Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:002329/15.4BEPRT--S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/05/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:RICARDO DE OLIVEIRA E SOUSA
Descritores:DIREITO À PROVA;
PROVA PERICIAL;
Sumário:
I. O direito à prova” postula a ideia as partes têm o direito (i), por via de ação e da defesa, de utilizarem a prova em seu benefício e como sustentação dos interesses e das pretensões que apresentarem em tribunal, de (ii) contradizer as provas apresentadas pela parte contrária ou suscitadas oficiosamente pelo tribunal, bem como o (iii) direito à contraprova.

II. Detetando-se que a alegação da Ré em torno da eventual falsidade dos documentos apresentados pela Autora poderia importar importantes ilações ao nível do desfecho da causa, impunha-se a possibilidade de produção de prova neste desígnio, sob pena de se coartar o “direito à prova”.

III. Não obstante a prova pericial se destine, como qualquer outra prova, a demonstrar a realidade dos factos alegados pelas partes, aquilo que a singulariza é o seu objeto: a perceção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador não domina, nos termos do artigo 467.º do Código Civil.

IV. Evidenciando-se que a necessidade de se recorrer ao conhecimento técnico e especializado para o seu esclarecimento da alegada falsidade dos documentos apresentados pela Autora como suporte da sua ação, deve viabilizar-se o recurso à prova pericial.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos:

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I – RELATÓRIO

1. A UNIÃO DE FREGUESIAS ..., Ré nos presentes autos de AÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM em que é Autora a [SCom01...], LDA., vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho promanado pelo T.A.F. do Porto, datado de 15.11.2023, que indeferiu a prova pericial requerida pela Ré.

2. Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)

A. Vem o presente recurso da circunstância da aqui Recorrente não se conformar com o douto despacho proferido nos autos a 15.11.2023 que não admitiu a realização da prova pericial requerida pela Ré.

B. Na sua contestação a Ré invocou a nulidade do contrato de empreitada em discussão nos autos por violação da lei dos compromissos (Lei n.° 8/2012, de 21 de fevereiro e DL n.° 127/2012, de 21 de junho) e impugnou os documentos juntos pela Autora com a petição inicial, designadamente, o Doc. ..., o Doc. ... e o Doc. ... por falsidade, por manipulação dos mesmos e por não ter sido emitido qualquer número de compromisso válido e sequencial por referência ao aludido contrato.

C. Note-se que a ação foi intentada contra a UNIÃO DE FREGUESIAS ... e ainda contra os membros do anterior executivo daquela Entidade, os quais tiveram participação direta na contratação em discussão nos autos, embora, à data da entrada da ação já estivesse outro executivo em funções.

D. Pretende a Ré demonstrar a invalidade da contratação levada a efeito pelo anterior executivo da 1.a Ré junto da Autora, sustentada no facto de, após a tomada de posse do novo executivo, ter verificado a existência de um registo de documentos paralelo ao registo oficial, destinado a conferir a certos e determinados documentos oficiais a aparência de terem sido elaborados em data anterior àquela que efetivamente foram criados, tal como ocorreu relativamente aos documentos n.°s ..., ... e ... impugnados pela Ré, precisamente por tal razão.

E. Estes documentos elaborados de acordo com sistema fraudulento de registo alternativo foi usado para conferir a aparência de cumprimento das regras da contratação pública, isto porque, todos eles foram criados posteriormente à “contratação” da Autora, apenas com o intuito de conferirem a ilusão de que tinham sido cumpridos os procedimentos pré-contratuais da contratação pública, porquanto, apenas com a criação de tais documentos, iludindo à verificação da legalidade, se poderia garantir a responsabilidade do pagamento à Autora.

F. Na sequência da pesquisa ao disco rígido de um dos computadores da 1ª Ré foi possível detetar que o documento n.° ... e o documento ... juntos com a petição inicial (sob os quais foi requerida a perícia) foram, ambos criados na data de 13.09.2013, pese embora, no documento n.° ... conste a data aposta “29/05/2013” (OF-219/A/2013) e no documento n.° ... conste aposta a data de “14/06/2013” (OF-254/A/2013).

G. Por tal razão, a Ré impugnou tais documentos, em ordem a abalar a força probatória dos mesmos, tendo em consideração que estes foram elaborados/manipulados, com vista a conferirem a aparência de terem sido cumpridas as regras da contratação pública e a possibilitarem um pagamento à Autora em montante inflacionado, na medida em que, se revela desproporcional face à obra executada.

H. Entende a Recorrente que é manifestamente importante que nos presentes autos se prove a falsidade dos documentos;

I. Pois, resultando provada tal falsidade e a consequente nulidade da “contratação” por violação da lei, tal como alegado pela Ré, o Dign.° Tribunal estará em condições de extrair as devidas consequências legais previstas na lei dos compromissos e pagamentos em atraso das entidades públicas (Lei n.° 8/2012, de 21 de Fevereiro e DL n.° 127/2012, de 21 de Junho.

J. Para tanto, entende a Ré que apenas por meio da realização da prova pericial ao sistema informático da Ré, mormente ao computador identificado por “HP”, com o endereço físico 4C-72-B9-73-1760, com o endereço de IP 192168.1.179 - servidor 1921681.1, conforme melhor indicado nos autos, pode a Ré provar a falsidade dos referidos documentos e demonstrar a razão e veracidade dos factos por si alegados.

K. Na verdade, mostra-se pertinente que exista um relatório pericial advindo da perícia informática feita ao referido computador que demonstre a autenticidade ou a manipulação dos documentos que foram impugnados pela Ré, identificando-se a existência de possíveis alterações feitas nos mesmos efetuadas com vista conferir a certos e determinados documentos oficiais a aparência de terem sido criados em data anterior àquela em que efetivamente foram elaborados.

L. É necessária a realização da prova pericial nos presentes autos, de modo a alcançar a verdade dos factos, a declarar a existência da nulidade do contrato nos termos invocados pela Ré, com base na falsidade dos documentos e, assim, permitir a boa aplicação do direito.

M. Aliás, a importância e imprescindibilidade da prova pericial encontra respaldo no próprio objeto do litígio fixado nos termos no art.° 89.°-A do C.P.T.A., designadamente no enunciado nas alíneas (i) a (iv), do douto despacho saneador proferido nos autos.

N. Acresce que, a prova pericial revela-se ainda absolutamente necessária e indispensável, desde logo, para que à Ré seja possível demonstrar a veracidade dos factos elencados nos três primeiros temas da prova que se encontram fixados nos autos (cfr. despacho saneador proferido nos autos a 21.09.2021), sob pena, de ser prejudicado o seu direito probatório, ficando a mesma impedida de demonstrar a falsidade documental e a nulidade do contrato que alegou nos autos.

O. Atentando nos temas de prova supra referidos, a diligência de perícia requerida não se revela impertinente, inadequada nem dilatória, pois, as respostas aos temas de prova indicados só podem ter uma resposta de um técnico informático sujeito às regras próprias estabelecidas para a perícia, ou seja, a perícia elaborada por técnico informático com isenção e conhecimento profissional permitirá responder às questões enunciadas, principalmente, nos pontos 2 e 3 dos temas de prova fixados nos autos.

P. Mais, dúvidas não restam que a prova rainha tendente à apreciação da veracidade/falsidade dos documentos se reconduz à prova pericial, pois, quanto à eficácia probatória material dos documentos, a prova testemunhal mostra-se inadmissível, sendo imprescindível que sobre a mesma recaia a prova pericial.

Q. A perícia no caso sub judice destina-se à prova de factos cuja perceção e apreciação exige conhecimentos informáticos, em termos técnico-científicos, e “in casu” apenas se mostra possível mediante averiguação específica ao computador da Ré, para confirmar a verdade dos factos alegados pela Ré, carecidos de prova.

R. «O princípio do inquisitório impõe que o juiz realize ou ordene todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade material. II. Sendo controvertidos factos, cujo apuramento se revela pertinente (...), a não realização de diligências de prova requeridas configura-se como atentatória do princípio do inquisitório.» - Acórdão n° 535/09.0BESNT do Tribunal Central Administrativo Sul, 04 de junho de 2020.

S. O direito à prova é uma concretização do direito fundamental de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva (Artigo 20.° CRP) que faculta às partes disponibilidade de oferecerem ou requererem em seu benefício os meios de prova que considerarem necessários para provar os factos que alegam ou para contraprova dos factos aduzidos pela contraparte que ponham em crise tais direitos.

T. A perícia nos termos requeridos pela Ré permitirá, pois, aferir da falsidade ou não dos documentos por si impugnados e, nessa medida, afigura-se pertinente, necessária e indispensável à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, tanto mais que, com tal prova o Tribunal estará em condições de aferir da existência da nulidade do contrato invocada pela Ré, pelo que, deve tal prova pericial ser admitida, sem prejudicar o ónus da prova que impende sobre a Ré.

U. Ao indeferir a perícia requerida o Tribunal “a quo” omite uma diligência essencial para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa, violando, deste modo, o disposto no art.° 411.° do C.P.C. e, ainda, o princípio da justiça material.

V. O douto despacho ora recorrido violou o princípio do inquisitório ou da necessidade da prova, do contraditório, bem como, o princípio da justiça material legalmente consagrados nos artigos 341.°, 342.°, 346.° todos do C.C. e no art.° 411.° do C.P.C. e infringiu, ainda, o disposto nos arts.° 6.°, 90.°, n.°s 1, 2 e 3 ambos do C.P.T.A. e os arts.° 413.° e 415 do C.P.C.(…)”.


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3. Notificada que foi para o efeito, a Recorrida apresentou contra-alegações, que rematou da seguinte forma: ”(…)

1ª - O presente recurso vem interposto do douto despacho que indeferiu a prova pericial requerida pela R.

As conclusões das alegações delimitam o objecto e âmbito do recurso.

2ª - A R. pretendia a realização de uma perícia informática ao disco rígido de um computador que lhe pertence e que está na sua posse,

3ª - E alega que, com essa perícia, pretendia provar que os documentos por si emitidos através desse computador são falsos.

4ª - Mais invoca a R. que, com essa perícia e prova, pretende vir a exigir responsabilidade civil aos titulares do seu órgão executivo de então sobre a utilização desse computador para elaborar documentos alegadamente falsos.

5ª - A única ré nos presentes autos é a UNIÃO DE FREGUESIAS ... que é uma pessoa colectiva territorial dotada de órgãos representativos (art. 235°, n.° 1 da CRP). A pessoa é a mesma independentemente dos titulares dos respectivos órgãos em cada momento.

6ª - O contrato objecto dos presentes autos foi celebrado entre A. e R.; as questões respeitantes à actuação dos titulares dos seus órgãos no exercício das respectivas funções é outra questão estranha ao objecto dos presentes autos.

7ª - A R. esclareceu que o objecto da perícia seriam concretamente os documentos juntos com a petição inicial sob os n.°s 1, 4 e 5.

8ª - O douto despacho recorrido refere que os documentos sob os n.°s 1 e 4 são documentos que contêm a assinatura do Presidente da Junta de Freguesia e o n.° 5 vem da parte da A. e não da R..

9ª - A perícia requerida não diz respeito nem à causa de pedir nem ao pedido da acção, não tendo a R. deduzido pedido reconvencional.

10ª - É ao juiz que cabe aferir da pertinência da prova requerida pelas partes, não estando obrigado a aceitar, de forma acrítica, todos os meios de prova requeridos.

11ª - Essa pertinência tem como critério a apreciação da sua relevância para a justa composição do litígio tal como ele se encontra delimitado pelas partes. Se assim não fosse confrontar-nos-íamos com expedientes dilatórios incontroláveis.

12ª - Contrariamente ao que invoca a R., a perícia requerida não tem qualquer relevância probatória para a alegada violação da lei dos compromissos.

13ª - De qualquer modo a A. não pode deixar de referir que a R. nunca negou que a obra em causa tivesse sido construída pela A. e que aquela beneficiou da mesma, tanto assim que vendeu a terceiros o direito de utilização perpétua das denominadas sepulturas construídas, utilizando esse dinheiro recebido para outros pagamentos que não à A..

14ª - Com o devido respeito, as conclusões do presente recurso devem improceder mantendo-se o douto despacho recorrido.


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4. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

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5. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito vertido no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.

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6. Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR

7. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

8. Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a saber se o despacho recorrido incorreu em erro de julgamento de direito, por violação do “(…) princípio do inquisitório ou da necessidade da prova, do contraditório, bem como, o princípio da justiça material legalmente consagrados nos artigos 341.°, 342.°, 346.° todos do C.C. e no art.° 411.° do C.P.C. e infringiu, ainda, o disposto nos arts.° 6.°, 90.°, n.°s 1, 2 e 3 ambos do C.P.T.A. e os arts.° 413.° e 415 do C.P.C.(…)”.

9. É na resolução de tal questão que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.


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III – FUNDAMENTAÇÃO

III.1 – DE FACTO

10. As incidências fáctico-processuais a levar em linha de conta são as constantes do Relatório supra e ainda as seguintes que resultam da consulta do SITAF:

A. Em 07.09.2015, a sociedade comercial [SCom01...], Lda. intentou a presente ação no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [cfr. fls. 2 e seguintes dos autos -suporte digital -, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].

B. Nela demandou a UNIÃO DE FREGUESIAS ... [idem].

C. E formulou o seguinte petitório: “(…) Termos em que:

Deve a acção ser julgada procedente por provada e, em consequência, condenar-se a Ré a pagar à Autora a importância de 128.104,21 €, juros vincendos à taxa legal sobre o valor da fatura e, ainda, custas, procuradoria e demais encargos legais.

E, caso a Ré invoque a violação da Lei dos Compromissos, (Art.9° da Lei 8/2012),

Deverá a acção ser julgada procedente, por provada, condenando-se os 2.os RR.,pessoal e solidariamente, a pagar à Autora a importância de 128.104,21 €, juros vincendos sobre o valor da fatura, até integral pagamento e, ainda, custas, procuradoria e encargos legais. (…)” [idem].

D. A Ré contestou pela forma inserta a fls. 22 e seguintes dos autos [suporte digital], tendo a final requerido, de entre meios de prova, a produção de prova pericial nos seguintes termos: “(…) C- Prova Pericial: - Requer Perícia Informática a realizar pela Polícia Judiciária, (consultado o Ex.mo Senhor Magistrado do Ministério Público, titular do processo-crime mencionado nos presentes autos, de forma a não interferir com a investigação criminal a realizar aos computadores da UNIÃO DE FREGUESIAS ..., com referência aos documentos impugnados na Contestação que esclareça, se possível, as datas de criação e modificação dos documentos impugnados, colocando a R, desde já, ao dispor da Perita todos os equipamentos que a mesma necessitar para o efeito (…)”.

E. Em 21.09.2021 foi promanado o despacho saneador, tendo ainda sido identificado o objecto do litígio e enunciados os Temas da Prova nos seguintes termos “(…)

Nos termos do disposto no artigo 89º-A do CPTA, decido fixar o seguinte objecto do litígio:

(i) Apreciar da procedência, ou não, da invocada nulidade do contrato, por violação do disposto no artigo 9º da Lei n.º 8/2012;

(ii) Apreciar da aplicabilidade, ou não, à situação em apreço do disposto no artigo 5º n.4 da Lei n.º 8/2012;

(iii) Aferir do cumprimento, ou não, do procedimento pré-contratual devido em matéria de contratação pública;

(iv) Apurar se a A. tem direito ao pagamento da quantia 128.104,21€, titulada pela factura n.º ...13, com data de emissão em 11.12.2013, acrescida de juros vincendos até efectivo e integral pagamento da mesma;

(v) Da invocada litigância de má-fé da A.;

E, os seguintes temas da prova:

1. A existência, ou não, de procedimento concursal público atinente à adjudicação à A. da “empreitada de construção de jazigos e sepulturas, em duas secções, na ampliação do cemitério novo – 3ª fase”, na Freguesia ...;

2. A falsidade, ou não, dos documentos relativos a procedimento concursal público para a adjudicação à A. da empreitada supra mencionada;

3. A existência, ou não, de número sequencial de compromisso relativamente ao contrato em causa;

4. A realização, ou não, pela A. dos trabalhos atinentes à identificada empreitada e respetivo valor;

5. A recepção de tal obra pela R.;

6. O lançamento da factura n.º ...13, na contabilidade da R. (…)” [cfr. fls. 2 e seguintes dos autos -suporte digital -, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].

F. A pretensão caracterizada na sobredita alínea D) logrou obter, em 15.11.2023, despacho de indeferimento nos seguintes termos: “(…)

Veio a Ré requerer prova pericial em sede de contestação.

O Tribunal proferiu despachos com vista aferir da pertinência da prova pericial requerida.

Concretamente, em 22-02-2023, proferiu despacho com o seguinte teor, que se transcreve:

“Não tendo sido possível obter a composição amigável deste litigio, urge dar normal seguimento à presente ação administrativa comum.

Ora, tal como referido no despacho proferido em 26-09-2022 (fls. 468 do Sitaf), estes autos encontram-se na fase de apreciação da pertinência da prova pericial requerida pela Ré.

Com efeito, como aí mencionado, em sede de contestação, a Ré impugna, por falsidade, os documentos n° ..., ..., ... e ... juntos com a petição inicial.

Tendo a Ré alegado nesse articulado que:

28. Tendo, no caso em apreço, os documentos em questão, sido criados posteriormente à "contratação'' da A para conferir a ilusão de terem sido cumpridos os procedimentos pré-contratuais da contratação pública destinados a assegurar a transparência e concorrência pretendidas pela Lei.

Sustentando a Ré que, no caso:

30. Os procedimentos pré-contratuais da contratação pública não foram cumpridos aquando da "adjudicação'’ da empreitada de obras públicas que invoca a A.

Foi proferido despacho saneador, com a definição do objeto de litigio e enunciação dos Temas da Prova; como ainda foi proferido despacho que incidiu sobre os requerimentos probatórios apresentados pelas partes.

Instada a Ré a identificar as questões de facto que pretende ver esclarecidas através da prova pericial, a mesma veio indicar o seguinte:

Questões de facto que pretende ver esclarecidas: a Ré requer seja efectuada perícia informática aos discos rígidos dos seus computadores, pela Polícia Judiciária, por forma a que sejam esclarecidas as seguintes questões, por referência aos documentos que foram juntos pela Autora na sua Petição Inicial (Doc. ... a Doc. ...) e impugnados pela Ré na sua contestação;

- Qual a data em que estes documentos foram criados informaticamente por forma a aferir se a data da sua criação (informática) é igual à data que se encontra aposta nos mesmos.

- Aferir em que datas foram estes documentos objecto de modificação, tendo por referência os documentos originais juntos pela Ré em 21 de Dezembro de 2015 (indicar as datas em que ambos os documentos foram criados informaticamente)

Ora, tendo presente que, com a prova pericial, a Ré pretende demonstrar nesta ação administrativa comum, no essencial, que os documentos juntos com a petição inicial, foram criados posteriormente à contratação da Autora para “conferir a ilusão de que foram cumpridos os procedimentos pré-contratuais”, com as consequências legais que depois a Ré defende na sua contestação que se devem extrair desse circunstancialismo, por se afigurar oportuno para aferir da pertinência da realização da perícia e o seu objeto,

notifique a Ré para, no prazo de 10 dias:

(i) clarificar a razão pela qual requer que a perícia seja realizada pela Polícia Judiciária, requerendo o que tiver por conveniente sobre essa matéria, atenta a natureza do seu ónus da prova e a tipologia desta ação (não perdendo de vista que a Autora desistiu do pedido quanto aos 2.° a 5.° Réus, bem como que foi proferido despacho de arquivamento nos autos de processo com o n.° 3830/14...., com concreta relevância para esta parte da ação, ao qual a Autora é alheia, como discutido em sede de audiência de tentativa de conciliação);

(ii) clarificando, ainda, se, face ao tempo decorrido e às vicissitudes entretanto ocorridas, é, de facto, objetivamente possível a realização dessa perícia aos tais “discos rígidos dos seus computadores”, tendo presente a sua disponibilidade e por quem foram produzidos;

(iii) concretizando e delimitando, em todo o caso, o que seria efetivamente objeto da referida perícia (se a todos os computadores; quais; período a que se refere, etc.) e quais os concretos documentos que serão objeto da perícia (na contestação refere-se aos documentos n.° ..., ..., ... e ... juntos com a petição inicial e no requerimento de identificação das questões de facto já se refere aos documentos n.°s ... a ...)”.

Em resposta, a Ré declarou o seguinte:

“Alínea i) - A Ré requereu que a perícia informática fosse realizada pela Polícia Judiciária, (concretamente pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária Portuguesa), porquanto é a entidade que a Ré sabe que tem peritos formados em documentoscopia forense aptos a desvendar falsificações em qualquer tipo de documentos e/ou a determinar a identidade do falsificador.

Não obstante, a Ré nada tem a opor a que esta perícia seja feita por outro profissional (perito informático), devidamente habilitado a designar pelo Tribunal.

O que se mostra pertinente, salvo melhor entendimento, é que exista um relatório pericial advindo da perícia feita ao computador, que demonstre a autenticidade ou a manipulação dos documentos que se encontram impugnados pela Ré, identificando-se a existência de possíveis alterações feitas nos mesmos, efectuadas com vista a conferir a determinados documentos oficiais, a aparência de terem sido criados em data anterior aquela em que efetivamente foram criados.

Não obstante, não estar no presente processo, sob escrutínio a prática de algum ilícito criminal, ainda assim, é pertinente aferir se existia aquela data, um sistema de registos alternativo criado e usado pelo anterior executivo com vista a conferir a aparência de terem sido cumpridas as regras da contratação pública, já que, a Ré terá sempre a possibilidade de intentar contra os responsáveis, acção de responsabilidade civil” - sublinhado nosso.

Mais clarifica a Ré que “o único computador que seria sujeito a perícia seria aquele onde os documentos foram criados”.

E ainda que “Quanto aos documentos que deverão ser sujeitos a perícia são os indicados na P.I. sob os números: Doc. ...; Doc. ... e Doc. ....

No que se refere ao Doc. ... e ao Doc. ..., juntos com a P.I., a Ré apenas impugna o sentido e alcance que a Autora pretende retirar dos mesmos, uma vez que o conteúdo daqueles documentos se reporta a datas que na perspetiva da Ré foram forjadas”.

Ora, os documentos que a Ré diz neste requerimento que pretende sujeitar a perícia são, então, os documentos n.°s ..., ... e .... O documento n.° ... e o documento n.° ... são (alegadamente) assinados pelo Presidente da Junta de Freguesia e o documento n.° ... é documento da Autora que se mostra dirigido ao Presidente da Junta de Freguesia, que depois, alegadamente, foi também assinado por membros da Assembleia de Freguesia. Portanto, este último documento n.° ... vem da parte da Autora e não da Ré.

Ora, a relação material controvertida subjacente à presente ação administrativa subsiste apenas entre a Autora e a Ré. E como a Ré clarifica, a atuação que a Ré pretende ver escrutinada com a perícia não é da parte da Autora, mas é da parte da própria Ré e dos seus membros, com vista, designadamente, a “intentar contra os responsáveis, acção de responsabilidade civil”.

E, embora se alcance a pretensão da Ré, entendemos que a presente ação administrativa comum e concretamente a prova pericial nos termos em que vem requerida pela Ré não poderá servir para atingir esse desiderato quando, como referido, a relação material controvertida subsiste apenas entre a Autora e a Ré e a prova pericial requerida iria incidir sobre um único computador - da Ré - com vista a demonstrar a “manipulação” de documentos pelos membros da Ré, que, no entender da Ré, com isso pretenderam “conferir a aparência de terem sido cumpridas as regras da contratação pública”.

Como é sabido a prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem (art.° 388.° do CC). Mas a pertinência e necessidade de realização desta diligência afere-se pelos factos que concretamente se pretendem provar e que efetivamente são necessários ao deslinde desta controvérsia e à boa decisão desta concreta causa (e não de outra, eventual) atentas as soluções plausíveis de direito para o seu desfecho.

Nesta conformidade, indefiro a prova pericial requerida pela Ré (…)” [cfr. fls. 143 e seguintes dos autos -suporte digital -, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].


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IV- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO

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11. A Ré requereu a produção de prova pericial nos seguintes termos: “C- Prova Pericial: - Requer Perícia Informática a realizar pela Polícia Judiciária, (consultado o Ex.mo Senhor Magistrado do Ministério Público, titular do processo-crime mencionado nos presentes autos, de forma a não interferir com a investigação criminal a realizar aos computadores da UNIÃO DE FREGUESIAS ..., com referência aos documentos impugnados na Contestação que esclareça, se possível, as datas de criação e modificação dos documentos impugnados, colocando a R, desde já, ao dispor da Perita todos os equipamentos que a mesma necessitar para o efeito (…)”.

12. Em 15.11.2023, o T.A.F. do Porto promanou despacho do seguinte teor: “(…)

Veio a Ré requerer prova pericial em sede de contestação.

O Tribunal proferiu despachos com vista aferir da pertinência da prova pericial requerida.

Concretamente, em 22-02-2023, proferiu despacho com o seguinte teor, que se transcreve:

“Não tendo sido possível obter a composição amigável deste litigio, urge dar normal seguimento à presente ação administrativa comum.

Ora, tal como referido no despacho proferido em 26-09-2022 (fls. 468 do Sitaf), estes autos encontram-se na fase de apreciação da pertinência da prova pericial requerida pela Ré.

Com efeito, como aí mencionado, em sede de contestação, a Ré impugna, por falsidade, os documentos n° ..., ..., ... e ... juntos com a petição inicial.

Tendo a Ré alegado nesse articulado que:

28. Tendo, no caso em apreço, os documentos em questão, sido criados posteriormente à "contratação'' da A para conferir a ilusão de terem sido cumpridos os procedimentos pré-contratuais da contratação pública destinados a assegurar a transparência e concorrência pretendidas pela Lei.

Sustentando a Ré que, no caso:

30. Os procedimentos pré-contratuais da contratação pública não foram cumpridos aquando da "adjudicação'’ da empreitada de obras públicas que invoca a A.

Foi proferido despacho saneador, com a definição do objeto de litigio e enunciação dos Temas da Prova; como ainda foi proferido despacho que incidiu sobre os requerimentos probatórios apresentados pelas partes.

Instada a Ré a identificar as questões de facto que pretende ver esclarecidas através da prova pericial, a mesma veio indicar o seguinte:

Questões de facto que pretende ver esclarecidas: a Ré requer seja efectuada perícia informática aos discos rígidos dos seus computadores, pela Polícia Judiciária, por forma a que sejam esclarecidas as seguintes questões, por referência aos documentos que foram juntos pela Autora na sua Petição Inicial (Doc. ... a Doc. ...) e impugnados pela Ré na sua contestação;

- Qual a data em que estes documentos foram criados informaticamente por forma a aferir se a data da sua criação (informática) é igual à data que se encontra aposta nos mesmos.

- Aferir em que datas foram estes documentos objecto de modificação, tendo por referência os documentos originais juntos pela Ré em 21 de Dezembro de 2015 (indicar as datas em que ambos os documentos foram criados informaticamente)

Ora, tendo presente que, com a prova pericial, a Ré pretende demonstrar nesta ação administrativa comum, no essencial, que os documentos juntos com a petição inicial, foram criados posteriormente à contratação da Autora para “conferir a ilusão de que foram cumpridos os procedimentos pré-contratuais”, com as consequências legais que depois a Ré defende na sua contestação que se devem extrair desse circunstancialismo, por se afigurar oportuno para aferir da pertinência da realização da perícia e o seu objeto,

notifique a Ré para, no prazo de 10 dias:

(i) clarificar a razão pela qual requer que a perícia seja realizada pela Polícia Judiciária, requerendo o que tiver por conveniente sobre essa matéria, atenta a natureza do seu ónus da prova e a tipologia desta ação (não perdendo de vista que a Autora desistiu do pedido quanto aos 2.° a 5.° Réus, bem como que foi proferido despacho de arquivamento nos autos de processo com o n.° 3830/14...., com concreta relevância para esta parte da ação, ao qual a Autora é alheia, como discutido em sede de audiência de tentativa de conciliação);

(ii) clarificando, ainda, se, face ao tempo decorrido e às vicissitudes entretanto ocorridas, é, de facto, objetivamente possível a realização dessa perícia aos tais “discos rígidos dos seus computadores”, tendo presente a sua disponibilidade e por quem foram produzidos;

(iii) concretizando e delimitando, em todo o caso, o que seria efetivamente objeto da referida perícia (se a todos os computadores; quais; período a que se refere, etc.) e quais os concretos documentos que serão objeto da perícia (na contestação refere-se aos documentos n.° ..., ..., ... e ... juntos com a petição inicial e no requerimento de identificação das questões de facto já se refere aos documentos n.°s ... a ...)”.

Em resposta, a Ré declarou o seguinte:

“Alínea i) - A Ré requereu que a perícia informática fosse realizada pela Polícia Judiciária, (concretamente pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária Portuguesa), porquanto é a entidade que a Ré sabe que tem peritos formados em documentoscopia forense aptos a desvendar falsificações em qualquer tipo de documentos e/ou a determinar a identidade do falsificador.

Não obstante, a Ré nada tem a opor a que esta perícia seja feita por outro profissional (perito informático), devidamente habilitado a designar pelo Tribunal.

O que se mostra pertinente, salvo melhor entendimento, é que exista um relatório pericial advindo da perícia feita ao computador, que demonstre a autenticidade ou a manipulação dos documentos que se encontram impugnados pela Ré, identificando-se a existência de possíveis alterações feitas nos mesmos, efectuadas com vista a conferir a determinados documentos oficiais, a aparência de terem sido criados em data anterior aquela em que efetivamente foram criados.

Não obstante, não estar no presente processo, sob escrutínio a prática de algum ilícito criminal, ainda assim, é pertinente aferir se existia aquela data, um sistema de registos alternativo criado e usado pelo anterior executivo com vista a conferir a aparência de terem sido cumpridas as regras da contratação pública, já que, a Ré terá sempre a possibilidade de intentar contra os responsáveis, acção de responsabilidade civil” - sublinhado nosso.

Mais clarifica a Ré que “o único computador que seria sujeito a perícia seria aquele onde os documentos foram criados”.

E ainda que “Quanto aos documentos que deverão ser sujeitos a perícia são os indicados na P.I. sob os números: Doc. ...; Doc. ... e Doc. ....

No que se refere ao Doc. ... e ao Doc. ..., juntos com a P.I., a Ré apenas impugna o sentido e alcance que a Autora pretende retirar dos mesmos, uma vez que o conteúdo daqueles documentos se reporta a datas que na perspetiva da Ré foram forjadas”.

Ora, os documentos que a Ré diz neste requerimento que pretende sujeitar a perícia são, então, os documentos n.°s ..., ... e .... O documento n.° ... e o documento n.° ... são (alegadamente) assinados pelo Presidente da Junta de Freguesia e o documento n.° ... é documento da Autora que se mostra dirigido ao Presidente da Junta de Freguesia, que depois, alegadamente, foi também assinado por membros da Assembleia de Freguesia. Portanto, este último documento n.° ... vem da parte da Autora e não da Ré.

Ora, a relação material controvertida subjacente à presente ação administrativa subsiste apenas entre a Autora e a Ré. E como a Ré clarifica, a atuação que a Ré pretende ver escrutinada com a perícia não é da parte da Autora, mas é da parte da própria Ré e dos seus membros, com vista, designadamente, a “intentar contra os responsáveis, acção de responsabilidade civil”.

E, embora se alcance a pretensão da Ré, entendemos que a presente ação administrativa comum e concretamente a prova pericial nos termos em que vem requerida pela Ré não poderá servir para atingir esse desiderato quando, como referido, a relação material controvertida subsiste apenas entre a Autora e a Ré e a prova pericial requerida iria incidir sobre um único computador - da Ré - com vista a demonstrar a “manipulação” de documentos pelos membros da Ré, que, no entender da Ré, com isso pretenderam “conferir a aparência de terem sido cumpridas as regras da contratação pública”.

Como é sabido a prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem (art.° 388.° do CC). Mas a pertinência e necessidade de realização desta diligência afere-se pelos factos que concretamente se pretendem provar e que efetivamente são necessários ao deslinde desta controvérsia e à boa decisão desta concreta causa (e não de outra, eventual) atentas as soluções plausíveis de direito para o seu desfecho.

Nesta conformidade, indefiro a prova pericial requerida pela Ré.

Notifique (…)”.

13. Irresignada com este despacho, a Recorrente interpôs recurso jurisdicional para este Tribunal Superior, invocando erro de julgamento de direito, por violação do “(…) princípio do inquisitório ou da necessidade da prova, do contraditório, bem como, o princípio da justiça material legalmente consagrados nos artigos 341.°, 342.°, 346.° todos do C.C. e no art.° 411.° do C.P.C. e infringiu, ainda, o disposto nos arts.° 6.°, 90.°, n.°s 1, 2 e 3 ambos do C.P.T.A. e os arts.° 413.° e 415 do C.P.C.(…)”.

14. Substanciou tal alegação, brevitatis causae, no pressuposto da importância e imprescindibilidade da requerida prova pericial para demonstração “(…) da veracidade dos factos elencados nos três primeiros temas da prova que se encontram fixados nos autos (cfr. despacho saneador proferido nos autos a 21.09.2021), sob pena, de ser prejudicado o seu direito probatório, ficando a mesma impedida de demonstrar a falsidade documental e a nulidade do contrato que alegou nos autos (…)”.

15. Exposta a posição da Recorrente, urge dirimir a questão.

16. A Autora intentou a presente ação, visando a condenação da Ré no pagamento da quantia de 128.104,21 €, acrescida de juros vincendos à taxa legal.

17. Fundamentou tal pretensão, por reporte à fatura nº. ...13, no incumprimento do contrato de empreitado celebrado pelas partes com vista à “ Construção de Jazigos e Sepulturas em duas Secções na Ampliação do Cemitério Novo”.

18. A Ré opôs-se à cristalização desta pretensão, invocando, para além da violação da Lei dos Compromissos, a falsidade dos documentos que servem de suporte à pretensão da Autora, e, dessa, sorte, a nulidade do contrato de empreitada invocado nos autos.

19. No contexto processual conformado pelas partes, é nosso entendimento que alegação da Ré em torno da falsidade dos documentos apresentados pela Autora poderá importar importantes ilações ao nível do desfecho da causa, de modo que se impunha a possibilidade de produção de prova neste desígnio.

20. Realmente, se cabe ao interessado o ónus da prova dos factos que alega, não lhe pode ser recusada a possibilidade de os provar, sob pena de se coartar o “direito à prova” dos seus apresentantes.

21. De facto, este “direito à prova” postula a ideia as partes têm o direito (i), por via de ação e da defesa, de utilizarem a prova em seu benefício e como sustentação dos interesses e das pretensões que apresentarem em tribunal, de (ii) contradizer as provas apresentadas pela parte contrária ou suscitadas oficiosamente pelo tribunal, bem como o (iii) direito à contraprova.

22. E que melhor forma de se apurar [ou não] o quadro material definido no segundo “tema de prova” fixado pelo Tribunal a quo [A falsidade, ou não, dos documentos relativos a procedimento concursal público para a adjudicação à A. da empreitada supra mencionada] senão por intermédio da prova pericial requerida nos autos?

23. De facto, não obstante a prova pericial se destine, como qualquer outra prova, a demonstrar a realidade dos factos alegados pelas partes, aquilo que a singulariza é o seu objeto: a perceção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador não domina, nos termos do artigo 467.º do Código Civil.

24. Ao debruçarmo-nos sobre a factualidade alegada pela Ré neste âmbito, torna-se inequívoca e apodíticamente evidente a necessidade de se recorrer ao conhecimento técnico e especializado para o seu cabal esclarecimento, consubstanciando-se, por esta razão, a imprescindibilidade do recurso à prova pericial.

25. Assim, cabendo à Ré o ónus da prova da falsidade dos documentos apresentados pela Autora que alega, não lhe podia ter sido recusada a possibilidade de demonstrar tal realidade com recurso à prova pericial.

26. Com efeito, impunha-se conceder à Ré a faculdade de lançar mão deste meio probatório especializado, permitindo-lhe descortinar, através de peritos habilitados, as eventuais incongruências e inveracidades ínsitas nos documentos apresentados pela Autora sobre os quais recai a sombra da descrença e da genuinidade contestada.

27. Pelo que não se pode deixar de concluir que, neste particular conspecto, não andou bem a MMª. Juiz a quo ao julgar de forma diversa.

28. Assim deriva, naturalmente, que se antolha a existência de erro de julgamento na questão tratada, impondo-se conceder provimento ao presente recurso, revogar o despacho recorrido e substitui-lo por decisão judicial que admita a produção da prova pericial requerida nos autos.

29. Ao que se proverá no dispositivo.


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V – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, revogar o despacho recorrido e substitui-lo por decisão judicial que admita a produção da prova pericial requerida pela Ré.

Custas do recurso pela Recorrida.

Registe e Notifique-se.


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Porto, 05 de abril de 2024,

Ricardo de Oliveira e Sousa

Clara Ambrósio

Tiago Afonso Lopes de Miranda