Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00364/19.2BEPNF |
![]() | ![]() |
Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Data do Acordão: | 10/27/2021 |
![]() | ![]() |
Tribunal: | TAF de Penafiel |
![]() | ![]() |
Relator: | Carlos de Castro Fernandes |
![]() | ![]() |
Descritores: | RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO; ÂMBITO DE RECURSO; PRINCÍPIO DA PERIODIZAÇÃO DOS EXERCÍCIOS |
![]() | ![]() |
Sumário: | I – Ao Recorrente que impugne a matéria de facto em sede recursiva cabe cumprir os ónus processuais vertidos no art.º 640.º do atual CPC (aplicável ex vi art.º 281.º do CPPT) II - Como se refere o atual art.º 627.º nº 1 do CPC o âmbito do recurso é delimitado pela própria decisão recorrida, limitando assim, objeto do mesmo. Deste modo, em princípio, não se pode em sede de recurso apreciar a validade dos atos impugnados em si mesma considerada (isto, claro está, sem prejuízo das questões que possam ser do conhecimento oficioso ou da possibilidade de eventual conhecimento em substituição por parte do Tribunal de recurso). III – Por regra, o princípio da periodização económica determina que os elementos positivos (rendimentos) ou negativos (gastos) do lucro tributável sejam imputáveis ao período em os mesmos foram obtidos ou suportados (n.º 1 do artigo 18.º, do CIRC). No entanto, o n.º 2 do artigo 18.º do IRC consagra uma exceção a este princípio, em benefício do princípio da solidariedade entre períodos.* * Sumário elaborado pelo relator |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Recorrente: | FAZENDA PUBLICA |
Recorrido 1: | Q., LDA |
Votação: | Unanimidade |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Decisão: | Negar provimento ao interposto pela Recorrente Q. LDA, conceder provimento ao recurso movido pela FP. |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido da improcedência dos recursos. |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I – A Representação da Fazenda Pública – RFP (primeira Recorrente) e a Q., S.A. (segunda Recorrente) vieram interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, pela qual se julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida por esta última e direcionada contra a decisão de indeferimento da reclamação por esta apresentada contra a liquidação adicional de IRC do ano de 2014. No presente recurso, a primeira Recorrente (RPF) formula as seguintes conclusões: A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial, anulando a liquidação adicional de IRC, com o n.º 2018 8310006804, relativa ao ano de 2014, no montante de € 193.341,97, quanto às correções à matéria tributável decorrentes de correções relativas a períodos tributação anteriores. B. A liquidação impugnada tem subjacente, entre outras, a correção à matéria tributável relativa a períodos de tributação anteriores, no valor de €427.418,10, efetuada em sede de procedimento inspetivo, levado a cabo pelos SIT, da Direção de Finanças do Porto, ao abrigo da ordem de serviço OI201706120, de âmbito geral, incidente em sede de IRC, para o ano de 2014. C. Na génese da correção efetuada está o não cumprimento do regime de periodização económica previsto no artigo 18º, nº 2 do CIRC, na contabilização de gastos relativos a anos anteriores, que foram lançados a débito numa conta de rendimentos (conta 7881), porquanto grande parte daqueles gastos decorrerem da contabilização dos documentos internos nºs 595, 596 e 653, sem qualquer outro suporte documental que permitisse aferir o sentido de cada lançamento, afetando negativamente os resultados no período de tributação de 2014. D. A sentença recorrida considerou como assente a factualidade elencada nas alíneas A) a CC) do probatório, das quais se destaca, por terem relevância para a discussão, os factos levados ao probatório nas alíneas H), K), L), M), W), Y), Z) e BB). E. A convicção do Tribunal a quo alicerçou-se na “análise crítica de toda a prova produzida, particularmente na análise conjugada das informações e documentos constantes dos autos e do PA, que não foram impugnados, bem nos factos admitidos por acordo entre as Partes, conforme discriminado a propósito de cada alínea do probatório (cfr. artigo 607.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT)”. F. O Tribunal a quo, na douta sentença de que se recorre, apesar de constatar que os gastos reconhecidos e declarados no ano de 2014, pela impugnante, não reuniam os pressupostos previstos no nº 2 do artigo 18º do CIRC, concluiu, a final, pela procedência parcial da presente impugnação, considerando que, face à impossibilidade de a impugnante requerer a revisão das autoliquidações dos anos anteriores a 2014, nos termos do art.º 78 da LGT, por já se encontrar ultrapassado o prazo, deve ser feito apelo ao princípio da justiça (artigo 266º da CRP e artigo 55º da LGT), aceitando os referidos gastos, ainda que atinentes a períodos anteriores, anulando os atos de correção da matéria tributável subjacentes, por violação de lei, porquanto materialmente injustos. G. Ora, com a ressalva do sempre devido respeito, que é muito, não pode FP conformar-se com o doutamente decidido, como a seguir se demonstrará. H. O nº 1 do artigo 18º do CIRC determina que os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica, acrescentando o nº 2, do mesmo preceito legal, que as componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas. I. Decorre assim, do referido preceito legal, uma vinculação para a AT, que em regra, deve aplicar o principio da especialização dos exercícios na verificação das declarações apresentadas pelos contribuintes. J. Não obstante, a doutrina e a jurisprudência veem dizendo que o exercício desse poder de controlo pode conduzir a uma situação flagrantemente injusta e, nessas situações, deve ser dado prevalência ao princípio da justiça, consagrado no artigo 266º, nº 2 da CRP e artigo 55º da LGT, por forma a impedir que se materialize essa situação de injustiça repudiada pela Constituição. K. E que, nas situações em que não é possível a correção simétrica, “por razões de tempestividade, o custo ainda que indevidamente contabilizado, deve ser aceite, nomeadamente quando a respetiva imputação não tenha resultado de omissões voluntarias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios” (cfr. ac. STA, 19.05.2010, rec. 214/07). L. Ora, ancorada no entendimento sufragado pela abundante jurisprudência do STA e doutrina, a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo decidiu aceitar fiscalmente os gastos reconhecidos e declarados em 2014, ordenando a anulação parcial do ato de liquidação impugnado e respetiva liquidação de juros, por vicio de violação de lei, na parte respeitante às correções relativas a períodos de tributação anteriores. M. Pese embora, no plano jurisprudencial e doutrinal, se defenda que o princípio da especialização deve ceder ao princípio da justiça, nas situações acima enunciadas, salvo o devido respeito por melhor opinião, é entendimento da FP que o caso sub judice não se enquadra no tipo de situações que a aplicação do princípio da justiça pretende salvaguardar, dado que os gastos contabilizados referentes a anos anteriores apenas tinham como suporte documental, documentos internos que não permitiam esclarecer de forma inequívoca os valores contabilizados e o sentido do lançamento. N. Aliás, dos factos provados, alíneas K), H), M) e W), dos quais o RIT e o parecer da DRFP deram conta, se infere que grande parte dos débitos lançados na conta 7881- Correções relativas a períodos anteriores, tiveram como suporte documental documentos internos de contabilização, com os nºs 595, 596 e 653, juntos aos autos, (cfr. fls. 48 a 50 do processo administrativo). O. Importa salientar ainda, que a impugnante não conseguiu provar a imprevisibilidade ou o manifesto desconhecimento dos gastos em causa, por facto não imputável à sua vontade. P. E, à exceção dos gastos relativos aos factos constantes das alíneas Y, Z, e BB do probatório, para os quais a impugnante apresentou justificação para a origem dos mesmos, não logrou provar, nos presentes autos, de forma inequívoca, a origem dos restantes valores contabilizados a débito na conta 7881, que se revelava fundamental para a demonstração da correção dos respetivos registos contabilísticos que pretendia ver reconhecidos em 2014. Q. Porém, em matéria de gastos que advenham, ou se contabilizem da decorrência de relações com terceiros, eles deverão ser, em regra, apoiados em documentos de entidades terceiras (neste sentido Acórdão Arbitral, Processo 236/1014-T de 4 de maio de 2015). R. Nestes termos, e pese embora o profundo respeito que nos merece o douto entendimento vertido, na douta sentença aqui em apreço, considera a FP, que o princípio da especialização dos exercícios deve ceder perante o princípio da justiça, nas situações em que os gastos se encontram devidamente justificados, obedecem às exigências de contabilidade organizada, que foram indevidamente contabilizados, mas que “a correção simétrica” já não é possível por razões de tempestividade, situações essas que efetivamente se revelam flagrantemente injustas, S. e não, na situação dos presentes autos, em que os gastos que a impugnante pretendia ver reconhecidos em 2014, respeitantes a períodos anteriores, além de indevidamente contabilizados, estavam injustificados, e apoiados em documentos internos, e sem qualquer prova documental externa que permitisse demonstrar o sentido e a origem dos mesmos. T. Ademais, e salvo o devido respeito pelo douto Tribunal a quo, que é muito, entende a FP que não podia a sentença em análise considerar que se estava perante uma situação flagrantemente injusta, pois o ónus de manter a contabilidade devidamente organizada impendia sobre a impugnante, sendo que, aplicar o princípio da justiça no caso em apreço, é ignorar a obrigação, que sobre os contribuintes impende, quantos às exigências de contabilidade organizada e ao mesmo tempo permitir que fiquem de fora do sistema fiscal, inúmeros agentes económicos. U. Destarte, neste juízo de ponderação, entre a aplicação do princípio da especialização dos exercícios e o apelo ao princípio da justiça, importa ter em conta este último, na perspetiva dos contribuintes que cumprem as suas obrigações fiscais, que de outra forma seriam discriminados face aos que sistematicamente não as cumprem. Isso sim, seria uma situação injusta! V. Pelo que o Tribunal a quo não podia concluir, como concluiu, anuláveis, por violação de lei, os atos de correção da matéria tributável respeitantes às correções relativas a períodos de tributação, por materialmente injustos, e consequente anulação parcial da liquidação. W. Em conclusão, e face a tudo o que vem exposto, entende a FP, sempre com o devido respeito, que a douta sentença sob recurso padece de erro de julgamento de direito, por errónea interpretação e aplicação do princípio da justiça, plasmado no artigo 266.º da CRP e artigo 55º da LGT. Termina a Recorrente pedindo que seja julgado procedente o presente recurso, revogando-se a sentença recorrida. Por seu turno, a segunda Recorrente contra-alegou concluindo que: I- A decisão recorrida respeitou escrupulosamente na parte objeto do presente recurso o imperativo de proporcionalidade e justiça imposto pelo artigo 55º da LGT , 266º n.º 2 da Constituição da Republica Portuguesa e a jurisprudência dos tribunais administrativos mormente do STA nessa matéria - Acórdão do STA de 14/3/2018 , proc 0716/13, Acd STA de 25/06/2008, proc 0291/08, Ac STA de 25/01/2006 proc 0830/05, Acd STA 05/02/2003 proc 01648/02 – entre outra jurisprudência invocada na decisão recorrida, que se encontra profunda, ampla e solidamente fundamentada quer em jurisprudência quer em doutrina, não merecendo reparo, nessa parte, mas sim louvor. II- Podemos ver na própria orientação da AT o seguinte: Ofício-circular n.º C-1/84, de 8-6-84, publicado, com o respectivo parecer, em Ciência e Técnica Fiscal, n.ºs 307-309, páginas 781-791, em que se adoptou o seguinte entendimento, a propósito da questão paralela que se colocava no domínio da Contribuição Industrial: Sempre que em determinado exercício existam custos e proveitos de exercícios anteriores, o tratamento fiscal correspondente deverá obedecer às seguintes regras a) Não aceitação dos custos e dos proveitos resultantes de omissões voluntárias ou intencionais no exercício em que são contabilizados, considerando-se, em princípio, como tais as que forem praticados com intenções fiscais, designadamente, quando: - está para expirar ou para se iniciar um prazo de isenção; - o contribuinte tem interesse em reduzir os prejuízos em determinado exercício para retirar maior benefício do reporte dos prejuízos previsto no artigo 43.º do Código; - o contribuinte pretende reduzir o montante dos lucros tributáveis para aliviar a sua carga fiscal. b) Nos restantes casos, não deverão corrigir-se os custos e proveitos de exercícios anteriores. III - Afiguram-se como salienta bem a decisão recorrida, corretíssimas as conclusões III e IV do acórdão do STA de 14/3/2018, proc 0716/13 que aqui transcrevemos e com as quais a recorrente AT parece não concordar: III - O princípio da especialização dos exercícios visa tributar a riqueza gerada em cada exercício e daí que os respetivos proveitos e custos sejam contabilizados à medida que sejam obtidos e suportados, e não à medida que o respetivo recebimento ou pagamento ocorram. IV - Contudo esse princípio deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.0, n.0 2 da CRP e 55.0 da LGT), por forma a permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios. IV - Em bom rigor o que a impugnante lança na declaração fiscal a respeito da conta 7881 é um saldo de 3155,47 €, que contabilizou como resultados de exercícios anteriores. V - Os SIT na inspeção cindiram o referido saldo, depois de indagarem junto da inspecionada como tinha sido atingido e corrigiram-no pura e simplesmente para o valor resultante apenas da soma dos proveitos ou valores positivos, com exclusão dos valores negativos ou custos, de forma aumentar a matéria coletável a despeito duma leitura rígida do principio da especialização dos exercícios, no que aos custos diz respeito, assim alterando o referido saldo de 3155,47 € para 430.573,65 €. VI - Em face deste modo de atuar, ignorando em absoluto o disposto no artigo 55º da LGT e 266º n.º 2 da CRP, não é de estranhar a crítica feroz que lhes é feita pelas autoras do parecer junto pela impugnante. VII - A tese da AT – Recorrente no presente recurso a respeito do princípio da especialidade colide quer com a sua própria orientação interna em sede do Imposto de Contribuição Industrial, quer com a jurisprudência e doutrina predominante ou mesmo incontroversa, quer com o disposto no artigo 266º n.º 2 da Constituição da Republica Portuguesa e com o artigo 55º da LGT, sendo assim inconstitucional a interpretação que a AT faz do artigo 18º n.º 2 do CIRC no sentido de impor a tributação por um rendimento superior ao real quando no caso de existir um gasto, cujo registo tenha ocorrido num exercício posterior àquele ao que devia ter sido imputado e mormente quando, como é o caso já não possa ser registado no exercício em que o devia, quando tal não resulte de omissão voluntária ou intencional ou em sentido contrário ao que consta do Ofício-circular n.º C-1/84, de 8-6-84. VIII - Deve ser negado provimento ao recurso da AT e manter-se nessa parte a decisão recorrida. IX – A recorrente não atribui expressamente valor ao recurso, porém em face do decidido na primeira instância, do valor aí atribuído ao processo e do valor correspondente à parte desfavorável à recorrente AT, portanto relativamente à qual interpõe o recurso o valor deste recurso deve ser fixado em 115.454,64 € No que tange ao seu recurso, a segunda Apelante, apresentou as seguintes conclusões: I - O presente recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável à recorrente, nos termos do n.º 3 artigo 635º do C.P.Civil, não se restringindo nas conclusões o objeto do recurso, para efeitos do disposto no n.º 4 do mesmo artigo. II - Do cotejo da cotejo da fatura 169 de 20/12/2013, da carta, do auto de medições e acórdão do tribunal da relação de Lisboa de maio de 2014, com os depoimentos das testemunhas nomeadamente a testemunha J. impõe-se a alteração na decisão de facto, e o julgamento dos pontos 1 a 4 dos factos não provados como provados, corrigindo-se apenas quanto ao ponto dois que o atraso na emissão da fatura se prendeu com a discussão na origem da ação 2069/12/6TVLSB, na pendencia da qual foi emitida e com a falta de aceitação dos trabalhos e consequente acordo quanto às quantidades, valores e responsável pelo pagamento, com a assinatura no respetivo auto. III - Em processo tributário, cabe ao impugnante fornecer indícios plausíveis, que abalem as convicções da Inspeção Tributária. em contrário à sua declaração fiscal, não havendo que exigir do contribuinte uma prova formal especial, que o deixe indefeso perante a convicção formada pelos inspetores da AT IV - Os princípios da proporcionalidade e justiça, consagrados no artigo 55º da LGT impõe que a tributação incida sobre lucros reais, impondo-se assim com o devido respeito a interpretação da lei fiscal e das exigências da lei fiscal à luz daqueles princípios. V - O legislador ao excluir os créditos não decorrentes de atividade normal da empresa, pretende excluir os gastos que uma empresa tenha ou créditos que conceda que nada têm a ver com o seu negócio e por isso, não deveriam ser prosseguidos pela empresa/sociedade comercial nem os riscos assumidos pela mesma. VI - O desacordo sobre o valor dos trabalhos prestados, mapa de quantidades e sujeito passivo, não desvirtua a fatura como decorrente da atividade normal, de outro modo, sempre que um construtor civil perde um processo por falta de prova do valor dos trabalhos e mapas de quantidades, teria emitido uma fatura fora do exercício da sua atividade normal. VII - A exigência da alínea c) do n.º 1 do artigo 35º do CIRC, pretende evitar que o sujeito passivo provisione como cobrança duvidosa, cobranças que fácil e previsivelmente poderão aparecer pagas, porque apenas não foram feitas pela inércia do sujeito passivo no sentido de obter o pagamento, que apenas não foram pagas porque o sujeito passivo se esqueceu de pedir o dinheiro e o devedor se esqueceu que o devia, protelando em consequência para o exercício seguinte o lucro, em consequência da dedução de uma provisão de uma receita segura. VIII - O n.º 1 do artigo 35º do CIRC apenas exige que o risco de incobrabilidade se considere devidamente justificado. IX - A AT não põe em causa o risco de incobrabilidade, mas a comprovação de realização de diligencias para cobrança do credito. X - As alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 35º CIRC não são taxativas, mas simplesmente exemplificativas. XI - O risco de incobrabilidade não se esgota no preenchimento de qualquer das referidas alíneas, embora no caso esteja preenchida a aliena c) e de certo modo a alínea b). XII - Da audiência de julgamento resultou claro que a autora nunca conseguiu cobrar o credito da fatura n.169 de 20/12/2013, tendo sido até prudente ao provisionar apenas o mínimo legal, sendo fundada a posição que em face do acórdão da relação de lisboa no processo 2069/12/6TVLSB, a cobrança judicial não tem viabilidade, apenas podendo restar a esperança de cobrança extrajudicial o que nunca ocorreu. XIII - Para o fazer e para assegurar o equilíbrio económico financeiro da sociedade, decorrente da referida perda, entre outras, no exercício 2014, o administrador da recorrente perdoou à recorrente cerca de 183.000,00 € de empréstimos que tinha feito à recorrente em anos anteriores e ainda não tinha sido reembolsado. XIV - Cremos assim ser francamente injusto o desatendimento da referida perda de receita real e inequívoca da sociedade, que levou o administrador a compensar por via de perdão de suprimentos, para assegurar o equilíbrio económico financeiro da sociedade, para agora lhe exigir que contribua com mais dinheiro, para pagar impostos sobre um lucro que não existiu. XV - Violou a sentença recorrida, na parte objeto do recurso, por erro de interpretação entre outros o disposto no n.º 1 do artigo 35º do CIRC por erro de interpretação o artigo 55º da LGT e o principio in dúbio pro contribuinte. XVI - Deve ser dado provimento ao presente recurso e proferindo-se acórdão que revogue a decisão recorrida substituindo-se a mesma por outra que julgue procedente a impugnação. * O distinto Procurador Geral Adjunto junto deste Tribunal elaborou parecer no sentido da improcedência dos presentes recursos (cf. fls. 132 a 133 dos autos – paginação do processo em suporte físico).* Com a concordância dos MMs. Juízes Desembargadores Adjuntos, dispensam-se os vistos nos termos do art.º 657.º, n. º 4, do Código de Processo Civil ex vi art.º 281.º do CPPT, sendo o processo submetido à Conferência para julgamento.-/- II - Matéria de facto indicada em 1.ª instância: A) A Impugnante é uma sociedade anónima cujo objeto social consiste na construção e engenharia civil, com inclusão de estradas, instalações desportivas, hidráulicas, obras especializadas, instalações especiais e atividades de acabamento, bem como a compra e venda de imóveis – encontra-se enquadrada no CAE 14131 – “Confeção de outro vestuário exterior em série”, CAE 14131– cfr. p. 2/19 do Relatório de Inspeção Tributária, doravante RIT, de fls. 15 do PA; B) Em 20/12/2013, a Impugnante emitiu ao cliente M., SA, NIF (…), a fatura n.º 169, no valor de € 1.217.526,03, nos seguintes termos: [imagem que aqui se dá por reproduzida] – cfr. p. 7/19 do RIT, p. 2 e ss. do parecer técnico junto aos autos e fatura que costa no anexo I do RIT; C) Em 20/12/2013, a Impugnante elaborou a carta de fls. 12 dos autos (doc. 1, junto com a petição inicial), dirigida à “M., SA, Rua (…)”, que tem o seguinte teor: [imagem que aqui se dá por reproduzida] – (...)” - cfr. doc. 1, junto com a p.i., de fls. 12 dos autos; D) No ano de 2013 a Impugnante reconheceu na sua contabilidade um rendimento no valor de € 1.217,526,03, referente à fatura descrita na alínea anterior, tendo criado um ativo de igual montante – cfr. p. 7/19 do RIT e p. 2 do parecer técnico junto aos autos; E) Em 22/05/2014 o Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo n.º 2069/12.6TVLSB – 2.ª Secção, proferiu o acórdão de fls. 12 (verso) a 19 (doc. 2, junto com a petição inicial), cujo teor, por razões de economia e celeridade processuais, se dá aqui por integralmente reproduzido, donde se destaca o seguinte: [imagem que aqui se dá por reproduzida] (...)” – cfr. acórdão de fls. 11 (verso) a 19 dos autos (doc. 2, junto com a p.i.); F) No ano de 2014, a Impugnante reconheceu o crédito descrito na alínea D) dos factos provados como estando em imparidade e reconheceu 25% da imparidade na conta de resultados, pelo valor de € 304.381,51 – cfr. p.7/19 do RIT e p. 2 e ss. parecer técnico juntos aos autos; G) No exercício de 2014, a Impugnante contabilizou, a crédito na conta 7881 – “Correções relativas a períodos anteriores”, o valor global de € 430.573,65, referente a: (1) dívidas anuladas a fornecedores e outros credores (€ 278.953,60); (2) diferença de saldos bancários (€ 20.165,05); (3) mudança de classificação de despesas de custo de anos anteriores para imobilizado ou investimento (€ 131.455,00) – cfr. facto admitido por acordo entre as Partes; cfr. p. 12 e ss. parecer técnico junto aos autos; H) No exercício de 2014, a Impugnante contabilizou, a débito na conta 7881 – “Correções relativas a períodos anteriores”, os seguintes valores: [imagem que aqui se dá por reproduzida] – cfr. p. 12/19 do RIT e p. 13 do parecer técnico junto aos autos; I) A coberto da OI 201706120, entre 30/05/2018 e 12/11/2019, os Serviços de Inspeção Tributária (SIT) levaram a cabo um procedimento de inspeção tributária à Impugnante, de natureza externa e âmbito geral, em sede de IRC do ano de 2014 – cfr. informação de fls. 9 do PA e p. 1 e 2/19, RIT; J) O aludido procedimento de inspeção tributária foi efetuado por “terem sido detetadas divergências entre os valores dos inventários finais declarados na IES no ano de 2013 e os valores dos inventários iniciais declarados na IES do ano de 2014”, conforme quadro infra: [imagem que aqui se dá por reproduzida] – cfr. p. 2/19 do RIT; K) Em 07/11/2018, a Impugnante exerceu o seu direito de audição sobre o projeto de RIT, alegando, entre o mais, o seguinte: [imagem que aqui se dá por reproduzida] (...)” – cfr. p.16 a 18/19, do RIT; L) Em 12/11/2018, os SIT elaboraram o RIT final, do qual resultaram as seguintes correções à matéria tributável da Impugnante em sede de IRC do ano de 2014: [imagem que aqui se dá por reproduzida] M) Para assim concluir, os SIT basearam-se nos seguintes factos e fundamentos retratados no RIT: “(...) [imagem que aqui se dá por reproduzida] (...)” – p. 6 e ss./19 do RIT; N) Em 13/11/2018, o Chefe de Equipa da DF do Porto – SIT, emitiu o seguinte parecer sobre o Relatório final de inspeção tributária: “Confirmo o teor do presente relatório de inspeção, designadamente as correções propostas à matéria tributável e à tributação autónoma do IRC do ano de 2014, nos montantes de € 737.913,50 e 7.618,71, respetivamente. À consideração superior.” – cfr. parecer de fls. 15 do PA; O) Em 13/11/2018, o RIT de fls. 15 do PA foi sancionado pelo Chefe de Divisão da DF do Porto – SIT (por subdelegação), nos seguintes termos: “Concordo. Notifique-se o contribuinte nos termos do artigo 77.º da LGT e do artigo 62º do RCPITA” – cfr. despacho de fls. 15 do PA; P) A “Folha de Proposta de Auto de Medições Mensais” anexo I ao RIT tem o seguinte teor: [imagem que aqui se dá por reproduzida] – cfr. anexo I do RIT, fls. 1 a 3; Q) O mapa de antiguidade de saldos em 31/12/2014, elaborado pela Impugnante, tem o seguinte teor: [imagem que aqui se dá por reproduzida] – cfr. Anexo I ao RIT, fls. 1 a 3; R) Na sequência das correções resultantes do RIT, em 12/12/2018 foi emitida a liquidação adicional de IRC de 2014 n.º 2018 8310006804 – cfr. informação de fls. 9 do PA; S) E foram apurados e liquidados juros compensatórios e moratórios nos seguintes termos: [imagem que aqui se dá por reproduzida] – cfr. demonstração de liquidação de juros, de fls. 12 do PA; T) Tendo sido ainda efetuado o acerto de contas do IRC da Impugnante do exercício de 2014, com base nos seguintes dados: [imagem que aqui se dá por reproduzida] – cfr. demonstração de acerto de contas, de fls. 13 do PA; U) Nessa medida, foi remetida à Impugnante a seguinte Demonstração de liquidação de IRC do período de 2014, com data limite de pagamento em 25/01/2019: [imagem que aqui se dá por reproduzida] - cfr. Demonstração de liquidação de IRC de fls. 11 e parecer de fls. 68 do PA; V) A petição inicial destes autos deu entrada em juízo em 26/04/2019 – cfr. registo de entrada do articulado no SITAF, de fls. 3 dos autos; W) Em 29/08/2019, a AT elaborou o parecer de fls. 68 a 73 do PA, cujo teor, por razões de economia e celeridade processuais, se dá aqui por integralmente reproduzido – cfr. parecer de fls. 68 a 73 do PA; X) Em 22/05/2020, a sociedade D., Lda., emitiu o parecer técnico com o assunto “Análise fiscal e contabilística das conclusões da ação inspetiva”, por referência ao RIT supra identificado, que tem o teor de fls. 344 e ss. (SITAF), o qual, por razões de economia e celeridade processual, se dá aqui por integralmente reproduzido – cfr. parecer técnico, junto aos autos a fls. 344 (SITAF); Y) O contrato-promessa de compra e venda outorgado entre a Impugnante e A. em 30/09/2010 tem o teor de fls. 20 e ss. dos autos (doc. 3, junto com a p.i.), cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, podendo ler-se aí, com relevância, o seguinte: “(...) [imagem que aqui se dá por reproduzida] (...)” - cfr. doc. 3, junto com a p.i.; Z) O contrato-promessa de compra e venda outorgado entre a Impugnante e M. em 01/09/2010 tem o teor de fls. 21 e ss. dos autos (doc. 4, junto com a p.i.), cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, podendo ler-se aí, com relevância, o seguinte: “(...) [imagem que aqui se dá por reproduzida] (...)” – cfr. doc. 4, junto com a p.i.; AA) Os contratos promessa identificados nas alíneas anteriores não foram cumpridos – facto admitido por acordo; BB) A Impugnante cometeu erro e omissão no registo das faturas n.ºs 36, de 11/06/2013, e 19, de 25/11/2011, n.º 5, de 13/10/2009, e a fatura n.º 27 de 30/10/2013, respetivamente, juntas aos autos, quem têm o teor de fls. 21 (verso) a 23 dos autos, que se dá aqui por integralmente reproduzido, pelo que corrigiu tais erros no exercício de 2014 – cfr. faturas de fls. 21 (verso) a 23 dos autos; facto admitido por acordo; CC) A Impugnante cometeu erro na contabilização de saldos bancários identificados no artigo 56.º da petição inicial e corrigiu tais erros no exercício de 2014 – fato admitido por acordo. * Quanto à factualidade não provada, considerou-se na sentença apelada que:«Com relevância para a decisão da causa não se provaram os seguintes factos: 1) Os trabalhos descritos no auto de medições identificado na alínea P) dos factos provados respeita à fatura n.º 169, emitida em 20/12/2013 em nome da M., SA (identificada supra, na alínea em B) dos factos provados); 2) O atraso na emissão da fatura n.º 169 à M., SA, identificada supra, ficou a dever-se à circunstância de se encontrar a decorrer o processo n.º 2069/12.6TVLSB; 3) A carta identificada na alínea C), dos factos provados foi enviada ao destinatário aí identificado (M., SA); 4) Antes dessa carta, escrita em 20/12/2013, a Impugnante fez vários contatos no sentido de proceder à cobrança da dívida patenteada na fatura n.º 169, identificada em B) dos factos provados, tendo-se gorado todos eles; 5) Os custos registados a débito na conta 7881 – Correções relativas a períodos anteriores, atinentes às sociedades R., Lda. e M., Lda., devem-se à impossibilidade de receber os valores em causa e depois de esgotadas todas as possibilidades de os receber junto das empresas em questão;» * Relativamente à motivação da decisão da matéria de facto, decidiu-se na sentença recorrida que:«A decisão da matéria de facto provada fundou-se na análise crítica de toda a prova produzida, particularmente na análise conjugada das informações e documentos constantes dos autos e do PA, que não foram impugnados, bem nos factos admitidos por acordo entre as Partes, conforme discriminado a propósito de cada alínea do probatório (cfr. artigo 607.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT). Do parecer técnico junto aos autos pela Impugnante não resultou qualquer facto com relevância para a decisão da causa, com exceção daqueles que se encontram patenteados no RIT (e que, portanto, corroboram as asserções neste insertas), porquanto o Tribunal concluiu que esse parecer não se alicerça, muito menos evidencia, a isenção, a imparcialidade, a independência e o distanciamento que normalmente se esperam de um documento deste tipo. Com efeito, o visado parecer técnico, para além de se assemelhar a uma réplica à contestação (cfr. conclusão final), encontra-se eivado de considerações e juízos opinativos e conclusivos que colocam em causa a sua credibilidade, no seu todo – v.g. atente-se nas seguintes passagens do parecer: “Considera-se estar a Autoridade Tributária a violar o princípio da justiça, estando meramente importada em arrecadar imposto, numa situação de infortúnio do Sujeito Passivo.”; “Ora, após consulta do dossier fiscal, processo este de documentação fiscal obrigatória e que em momento algum, foi solicitado no decorrer da inspeção”; “Convém ainda referir que no documento de contestação datado de 18 de Setembro de 2019, sabendo a Autoridade Tributária da fragilidade dos argumentos invocados no ato inspetivo sobre o tema em apreço, não faz qualquer menção ou contestação, sobre o referido tema. Ora nada mais nos leva a crer que há uma leitura subvertida para que o SP seja tributado (...)”. Já no que respeita aos factos alegados que se consideram aqui não provados, a convicção do Tribunal assentou na análise dos documentos juntos aos autos e à insusceptibilidade de se comprovar a sua materialidade, designadamente à luz a prova (documental e testemunhal) produzida pela Impugnante. Desde logo, quanto aos factos não provados descritos nos pontos 1), 2), 3) e 4), a convicção do Tribunal resulta do confronto entre (i) o teor da fatura n.º 169, emitida em 20/12/2013, (ii) o teor do auto de medições identificado nos factos provados, (iii) o teor do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, (iv) a carta redigida pela Impugnante e (v) os dados recolhidos e tratados no RIT, atinentes à sociedade M., SA, nos seguintes termos: A fatura em causa, de valor superior a um milhão de euros, não indica a que cliente, a que trabalhos ou a que obra concreta se reporta, nem a sua data de vencimento. A folha de proposta de auto de medição, por seu turno, para além de ser datada de 23/10/2009, não se encontra assinada pelo cliente. A Impugnante alicerça a emissão da fatura em causa nos trabalhos discriminados neste auto de medição, ou seja, alega que a fatura em causa respeita às prestações de serviço descritas no auto de medições. Todavia, este argumento não convence. Desde logo, a fatura e o auto não contêm qualquer evidência, ainda que mínima (v.g., uma data, um nome, etc.), que as ligue ou relacione. Depois, porque a carta que redigiu em 20/12/2013 (cfr. alínea C) dos factos provados), dirigida à M., SA, refere a existência de “autos”, o que indicia que, relativamente ao valor inscrito na fatura n.º 169 não estaria em causa apenas aquele auto, mas sim vários, contradição que, nesta sede, não pode ser ignorada ou menosprezada. Nesta mesma carta que redigiu refere que a faturação foi adiada por discordância na elaboração dos autos, o que indicia que, porventura, os trabalhos descritos nos autos e, designadamente, no auto de medições junto como doc. 1 da p.i., podiam não corresponder exatamente aos serviços alegadamente prestados e faturados pela Impugnante na fatura n.º 169. Finalmente, não se compreende, nem alcança, a apontada relação entre o contencioso que corria termos no âmbito do processo n.º 2069/12.6TVLSB.L1 – 2.ª secção e a fatura em causa, designadamente o apontado risco de incobrabilidade da mesma, nos termos e para os efeitos que a Impugnante aqui lhe quer dar. É que o que está em causa nesse contencioso é um pedido de condenação no pagamento de trabalhos prestados pela Impugnante a terceiros (e não à M., SA), designadamente na construção de moradias no lote 114 da Quinta (…), que não foram pagos por estes, e o pedido de condenação da M., SA por enriquecimento sem causa em virtude de ter adquirido tal lote 114, onde está implantada a obra executada por ela executada. Dito de outro modo, ao contrário do que alega, nesses autos não estava em causa o pedido de pagamento de faturas por serviços prestados à M., SA: estava em causa, isso sim, uma tentativa de pagamento dessas faturas através dos terceiros que contrataram a Impugnante para construir uma moradia no lote 114 da aludida Quinta (…), sendo demandada a M., SA, apenas por ter sido a adquirente do lote onde está implantada a moradia (tendo sido evidenciado pelo Tribunal da Relação, aliás, que “não se consegue perspetivar como daí se parte para a conclusão de que ela se locupletou à custa” da Impugnante). Noutro prisma, se atentarmos no teor do acórdão (no qual pode ler-se, para além do supra exposto, que “entre dezembro de 2007 e dezembro de 2009 os RR. P. e R., dizendo ser representantes dos proprietários dos lotes (...) contrataram a construção de diversas moradias nos lotes [90 e 114] do empreendimento”), e do auto de medições (que identifica, como dono da abra “lote 114” e “Trabalhos globais adicionais; Lote 114 – Bom Sucesso; Orçamento trabalhos adicionais”) podemos concluir que os trabalhos no lote 114 jamais poderiam ser faturados à M., SA, uma vez que, como se extrai claramente do aludido acórdão, o contrato de empreitada atinente ao lote 114, atentas as referências supracitadas e a coincidência das datas em causa (cfr. data do apontado contrato de empreitada e a que figura no auto de medições junto aos autos), foi celebrado com os terceiros aí identificados e não com esta empresa (esta foi a mera aquirente do lote onde foram realizadas/se encontravam implantadas as obras efetuadas pela Impugnante). Acresce, em abono desta conclusão, que o RIT é bastante elucidativo ao demonstrar que: (i) Em 2013 a M., SA não apresenta aquisições compatíveis com o valor da fatura n.º 169, pois nesse ano declarou na IES/DA, na conta “Compras”: “Sem aquisições” e na conta “Fornecimentos e Serviços Externos” valor de aquisições inferior a 10.000,00€; com referência ao IVA da faturam os valores declarados pela M., SA não suportam a fatura em questão, sendo que a base tributável é inferior a 20.000,00€, que no campo 102 do quadro 06A (aquisição de “serviços de construção civil”) da declaração periódica não é indicado qualquer montante; (ii) Relativamente ao período de 2008 a 2014, da consulta da IES entregue pela M., SA, verifica-se que o seu volume de negócios anual nunca ultrapassa os 70.000,00€, que corresponde apenas a prestação de serviços, e que os Fornecimentos e Serviços Externos declarados (onde se incluem os subcontratos) não ultrapassam os 20.000,00€. Quanto a estas evidências, cumpre realçar que a Impugnante em momento algum as colocou em causa, contraprovando-as, muito menos curou por justificá-las, pelo que, atendendo ao valor probatório pleno do RIT, o Tribunal considera inexistir qualquer fundamento válido para não as atender aqui. Apraz referir, por último, que nada ressalta do teor do mapa de antiguidade de saldos que possa colocar em causa as conclusões supra, designadamente em prol da tese da Impugnante. Depois, também não se provam as alegadas inúmeras tentativas de cobrança do crédito descrito na fatura n.º 169: a prova testemunhal produzida não foi capaz de a demonstrar (cfr. infra) e também não se prova, sequer alega, que a carta identificada na alínea C) dos factos provados tenha sido enviada, expedida, à M., SA (o que alega é que “escreveu uma carta em 20/12/2013”, mas não alega que a enviou – cfr. artigo 12.º da p.i.), sendo certo que, atendendo ao valor em dívida (mais de um milhão de euros), e como garantia do registo dessa tentativa de cobrança (o que seria relevante em futuro contencioso associado à sua cobrança e até porque, alegadamente, existiam outras faturas em dívida por esta empresa) e da efetiva receção da mesma pela M., SA (o que relevaria sobremaneira, ainda, efeitos de contagem de juros moratórios devidos, e a reclamar pela Impugnante), sempre se impunha o envio da visada carta por correio postal registado com aviso de receção, para além de outras notificações mais ou menos formais (v.g., outras cartas registadas, fax, mensagens de correio eletrónico, etc.), o que não foi demonstrado nos autos – aliás, atendendo ao valor em causa, e à apontada antiguidade da divida, não é verosímil que a Impugnante apenas tivesse tentado obtê-lo através de contatos telefónicos e de uma única carta. Quanto ao facto alegado que se considerou não provado, descrito no ponto 5), a convicção do Tribunal alicerçou-se na ausência e na insuficiência da prova documental e testemunhal produzida pela Impugnante para o demonstrar, sendo certo que era um ónus da prova que sobre si recaía (cfr. o que se dirá infra a este propósito). No que concretamente se reporta à prova testemunhal produzida, o Tribunal considera que a mesma não revelou a consistência, credibilidade e assertividade necessárias e bastantes para convencer quanto à materialidade das alegações da Impugnante. Por um lado, do depoimento da testemunha José António Ferraz Barbosa, contabilista da Impugnante – e ponderada a ligação profissional a esta e ao seu envolvimento nos registos contabilísticos aqui em causa – não pode retira-se o distanciamento e a isenção necessários para convencer o Tribunal da materialidade dos factos que descreveu (e das alegações vertidas pela Impugnante na p.i.), particularmente quando confrontado com os sólidos, reais e consistentes indícios e elementos documentais plasmados e evidenciados no RIT, bem como face às demais evidências documentais constantes dos autos, que apontam claramente para a falta de verificação dos requisitos para constituir a perda por imparidade em questão, bem como para a não aceitação das correções respeitantes a períodos anteriores (cfr. motivação dos factos não provados, supra patenteada). Compete salientar que, não raras vezes, a testemunha limitou-se a responder a perguntas conclusivas e a manifestar juízos opinativos, o que de certa forma contribuiu para a descredibilização do seu depoimento, no seu todo. A testemunha Eva Cecília da Silva Machado, antiga funcionária da Impugnante (entre 1999 a até meados de 2006), limitou-se a manifestar juízos opinativos e a descrever circunstâncias atinentes às relações entre a RVS, Lda., a M., Lda. e a Impugnante (cuja prova das afirmações que proferiu, aliás, não prescinde da robustez da prova documental, que não foi carreada para os autos pela Impugnante, nesse quadrante), mas sem precisar factos precisos atinentes às operações que estiveram na base das correções dos períodos anteriores aqui em crise. As demais testemunhas foram inquiridas quanto à matéria alegada 47.º e 48.º da petição inicial, mas dos respetivos depoimentos, face às evidencias documentais juntas aos autos (designadamente, o teor dos contratos-promessa), não pode retirar-se a prova que competia à Impugnante fazer, nos termos previstos no n.º 2, do artigo 18.º do CIRC (cfr. infra). Em suma, nenhuma das testemunhas inquiridas logrou convencer o Tribunal quanto à verificação dos requisitos de que depende a relevância e a aceitação, em termos fiscais, da perda por imparidade contabilizada pela Impugnante, nem logrou demonstrar a apontada justificação e validade das correções aos anos anteriores contabilizadas na conta de custos/proveitos do exercício, nos termos impostos pelo n.º 2, do artigo 18.º, do CIRC (in casu, competia à Impugnante o ónus da prova da imprevisibilidade ou manifesto desconhecimento, não imputáveis à sua vontade, quanto aos gastos contabilizados e declarados relativos a períodos de tributação anteriores – artigo 74.º da LGT-, o que não logrou demonstrar). A restante matéria de facto alegada pelas Partes não foi julgada provada ou não provada por constituir conceito de direito, matéria conclusiva ou não relevar para a decisão da causa, conforme melhor resultará da fundamentação de direito.» -/- III – Questões a decidir. No presente recurso, cabe aferir das questões suscitadas pelos ora Recorrentes. Assim, a primeira Apelante (RFP) recorre da sentença proferida nestes autos, na parte em que a mesma julgou parcialmente procedente a impugnação, suscitando, em suma, o erro de julgamento de direito na sentença recorrida designadamente no que tange à aplicação do princípio da justiça. Por seu turno a segunda Recorrente invoca que a sentença recorrida, na parte que lhe foi desfavorável, padece de erro de julgamento de facto e de direito. -/- IV – Do direito Constitui objeto do presente recurso a sentença proferida nestes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de, na qual se julgou parcialmente procedente a impugnação intentada pela ora segunda Recorrente (Q., S.A) e dirigida contra a liquidação adicional de IRC do exercício referente ao ano de 2014. A liquidação supra referida resultou de uma ação inspetiva promovida pelos serviços da AT e da qual resultou a aplicação de correções técnicas no que tange à liquidação adicional de IRC aqui mencionada, sendo aquelas referentes ao exercício de 2014 e relativas a perdas por imparidade registadas na contabilidade, bem como que certos gastos não obedeceriam ao regime de periodização económica previsto no artigo 18.º do CIRC. Passemos, então a apreciar as questões suscitadas nos presentes recursos, tendo como critério aferidor o da ordem do conhecimento das questões naqueles suscitadas. IV.I – Do recurso interposto pela segunda Recorrente (Q., S.A.). Uma vez que a apontada Recorrente levanta, entre outras questões, o erróneo julgamento de facto feito na sentença recorrida, comecemos pela análise deste item recursivo, sendo que só posteriormente nos debruçaremos sobre as demais questões que aqui suscita. IV.I.1 – Do invocado erro de julgamento de facto. Nas conclusões II e XII do recurso interposto pela ora Recorrente, esta impugnada a matéria de facto dada como não provada na sentença recorrida, solicitando a esta instância que a dê como provada. Também pretende a ora Recorrente que seja alterado o ponto 2 da matéria de facto dada como não provada e assente na sentença apelada. Por outro lado, a Recorrente afirma nas conclusões XIII a XIV um conjunto de circunstâncias factuais, delas retirando algumas e ilações e com as quais pretenderá demonstrar a injustiça da tributação a que foi sujeita. Assim, tendo sido impugnada a matéria de facto provada em primeira instância, cabe, antes de mais verificar se a ora Recorrente cumpre o ónus processual vertido no art.º 640.º do atual CPC (aplicável ex vi art.º 281.º do CPPT). Deste modo, como refere António Abrantes Geraldes in «Recursos no Novo Código de Processo Civil», 2018, pag. 165 e segs.: “[…] Sem nos alongarmos demasiado em considerações sobre os regimes anteriores, podemos sintetizar da seguinte forma o sistema que agora vigora sempre que o recurso de apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto: a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinem uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d) O recorrente pode sugerir à Relação a renovação da produção de certos meios de prova, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. a), ou mesmo, a produção de novos meios de prova nas situações referidas na al. b). Porém, como anotamos à margem desses preceitos, não estamos perante um direito potestativo do recorrente, antes em face de um poder-dever da Relação que esta deve usar de acordo com a perceção que recolher dos autos; e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente; f) Na posição em que o recorrido se encontra, incumbe-lhe o ónus de contra-alegação, cujo incumprimento produz efeitos menos acentuados do que os que se manifestam em relação ao recorrente. O facto de inexistir efeito cominatório para a falta de apresentação de contra-alegações ou para o incumprimento das regras sobre a sua substância ou forma e o facto da a Relação ter poderes de investigação oficiosa determinam que sejam menos visíveis os efeitos que decorrem da sua deficiente atuação. […]”. O mesmo autor na obra supra citada a fls. 168, refere que a rejeição total ou parcial da decisão da matéria de facto dever ocorrer quando: “a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635.º, n.º 4, e 641.º, n.º 2 al. b)); b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640.º, n.º 1, al. a)); c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”. Na presente apelação e no que diz respeito aos factos que pretende ver dados como provados e que na sentença recorrida foram tidos como não provados, o ora Recorrente cumpre os ónus processuais previstos para a impugnação da matéria de facto e previstos no art.º 640.º do CPC aplicável por força do disposto no art.º 281.º do CPPT. No entanto, no que diz respeito à peticionada alteração do ponto da factualidade tida por não provada, a segunda Recorrente pretende que se acrescente que: “…o atraso na emissão da fatura se prendeu com a discussão na origem da ação 2069/12/6TVLSB, na pendencia da qual foi emitida e com a falta de aceitação dos trabalhos e consequente acordo quanto às quantidades, valores e responsável pelo pagamento, com a assinatura no respetivo auto”. Ora, este pretendido acrescento é matéria essencialmente conclusiva, sendo que sequer o resquício factual aí incluído tenha sido oportunamente invocado no momento próprio, ou seja, dentro da p.i.. Assim, quanto à pretendida adição qualificada como de natureza factual, terá que improceder a pretensão da ora segunda Recorrente. Como já tivemos ocasião de referir, nas conclusões XIII e XIV, a segunda Apelante afirma um conjunto de factos e dos mesmos extrai ilações, sem que os contraponha à matéria factual que, na sua ótica, deveria ser reformulada por esta instância. Deste modo, a invocação feita nas apontadas conclusões não contém nenhum juízo de antinomia com a sentença apelada, pelo que inexiste aqui qualquer expressa ou tácita, intenção recursiva. Por isso, tais factos e ilações não deverão ser objeto de qualquer pronúncia desta instância, uma vez que aqui não podem ser relevados por falta do apontado intuito recursivo, traduzindo-se em simples considerações a latere feitas pela segunda Recorrente no seu recurso. Estando agora delimitado o verdadeiro núcleo central do recurso da matéria de facto e circunscrevendo-se este a saber-se se deverão ser julgados como demonstrados os factos dados como não provados na sentença recorrida, cabe assim aferir do mérito, neste ponto, da pretensão da segunda Recorrente. Relembre-se que as razões da discórdia da aludida Recorrente com o decidido na sentença recorrida quanto aos factos provados alicerçam-se no teor da fatura n.º 169 (alínea «B» dos factos provados), na carta enviada (alínea «C» dos factos demonstrados), no auto de medições (alínea «P» da factualidade assente),no acórdão do Tribunal da relação (alínea «E» da factualidade provada) e no depoimento da testemunha J. (sendo esta a única testemunha que a segunda Recorrente indica e cujo depoimento seria, na sua visão, suscetível de dar outra resposta à factualidade). Na decisão jurisdicional ora sob escrutínio, o Tribunal de primeira instância assentou a sua convicção no sentido de não dar como provados a factualidade que a ora segunda Recorrente quer ver como provada, com base em vários vetores que sinteticamente recordamos (para melhor e completo esclarecimento, veja-se supra a transcrição feita por esta instância quanto à motivação factual inserta na sentença recorrida): - na fatura em causa (n.º 169) não se faz referência a que trabalhos a mesma diz respeito, nem se inclui uma data de vencimento; - o auto de medição não se encontra assinado pelo cliente; - não é possível estabelecer uma correlação entre o auto de medição e a fatura supra mencionada; - não se consegue estabelecer qualquer conexão entre a carta para cobrança enviada (ou supostamente enviada) e o auto de medição e a fatura acima referida; - também no que tange ao acórdão da Relação e ao que nele vai discutido, não se consegue estabelecer qualquer ligação entre o pedido aí formulado pela segunda Recorrente e os demais meios de prova supra aludidos; - da prova testemunhal não se retira que tenham havido tentativas de cobrança da quantia inscrita na citada fatura; - que a prova testemunhal ora foi inexistente, insuficiente ou, até, pouco convincente. Assim, as circunstâncias factuais tidas como não provadas são as seguintes: 1) Os trabalhos descritos no auto de medições identificado na alínea P) dos factos provados respeita à fatura n.º 169, emitida em 20/12/2013 em nome da M., SA (identificada supra, na alínea em B) dos factos provados); 2) O atraso na emissão da fatura n.º 169 à M., SA, identificada supra, ficou a dever-se à circunstância de se encontrar a decorrer o processo n.º 2069/12.6TVLSB; 3) A carta identificada na alínea C), dos factos provados foi enviada ao destinatário aí identificado (M., SA); 4) Antes dessa carta, escrita em 20/12/2013, a Impugnante fez vários contatos no sentido de proceder à cobrança da dívida patenteada na fatura n.º 169, identificada em B) dos factos provados, tendo-se gorado todos eles; 5) Os custos registados a débito na conta 7881 – Correções relativas a períodos anteriores, atinentes às sociedades R., Lda. e M., Lda., devem-se à impossibilidade de receber os valores em causa e depois de esgotadas todas as possibilidades de os receber junto das empresas em questão;» Ora, ouvido o depoimento da testemunha indicada e procedendo-se à reanálise, nesta instância, da prova documental supra referida, podemos concluir no mesmo sentido que fez a sentença recorrida no que diz respeito aos factos dados como não provados nos supra mencionados pontos 1 e 2 da factualidade não provada. Também há que expurgar a matéria descrita nos pontos 4 e 5 da matéria de facto dada como não provado uma vez que esta é meramente conclusiva e que aqui se terá que desconsiderada. Já no que tange ao facto dado como não provado no n.º 3, a testemunha ora indicada pela segunda Recorrente referiu expressamente que tinha enviado a carta ali mencionada. Ora, nenhuma outra prova contraditou esta afirmação, sendo que a testemunha tomou parte e foi o agente do respetivo envio. Assim, cremos que a apontada factualidade deverá ser considerada como provada. Por isso há que retirar tal facto da factualidade não provada e considerá-la como provada nos seguintes termos: DD) A carta identificada na alínea C), dos factos provados foi enviada ao destinatário aí identificado (M., SA); Concluindo, julga-se parcialmente procedente o presente subitem recursivo no que diz respeito ao presente recurso da matéria de facto apresentado pela segunda Recorrente. IV.3 – Do imputado erro de julgamento. A segunda Apelante constrói no presente recurso um conjunto de raciocínios de natureza jurídica, mas não os confronta com o decidido na sentença recorrida, parecendo antes se insurgir contra a liquidação impugnada e o procedimento que lhe subjaz (confronte-se, nomeadamente, as conclusões III a XI). Com efeito, como é sabido, os recursos têm como objeto decisões jurisdicionais e não são os meios para ex nuovo se impugnarem atos de tributários, pelo que as questões supra referidas caem fora do âmbito recursivo. Com efeito, como se refere o atual art.º 627.º nº 1 do CPC o âmbito do recurso é delimitado pela própria decisão recorrida, limitando assim, objeto do mesmo. Deste modo, em princípio, não se pode em sede de recurso apreciar a validade dos atos impugnados a se considerada (isto, claro está, sem prejuízo das questões que possam ser do conhecimento oficioso ou da possibilidade de eventual conhecimento em substituição por parte do Tribunal de recurso). Por isso, nos supra apontados itens, terá que improceder o presente recurso. No entanto, na conclusão XV a segunda Recorrente invoca que na sentença recorrida se fez uma errónea interpretação do n.º 1 do artigo 55.º do CIRC, do art.º 55.º da LGT e do princípio in dúbio pro contribuinte. Assim, primeiramente, há que atender que a segunda Recorrente não invoca a base legal do princípio que denominou como «in dúbio pro contribuinte». Porém, pese embora esta insuficiência recursiva, poderemos apenas conjeturar que a aquela se poderá querer referir às regras de repartição do ónus da prova do art.º 74.º da LGT e 100.º do CPPT. Contudo, esta eventual conjetura é desde logo despicienda quando a própria segunda Recorrente não indica qual o sustento factual para a existência de uma qualquer dúvida na apreciação da prova que o Julgador tivesse e que, no confronto e indefinição na valoração da prova, o obrigasse a socorrer-se do apontado princípio. Por isso e à mingua de melhor alegação, não vemos que exista a violação do apontado princípio. Também, no que tange à violação do artigo 55.º da LGT, a alegação da segunda Recorrente é falha de substrato, não sendo especificado sequer quais dos princípios gerais referidos na apontada norma terão sido violados na construção jurídica erigida pela sentença recorrida. Tão pouco, nos elucida a segunda Recorrente qual o julgamento feito na sentença recorrida e que terá falhado na aplicação dos princípios enunciados na referida norma, falta esta que se reflete quer nas conclusões de recurso, quer na motivação do mesmo. Pelo que neste ponto também terá que improceder o referido recurso. Finalmente, a segunda Apelante alega que na sentença recorrida se interpretou de forma errónea o que vai disposto no n.º 1 do art.º 35.º do CIRC. No entanto, na motivação e nas conclusões do presente recurso, não se alcança qual o segmento de apreciação e decisão espelhado na sentença recorrida e que terá feito uma suposta errónea interpretação da apontada norma. Acresce que a sentença ora sob escrutínio não faz sequer qualquer alusão ao referido n.º 1 do art.º 35.º do CIRC, sendo que, inclusivamente, a sua suposta violação não foi sequer matéria que a ora segunda Recorrente tivesse atempadamente invocado na sua p.i. (sendo que o apontado vício não é passível de ser oficiosamente conhecido nesta instância). Por isso, terá que improceder o presente recurso igualmente no que tange a este ponto. IV.I – Do recurso movido pela RFP. A primeira Recorrente insurge-se contra a sentença apelada na parte em que a mesma lhe foi desfavorável, ou seja, no que diz respeito à contabilização de um conjunto de custos associados a períodos anteriores ao próprio exercício de 2014. Relativamente a esta questão e que conduziu à anulação parcial da liquidação de IRC aqui em causa, reproduzimos aqui as partes mais relevantes da fundamentação jurídica da sentença recorrida: “[…] A Impugnante alega que registou débitos (proveitos) e créditos (custos) na conta 7881, mas que a AT apenas aceitou as correções de períodos anteriores na parte dos proveitos, desprezando as efetuadas a título de custo, aumentando a matéria coletável em € 427.418,20. Aduz que a AT não tentou apurar a fundamentação dos lançamentos a débito (custos), não tendo solicitado a justificação para esses movimentos, aceitando, todavia, a correção em proveitos. Estranha que a AT tivesse afirmado que não foi feita prova, nem se esclarecessem os custos em causa, pois se por um lado admite a prova dos fundamentos das correções dos custos, por serem de períodos anteriores, por outro afirma que não foi feita prova dos mesmos custos. Apresenta justificação para a origem de parte desses custos, evidenciando situações particulares. Em dois casos, imputa as correções à falta de cumprimento de contratos de parceria, que se desenrolaram entre 2004 a 2006, em que, no final das obras, se verificou prejuízo entre custos por si pagos e as receitas recebidas, por incapacidade e falta de liquidez das empresas parceiras, custos que, além de decorrerem da sua atividade economia normal, nunca tinham sido considerados, por não serem admissíveis, mas que ocorreram e, como tal, contabilizados no âmbito das correções ora em crise. Invoca ainda dois contratos promessa de compra e venda, de 2010, no âmbito dos quais perdeu o montante que adiantou a título de sinal, por não se ter concretizado o negócio (devido à crise económica). Aduz que os restantes custos foram contabilizados/corrigidos por se terem detetado erros/omissões em faturas de diversos fornecedores, em diversos exercícios, que conduziram à regularização/ anulação do respetivo saldo, despesas normais no exercício da sua atividade. Justifica ainda o saldo das contas bancárias, que se traduzem em meros movimentos de tesouraria e que nada têm que ver com a receita e despesa. Apreciando. Resulta da factualidade apurada que a Impugnante contabilizou correções relativas a períodos anteriores, debitando custos/gastos e creditado proveitos na conta 7881 – Correções relativas a períodos anteriores nos montantes, respetivamente, de € 427.418,19 e € 430.573,66. Pois bem, com o devido respeito, o Tribunal não acompanha o entendimento da Impugnante quando defende que os SIT admitiram os proveitos, mas já não os gastos declarados, resultantes das correções relativas a períodos anteriores. Desde logo, porque resulta claramente evidenciado no RIT, designadamente na sua seção “IX – Direito de Audição” (em sede de audição prévia a Impugnante já havia suscitado esta questão – cfr. RIT) os motivos pelos quais foram admitidos tais proveitos (cfr. alínea M), dos factos provados). Acresce que do parecer elaborado pela AT (cfr. alínea W), dos factos provados) respigam-se as razões de facto que alicerçaram atuação dos SIT, cuja transcrição, com vista à melhor compreensão da matéria, vale a pena efetuar: [imagem que aqui se dá por reproduzida] Ou seja, os SIT consideraram que a opção contabilística em causa é um ónus do sujeito passivo, sendo que, in casu, a Impugnante optou por inscrever os valores atinentes a períodos anteriores na conta SNC 7881. Assim, e porque se trata de uma conta de rendimentos/proveitos, por um lado é insuscetível de lançamentos a débito (sendo que a Impugnante, ao fazê-lo, não permite relevar a realidade dos lançamentos efetuados, ou seja, a origem do saldo, a substância das transações registadas), por outro, admite e viabiliza a aceitação das correções favoráveis da empresa contabilizadas. Neste jaez importa elucidar, em matéria de erros contabilísticos de períodos anteriores, que a questão da avaliação de uma determinada operação (facto ou transação) como material, ou não – designadamente para efeitos de contabilização de valores atinentes a períodos anteriores na conta 56, que é uma conta de resultados transitados –, apenas compete à entidade em causa (in casu, à Impugnante), sendo certo que não depende exclusivamente dos montantes em causa, mas ainda da natureza e dimensão das operações, e da situação económica e financeira da própria entidade, conforme previsto nos parágrafos 29 e 30 da Estrutura Conceptual do SNC. Assim, nesse juízo de aferição dessa materialidade, a entidade em causa deverá aferir se esse erro irá influenciar a tomada de decisão dos utilizadores das demonstrações financeiras: se considerar que esse erro influenciou essa tomada de decisão deve considerar o erro como material, e proceder à reexpressão retrospetiva, ou seja, refletir na informação comparativa das demonstrações financeiras, a correção do erro de modo a efetuar os ajustamentos necessários para que estas apresentem a informação como se o erro nunca tivesse ocorrido. Donde, no período em causa, o efeito desse erro material, com influência nos resultados de períodos anteriores, passa a estar refletido nos resultados transitados, pois decorre da correção nos resultados desse período anterior. Já se considerar que o erro é imaterial, pode não aplicar a NCRF 4, e corrigir o erro, que afetou resultados de períodos anteriores, nos resultados do período corrente (v.g., conta 6881 ou 7881 - Correções relativas a períodos anteriores). No caso concreto, a Impugnante, num juízo de materialidade que só a si competia, considerou os erros materialmente irrelevantes (já sublinhámos que o valor das operações não releva para a aferição da materialidade do erro) e, por conseguinte, contabilizou-os nos resultados do período de 2014. Perante essa evidência, os SIT – pese embora tenham constatado que o lançamento contabilístico dos gastos em causa devia ter sido feito na conta 6881 – curaram por dissecar os movimentos a débito e a crédito efetuados na conta 7881, tendo concluído pela razoabilidade da aceitação dos movimentos a crédito (designadamente, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 2, do artigo 18.º, do CIRC), o que não sucedia com os valores lançados a débito, que se mostraram injustificados (sem qualquer suporte documental que permitisse aferir o sentido de cada lançamento a débito), num caso e no outro nos termos que deixaram patenteados no RIT. Portanto, com o devido respeito, a Impugnante não tem razão quando considera que os SIT apenas corrigiram os gastos contabilizados, mas que desconsideraram os valores inscritos a título de proveito, resultantes de períodos anteriores: na verdade, os SIT avaliaram uns e outros e, com base na narrativa que antecede, concluíram pela falta de justificação dos primeiros e pela razoabilidade dos segundos (razoabilidade que, aliás, a Impugnante não coloca em crise), motivo pelo qual determinaram a correção apenas dos primeiros. Aqui chegados, e não obstante o método contabilístico escolhido pela Impugnante para corrigir os erros contabilísticos (proveitos e gastos) de períodos anteriores, importa averiguar se o juízo dos SIT merecem censura, por, ao abrigo ao disposto no artigo 18.º do CIRC, terem rejeitado os valores registados a débito na conta 7881 e declarados no período de 2014, que a AT reputa injustificados, designadamente por uma significativa parte deles decorrerem “da contabilização dos documentos internos n.ºs 595, 596 e 653 (...) sem qualquer outro suporte documental, que permitisse aferir o sentido de cada lançamento” (cfr. alínea W), dos factos provados). Pois bem, nos termos do artigo 18.º, n.ºs 1 e 2, do CIRC: “1 – Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica. 2 – As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.”. Ante este enquadramento legal diremos, sob o esteio de Rui Marques, op. cit., que “o princípio da periodização economia (especialização ou autonomia dos períodos) exige que as componentes positivas ou negativas do lucro tributável (máxime, os rendimentos e gastos) sejam imputáveis ao período a que digam respeito, isto é, em que sejam obtidos ou suportados (momento da realização), independentemente da sua materialização com o recebimento ou pagamento” (idem, ibidem, p. 163). Não se descurando que, “não obstante, a aplicação do princípio-regra da especialização dos períodos não deve ser cega, ou de molde a redundar uma ofensa da justiça material, seja em benefício do sujeito passivo seja em benefício do Estado. Será aconselhável aferir se a indevida contabilização num dado período obstou à tributação através de omissões deliberadas, com uma transferência de resultados entre períodos. Sopesando o dever de reconstituição da verdade sobre a determinação da matéria coletável dos períodos de tributação através do princípio da especialização face à eventualidade de situações de tributação através do princípio da especialização face à eventualidade de situações de injustiça, e tendo de permeio a existência ou não de prejuízo causado à Fazenda Pública” (idem, ibidem, p. 164). A jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, designadamente do Supremo Tribunal de Justiça (STA), orienta-se no mesmo sentido, sufragando o seguinte entendimento: “O princípio da especialização dos exercícios, do qual resulta uma segmentação da vida das empresas em períodos de certo modo independentes entre si, correspondentes ao ano civil, tem em vista tributar a riqueza gerada em cada exercício, respondendo também a necessidades de natureza económica, contabilística e de gestão. A periodização anual do imposto implica que tanto os rendimentos como os gastos (e as variações patrimoniais fiscalmente relevantes) sejam imputados a cada período de tributação. Esta imputação resulta essencialmente da aplicação das normas contabilísticas, justamente porque o legislador entendeu que as regras de periodização aí previstas oferecem um sistema coerente, fiável e eficaz também para efeitos fiscais (Vide António Rocha Mendes, IRC e as Reorganizações Empresariais, ed. da Universidade Católica, pag. 72.). Por isso, como sublinha António Rocha Mendes (Ob. citada, pag. 72.), a maioria das regras descritas no artº 18º do CIRC são coincidentes com as regras de periodização dos rendimentos estabelecidas pelas normas contabilísticas. Aquele princípio vale assim para os casos em que os custos são contabilizados num exercício mas em que a despesa efectiva só é suportada noutro, e para os casos em que o ganho ainda que contabilizado num exercício, só é, de facto, recebido noutro. Ora em tais situações, em que existe desencontro entre a contabilização dos custos e dos proveitos e a sua efectiva concretização, a lei ordena que os mesmos sejam contabilizados à medida que sejam obtidos e suportados, e não à medida que o respectivo recebimento ou pagamento ocorram. Daí que se devam imputar ao exercício os encargos que emergem de operações nele realizadas, ainda que nele não suportadas, do mesmo modo que se devem imputar a um exercício os proveitos resultantes de operações nele feitas mesmo que arrecadados noutro (cfr. neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 27/4/2008, recurso nº 0807/07). Com vista a evitar práticas de manipulação do cálculo do lucro tributável, nomeadamente o adiamento da tributação ou a sua concentração em exercícios onde a tributação possa resultar mais favorável, a lei fiscal consagra com grande rigidez este princípio da especialização de exercícios (Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Ed. Almedina, pag. 69). Testemunho dessa rigidez é, como sublinha Rui Duarte Morais (Ob. citada, pag. 70), o nº 2 do artº 18º do CIRC que dispõe que as componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a exercícios anteriores só são imputáveis ao exercício quando na data de encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas. Constitui no entanto jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que a rigidez deste princípio tem de ser colmatada ou temperada com a invocação do princípio da justiça, nas situações em que, estando já ultrapassados todos os prazos de revisão do acto tributário e não havendo prejuízo para o Estado, se deve evitar cair numa injustiça não justificada para o administrado – vide, neste sentido, acórdãos da Secção de Contencioso Tributário de 19.11.2008, recurso 325/08, de 02.04.2008, recurso 807/07, de 19.05.2010, recurso 214/07, de 25.06.2008, recurso 291/08, de 09.052012, recurso 269/12 e de 02.03.2016, recurso 1204/13.” – acórdão do STA, de 14/03/2018, proc. n.º 0716/13; cfr. ainda o acórdão do TCA Sul, de 23/03/2011, proc. n.º 03750/10). No caso sub judice, a Impugnante imputou ao exercício de 2014 os proveitos e os gastos contabilizados na conta 7881, relativos a períodos anteriores. Em regra, o princípio da periodização económica obriga a que as componentes positivas (rendimentos) ou negativas (gastos) do lucro tributável sejam imputáveis ao período em que foram obtidos ou suportados (n.º 1, do artigo 18.º, do CIRC). Porém, o n.º 2, do artigo 18.º do IRC permite uma exceção a este princípio, em prol do princípio da solidariedade entre períodos. Com efeito, é possível a transferência de resultados entre períodos no caso de não ser possível apurar os resultados nos termos do período em causa, por imprevisibilidade ou manifesto desconhecimento, não imputáveis à vontade do sujeito passivo, aquando da data de encerramento das contas. Ora, no que se reporta aos proveitos, estando em causa a reclassificação de um gasto de 2013 com vista à obtenção de um benefício fiscal em 2014, uma reversão de uma provisão e rendimentos derivados do não reconhecimento de pagamentos a efetuar a credores (cfr. alíneas G) e W), dos factos provados), os SIT consideraram cumpridos os requisitos plasmados no n.º 2, do artigo 18.º, do CIRC, permitindo assim, excecionalmente, a imputação ao lucro tributável de 2014 tais proveitos declarados, relativos a períodos de tributação anteriores, porquanto considerou que à data de encerramento das contas a que respeitavam fossem, por facto não imputável à Impugnante, imprevisíveis ou desconhecidos - o que a Impugnante, aliás, não coloca em crise. Já no que se refere aos gastos reconhecidos e declarados no ano de 2014, mas relativos a períodos de tributação anteriores, o Tribunal considera, atenta a prova produzida, que a Impugnante não logrou demonstrar as circunstâncias excecionais que justificam a consideração dos gastos de períodos anteriores no período de 2014, nos termos impostos pelo n.º 2, do artigo 18.º, do IRC. Com efeito, sendo ela quem aproveita da dedutibilidade fiscal de tais gastos (artigo 23.º do CIRC), sobre ela recai o concomitante ónus probatório quanto à verificação dessas circunstâncias excecionais (artigo 74.º, n.º 1, da LGT), não colhendo aqui justificações assentes em erro contabilístico ou outro do próprio contribuinte (por lhes serem imputáveis) - cfr. Rui Marques, op. cit., p. 165. Em sede de ação inspetiva, no exercício do seu direito de audição prévia, a Impugnante não demonstrou a imprevisibilidade ou manifesto desconhecimento, por facto a si não imputável, dos visados gastos, tendo-se limitado a alegar, em abstrato, que se tratava de uma regularização de saldos inócua e que a tributação dos saldos credores se manifestava injusta e injustificada (cfr. alíneas K) e M) dos factos provados) – sublinhe-se que apesar de alegar que não teve oportunidade de justificar esses valores corrigidos anteriormente, tal não corresponde à realidade dos factos apurados, pois teve oportunidade de o fazer, desde logo, em sede de audição prévia, pelo que se não os justificou - como era seu ónus - tal deve-se a comportamento a si exclusivamente imputável, não podendo apontar esse ónus probatório – que é seu – à AT, como faz. E, já em sede de impugnação judicial também não logrou provar a ocorrência dessas circunstâncias excecionais que, em prol do princípio da solidariedade entre períodos, admitem a derrogação do princípio da periodização. É que a justificação para as operações contabilizadas e relevadas como gastos de períodos tributários anteriores, de que deu exemplo nos autos, não foi documentalmente comprovada, nem as testemunhas em causa lograram demonstrar a imprevisibilidade ou o manifesto desconhecimento dos gastos em causa por facto não imputável à vontade da Impugnante - ónus da prova que recai sobre a Impugnante, como foi referido, e que, na falta de prova, deve ser valorado contra si. Desde logo, relativamente à R., Lda. e à M., Lda., a Impugnante não logrou provar, a imprevisibilidade, nem o manifesto desconhecimento de tais gastos à data do encerramento das contas daquele em que deviam ser imputadas, por facto não imputável à sua vontade (não juntou documentos comprovativos dos factos alegados e a prova testemunhal produzida não foi suscetível de a demonstrar). Quanto ao gasto respeitante ao sinal dos contratos-promessa celebrados com A. e com C., que a Impugnante alega ter pedido por não ter concretizado os negócios objeto dos contratos promessa, uma leitura atenta das cláusulas dos mesmos (cfr. cláusulas 2.º, 3.º e 4.º do contrato promessa celebrado com A., e as cláusulas 2.º e 3.ºdo celebrado com C.) revelam que em 31/12/2011 a Impugnante já sabia e podia prever que iria perder o sinal, por falta de pagamento, nessa data, do estipulado contratualmente (por falta de cumprimento, por si, do acordo assumido), pelo que podia e devia ter considerado tal gasto em 2011-cfr. alíneas Y) e Z) dos factos provados. Relativamente às faturas das empresas A., Lda., K., Lda., A., Lda. e L., Lda., emitidas em 2013, 2011, 2009 e 2013, respetivamente, é a própria Impugnante que revela que a perda a elas atinentes resulta de erro, omissão no registo das mesmas, e que o movimento efetuado em 2014 teve em vista a regularização/anulação dos respetivos saldos. Ou seja, a Impugnante reconhece que se tratou de um erro contabilístico, pelo que a imprevisibilidade e manifesto desconhecimento de tal gasto deriva de erro da própria Impugnante, pelo que são imputáveis à própria vontade da Impugnante, não podendo ser aceites aqui nos termos e para os efeitos previstos no n.º 2, do artigo 18.º, do CIRC. E o mesmo se diga, pela mesma ordem de ideias, quanto às correções de saldos bancários efetuada em 2014, cujo erro contabilístico é imputável à própria Impugnante. Donde se conclui que não estão verificados os pressupostos (cfr. n.º 2, do artigo 18.º, do CIRC) de que depende a possibilidade de contabilizar ao período de 2014 tais gastos, atinentes a períodos anteriores. Todavia, atendendo a que a Impugnante já não pode requerer a revisão das autoliquidações dos anos anteriores a 2014 (aos quais se reportam os ga[s]tos em causa), por se encontrar ultrapassado o respetivo prazo para o fazer (cfr. artigo 78.º, da LGT) – encontrando-se, assim, impossibilitada de efetuar a dedução desses gastos em qualquer dos anos a que respeitem –, e inexistindo nos autos o mínimo indício de a imputação de tais gastos ao período de 2014 ter ocorrido por omissão deliberada, voluntária e intencional da Impugnante, com vista a efetuar transferências de resultados entre períodos, nem fuga à tributação (do RIT não sobressai, nem a AT suscitou, no parecer de fls. 68 do PA e na contestação apresentada, esta questão), nem se antecipando qualquer prejuízo para o erário público, importa obviar a esta situação flagrantemente injusta, fazendo apelo ao princípio da justiça (artigo 266.º, da CRP e artigo 55.º da LGT) e, assim, à aceitação fiscal desses gastos no exercício de 2014, pese embora atinentes a períodos anteriores. A solução que aqui propugnamos encontra esteio no acórdão do STA de 14/04/2018 (processo n.º 0716/13), supracitado, com o qual concordamos in totum e a cujo discurso fundamentador aderimos em abono da interpretação e aplicação uniformes do direito (artigo 8.º, n.º 2, do CC), e no qual pode ler-se, no que aqui interessa, o seguinte: “Como bem nota o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, a seguir o entendimento da Fazenda Pública, no sentido de que a referida provisão haveria de ser criada desde 1989, no ano de 2009, em que a Administração Fiscal procedeu às correcções impugnadas, já a impugnante não poderia proceder à revisão da autoliquidação de 1989, por há muito estar ultrapassado o respectivo prazo para o fazer, vendo-se assim impossibilitada de efectuar a dedução desse custo em qualquer dos anos. Numa situação destas, em que não seja possível a “correcção simétrica”, por razões de tempestividade, a doutrina (Neste sentido Lei Geral Tributária Anotada, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, 4ª edição, Encontro da Escrita, pag. 454 e Rui Duarte Morais, ob. citada, pag. 70.) e a jurisprudência supracitadas vêem afirmando que o custo, ainda que indevidamente contabilizado, deve ser aceite, nomeadamente quando a respectiva imputação não tenha resultado de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios. De facto, como ficou sublinhado no referido Acórdão 214/07, «no caso do referido art. 18, n.º 1, do CIRC resulta uma vinculação para a Administração, que, em regra, deve aplicar o princípio da especialização dos exercícios na sua actividade de controle das declarações apresentadas pelos contribuintes. Mas, o exercício deste poder de controle, predominantemente vinculado, pode conduzir a uma situação flagrantemente injusta e, nessas situações, é de fazer operar o princípio da justiça, consagrado nos arts. 266, n.º 2, da CRP e 55 da LGT, para obstar a que se concretize essa situação de injustiça repudiada pela Constituição. Na ponderação dos valores em causa (por um lado o princípio da especialização dos exercícios que é uma regra legislativamente arbitrária de separação temporal, para efeitos fiscais, de um facto tributário de duração prolongada e, por outro lado, o princípio da justiça, que reflecte uma das preocupações nucleares de um Estado de Direito), é manifesto que, numa situação de incompatibilidade se deve dar prevalência a este último princípio.» Neste contexto haveremos de concluir que serão de considerar anuláveis, por vício de violação de lei, actos de correcção da matéria tributável que, como no caso subjudice, conduzam a situações injustas deste tipo. Pelo que é de aceitar, para efeitos fiscais, a contabilização efectuada pela recorrida já que não estão alegados ou provados factos através dos quais se demonstre que houve a intenção deliberada de proceder à transferência de resultados de exercício ou de fuga à tributação. Neste contexto haveremos de concluir que serão de considerar anuláveis, por vício de violação de lei, actos de correcção da matéria tributável que, como no caso subjudice, conduzam a situações injustas deste tipo.”. De resto, com relevância para o caso que aqui nos ocupa, veja-se o acórdão do TCA Sul, de 23/03/2011 (processo n.º 03750/10) no qual foi decidido que “(...) a exigência estrita de a cada ano fiscal de actividade serem imputados os custos nele suportados deve ceder lugar, em casos contados e encontrando-se afastada a possibilidade de advir prejuízo para a AT, à efectivação de operações correctivas, orientadas pela descoberta da verdade material, que sejam adequadas a evitar a consumação de situações de flagrante injustiça para o contribuinte. Operando este entendimento na situação que nos ocupa, os serviços de fiscalização tributária, perante a justificada, para cumprimento da lei, necessidade de corrigir a contabilização do disputado custo no exercício de 1995, por pertencente ao ano de 1994, podiam e deviam, tanto mais que este, também, foi objecto do mesmo procedimento inspectivo, concretizar uma correcção no sentido de fazer abater o encargo no apuramento da matéria tributável referente ao pertinente ano de 1994, por forma a que os impugnantes não fossem prejudicados, pela definitiva impossibilidade em relevarem, fiscalmente, um incontornável custo da sua actividade industrial, pelo que, ao não produzirem esta “correcção simétrica” (7), deram azo a uma tributação excessiva, ao estabelecimento de um lucro tributável e sequente liquidação de imposto superior à que seria devida.”. Assim, sendo de aceitar, para efeitos fiscais, a contabilização efetuada pela Impugnante no que se reporta aos gastos em apreço, importa considerar anuláveis, por vício de violação de lei, os atos de correção da matéria tributável a eles concernentes, porquanto materialmente injustos. Pelo que, e na senda da teoria da divisibilidade do acto tributário (cfr., acórdão do STA, 21/02/2018, proc. n.º 012/15 e Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado e Comentado, 6ª edição, vol. II, p. 342), o ato de liquidação impugnado (e respetiva liquidação de juros) deve ser anulado parcialmente na parte respeitante às correções relativas a períodos de tributação anteriores, com as legais consequências, mantendo-se, pois, na parte restante (cfr. artigos 79.º, n.º 1 e 100.º da LGT e 112.º, n.º 3, do CPPT).[…]” Deste modo, cremos que no segmento da sentença recorrida supra citado em que se fez uma análise completa e acertada do princípio da especialização dos exercícios e a cuja explicitação e explanação aderimos, incluindo-se aqui a inaplicabilidade do vertido no n.º 2 do art.º 18.º do CIRC. No entanto, não acompanhamos o ali decidido no que se refere à aplicação concreta à factualidade vertida nos presentes autos quanto à aplicação do princípio da justiça, tal como refere a ora primeira Recorrente (RFP). Ora, o Julgador em primeira instância considerou que inexistira nos autos o mínimo indício de que a imputação dos controversos gastos ao período de 2014 tivesse ocorrido por omissão deliberada, voluntária e intencional da Impugnante (segunda Recorrente), com vista a efetuar transferências de resultados entre períodos, nem que houvesse fuga à tributação. Assim, como referimos é nesta parte que não acompanhamos as inferências que se fazem na sentença recorrida. Com efeito, há que denotar e como bem se refere no relatório de inspeção tributária que subjaz à liquidação em causa, não se compreende como é que foram inseridas despesas ou débitos referentes a anos anteriores na conta 7881 do ano de 2014, quando esta conta está destinada à inscrição créditos (rendimentos e ganhos de anos transatos). Por outro lado, tal inscrição afetou negativamente os resultados obtidos, tando aquelas verbas sido consideradas como gastos, pelo que a sua inserção não é irrelevante no que tange ao apuramento da matéria coletável. Deste modo, frise-se que ao contrário do que é dito na sentença apelada, o arranjo contabilístico feito pela ora segunda Recorrente, teve efeitos diretos na matéria coletável e no imposto a cobrar, tal como se refere no relatório de inspeção tributária. Por isso, concluímos que o apelo feito ao princípio da justiça e plasmado na sentença recorrida, não tem aqui aplicação uma vez que não se pode concluir que a atuação da segunda Recorrida (Impugnante) resultou de uma inocente, involuntária e inintencional omissão. Deste modo, terá aqui que prevalecer o regime regra de imputação e periodização vertido no art.º 18.º do CIRC. Deste modo, ter-se-á que dar provimento ao recurso movido pela RFP, na parte da sentença recorrida que lhe foi desfavorável. -/- Assim, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC, formula-se o seguinte sumário: I – Ao Recorrente que impugne a matéria de facto em sede recursiva cabe cumprir os ónus processuais vertidos no art.º 640.º do atual CPC (aplicável ex vi art.º 281.º do CPPT) II - Como se refere o atual art.º 627.º nº 1 do CPC o âmbito do recurso é delimitado pela própria decisão recorrida, limitando assim, objeto do mesmo. Deste modo, em princípio, não se pode em sede de recurso apreciar a validade dos atos impugnados em si mesma considerada (isto, claro está, sem prejuízo das questões que possam ser do conhecimento oficioso ou da possibilidade de eventual conhecimento em substituição por parte do Tribunal de recurso). III – Por regra, o princípio da periodização económica determina que os elementos positivos (rendimentos) ou negativos (gastos) do lucro tributável sejam imputáveis ao período em os mesmos foram obtidos ou suportados (n.º 1 do artigo 18.º, do CIRC). No entanto, o n.º 2 do artigo 18.º do IRC consagra uma exceção a este princípio, em benefício do princípio da solidariedade entre períodos. -/- V – Dispositivo Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal: a) Negar provimento ao presente recurso interposto pela segunda Recorrente (Q., S.A.); b) Conceder provimento ao recurso movido pela primeira Recorrente (RFP), revogando-se a sentença apelada na parte recorrida, considerando-se a impugnação totalmente improcedente. Custas pela segunda Recorrente (por vencida). Porto, 27 de outubro de 2021 Carlos A. M. de Castro Fernandes Vítor Salazar Unas Ana Patrocínio |