Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01980/19.8BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/11/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:CARLOS DE CASTRO FERNANDES
Descritores:IRS;
MAIS VALIAS;
INCONSTITUCIONALIDADE INTERPRETATIVA;
Sumário:
I- Enferma de inconstitucionalidade interpretativa a norma contida no artigo 44.º, n.º 2, do CIRS, quando, para efeitos da determinação dos ganhos sujeitos a IRS relativos a mais-valias decorrentes da alienação onerosa de bens imóveis, ali se estabelece uma «presunção inilidível».

II – Não tendo a AT demonstrado, nem tendo permitido que se demonstrasse, concretamente, qual a efetiva vantagem patrimonial tida pelos contribuintes, eventualmente subsumível ao conceito de rendimento acréscimo, ficaram estes impossibilitados de demonstrar qual foi o seu efetivo ganho (ou perda) com a respetiva venda.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – A Representação da Fazenda Pública (RFP) (Recorrente) veio interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Porto, pela qual se julgou totalmente procedente a impugnação intentada por «AA» e «BB» (Recorridos), direcionada contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) relativa ao ano de 2014 e correspetiva liquidação de juros compensatórios.

No presente recurso, a Apelante (RFP) formula as seguintes conclusões:
A. Nos autos em referência, a douta sentença julgou “totalmente procedente, por provada, a presente Impugnação e, consequentemente, determino a anulação da liquidação aqui impugnada com todas as consequências legais.”
B. “Os encargos mencionados, da mesma natureza daqueles referidos nas várias alíneas do mesmo n.º 5 do mesmo artigo 12.º - de fonte contratual ou legal -, hão-de ser encargos de contraprestação do valor patrimonial do objecto contratado.” (Acórdão do STA de 22-04-2009, processo n.º 01124/08).
C. E, nas referidas alíneas do n.º 5 do artº 12.º do CIMT, está incluída, obviamente, a alínea h) do mesmo preceito legal, a qual estipula que “quaisquer encargos a que o comprador ficar legal ou contratualmente obrigado” fazem parte do “valor constante do acto ou do contrato” para efeitos de consideração do valor tributável do IMT,
D. pelo que, ao contrário do IVA (o qual foi “excluído” pelo referido Acórdão do contexto da alínea h) do n.º 5 do artigo 12.º do CIMT), os encargos hipotecários em discussão nos presentes autos, estão naturalmente abrangidos na noção de “encargos” que tal disposição legal encerra, porque além de fazerem parte do contrato em causa e terem sido aceites pela sociedade compradora, constituem igualmente uma contraprestação do valor patrimonial dos imóveis transmitidos sobre os quais recaem as hipotecas.
E. É também evidente (face a todo o exposto) que, in casu, constitui valor de realização, nos termos da conjugação do n.º 2 do art. 44.º do CIRS com as alíneas a) e h) do n.º 5 do art. 12.º do CIMT, o preço de venda declarado na escritura acrescido dos respectivos ónus ou encargos.
Assim,
F. e, salvo o devido respeito, naturalmente se conclui que não estamos perante um qualquer rendimento ficcionado, mas sim perante uma vantagem patrimonial efectiva, directamente subsumível na previsão da alínea a) do n.º 1 e do n.º 4 do art. 10.º do CIRS, o que arreda a possibilidade de procedência da argumentação da violação dos princípios da capacidade contributiva e da tributação do rendimento efectivo.
Destarte,
G. decidindo da forma como decidiu, a douta sentença ora recorrida enferma de ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO E DE DIREITO APLICÁVEL, pelo que deverá ser revogada.
Finaliza a Recorrente pedindo que seja dado provimento ao presente recurso, sendo revogada a sentença recorrida.
Os Recorridos apresentaram contra-alegações, nestas concluindo que:
A) Os Alegantes alienaram, por escritura de compra e venda realizada em 29/08/2014, os prédios rústicos inscritos na matriz da União de freguesias ... e ... sob os artigos ...32, ...36, ...39 e ...40, à sociedade “[SCom01...] – Unipessoal, Lda”, pelo preço global de € 30.035,63.
B) Consta da referida escritura que os bens são vendidos «livre de ónus e encargos» e que sobre o artigo ..32 incidem quatro hipotecas e uma penhora, sobre o artigo ..36 incide uma penhora e sobre o artigo ...40 incide uma hipoteca, tendo sido advertidos os outorgantes que a compra e venda «é ineficaz em relação às penhoras atrás mencionadas».
C) Tais ónus hipotecários foram constituídos para garantia do pagamento de quatro empréstimos que o banco Banco 1... concedeu aos Alegantes.
D) Por falta pagamento de algumas prestações dos aludidos empréstimos, venceu-se toda a dívida, gerando uma penhora sobre os prédios rústicos no valor de € 1.473.859,55 existente à data da referida escritura de compra e venda destes prédios.
E) Entende a Fazenda Pública que o valor desta penhora deve ser acrescido ao preço de venda do imóvel para efeitos de determinação do valor tributável em IMT, uma vez que considera que os encargos hipotecários no valor da penhora, são encargos a que a compradora ficou legal ou contratualmente obrigada.
F) Assim, no entender da Fazenda Pública, o valor de realização para efeitos de apuramento dos rendimentos de mais-valias sujeitos a tributação pela categoria G de IRS, por aplicação conjugada das disposições da alínea h), do nº 5, do artigo 12º do CIMT e nº 2, do artigo 44º do CIRS, corresponde ao valor da contraprestação (preço constante da escritura) acrescido dos encargos hipotecários, tendo efectuado a liquidação de IRS em conformidade.
G) Os Alegantes não se conformando com a referida liquidação de IRS impugnaram a mesma, tendo a impugnação sido considerada totalmente procedente pelo Tribunal “a quo”.
H) A Fazenda Pública não se conformando com a Douta decisão que julgou procedente a impugnação deduzida contra a liquidação de IRS sub judice, veio interpor o presente recurso alegando que a decisão incorreu em erro de julgamento de facto e de direito aplicável, porquanto, em seu entender, «nas referidas alíneas do nº 5 do artigo 12º do CIMT, está incluída, obviamente, a alínea h) do mesmo preceito legal, a qual estipula que “quaisquer encargos a que o comprador ficar legal ou contratualmente obrigado” fazem parte do “valor constante do acto ou do contrato” para efeitos de consideração do valor tributável de IMT (…).»
I) De acordo com a regra geral instituída no nº 1, do artigo 12º, do Código do IMT, o imposto incidirá sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior.
J) No nº 5 do referido artigo 12º do CIMT, delimitam-se algumas situações sobre o que, isolada ou cumulativamente, deve constituir o valor do acto ou contrato, sendo que segundo o disposto na alínea h), se considera que o valor do acto ou contrato, deve, em geral, abranger quaisquer encargos a que o comprador ficar legal ou contratualmente obrigado.
K) A questão que subjaz ao presente recurso interposto pela Fazenda Pública circunscreve-se à interpretação e alcance da alínea h), do nº 5, do artigo 12º do CIMT.
L) Releva saber se a referida norma - alínea h) do nº 5 do artigo 12º do CIMT - deve ser interpretada no sentido de uma abrangência total, abrangendo todo e qualquer encargo a que o comprador fica legal ou contratualmente obrigado, incluindo os encargos hipotecários.
M) O bem decidido pelo Tribunal “a quo” vem no sentido de que apenas deverão estar compreendidos os encargos ou prestações que ingressem ou sejam susceptíveis de ingressar no património do vendedor, como contraprestação de valor correspondente ao valor patrimonial do imóvel por ele transmitido.
N) No caso sub judice a sociedade compradora não assumiu quaisquer encargos decorrentes da aquisição dos prédios rústicos, resultando da respectiva escritura de compra e venda que os mesmos foram vendidos livres de ónus e encargos e que a compra dos bens é ineficaz em relação à penhora que sobre os mesmos recaiu.
O) Não fazendo os ónus hipotecários ora em causa parte do contrato, nem tendo a sociedade compradora ficado aos mesmos obrigada, não constituem prestações que ingressam ou são susceptíveis de ingressar no património dos vendedores, como contraprestação de valor correspondente ao valor patrimonial dos imóveis por estes transmitidos.
P) Desta forma, tal como se decidiu na sentença “a quo” os ónus hipotecários, no valor da penhora que recaiu sobre os imóveis adquiridos não são de incluir na base tributável para efeitos de IMT, logo não fazem parte do valor de realização para cálculo do apuramento de mais-valias, de conformidade com as disposições conjugadas da alínea h), do nº 5, do artigo 12º, do CIMT e nº 2, do artigo 44º do CIRS.
Q) A tributação operada pela Fazenda Pública na situação sub judice, considerando que os ónus hipotecários fazem parte do valor de realização dos imóveis transmitidos, assenta em rendimentos ficcionados, não existindo «uma efectiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico seleccionado para objecto de imposto», o que constitui violação do princípio da capacidade contributiva, tal como se retira do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 63/96.
R) Pelo que, bem andou o Tribunal a quo decidindo pela anulação da liquidação em crise por violação dos princípios da capacidade contributiva e da tributação do rendimento efectivo.
S) Em face do que fica dito, a decisão em Recurso não merece qualquer reparo, devendo manter-se na Ordem Jurídica.
Terminam os Recorrentes pedindo que seja confirmada a sentença recorrida.
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Após a prolação de decisão sumária proferida nesta instância, por decisão do colendo STA veio a ser determinado que é este TCA o hierarquicamente competente para apreciar o presente recurso (cf. fls. 393 e segs. e 405 e segs. dos autos – paginação do SITAF).
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Os autos foram com vista à digna Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal, tendo esta emitido parecer no sentido da improcedência do presente recurso, secundando o parecer já apresentado junto do STA (cf. fls. 449 e segs. dos autos – paginação do SITAF).
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Com a concordância dos MMs. Juízes Desembargadores Adjuntos, dispensam-se os vistos nos termos do art.º 657.º, n. º 4, do Código de Processo Civil ex vi art.º 281.º do CPPT, sendo o processo submetido à Conferência para julgamento.

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II - Matéria de facto indicada em 1.ª instância
A) Por escrituras públicas de “Mútuo com Hipoteca” outorgadas nos dias 24/7/2007, 06/12/2007, 12/02/2008 e 3/12/2008, os aqui Impugnantes, «AA» e mulher «BB», constituíram a favor do Banco 1..., quatro hipotecas sobre o prédio rústico denominado “Quinta ...” situado na freguesia ... – ..., inscrito na respetiva matriz rústica da União de freguesias ... e ... sob o artigo ...32 (…) – facto não controvertido;
B) As aludidas hipotecas foram constituídas para garantia do pagamento de quatro empréstimos que o banco exequente, Banco 1..., concedeu aos executados, nos montantes de 500.000,00 €, 150.000,00 €, 350.000,00 € e 150.000,00 €, montantes dos quais os mesmos se confessaram devedores. Tais hipotecas encontram-se devidamente registadas a favor do Banco 1... pelas Ap.... de5/06/2007, Ap.10 de 2/04/2008, Ap.8 de 14/02/2008 e Ap.10 de 15/12/2008, conforme consta da certidão da Conservatória do Registo Predial ...;
C) Em 29-08-2014, os aqui Impugnantes outorgaram uma escritura de Compra e Venda, com a sociedade “[SCom01...] – UNIPESSOAL, LDA.”, na qual declaram vender, livre de ónus e encargos, à referida sociedade e esta declara comprar pelo preço global de € 30.035,63, os prédios rústicos inscritos na matriz da União de freguesias ... e ... sob os artigos ...32 (anterior artigo ...97), ..36 (anterior artigo ...03), ..39 (anterior artigo ....138) e ...40 (anterior artigo ..139), - cf. doc. junto com a PI sob o n.º 5, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
D) Mais consta no segmento final da escritura a que se alude na al. anterior:
Adverti os outorgantes:
a) …
b) Que este ato é ineficaz em relação às penhoras atrás mencionadas.
E) À data da escritura de compra e venda, a que se alude em A. a dívida ao Banco 1... por parte dos primeiros outorgantes era de 1.473.859,55 € (1.145.94,36 + 327.914,19), valor da penhora que recaiu sobre os prédios rústicos inscritos na matriz rústica da União de freguesias ... e ... sob os artigos ...32 e ...40;
F) Os ora impugnantes procederam à entrega da declaração de rendimentos do período de 2014 sem o Anexo G;
G) Os aqui Impugnantes foram sujeitos a uma ação inspetiva relativamente ao ano de 2014, a coberto da Ordem de serviço n.º OI2018....43 levada a cabo pela Divisão de Inspeção da Direção de Finanças ...;
H) Da ação a que se alude na al. anterior resultou uma correção aos rendimentos declarados pelos Impugnantes, relativamente ao anexo G, respeitante a mais-valias e outros incrementos patrimoniais;
I) Em sede de procedimento inspetivo a AT concluiu que: o valor de realização dos imóveis para efeitos de apuramento da mais valia, corresponde ao valor de alienação constante da escritura de compra e venda (€ 30.035,63) acrescido do valor da penhora (€ 1.473.859,55) que recaiu sobre os prédios rústicos acima mencionados, perfazendo o total de € 1.503.895,18, gerando, após a dedução do valor de aquisição dos imóveis alienados corrigido pelo coeficiente de desvalorização da moeda, uma mais valia de € 1.221.385,22, a ser tributada como rendimento da Categoria G de IRS em 50% do seu valor, ou seja, pelo valor de € 610.692,61;
J) A correção ao rendimento coletável foi apenas de € 576.672,55, porquanto a A.T. através de anterior declaração oficiosa de correção para este mesmo período de imposto, já tivesse apurado uma mais valia a tributar de € 34.020,06, como tudo decorre dos quadros e demonstrações a págs. 5 do RIT;
K) Na sequências das correções a que se alude nas als. anteriores a AT procedeu à liquidação em sede de IMPOSTO SOBRE RENDIMENTO DAS PESSOAS SINGULARES (IRS), com o n.º 2018 ............255 e juros compensatórios, com o n.º 2018..............647, referente ao período de tributação de 2014, no montante global de € 351.871,16 [€ 307.455,38 IRS - € 44.415.78 JC];
L) Da liquidação a que se alude na al. anterior os Impugnantes apresentaram Reclamação Graciosa que foi autuada sob o número ...48 pela Direção de Finanças ...;
M) Na RG a que se alude na al. anterior foi proferido despacho de indeferimento, destacando-se da informação lavrada na mesma, o seguinte:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
N) Da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa a que se alude na al. anterior os Impugnante deduziram Impugnação Judicial.
*
No que diz respeito aos factos considerados como não provados, exarou-se na sentença apelada que:
«Inexistem.
Não se provaram, com relevância para a decisão da causa, outros factos que estejam em contradição com a factualidade provada.»
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Relativamente à motivação da decisão da matéria de facto, decidiu-se na sentença recorrida que:
«A convicção do tribunal formou-se com base nos elementos documentais juntos aos autos.»
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Ao abrigo do disposto no artigo 662.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, adita-se a seguinte matéria facto, constante da prova documental presente nestes autos e que não foi sujeita a qualquer forma de impugnação:
I1 – Do relatório inspetivo, datado de 25.10.2018, elaborado pelos serviços da AT, retira-se que:
“[…]
Capítulo III - Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas à matéria tributável
1. Por escritura de compra e venda, celebrada aos vinte e nove dias do mês de Agosto do ano de dois mil e catorze, no Cartório Notarial sito na Rua ..., Edifício ..., ..., em .... perante o respectivo Notário Lic. «CC», entre outros prédios, «AA», NIF ...87 e mulher «BB», NIF ...92, com domicilio fiscal na Rua .... ... ..., venderam à sociedade [SCom01...] - Unipessoal Lda com o NIPC ...12. com sede na Quinta ... ... ... (...), os prédios inscritos na matriz rústica da União de freguesias ... e ... sob os artigos ...32 (teve origem no art.º ...97 de ...), ..36 (teve origem no art.º ...03 de ...) ..39 (teve origem no art.º ..138 de ...), e ...40 (teve origem no art.º..139 de ...).
2. O valor global declarado de venda daqueles prédios foi de 30.035,63€ (trinta mil e trinta cinco euros e sessenta e três cêntimos), sendo identificado na referida escritura que para os artigos ..32 e ...40 existiam ónus e encargos, ou seja o artigo ..32 tinha quatro hipotecas e o artigo ...40 tinha uma hipoteca, todas a favor do Banco 1... S. A., doravante denominado por Banco 1....
3. Por consulta ao Proc.º Judicial ....3/11.6TBALJ, de 19/0412012, processo executivo, instaurado por dívida civil em que por escrituras publicas de "Mútuo com Hipoteca” outorgadas nos dias 24/07/2007, 06/12/2007, 12/0212008 e 3/12/2005. os executados «AA» e mulher «BB», constituíram a favor do exequente Banco 1..., quatro hipotecas sobre o prédio rústico denominado "Quinta ..." situado na freguesia ... - ..., inscrito na respectiva matriz rústica da União de freguesias ... e ... sob o artigo ...32 (teve origem no art.º ...97 da extinta freguesia ...).
4, As aludidas hipotecas foram constituídas para garantia elo pagamento de quatro empréstimos que o banco exequente Banco 1... concedeu aos executados nos montantes de 500.000,00€, 150,000.00€, 350.000,00€ e 150.000,00€, montantes dos quais os mesmos se confessaram devedores. Tais hipotecas encontram-se devidamente registadas a favor do Banco 1... pelas Ap, 1 de, 05/06/2007, Ap. 10 de 02104/2008, Ap. B de 14/02f2008 e Ap.10 de 15/12/2008, conforme consta da certidão da Conservatória do Registo Predial ....
5. Os executados não efectuaram o pagamento de algumas prestações dos aludidos empréstimos, nem nas datas dos seus vencimentos, nem posteriormente, determinando assim o vencimento de toda a dívida em 25/06/2010, nesta conformidade os executados são devedores da dívida global objecto desta execução no montante de 1.145.945,36€ (um milhão cento e quarenta e cinco mil novecentos e quarenta e cinco euros e trinta e seis cêntimos).
6. Da referida escritura, relativamente ao prédio rústico inscrito na correspondente matriz sob o art.º ...40, refere a incidência de uma hipoteca voluntaria registada a favor do Banco 1.... S. A., conforme inscrição Ap. 2356, ele 12 de Fevereiro de 2014, no montante de 327.914,19€.
7. Pelo antes referido, somos de referir que, efectivamente, à data da escritura de compra e venda celebrada entre «AA» e mulher «BB» e a sociedade [SCom01...]. a divida ao Banco 1... por parte dos primeiros outorgantes era de 1.473.859,55 € (1.145.945,36 + 327.914.19), valor da penhora que recaiu sobre os prédios rústicos inscritos na matriz rústica da União de freguesias ... e ... sob os artigos ...32 e ...40.
8. Da escritura antes referida, consta que o prédio rústico inscrito sob o artigo ...32 foi alienado pelo preço de 21,000.00€, tendo este o valor patrimonial de 59.004,48€ e tendo sido este o valor base para efeitos de liquidação de IMT, o prédio rústico inscrito sob o artigo ...36 foi alienado por 8,150,47€, o prédio rústico inscrito sob o artigo ...39 foi alienado por 845.22€ e o prédio rústico inscrito sob o artigo ...40 foi alienado por 39.94€ valores correspondentes aos valores patrimoniais tendo sido estes os valores base para efeitos de liquidação de IMT.
9. Assim, nos termos das alíneas a) e h), do nº 5, do art.º 120 do Código do IMT, o IMT incide sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior, considera-se, designadamente, valor constante do acto ou do contrato, isolada ou cumulativamente, em geral, quaisquer encargos a que o comprador ficar legal ou contratualmente obrigado.
10. Face ao descrito e após analise efectuada à base de dados da AT verificou-se que os sujeitos passivos procederam a entrega da declaração de rendimentos sem o Anexo G, sendo que constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais. resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, como é definido pela al. a) do nº 1 do art.º 10° do Código do IRS.
11. São elementos necessários para determinar a mais-valia a data de realização, o valor da realização, a data de aquisição. o valor de aquisição e ainda o coeficiente de desvalorização monetária (art.º 50 CIRS).
12. No caso em apreço constitui como valor de realização, nos termos do nº 2, do art.º 44º do Código do IRS, o preço ele venda declarado na escritura ao qual serão acrescidos os respectivos ónus e encargos.
13. Por outro lado constitui como valor de aquisição o valor que serviria para efeitos de liquidação de IMT, nos termos do n.º 1 e 2 do art.º 46.º do CIRS, neste caso serão considerados os valores das respectivas escrituras que serviram de base ao pagamento de SISA e/ou imposto selo.

Apuramento do rendimento em falta / Apuramento da matéria tributável

Da consulta a declaração Modelo 3 de IRS de 2014, os sujeitos passivos não apresentam o anexo G a que estavam obrigados por força do art.º 57 e art.º 22 do CIRS, onde deveriam englobar a mais-valia referida no capitulo anterior.
Até à presente data não houve a apresentação da declaração de substituição onde fossem declarados os rendimentos da categoria G, nem foi apresentado qualquer motivo que os não obriguem a tal. Assim, deverá proceder-se à inclusão na esfera da categoria G dos rendimentos acima mencionados. nos termos dos números 4 e 5 do artigo 65,º do CIRS e ao apuramento da matéria colectável de acordo com os quadros seguintes:
[…]”
- cf. doc. a fls. 96 e segs. – paginação do SITAF.

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III – Questões a decidir.

No presente recurso, cabe analisar e decidir as questões suscitadas, nomeadamente quanto à inconstitucionalidade interpretativa relativa ao sentido do disposto n.º 2 do art.º 44.º do CIRS e, eventualmente, no que concerne ao erro de julgamento quanto à interpretação e aplicação da alínea a) do n.º 1 e do n.º 4 do art. 10.º, do n.º 2 do art. 44.º ambos do CIRS, em conjugação com as alíneas a) e h) do n.º 5 do art. 12.º do CIMT.

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IV – Da apreciação do presente recurso.
Constitui objeto dos presentes recursos a sentença proferida nestes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em sede de processo de impugnação, pela qual se concedeu provimento à impugnação deduzida pelos ora Recorridos contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) de 2014 e de juros compensatórios.
A liquidação de IRS acima referida, resultou de uma ação inspetiva promovida pelos serviços da AT, na qual se concluiu para efeitos de cálculo do valor de realização pelos Recorridos, para efeitos de aplicação de mais valias, englobava quer o valor da venda, quer o valor dos ónus incidentes sobre o dito imóvel (in casu, nomeadamente, o valor das penhoras pré-existentes).
Cumpre apreciar e decidir.
IV.1 – Da questão da interpretação em desconformidade com a CRP do n.º 2 do art.º 44.º do CIRS (na redação aplicável à data dos factos).
Na situação presente, a liquidação adicional de IRS aqui em causa diz respeito ao ano de 2014, estando nela aqui em causa, a questão do que se deve considerar como valor de realização para efeitos de mais valias relativas à venda de um imóvel promovida pelos Recorridos.
Assim, à data dos factos, o artigo 44.º, n.º 2 do CIRS Sendo que tal redação veio a ser alterada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, com entrada em vigor a 01.01.2015 (cf. artigo 17.º do diploma citado), na qual se veio a consignar a possibilidade de prova do valor de realização efetivo através do procedimento previsto no artigo 139.º do CIRC., estatuía que:
Artigo 44.º
Valor de realização
1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização:
a) No caso de troca, o valor atribuído no contrato aos bens ou direitos recebidos, ou o valor de mercado. Quando aquele não exista ou este for superior, acrescidos ou diminuídos, um ou outro, da importância em dinheiro a receber ou a pagar;
b) No caso de expropriação, o valor da indemnização;
c) No caso de afectação de quaisquer bens do património particular do titular de rendimentos da categoria B a actividade empresarial e profissional, o valor de mercado à data da afectação;
d) No caso de valores mobiliários alienados pelo titular do direito de exercício de warrants autónomos de venda, e para efeitos da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, o preço de mercado no momento do exercício;
e) Tratando-se de bens ou direitos referidos na alínea d) do n.º 4 do artigo 24.º, quando não exista um preço ou valor previamente fixado, o valor de mercado na data referida;
f) Nos demais casos, o valor da respectiva contraprestação.
2 - Nos casos das alíneas a), b) e f) do número anterior, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida.
3 - No caso de troca por bens futuros, os valores referidos na alínea a) do n.º 1 reportam-se à data da celebração do contrato.
4 - No caso previsto na alínea c) prevalecerá, se o houver, o valor resultante da correcção a que se refere o n.º 4 do artigo 29.º.
Na sentença apelada, considerou-se que:
“[…]
Para efeitos do valor de realização, diz-nos o n.º 2 do art. 44.º do CIRS, nos casos das alíneas a), b) e f) do número anterior, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida.
Por sua vez da al. f) do n.º 1 do referido art. 44.º resulta que para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização, nos demais casos, o valor da respetiva contraprestação.
Nos termos da al. h) do n.º 5 do art. 12.º do CIMT, sob a epígrafe Valor Tributável, considera-se, designadamente, valor constante do ato ou do contrato, isolada ou cumulativamente, quaisquer encargos a que o comprador ficar legal ou contratualmente obrigado.
Na situação dos autos, o probatório informa que da escritura de compra e venda os prédios foram vendidos livres de ónus ou encargos e que a mesma é ineficaz em relação às penhoras que oneram os imóveis transmitidos.
Para efeitos do valor de realização, diz-nos o n.º 2 do art. 44.º do CIRS, nos casos das alíneas a), b) e f) do número anterior, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida.
Por sua vez da al. f) do n.º 1 do referido art. 44.º resulta que para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização, nos demais casos, o valor da respetiva contraprestação.
Nos termos da al. h) do n.º 5 do art. 12.º do CIMT, sob a epígrafe Valor Tributável, considera-se, designadamente, valor constante do ato ou do contrato, isolada ou cumulativamente, quaisquer encargos a que o comprador ficar legal ou contratualmente obrigado.
Na situação dos autos, o probatório informa que da escritura de compra e venda os prédios foram vendidos livres de ónus ou encargos e que a mesma é ineficaz em relação às penhoras que oneram os imóveis transmitidos.
Olhando, agora, para as alíneas anteriores somos a concluir que apesar das suas diferenças, os encargos do comprador previstos nas alíneas a) a g) do n.º 5 do artigo 12.º do Código do IMT tem uma característica em comum: todos se traduzem em prestações que ingressam ou são suscetíveis de ingressar no património do vendedor, como contraprestação de valor correspondente ao valor patrimonial do imóvel por ele transmitido.
Como referimos supra, a al. h) deste n.º 5, também deve abranger prestações que ingressam ou são suscetíveis de ingressar no património do vendedor, sem essa vertente, não conseguimos compreender ao abrigo dos princípios de tributação do IRS, como pode a AT incluir tais encargos na base tributável do IRS.
Da escritura pública de compra e venda aqui em análise não resulta qualquer cessão de dívidas, liberatória dos aqui Impugnantes, na qualidade de antigos devedores.
Aliás, a assunção de dívida, liberatória do antigo devedor só tem lugar havendo expressa declaração do credor nesse sentido, nos termos do art. 595.º do C. Civil.
Contudo, antes de mais, necessário se torna o acordo entre os Impugnantes, na qualidade de vendedores e devedores com o comprador, quanto à assunção de dívida, o que in casu não ocorreu.
Assim sendo, não consegue o Tribunal compreender a aplicabilidade das regras de tributação do IRS, em sede de mais-valias, no que, no presente caso, aos encargos dos imóveis se refere, como o fez a AT.
Cai por terra, a tese da AT que, no caso em apreço, não estamos perante um qualquer rendimento ficcionado, mas sim perante uma vantagem patrimonial efetiva, diretamente subsumível na previsão da alínea a) do n.º 1 e do n.º 4 do art. 10.º do CIRS.
Pelo exposto, deve proceder a argumentação dos Impugnantes da violação dos princípios da capacidade contributiva e da tributação do rendimento efetivo, existindo motivo conducente à anulação da liquidação aqui posta em crise que, considerou que tal ganho se encontra sujeito a tributação em sede de mais-valias, impondo que se julgue procedente a presente ação, como infra decidir-se-á.
[…]”
Assim, o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a desconformidade interpretativa com a CRP da norma acima referida, na redação vigente à data dos factos aqui em causa. Deste modo, no acórdão n.º 211/2017, aquela suprema instância, datado de 02.05.2017, relatou-se que:
“[…]
O princípio da capacidade contributiva, enquanto «princípio geral da imposição segundo a capacidade contributiva de cada um» (Acórdão n.º 211/2003), exige que o legislador fiscal configure as obrigações dos contribuintes a partir de factos tributários que fundem a capacidade de suportar o encargo correspondente. Afirmou o Acórdão n.º 348/97 que «a tributação conforme com o princípio da capacidade contributiva implicará a existência e a manutenção de uma efetiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto».
O primeiro fundamento deste princípio é encontrado no princípio da igualdade (artigo 13.º, CRP), de modo a que a distribuição dos encargos tributários seja feita de acordo com a capacidade de cada um, isto é, exigindo-se um critério idêntico para todos os cidadãos na repartição de impostos e sendo esse critério o da capacidade contributiva (assim, no citado Acórdão n.º 348/97 e, mais recentemente, nos Acórdãos n.ºs 695/2014 e 590/2015). A capacidade contributiva é, assim, a medida da diferença.
E, a partir da sua articulação com os demais princípios materiais da Constituição fiscal – em particular o artigo 103.º da CRP – podemos retirar do princípio da capacidade contributiva, ao pressupor uma repartição justa dos encargos de acordo com a capacidade de cada um, a resposta à demanda constitucional de «uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza» (artigo 103.º, n.º 1), a que não deixa de se referir o Acórdão n.º 211/2003 – e, bem assim, vê-lo concretizado no princípio de a tributação dever incidir sobre o «rendimento real» dos contribuintes (artigo 104.º, n.º 2), caso se admitisse que a disposição constitucional em causa tem um leque de destinatários mais vasto que o da sua letra e tomando-se por seguro, como faz JOSÉ CASALTA NABAIS, que este preceito constitucional «mais não é do que uma concretização, uma explicitação dos princípios da capacidade contributiva e da igualdade fiscal» (Direito Fiscal, cit., p. 171).
O princípio da capacidade contributiva constitui, pois, como escreve SÉRGIO VASQUES, «o pressuposto, o limite e o critério da tributação» (cfr. Manual de Direito Fiscal, reimpressão, Edições Almedina, S.A., Coimbra, 2015, p. 296).
Ora, estas exigências constitucionais não podem deixar de ser observadas nas normas de incidência tributária, configurando-se como princípios-garantia dos contribuintes. É que, na definição da incidência do imposto, a determinação da matéria coletável constitui um elemento essencial da relação jurídico-fiscal, quantificando a obrigação tributária e, assim, a medida do imposto devido. Deste modo, o legislador não pode fixar a medida do imposto sem atender à capacidade revelada pelo seu devedor.
Aqui se revelam as virtualidades do princípio da capacidade contributiva: «constituindo a ratio ou a causa da tributação, este princípio afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que (…) erija em objecto e matéria colectável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respectivo imposto. Daqui decorre (…) a ilegitimidade constitucional das presunções absolutas de tributação» (JOSÉ CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, cit., pp. 154-155).
É certo que, na determinação da matéria coletável, socorre-se muitas vezes o legislador de técnicas presuntivas, justificadas por razões de praticabilidade e simplificação do sistema fiscal. Sirva o expediente constante do artigo 44.º, n.º 2 do CIRS objetivos de praticabilidade, simplificação e eficiência na arrecadação de receitas fiscais (ao fazer prevalecer, sem mais, o VPT sobre o valor do preço declarado), sirva também objetivos de combate à fraude e evasão fiscal, desconsiderando o valor declarado pelos outorgantes da escritura e presumindo que é outro – superior – o valor da transmissão onerosa do imóvel, não se pode perder de vista que a consagração de uma presunção absoluta na determinação dos rendimentos sujeitos a tributação torna a ’verdade’ tão só presumida numa ‘verdade’ definitiva, mesmo que esta não encontre correspondência com a veracidade do rendimento real. E, vedando a prova do contrário, prescinde em definitivo da consideração do rendimento real auferido pelo contribuinte, desvirtuando-se, assim, a ratio e o critério da tributação: a capacidade contributiva.
Considerou o Acórdão n.º 452/2003:
«(…) certos métodos de tributação, pela sua mesma estrutura, podem, afinal, acabar por conduzir à imposição de situações ou realidades em que falece, de todo, a capacidade contributiva, ou (e com maior probabilidade) em que a medida do imposto exigido não tem efectiva correspondência com essa capacidade, indo além (e, porventura, bastante além) dela; é o que ainda Casalta Nabais (O dever fundamental..., págs. 497/498 e 501/502) considera, quando se refere a “soluções tradicionais do direito dos impostos” com suporte no “interesse fiscal”, em particular as “presunções”, considerando esta técnica legislativa “movida por legítimas preocupações de simplificação de praticabilidade das leis fiscais”, mas que “tem de compatibilizar-se com o princípio da capacidade contributiva, o que passa, quer pela ilegitimidade das presunções absolutas, na medida em que obstam à prova da inexistência da capacidade contributiva visada na respectiva lei, quer pela idoneidade das presunções relativas para traduzirem o correspondente pressuposto económico do imposto”».
No caso vertente, a fixação da matéria coletável através do recurso a métodos presuntivos, sem possibilidade de ilisão, pelo contribuinte, da presunção estabelecida na lei, terá como consequência possível (e plausível) a tributação de ganhos (mais-valias) não efetivamente auferidos pelo contribuinte.
Ora, tal resultado, a final, afronta o próprio desiderato da tributação das mais-valias, se, para mais, a tributação destes rendimentos corresponder ainda à observância do princípio da capacidade contributiva. Segundo SÉRGIO VASQUES, é o próprio princípio da capacidade contributiva que «exige a oneração do rendimento global, qualquer que seja a sua origem, natureza ou destino e daqui resulta necessariamente a exclusão da velha teoria do rendimento-fonte (Quellentheorie, source-income theory), pela qual se integravam no rendimento tributável apenas os fluxos periódicos e regulares de riqueza percebidos pelo contribuinte, uma teoria que serviu de apoio aos impostos cedulares que no passado se abatiam exclusivamente sobre os rendimentos do trabalho, lucros do comércio e da indústria, rendas ou juros. Em vez disso, o princípio exige que se alargue o rendimento tributável a todo o acréscimo patrimonial verificado na esfera do contribuinte em dado período de tempo, tal como ensina a teoria do rendimento-acréscimo (Reinvermögenszugangstheorie, accretion theory), tributando-se também ganhos fortuitos, como as mais-valias, rendimentos do jogo ou doações» (Cfr. Manual de Direito Fiscal, cit., p. 297).
Ora, se o ganho fortuito não existir ou, existindo, ficar muito aquém do estimado, a tributação não será devida. Pelo menos, à luz do princípio da capacidade contributiva ínsito na Constituição portuguesa.
Com efeito, as mais-valias decorrentes da transmissão onerosa de direitos reais sobre imóveis correspondem ao ganho obtido com essa transmissão em face do valor da aquisição anterior do mesmo bem. Ao determinar o rendimento tributável por referência a um ganho presuntivo, sem que ao contribuinte seja dada a possibilidade de demonstrar a inexistência da capacidade contributiva que se pretende tributar, incorre a norma constante do artigo 44.º, n.º 2, do CIRS - na interpretação desaplicada nos autos - em inconstitucionalidade, por ofensa do princípio da capacidade contributiva acima enunciado.
24. Pelo que fica exposto, conclui-se pela inconstitucionalidade da norma contida no artigo 44.º, n.º 2, do CIRS, na interpretação segundo a qual, para efeitos da determinação dos ganhos sujeitos a IRS relativos a mais-valias decorrentes da alienação onerosa de bens imóveis, ali se estabelece uma «presunção inilidível».
[…]”.
Mais recentemente, a sobredita orientação, veio a ser perfilhada, por exemplo, no acórdão do TC proferido no recurso n.º 488/2021, de 07.07.2021.
Na situação presente, os serviços da AT consideraram, sem mais, que o valor de realização era o que resultava do disposto no n.º 2 do art.º 44.º do CIRS (que remetia para o CIMT), sendo que em sede de reclamação graciosa os Recorridos questionaram os factos e a forma a como aqueles chegaram ao dito valor. Ora, assim o que a AT fez foi ficcionar de forma inabalável que o valor de realização correspondia ao valor da venda acrescido do valor das penhoras existentes e «transferidas» por via da venda dos imóveis aqui em questão, sem que sequer fosse concretamente admitido e/ou permitido aos contribuintes, o recurso a qualquer outro mecanismo para prova que o valor de venda efetivo e acordado teve, ou não, por base tais ónus, ou em que medida estes determinaram o respetivo preço. Com efeito, de acordo com um juízo de normalidade, seria até expectável que o preço acordado e pago pudesse ter sido valorado atendendo ao valor das penhoras pré-existentes. Contudo, a AT não demonstrou, nem permitiu que se demonstrasse, concretamente, qual a efetiva vantagem patrimonial tida pelos contribuintes, eventualmente subsumível ao conceito de rendimento acréscimo. Logo, assim sendo, ficaram os contribuintes aqui impossibilitados de demonstrar qual foi o seu efetivo ganho (ou perda) com a respetiva venda. Ora, esta pode ter sido influenciada, por exemplo, pela manutenção, ou não, da sua responsabilidade pelas dívidas das penhoras em causa, sendo incerto se estas foram ou não assumidas pelo comprador. Assim, aquela apriorística limitação, decorrente de uma interpretação oclusiva do n.º 2 do art.º 44.º do CIRS afrontou o princípio da capacidade contributiva ínsito nos artigos 103.º, n.º 1 e 13.º da Constituição da República Portuguesa.
Por isso, na presente situação, atendendo à jurisprudência supra citada do Tribunal Constitucional, que aqui aplicamos com as devidas e necessárias adaptações, entendemos que a interpretação dada ao n.º 2 do art.º 44.º do CIRS prosseguida pela AT no caso presente, na redação então vigente, afrontava a Constituição da República Portuguesa por violação dos princípios constitucionais acima enunciados, com a consequente invalidade da liquidação de IRS recorrida e subsequente invalidade da liquidação de juros compensatórios, conforme decidido na sentença recorrida.
Assim sendo, terá que improceder o presente recurso.
*
Assim, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC, apresenta-se o seguinte sumário:
I- Enferma de inconstitucionalidade interpretativa a norma contida no artigo 44.º, n.º 2, do CIRS, quando, para efeitos da determinação dos ganhos sujeitos a IRS relativos a mais-valias decorrentes da alienação onerosa de bens imóveis, ali se estabelece uma «presunção inilidível».
II – Não tendo a AT demonstrado, nem tendo permitido que se demonstrasse, concretamente, qual a efetiva vantagem patrimonial tida pelos contribuintes, eventualmente subsumível ao conceito de rendimento acréscimo, ficaram estes impossibilitados de demonstrar qual foi o seu efetivo ganho (ou perda) com a respetiva venda.

-/-

V – Dispositivo
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao presente recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente (por vencida).


Porto, 11 de abril de 2024

Carlos A. M. de Castro Fernandes
Cristina da Nova
Irene Gomes das Neves