1 do CPPT.
10. Considerando-se validamente efectuada, quando o aviso de recepção é devolvido assinado pelo citando ou por terceiro que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que se comprometa a entregá-lo prontamente ao citando, devendo o funcionário postal adverti-lo do dever de entrega (artigo 236º, nº 2, 3 e 4 do CPC, na versão em vigor à data dos factos).
11. Os ofícios de citação foram enviados para a mesma morada para a qual foi enviado o ofício de notificação para o exercício de audição prévia.
12. Acresce que, alega o Reclamante que o aviso de recepção que acompanhou o ofício de citação mostra-se assinado por pessoa diversa do Executado.
13. Mais, alega o reclamante que à data da recepção da citação para a execução fiscal se encontrava na Suíça.
14. Atendendo-se aos factos alegados, deve concluir-se que não nos encontramos, manifestamente, perante situação de falta de citação nos termos expostos, pelo que conclui-se que não há falta de citação.”
15. Com efeito, o art. 241º do CPC (em vigor à data dos factos) - actual 233º- conclui determinando que sempre que a citação se mostre efectuada em pessoa diversa do citando, em consequência do preceituado nos arts. 236 nº 2 e 240 nº 2, ou haja consistido na afixação da nota de citação nos termos do art. 240 nº 3, será ainda enviada, no prazo de dois dias úteis, carta registada ao citando, comunicando-lhe a data e o modo por que o acto se considera realizado, o prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta desta, o destino dado ao duplicado e a identidade da pessoa em quem a citação foi realizada.
16. (…)
17. A expedição da carta registada a que se refere o art. 241º do CPC (actualmente o art. 233º), não é, pois, considerada pela lei uma formalidade essencial, mas antes uma formalidade necessária que cumpre um dever de informação e garantia, pelo que a sua omissão cabe na previsão do art. 198º do CPC.
18. De acordo com o art. 165º, nº 1, alínea a) do CPPT, a falta de citação quando possa prejudicar a defesa do interessado, constitui uma nulidade insanável do processo de execução fiscal.
(…)
20. Sendo que, de acordo com o disposto no art. 190º, nº 6, do CPPT, para que ocorra falta de citação é necessário que o respectivo destinatário alegue e demonstre que não chegou a ter conhecimento do acto por motivo que não lhe foi imputável.”
(…)
22. Ora, no caso dos autos, o ora Reclamante na qualidade de responsável subsidiário e enquanto executado por reversão, tinha de ser citado pessoalmente para a execução (cfr. artigo 191º, nº 3 do CPPT), sendo que, como consta em consulta nos autos do processo, para o chamar à execução fiscal, foram enviados em 2010-03-22 a citação-reversão, por carta registada com aviso de recepção para o domicílio fiscal daquele.
23. Porém, como se disse já, o não cumprimento do disposto nesse art. 241º do CPC apenas pode integrar uma mera irregularidade, que se deve considerar sanada por falta de arguição dentro do respectivo prazo, atento o disposto no art. 198º, nº 2 do CPC (actualmente o mesmo número do art. 191º). É que. na situação dos presentes autos, contrariamente ao sustentado pelo reclamante, e como já tivemos oportunidade de explicitar, não estamos perante qualquer falta de citação e, por outro lado, também não estamos perante qualquer das situações mencionadas no artigo 195º do CPC (actualmente o art. 188º) em que se considera ocorrer falta de citação.
24. De resto, o Reclamante não demonstrou que não chegou a ter conhecimento do acto, por motivo que não lhe foi imputável, como exige o art. 190º, nº 6, do CPPT, limitando-se a afirmar que não tinha conhecimento dos processos e que residia em (…).
25. Nos períodos em causa, foram declarados pagamentos de remunerações enquanto Membro de órgão Estatuário na devedora originária.
26. Na falta desta prova, não se pode falar numa situação de falta de citação e, por isso, está afastada a possibilidade de enquadramento da situação na alínea a) do nº 1 do art. 165º do mesmo diploma (neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, vol. III, 6ª ed., 2011, p. 137, nota 2).
(…)
28. Ora, atenta a data em que foi assinado o aviso de recepção que acompanhou a correspondência para a citação do Reclamante para a execução, ou seja, em 2010-03-22, na data em que o Reclamante teve a primeira intervenção no processo, em 29/04/2011, já há muito havia precludido o prazo para arguição da nulidade de citação, sendo totalmente irrelevante que tenha arguido a falta da citação aquando dessa primeira intervenção.”
29. Por tudo o que ficou dito, improcede-se integralmente a presente reclamação.
C- DO PEDIDO DE INSISTÊNCIA:
30. Em 16/04/2019 vem a aqui reclamante reclamar da notificação para a execução.
31. Ora, tal comunicação surgiu no seguimento da penhora de vencimentos remetida a entidade M., LDA (…) que ocorreu em 04/04/2019.
32. O meio idóneo de reacção à penhora seria portanto, a reclamação judicial deduzida nos termos dos arts 276º e seguintes do CPPT e não a presente reclamação.
Atendendo aos elementos constantes no processo, nos termos das disposições supra referidas indefere-se a presente reclamação. (…)”;
18. O despacho referido no ponto antecedente foi remetido à reclamante, na pessoa da sua mandatária, por ofício datado de 18/04/2019, remetido por correio registado sob o nº RF434830095PT, em 24/04/2019 – cfr. fls. 61 a 67 do PEF apenso;
19. A petição inicial da presente reclamação foi remetida ao IGFSS, via correio registado, em 10/05/2019 – cfr. fls. 17.
*
FACTOS NÃO PROVADOS
A. A reclamante não tomou conhecimento do ofício denominado “CITAÇÃO (REVERSÃO)” enviado pelo IGFSS em 17/03/2010, no âmbito do PEF nº 0301200801247514 e apensos, por correio registado com aviso de recepção.
*
MOTIVAÇÃO
A convicção do Tribunal fundou-se no posicionamento das partes, assumido nos respectivos articulados, na análise crítica dos documentos e informações oficiais juntos aos autos não impugnados, bem como no processo de execução fiscal apenso, conforme indicado em cada um dos pontos do probatório.
No que concerne à prova testemunhal, foram prestados depoimentos pelas testemunhas arroladas pela oponente: M. e O., respectivamente, funcionária da executada originária e mãe da reclamante, tendo sido, também, em outros períodos temporais, sócia e gerente da sociedade devedora originária.
No que se refere ao facto não provado, fundou-se a convicção do Tribunal na total ausência de prova que a confirmasse, uma vez que não foi produzida qualquer prova documental de tal facto, nem a prova testemunhal foi susceptível de criar tal convicção no Tribunal.
Assim, no que se refere ao depoimento da testemunha M., funcionária da executada originária afirmou reconhecer como sua “patroa” O., afirmando não conhecer a reclamante R..
A testemunha demonstrou ter um conhecimento directo dos factos em causa nos presentes autos, depondo de forma espontânea e sincera, apesar de o seu depoimento se mostrar comprometido pela relação laboral que manteve com a D. O., afirmando que “era funcionária e só fazia o que lhe pediam”.
No que se refere à correspondência em causa nos presentes autos, a testemunha afirmou que foi a própria que levantou a correspondência na estação de correios, após entrega do aviso de levantamento assinado pelo destinatário, que levava acompanhada de fotocópia do documento de identificação da reclamante.
Afirmou desconhecer qual o destino das cartas que levantou nos Correios, as quais entregou à D. O., que lhe disse que “ia tratar do assunto”.
Confrontada com as cartas em causas nos autos, de fls. 16, 30 e 35 do PEF apenso, confirmou a sua assinatura nos avisos de recepção, mas afirmou desconhecer o seu conteúdo.
Afirmou que quando entregou as cartas à D. O. estava convencida de que ela as iria entregar à filha, ora reclamante.
No que se refere ao depoimento da testemunha O., mãe da reclamante, limitou-se a produzir declarações vagas e genéricas, as quais não foram conclusivas para a demonstração dos factos alegados.
Tratou-se de depoimento frágil, atenta a debilidade do estado de saúde da depoente - que afirmou não se recordar sequer da data de nascimento da filha, e no caso ainda mais fragilizado atenta a relação familiar próxima com a reclamante (mãe e filha).
O depoimento da testemunha O. não mereceu, portanto, credibilidade ao Tribunal, desde logo, atenta a contradição entre alguns factos de que se lembra com clareza, nomeadamente, quando afirmou que não entregou as cartas à reclamante, e outros de que afirma não se recordar, ora afirmando que não se recorda do destino que deu às cartas, ora que as guardou numa gaveta e se esqueceu delas.
A sua narrativa de que queria esconder à filha, ora reclamante, os “problemas” com o IGFSS é contraditória e incongruente, e descredibilizada pelo facto de a reclamante admitir ter conhecimento do procedimento de reversão, para o qual foi notificada em 10/02/2010, tendo estado presente numa reunião no IGFSS em 09/03/2010 e apenas tendo sido “escondido” à reclamante a citação, ocorrida em 22/03/2010, ou seja, passados 13 dias da reunião.
Por outro lado, ambas as testemunhas confirmaram que os avisos para levantamento da correspondência foram assinados pela reclamante, sendo acompanhados de fotocópia do seu documento de identificação para permitir a entrega a terceiro na estação de correios.
Não foi assim produzida prova segura de que a reclamante não tomou conhecimento do conteúdo do ofício de citação por a sua mãe nunca a ter feito chegar ao seu conhecimento (cfr. artigo 18º da petição inicial).».


4. Fundamentação de Direito

4.1. A Recorrente começa por censurar a valoração da prova efetuada em 1.ª instância, sustentando que ocorre erro de julgamento de facto.
No que respeita às regras da impugnação da matéria de facto e à apreciação da prova vigora no processo tributário português o regime jurídico estabelecido para o processo civil, por força do disposto no artigo 2.º, alínea e), do CPPT.
Num breve enquadramento legal das regras a que a Recorrente está sujeita para a impugnar a matéria de facto e dos poderes do TCA para a sua apreciação, importa atender aos artigos 662. ° e 640.º, ambos do Código de Processo Civil, de cuja leitura conjugada resulta que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto sempre que, em seu juízo autónomo, os elementos de prova acessíveis determinem uma solução diversa.
Isto, porém, sem prejuízo do especial ónus de impugnação que recai sobre o Recorrente, concretizado nas três alíneas do n.º 1, do artigo 640.º do CPC, as quais lhe impõem a especificação (i) dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, (ii) dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos a matéria de facto impugnados diversa da recorrida e (iii) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Decorre ainda do n.º 2 deste artigo que, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
No caso em análise, é certo que nas alegações de recurso e respetivas conclusões a Recorrente não especifica os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, nem a decisão que, no seu entender deve ser proferida sobre a questão de facto impugnada.
Porém, é possível perceber que o seu inconformismo respeita ao único facto julgado não provado, por força da valoração do depoimento da testemunha O. efetuada em 1.ª instância, contra a qual discorre nas alegações de recurso. Do mesmo modo, o teor da conclusão O) das alegações (no sentido de não «ser possível afirmar-se que a reclamante não tomou conhecimento do conteúdo do ofício de citação por a sua mãe nunca a ter feito chegar ao conhecimento, pois, no modesto entender da reclamante foi feita essa prova») permite facilmente apreender qual a decisão que, no seu entender, devia ser tomada sobre tal facto.
Ademais, não é cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 640.º do CPC, mas tal também não é necessário, uma vez que a Recorrente apenas questiona a valoração do depoimento da testemunha O..
Assim, pese embora seja patente deficiência formal das alegações e conclusões, entendemos, na linha do acórdão do STJ de 21-03-2019, rec. 3683/16.6T8CBR.C1.S2, disponível em www.dgsi.pt, que «na interpretação da norma do art. 640º, « não pode deixar de se ter em consideração a filosofia subjacente ao actual CPC, acentuando a prevalência do mérito e da substância sobre os requisitos ou exigências puramente formais, carecidos de uma interpretação funcionalmente adequada e compaginável com as exigências resultantes do princípio da proporcionalidade e da adequação- evitando que deficiências ou irregularidades puramente adjectivas impeçam a composição do litígio ou acabem por distorcer o conteúdo da sentença de mérito, condicionado pelo funcionamento de desproporcionadas cominações ou preclusões processuais».
Também na defesa da orientação de que não deve adotar-se uma interpretação rígida e desproporcionadamente exigente deste ónus de impugnação, sublinha o Acórdão do STJ, de 22.10.2015 ( processo nº 212/06.3TBSBG.C2.S1) [7] que « o sentido e alcance dos requisitos formais de impugnação da decisão de facto previstos no nº1 do art. 640º do CPC devem ser equacionados à luz das razões que lhe estão subjacentes, mormente em função da economia do julgamento em sede de recurso de apelação e da natureza da própria decisão de facto».».
Mostrando-se observado, ainda que em moldes formalmente deficientes, o ónus impugnatório principal a cargo da Recorrente, cumpre então apreciar se ocorre o erro apontado à sentença recorrida quanto à valoração do referido depoimento.
Em face da motivação externada na sentença, nesta parte, afigura-se-nos que a mesma não merece censura, porquanto não encerra de qualquer contradição ou erro na valoração que efetuou, respeitando o comando ínsito no artigo 495.º do CPC. Não incorrendo, ainda, a sentença recorrida em défice instrutório porquanto, como veremos de seguida, não se justificava uma nova inquirição da testemunha O..
Cumpre salientar que a narrativa desta testemunha, coincidente com a plasmada na p.i., revelou-se não merecedora de credibilidade também no confronto com a demais factualidade evidenciada nos autos. Ou seja, na formação da convicção do Tribunal a quo não pesou apenas a fragilidade da saúde da referida testemunha, mas antes a fragilidade de toda a narrativa em que a autora sustentou a sua defesa/pretensão.
Ao que ficou consignado na motivação da sentença recorrida acrescentamos nós que não é verosímil, de acordo com as regras da experiência comum e da normalidade da vida, que, sabendo a ora Recorrente que estava em curso um processo de reversão de dívidas fiscais e que tinha uma carta registada com aviso de receção para levantar nos correios – tanto assim que assinou o aviso de levantamento e, por isso, sabia a proveniência da carta -, não tivesse a diligência mínima de indagar se tal carta foi efetivamente levantada, bem como o respetivo teor.
Improcedem, por isso, as conclusões A. a P.

4.2. Seguidamente, a Recorrente alega que o despacho que indeferiu a arguição de falta de citação é ilegal por violação do direito à decisão, uma vez tal arguição foi feita em requerimento apresentado em 29.04.2011 e só obteve resposta em 16.04.2019. Sustenta também que o incumprimento do dever de decidir, no âmbito do procedimento tributário em concreto, não tem enquadramento legal na presunção de indeferimento tácito e, ainda que assim não fosse, o incumprimento do prazo de decisão inquina de ilegalidade a decisão proferida, pelo que ocorre erro de julgamento em matéria de direito. Imputa ainda erro de julgamento de direito à sentença recorrida na parte em que entendeu ser aplicável, in casu, o regime do indeferimento tácito bem como o regulado pelo artigo 37.º do CPPT.
Ora, a primeira questão que importa dilucidar é a de saber se a arguição de nulidade processual por falta de citação do revertido dá origem a um procedimento tributário no seio do processo de execução fiscal, cuja decisão fique a cargo da administração tributária enquanto exequente/credora, conducente à prolação de um acto materialmente administrativo em matéria tributária – caso em que ficaria sujeita às normas que regem o procedimento tributário, designadamente os artigos 56.º e 57 da LGT e 36.º e 37.º do CPPT – ou se, pelo contrário, constitui um mero ato administrativo de carácter disciplinador dos termos do processo executivo, nele inserido pelo colaborador operacional do juiz face ao quadro normativo que regula o legal andamento do processo, sujeito a estritas regras e princípios processuais.
Quanto a esta matéria, há que trazer à colação o Acórdão do STA de 23/02/2012, rec. 059/12, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/be23336db28e007f802579bc003e8347?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1, que, com a vénia devida, aqui transcrevemos na parte relevante para a nossa apreciação:
«(…) o processo de execução fiscal constitui, perante a lei fiscal portuguesa, um processo judicial (entendido como meio ou instrumento de que se vale o Estado para exercer a função judicial, e que compreende uma sucessão ordenada de actos concatenados para a obtenção de um determinado fim processual, que constituem o procedimento processual) e não um procedimento tributário (Na noção legal contida no artigo 54.º da Lei Geral Tributária o procedimento tributário compreende toda a sucessão de actos dirigida à declaração de direitos tributários.) ou um procedimento administrativo (Na noção legal contida no artigo 1.º do Código de Procedimento Administrativo o procedimento administrativo é a sucessão ordenada de actos e formalidades tendentes à formação e manifestação da vontade da Administração Pública ou à sua execução.), constituindo, pois, o meio processual utilizado pelo Estado para arrecadação das receitas previstas no artigo 148.º do CPPT que não tenham sido pagas durante o prazo de pagamento voluntário, originando a execução do património do devedor através da actuação, ainda que “tutelar”, de um tribunal tributário, que é um órgão do poder judicial.
(…).
(…) foi clara a opção do legislador português pelo sistema judicial, atribuindo expressamente essa natureza ao processo de execução fiscal, o qual vai, assim, decorrer sob a “tutela” de um juiz tributário, a quem compete, ainda que através da via de reclamação no próprio processo pelos interessados, através da via do incidente inominado (Incidentes cuja apreciação cabe ao juiz no âmbito da competência para decidir “incidentes” atribuída pelo art.º 151.º do CPPT e arts. 49.º, n.º 1, al. d), e 49.º-A, n.ºs 1, al. c), 2, al. c), e 3, al. c), do ETAF de 2002), da oposição, dos embargos ou do pedido de anulação da venda, controlar a legalidade dos actos nele praticados, pertencendo-lhe, por essa via, a competência última do processo. O que, nas palavras de RUI DUARTE MORAIS (In “A Execução Fiscal”, 2ª Edição, Almedina, pág. 45.), «parece dar tradução a uma das dimensões do direito de acesso ao direito e aos Tribunais, consagrado no art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa, em cujo âmbito se inclui o direito ao processo de execução como instrumento para a realização efectiva do direito, mas, também, o direito do executado à protecção perante uma execução injusta».
Esta opção não impediu, porém, o legislador de conferir a serviços da administração tributária competência e poderes para “Instaurar os processos de execução fiscal e realizar os actos a estes respeitantes, salvo os previstos no n.º 1 do artigo 151.º do presente Código”, reservando para o tribunal a prática dos actos materialmente jurisdicionais (Os quais só podem, à luz da nossa Constituição e dos princípios que a inspiram, ser levados a cabo pelos tribunais.), atribuindo, assim, a um órgão administrativo competência funcional para agir como agente ou operador auxiliar do juiz na realização da função executiva, praticando todos os actos inscritos nesse meio processual, tendo em vista a agilização do processo e a obtenção da maior eficácia na arrecadação de receitas do Estado, libertando o juiz de todos os actos que não envolvam uma função materialmente jurisdicional.
Tal possibilidade de uma ampla intervenção da administração tributária não destrói nem altera a natureza judicial do processo, pois, como se deixou explicado no acórdão n.º 80/2003 do Tribunal Constitucional, proferido em 12 de Fevereiro de 2003, a Constituição Portuguesa não obriga a que todos os actos em que se desenrola o processo de execução devam ser obrigatoriamente praticados pelo juiz. «Ao incluir-se este tipo de processo entre os processos de natureza judicial, apenas se pretende afirmar que os conflitos de interesses que dentro dele se suscitem – mesmo que sejam emergentes, não só da actuação das partes ou até de terceiros no processo, como também de qualquer decisão que nele seja tomada pela administração fiscal, relativamente aos actos para cuja prática a lei lhe atribui competência – serão sindicados, no próprio processo, sempre pelo juiz tributário.
Sendo assim, a prática dos actos do processo de execução fiscal, de natureza não jurisdicional, bem pode ser confiada, segundo os próprios termos daquele art. 103.º, n.º 3 da Constituição à administração fiscal. Daí a razão de ser da ressalva feita no referido art.º 103º, n.º 2 da Lei Geral Tributária “o processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional”. Daí também, igualmente, a salvaguarda estabelecida na segunda parte da acima transcrita alínea g) do art.º 43º do CPT.».
O Órgão de Execução que dirige e tramita a execução fiscal, tal como o Solicitador de Execução na acção executiva comum, constitui, assim, o agente da execução, um sujeito processual que age como interlocutor no diálogo processual, “substituindo” o juiz no processo executivo, praticando nele todos os actos que, não contendendo com qualquer composição de interesses, sejam legalmente necessários para a obtenção do fim a que o processo se destina. A competência que esse Órgão detém no processo executivo não brota, assim, em princípio, da função tributária exercida pela Administração Fiscal, não se situando, sequer, no plano da relação jurídica tributária, nem emana de um poder de autotutela executiva da Administração, resultando, antes, de uma competência que a lei lhe confere para intervir no processo judicial como órgão auxiliar ou colaborador operacional do Juiz. Razão por que essa intervenção não provoca qualquer metamorfose ou transformação do processo judicial num procedimento tributário, estando todos os actos que nele são inscritos pelos sujeitos processuais (partes, mandatários, órgão da execução, funcionários, juiz) submetidos a estritas regras processuais, que encontram previsão nas normas que regulam o processo tributário e, subsidiariamente, nas normas inscritas no Código de Processo Civil por força do disposto no artigo 2º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Deste modo, mesmo quando esses actos vão para além da produção de efeitos internos a nível da ordenação e tramitação intraprocessual e projectam os seus efeitos jurídicos externamente na esfera jurídica do executado ou de terceiros, lesando direitos e interesses legalmente protegidos [como acontece com o acto de apreensão e venda forçada de bens], eles não deixam de constituir actos inscritos no processo ou procedimento processual por um sujeito processual, submetidos, por isso, aos princípios e normas que regem a actividade processual, e não aos princípios gerais que disciplinam a actividade tributária, designadamente ao princípio da participação contido no artigo 60.º da LGT, ao princípio da decisão e formação de indeferimento tácito (arts. 56.º e 57.º n.º 5 da LGT), ao princípio da confidencialidade, ao princípio do duplo grau de conhecimento ou às regras sobre prazos contido no artigo 55.º da LGT.
Só assim não será nos casos em que no
procedimento processual surge “enxertado” um procedimento administrativo/tributário, gerador de um acto materialmente administrativo em matéria tributária. Com efeito, apesar da estrutura do processo executivo se traduzir, fundamentalmente, na prática de actos funcionalmente orientados para atingir o fim específico de cobrança judicial de determinada quantia, essencialmente constituído por actos e operações que não contendem com a composição de interesses [actos de chamamento à execução, actos de desapossamento do devedor de coisas do seu património (penhora), acto de venda forçada seguida de pagamento com o preço da venda, etc.], esse processo apresenta uma particularidade, que se traduz no facto de a administração tributária gozar nele de uma dupla condição: a de credora/exequente e a de órgão auxiliar do juiz que “tutela” o processo.
(…) apesar de a administração tributária ser chamada a colaborar com o tribunal na cobrança dos seus próprios créditos, praticando no processo executivo todos os actos administrativos de cariz processual, conduzindo, assim, o rito ou procedimento processual com submissão às regras processuais, a lei permite-lhe ainda, em determinadas situações, agir no processo executivo na qualidade de credora/exequente, como acontece, por exemplo, quando profere decisão a responsabilizar, solidária ou subsidiariamente, outras pessoas pelo pagamento da dívida tributária (praticando um acto administrativo de asserção dos pressupostos legais para essa responsabilização, mudando a titularidade da dívida exequenda através do mecanismo da reversão) ou quando decide os pedidos que os devedores/executados lhe dirigem no sentido de aceitar o pagamento da dívida através de dação em pagamento de bens ou quando autoriza o seu pagamento em prestações.
Nessas situações, abre-se no processo de execução fiscal um verdadeiro procedimento administrativo/tributário, que é apreciado e decidido pela administração tributária nessa própria qualidade, enquanto credora/exequente, como resulta à evidência do disposto nos artigos 196.º a 199.º do CPPT (no que toca ao pagamento em prestações) e do disposto nos artigos 201.º e 202.º do mesmo Código (no que toca à dação em pagamento), produzindo actos materialmente administrativos em matéria tributária. E tanto assim é que a entidade competente para deferir ou indeferir esses pedidos pode nem pertencer ao órgão da execução fiscal, isto é, ao órgão administrativo que conduz e dirige o processo executivo, mas a outro órgão da administração tributária (cfr. n.º 2 do art.º 197.º e n.ºs 2 e 3 do art.º 201.º do CPPT) (Actos que só estão sujeitos a um controle de legalidade pelo Tribunal dentro da própria execução fiscal por virtude a Lei Geral Tributária ter vindo consagrar, de modo inovador, um direito de reclamar no processo executivo dos actos materialmente administrativos nele praticados (art.º 103.º). Se não fosse esta norma, esses actos teriam de ser impugnados através de acção administrativa especial (art.º 97.º, n.º 2 do CPPT e 191.º do CPTA) e ficariam sujeitos ao prazo geral de revogação que consta do art.º 141.º do CPA, e não ao curtíssimo prazo de revogação previsto no art.º 277.º, n.ºs 2 e 3 do CPPT.).
Ou seja, nesses casos a Administração Tributária actua como tal, no exercício da sua função tributária, agindo sobre a relação jurídica tributária estabelecida entre si (como sujeito activo) e o contribuinte (como sujeito passivo), produzindo actos materialmente administrativos em matéria tributária, inseridos, assim, no âmbito de um procedimento tributário autónomo e funcionalmente diferente do procedimento processual dirigido à cobrança coerciva de determinadas quantias, embora “enxertado” neste ou a correr paralelamente a ele.
E a esses procedimentos tributários há que aplicar, naturalmente, os princípios gerais que regulam a actividade administrativa e as normas que a Lei Geral Tributária prevê para os procedimentos tributários, designadamente a norma contida no seu artigo 60.º.».
Respondendo, então, à questão por nós formulada, estamos convictos não se suscitar dúvida razoável em como a decisão objeto da reclamação (de indeferimento da arguição de nulidade por falta de citação da reclamante) constitui um mero ato administrativo de carácter disciplinador dos termos do processo executivo, nele inserido pelo colaborador operacional do juiz face ao quadro normativo que regula o legal andamento do processo, sujeito a estritas regras e princípios processuais.
Com efeito, não está em causa um ato praticado pelo OEF no exercício da sua função tributária mas, sim, como mero auxiliar do juiz, dentro do quadro de funções que, no contexto do processo de execução fiscal, a lei lhe comete. A competência que o OEF exerceu no processo executivo não brotou «da função tributária exercida pela Administração Fiscal, não se situando, sequer, no plano da relação jurídica tributária, nem emana de um poder de autotutela executiva da Administração, resultando, antes, de uma competência que a lei lhe confere para intervir no processo judicial como órgão auxiliar ou colaborador operacional do Juiz.». A AT não agiu, pois, no processo executivo na qualidade de credora/exequente.
Consequentemente, ao ato reclamado está submetido aos princípios e normas que regem a atividade processual, e não aos princípios gerais que disciplinam a atividade tributária, designadamente ao princípio da decisão e formação de indeferimento tácito (artigos 56.º e 57.º n.º 5 da LGT), às regras sobre prazos contido no artigo 55.º da LGT, bem como aos requisitos das notificações e sanação dos correspondentes vícios previstos nos artigos 6.º e 37.º do CPPT.
Improcedem, pois, as conclusões Q. a T. das alegações de recurso.

4.3. A Recorrente sustenta ter alegado, no artigo 18.º da p.i., que “a carta nunca chegou ao seu conhecimento, pois não residia em (...) à data e a pessoa que recebeu o aviso de receção não foi a própria, mas a sua mãe que nunca lhe fez chegar e que os factos confessados pelos respetivos autores nos articulados devem também ser objeto de ponderação na decisão final, sendo que o IGFSS não impugnou tal alegação o que implica a valoração do dito facto a favor da reclamante que o invocou e sobre o mesmo requereu a produção de prova testemunhal.
De harmonia com o disposto no artigo 352.º do C. Civil, a confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.
Resulta do artigo 355.º, n.º 1, do mesmo código que a confissão pode ser judicial ou extrajudicial. A confissão judicial é aquela que é feita em juízo e só vale como judicial na ação correspondente (cfr. n.ºs 2 e 3 do citado artigo 355.º) e a confissão extrajudicial é a feita por algum modo diferente da confissão judicial ( n.º4 do citado artigo).
Segundo o artigo 356.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, «a confissão judicial espontânea pode ser feita nos articulados, segundo as prescrições da lei processual ou, em qualquer outro ato do processo, firmado pela parte pessoalmente ou por procurador especialmente autorizado», estabelecendo o n.º 1 do artigo 357,º do C. Civil, que «a declaração confessória deve ser inequívoca, salvo se a lei o dispensar».
Dispõe, ainda, o artigo 360.º do C. Civil, que a declaração confessória é indivisível e, como tal, tem de ser aceite na íntegra, salvo provando-se a inexatidão dos factos que transcendem a declaração estritamente confessória.
Quanto à confissão judicial feita nos articulados, já ensinava Alberto dos Reis que a mesma «consiste em o réu reconhecer, na contestação, como verdadeiros, factos afirmados pelo autor na petição inicial, ou em o autor reconhecer, na réplica, como verdadeiros, factos afirmados pelo réu na contestação (…)» - cfr. Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 548.
Como se adverte no Acórdão do STJ, de 11.11.2010, processo n.º 1902/06.6TBVRL.P1.S1, essencial é que «o sujeito processual tenha consciência de que o facto desfavorável que alega é real e, mesmo assim, alega-o, nisto se traduzindo o reconhecimento, que é uma «contra se pronunciatio».
Daqui se retira que a confissão feita nos articulados e que, nos termos do disposto no artigo 358.º, n.º 1 do C. Civil, tem força probatória plena, como modalidade de confissão judicial, não se confunde com a simples alegação de um facto feita pelo mandatário da parte em articulado processual.
Com efeito, como se afirma no supra citado acórdão, «nem todas as alegações de factos pelas partes valem como confissões, como acontecerá, v. g. se o facto for alegado na suposição de estar correcto, vindo a demonstrar-se no julgamento da causa que assim é ou não vindo a confirmar-se».
Verificando-se que o facto alegado no artigo 18.º da p.i., não é desfavorável aos interesses da ora Recorrente, não pode o mesmo ser qualificado como “confessado” nem lhe pode ser atribuído valor probatório pleno, ou qualquer valor probatório pois que se trata de uma alegação que, sendo constitutiva do direito a que a Recorrente se arroga, devia ter sido pro ela provada, de acordo com as regras do ónus da prova que decorrem dos artigos 74.º da LGT e 342.º do Código Civil.
Improcedem, por isso, as conclusões U. a W. das alegações de recurso.

4.5. Por fim, a Recorrente entende que a sentença recorrida procedeu a incorreta interpretação dos factos e respetiva subsunção ao direito aplicável.
Não lhe assiste, porém, qualquer razão.
De acordo com o artigo 165.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, quando possa prejudicar a defesa do interessado, a falta de citação constitui uma nulidade insanável do processo de execução fiscal.
A falta de citação ocorre, além dos casos em que ela é omitida, também nas situações previstas no artigo 188.º do CPC, na redação aqui aplicável, ex vi artigo 2º, alínea e), do CPPT, a saber: “a) quando o ato tenha sido completamente omitido; b) quando tenha havido erro de identidade do citado; c) quando se tenha empregado indevidamente a citação edital; d) quando se mostre que foi efetuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste, tratando-se de pessoa coletiva ou sociedade; e) quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável.”.
No caso sub judice, a Recorrente pretende que a citação não chegou ao seu conhecimento, por facto que não lhe pode ser imputável. Sucede, porém, que a matéria de facto assente não permite assim concluir.
Com efeito, a Recorrente não logrou demonstrar a factualidade que alegou – no essencial, que a sua mãe ficou com a carta/citação na sua posse e não deu conhecimento do respetivo teor à citanda.
Não se demonstrando qualquer dos factos que, à luz do citado artigo 188.º, n.º 1, do CPC, permite concluir pela falta de citação, não merece censura a sentença recorrida que negou provimento à pretensão da Recorrente, assim também improcedendo as conclusões X. a CC. das alegações de recurso.

5. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao presente recurso e manter a sentença recorrida com a presente fundamentação.

Custas a cargo da Recorrente.

Porto, 2 de abril de 2020


Maria do Rosário Pais
António Patkoczy
Ana Patrocínio