Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00591/09.0BEPNF |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 04/10/2025 |
| Tribunal: | TAF de Penafiel |
| Relator: | GRAÇA MARIA VALGA MARTINS |
| Descritores: | DELEGAÇÃO DE COMPETÊNCIAS; FORMALIDADE, IRS; DESPESAS DE SAÚDE, PROVA; |
| Sumário: | I – A falta de menção do uso de delegação de poderes degrada-se em formalidade não essencial (irrelevante) desde que não tenha afectado nem prejudicado o direito ao respectivo recurso contencioso. II – A possibilidade de dedução de despesas de saúde para efeito de IRS, carece de prova quanto à natureza e montantes das despesas referidas.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
| Votação: | Unanimidade |
| Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.1. «AA», contribuinte fiscal nº ...61, e mulher, «BB», contribuinte fiscal nº ...02, residentes na Rua ..., ..., ..., vieram recorrer jurisdicionalmente da sentença proferida a 19 de Junho de 2012, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou improcedente a impugnação instaurada contra a liquidação de IRS de 2005, no valor total de € 18.703,07. 1.2. Os recorrentes terminaram as suas alegações, formulando as seguintes conclusões: “1. Vem o presente recurso instaurado contra a decisão da lª instância que julgou a impugnação da liquidação de IRS do ano de 2005, aqui colocada em causa, improcedente pela não verificação dos vícios aí alegados, os quais foram a incompetência do decisor, a preterição de formalidade essencial e a errónea qualificação e quantificação (...) e outros factos tributários. 2. O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, na douta sentença, deu como provados os factos descritos de A a U, que aqui se dão como transcritos e os quais não se impugnam por serem verdadeiros. 3. No entanto, os recorrentes entendem que a douta sentença faz uma errada interpretação desses factos dados como provados motivando a decisão ora recorrida; Assim, 4. No que concerne à alegada incompetência do decisor, que o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo julgou não ter ocorrido, os recorrentes destacam duas situações, a saber: a) Não constar do despacho do Exmo. Sr. Chefe do Serviço de Finanças ..., de 15/4/2009 (facto dado como provado N) a norma legal que o autoriza a determinar a revisão da liquidação; b) Estar omissa a menção da delegação ou subdelegação de poderes; 5. Entendem os recorrentes que a menção da norma legal era essencial para se aferir não só a competência pessoal do decisor, mas também para se poder concluir se haveria lugar a fixação dos rendimentos ou retificação ou correções dos elementos declarados. 6. Para além de que a falta de fundamentação, in casu, configura violação de lei, por ofender o disposto no n.º 2 do artigo 77.º da Lei Geral Tributária. 7. A omissão da menção da delegação ou subdelegação de competências, configura igualmente violação de lei, concretamente do disposto no artigo 123ª do CPA, que dispõe que a decisão deverá sempre conter, entre outros requisitos, a autoridade que praticou o ato e a menção de delegação ou subdelegação de poderes, quando exista. 8. A competência originária para proceder a alterações/fixações é do Sr. Diretor de Finanças ..., podendo este delegar as referidas funções. 9. É verdade que existe essa subdelegação devidamente publicada, conforme consta da decisão ora recorrida, no facto dado como provado U, no entanto os recorrentes desconhecem em que qualidade o Exmo. Sr. Chefe do Serviço de Finanças ... decidiu, já que do seu despacho nada consta a esse respeito. 10. Além do que a Direção de Finanças ... notificou igualmente os recorrentes para o direito de audição. 11. Ocorreram pois dois procedimentos distintos, um levado a cabo por quem detinha a competência, originariamente, e um outro por entidade cuja competência nem sequer invocou, mas que foi o que produziu efeitos. 12. Entendem os recorrentes que o vício de violação de lei que invocaram na petição inicial, da incompetência do decisor, deveria proceder por: a) Omissão, no ato tributário, da menção da qualidade em que atuou o decisor, designadamente sob delegação ou subdelegação de poderes; b) Omissão, no ato tributário, de norma legal que o fundamentasse; c) Inexistência, no processo, de qualquer documento (despacho, notificação, etc.) que promovesse o prosseguimento do procedimento pelo Serviço de Finanças ..., visto este ter sido iniciado na Direção de Finanças ...; 13. Ao decidir pela improcedência deste fundamento, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo fez uma errada interpretação dos factos e consequente aplicação da lei porquanto a decisão recorrida viola, nesta matéria, o disposto nos artigos 77º n.º 2 da LGT, o artigo 123º n.º 1 e 2 do CPA e os artigos 65º e 66º do CIRS. 14, No tocante à errónea qualificação e quantificação do facto tributário alegam os recorrentes que as suas despesas de saúde declaradas na modelo 3 de IRS do ano de 2005 não ofendem o disposto no nº 1 do artigo 82º do CIRS e, como tal, não deveriam ter sido desconsideradas pela administração tributária. 15. Aliás, o citado artigo 82º do CIRS apenas é mencionado na douta sentença recorrida, não constando sequer da fundamentação da administração tributária para justificar as correcções efectuadas. 16. Deveriam pois ter sido consideradas e, nessa sequência deduzidas à colecta dos recorrentes, na percentagem de 30%. 17. Padece, também nesta matéria, a douta sentença recorrida, de errada interpretação dos factos e errada aplicação da lei, designadamente por se motivar em instruções da Direção de Serviços do IRS do ano de 1991, emanadas no âmbito do artigo 55º do CIRS e ainda por recorrer ao artigo 82º do CIRS para justificar a desconsideração quando a mencionada norma nem sequer foi invocada pelo autor da decisão, consubstanciando-se aqui igualmente a falta de fundamentação. 18. Com todo o respeito, que é muito, os recorrentes entendem que ocorreu errónea qualificação e quantificação do facto tributário por a administração tributária ter desconsiderado as despesas de saúde apresentadas pelos recorrentes na modelo 3 de IRS do ano de 2005 devidamente comprovadas e com enquadramento legal — artigo 82º nº 1 a) do CIRS. Nestes termos e nos demais em direito permitidos deverão proceder as presentes conclusões, concedendo Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, provimento ao recurso ora intentado, por fundamentado, devendo nessa sequência ser anulada a douta sentença recorrida e anulada igualmente a liquidação de IRS do ano de 2005 aqui colocada em crise. Decidindo como se pugna farão Vossas Excelências a costumada justiça.” 1.3. A Fazenda Pública, recorrida, não apresentou contra-alegações. 1.4. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer, no sentido da improcedência do Recurso. 1.5. Com dispensa dos vistos legais dos juízes-adjuntos (cfr. art. 657º, nº 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso. * * * 2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos: Factos Provados: A) Os impugnantes apresentaram a sua declaração modelo 3 de IRS, respeitante ao ano de 2005, tendo declarado no Anexo H o valor de € 56.400,00 de despesas de saúde (fls. 30 a 33 do processo Administrativo apenso {PA)). B) O impugnante marido recebeu a notificação datada de 3/7/2006, para apresentar junto do Serviço de Finanças ... o duplicado da respectiva declaração e todos os documentos comprovativos da sua situação pessoal e familiar (fls.18) C) Os impugnantes foram ainda notificados da demonstração da liquidação de IRS de 2005. tendo o valor a reembolsar de €18.685,38 (fls. 20) D) Através do ofício nº 46196, datado de 20/6/2008, da Direcção de Finanças ..., A [SCom01...], Ld.ª, pessoa colectiva n.º ...97, foi notificada para discriminar os tratamentos a que se referiam as facturas/recibos que anexaram e que estão juntas aos autos de fis 23 a 30, cujo teor aqui se da por reproduzido (fls. 21 a 30). E) A [SCom01...] respondeu que não era possível fornecer qualquer informação por falta de registos decorrente duma avaria ocorrida em 24/11/2007 devida a falha eléctrica, confirmando também que os valores constantes das facturas/recibos foram considerados proveitos (fls. 31 a 33). F) O impugnante marido recebeu a notificação datada de 14/1/2009, para exercer o direito de audição sobre as correcções, que o Serviço de Finanças ... pretendia levar a efeito na declaração de IRS de 2005 - aceitando apenas o montante de €131,61 e retirar os recibos de saúde por não se enquadrarem como despesas de saúde (fls. 34). G) Em 3/2/2009 o impugnante respondeu alegando que a decisão da desconsideração das despesas de saúde não estava, nem de facto, nem de direito, fundamentada (fls. 35). H) O impugnante marido recebeu em 20/2/2009 a notificação datada de 9/2/2009, para discriminar as datas, respectivos montantes, tratamentos efectuados, datas e respectivos montantes e topologia, prescrições médicas das consultas e tratamentos, respeitantes à facturas emitidas, conforme notificação que consta de fls. 36 a 45, cujo teor aqui se dá por reproduzido (fls. 36 a 45 dos autos e 73 verso e 74 do PA). l) Simultaneamente foi solicitado à [SCom01...] documentos comprovativos do modo de pagamento e extractos contabilísticos respeitantes às facturas que anexaram e que constam de fls. 46 a 54, cujo teor aqui se dá por reproduzido (fls. 46 a 54). J) Em 9/3/2009 a [SCom01...] enviou o respectivo extracto contabilístico, indicando que o meio de pagamento utilizado foi dinheiro, estando este reflectido na Conta Caixa (111) (fls. 55 a 57) K) Em 9/3/2009 o impugnante marido, em resposta à notificação de 9/2/2009, remeteu ao Serviço de Finanças ... a respectiva resposta que consta de fls. 58 e 59, cujo teor aqui se dá por reproduzido e da qual se realça o facto de que a "discriminação dos tratamentos, prescrições médicas’ que lhe era solicitada, pertencia ao foro pessoal dos doentes e que a sua divulgação violava o princípio da intimidade da vida privada, consagrado no artigo 263.º da CRP. L) Por ofício de 16/3/2009, recebido em 26/3/2009, o impugnante foi novamente notificado pelo Serviço de Finanças ... para o exercício do direito de audição sobre a projectada desconsideração das despesas de saúde, declaradas na modelo 3 de IRS do montante de € 56.400,00, conforme notificação que consta de fls. 63 a 68, cujo teor aqui se dá por reproduzido (fls. 86 e verso do PA). M) Em 3/4/2009, o impugnante marido exerceu o seu direito de participação, pelo requerimento de fls. 69 a 77, cujo teor aqui se dá por reproduzido e de cujo conteúdo se ressaltam os seguintes factos: - Não ter sido sequer posta em dúvida a veracidade e autenticidade dos recibos apresentados; - Que dos respectivos recibos consta “consultas médicas e tratamentos" e, como tal, são despesas de saúde, tal como o CIRS as define, - Que os valores constantes dos respectivos recibos foram contabilizados na conta 72113 (prestação de serviços) da [SCom01...] (como proveitos), tendo sido pagos em numerário, sendo o fluxo reflectido na Conta Caixa (111); - As provas não foram afastadas por qualquer meio legai de impugnação da sua veracidade ou autenticidade; - Que não foi por culpa sua que não foi possível dar resposta à discriminação das consultas efectuadas no que toca a datas e respectivos montantes, discriminação dos tratamentos efectuados, datas e respectivos montantes e tipologias, prescrições médicas das consultas e tratamentos; - A cópia dos ficheiros pertencia a [SCom01...], bem como a sua segurança, - Que a circular n.° 36 e o entendimento nela vertido viola os preceitos sobre interpretação das normas (artigo 9.º do Código Civil); - Que os valores constantes dos recibos, respeitando a exames médicos e tratamentos, são despesas de saúde para efeitos do disposto na alínea a) do artigo 559 do Código de IRS. N) Pelo ofício n.º 1011, datado de 15/4/2009, junto aos autos a fls 78 e 79, cujo teor aqui se dá por reproduzido, o impugnante marido foi notificado que as alegações descritas no articulado anterior foram consideradas improcedentes e do despacho proferido pelo Exmo. Chefe do Serviço de Finanças, de que foi anexada cópia e que tem o seguinte teor (fls. 78 e79: "Porque do exercício do direito de audição efectuado a fls. 75, de 3 do corrente, não foram apresentados novos elementos ou apresentada justificação relevante para alterar o sentido do projecto de decisão, determino a revisão da liquidação efectuada à declaração modelo 3 de IRS do ano da 2005, com as correcções já indicadas". O) Pelo ofício n.º 30615 de 27/4/2009 da Divisão de Liquidação dos Impostos Sobre o Rendimento e a Despesa, da Direcção de Finanças ..., os impugnantes foram notificados para exercerem o direito de audição sobre os factos que fundamentam a desconsideração dos custos com as despesas de saúde constantes duma informação que se anexou, que esta junta aos autos de fls. 80 a 82, cujo teor aqui se dá por reproduzido. P) Os impugnantes exerceram o seu direito de audição em 14/5/2009, pelo requerimento de fls. 83 a 91, cujo conteúdo se dá aqui como integralmente transcrito para todos os efeitos legais, e do qual se realça que, sendo todos os factos descritos na informação anexa respeitantes a [SCom01...] deveria ser aquela empresa a esclarecer as dúvidas elencadas. Q) Os impugnantes não obtiveram qualquer resposta da Direcção de Finanças ... ao exercício do direito de audição de 14/5/2009 (facto não impugnado pela Fazenda Pública). R) Por decisão de 20/4/2009 do Serviço de Finanças ... foi determinada a correcção oficiosa da liquidação de IRS de 2005 dos impugnantes, tendo sido emitidas as respectivas declarações de correcção, que constam de fls. 100 a 104 do PA cujo teor aqui se dá por reproduzido (fls. 99 a 104 do PA). S) Com data limite de pagamento em 24/6/2009, os impugnantes foram notificados da liquidação de IRS de 2005 do valor de € 18.703,07, que foi paga em 24/6/2009 (fls. 95). T) O impugnante e respectivo cônjuge são administradores da [SCom01...] (fls. 106 e 107 do PA). U) Por despacho de 30/9/2008, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 228, de 24 de Novembro de 2008, a directora de finanças-adjunta do ..., «CC», subdelegou nos chefes dos serviços de finanças a competência referida no art. 65.°. n.º 5, do CIRS, quanto aos sujeitos passivos de IRS com residência nas respectivas áreas fiscais (fls. 109). Factos não provados: Inexistem Motivação da matéria de facto: O tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa, com base na análise critica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo que não foram impugnados e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (art.º 74.º da Lei Geral Tributária (LGT)), também são corroborados pelos documentos (arts. 76º, n.º 1, da LGT e 362º e seguintes do Código Civil (CC)) identificados em cada um dos factos. A restante matéria alegada pelas partes não foi julgada provada ou não provada por constituir conceito de direito, matéria conclusiva ou não relevar para a decisão da causa. 3. Atentas as conclusões extraídas da motivação de recurso, que sintetizam as razões do pedido e recortam o thema decidendum, as questões que reclamam solução neste recurso consistem em aferir da alegada incompetência do autor do acto, bem como do acerto da sentença quando à desconsideração das despesas de saúde apresentadas pelos impugnantes. 4. Do julgamento do recurso: 4.1. Os recorrentes requerem a rectificação do erro material constante da al. M) dos factos provados, pois onde se lê “alínea a) do artigo 559 do Código de IRS” deve ler-se “alínea a) do artigo 55º do Código de IRS”. Por se afigurar assistir-lhes razão, defere-se a requerida rectificação do mero lapso de escrita, devendo passar a ler-se “alínea a) do artigo 55º do Código de IRS”. 4.2. Os recorrentes invocam a incompetência do Chefe do Serviço de Finanças ... para praticar o acto descrito na al. N) dos factos provados, porquanto o despacho não indica a norma legal que autoriza a determinação da revisão da liquidação ao Chefe do Serviço de Finanças, bem como omite a menção da delegação de poderes. Quanto a esta última omissão, da menção do acto de delegação de competências, pronunciou-se a sentença recorrida da seguinte forma: “Os impugnantes não têm razão. Com efeito, por despacho de 30/9/2008, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 228, de 24 de Novembro de 2008, a directora de finanças-adjunta do ..., «CC», subdelegou nos chefes dos serviços de finanças a competência referida no art. 65.º, n.º 5, do CIRS, quanto aos sujeitos passivos de IRS com residência nas respectivas áreas fiscais (alínea U) da matéria de facto provada). No caso em apreço, atendendo que os impugnantes têm domicílio fiscal na área do Serviço de Finanças ... e que as decisões de revisão da liquidação, com as correcções constantes do projecto de decisão, e de autorização da respectiva correcção da liquidação datam de 17/4/2009 e 20/4/2009, o chefe do Serviço de Finanças ... tem competência para proceder à correcção da declaração e da respectiva liquidação de IRS de 2005 dos impugnantes.” E nada há a apontar ao assim decidido. Na verdade, constitui jurisprudência consolidada do STA, que a falta de menção do uso de delegação de poderes se degrada em formalidade não essencial (irrelevante) desde que não tenha afectado nem prejudicado o direito ao respectivo recurso contencioso (cfr. entre outros, Ac. de 21/03/85, rec. 17869, in Acórdãos Doutrinais 287, pág. 1176 e segs, Ac. de 23/10/97, rec. 38.607, Ac. de 24/04/2001, rec. 039895, Ac. de 30/01/2002, rec. 46135). Na situação vertente, os impugnantes não viram afectado este direito, pois apresentaram impugnação judicial contra a liquidação, não advindo qualquer prejuízo da omissão daquela referência, pelo que tal formalidade se degradou em não essencial, não determinando qualquer invalidade dos actos. No mesmo sentido, entre outros, se pronunciou o Acórdão do STA, de 27.6.2012, proferido no rec. nº 087/12: “E quanto à questão da falta de menção de delegação de competências por parte do subdirector-geral (cfr. a Conclusão B do recurso) art. 38° do CPA, subsidiariamente aplicável), a falta de cumprimento dessa formalidade [note-se que estamos perante notificações efectuadas em 2003, antes da vigência do CPTA (Entende o cons. Jorge Lopes de Sousa que «não tem sentido defender, actualmente, que a exigência de a prática do acto no uso de delegação de poderes ser mencionada no próprio acto e na respectiva notificação (exigida pelos arts. 38º e 123º, nº 1, alínea a), e 39°, nº 9, do CPPT, se impõe pela necessidade de permitir ao destinatário aperceber-se da impugnabilidade contenciosa do acto», dado que com o CPTA «foi abandonada característica de definitividade com condição da impugnabilidade contenciosa de actos administrativos, passando a considerar-se impugnável contenciosamente qualquer acto com eficácia externa, mesmo que inserido num procedimento administrativo (art. 51°, nº 1, daquele Código). Por outro lado, no domínio do contencioso tributário, todos os actos praticados por autoridade competente em razão da matéria são definitivos, como se infere do art. 60° do CPPT, pelo que a impugnabilidade contenciosa de actos de subalternos não depende da existência ou não de delegação ou subdelegação de competências – cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. I, 6ª edição, Áreas Editora, 2011, anotação 7 ao art. 36º, p. 345. )] sempre se degradaria em formalidade não essencial, constituindo mera irregularidade, irrelevante, no caso de estar assegurada a impugnação judicial, conforme ocorreu no presente caso. (Cfr. neste sentido, o ac. do Pleno Secção do Contencioso Administrativo - do STA de 15/11/01, rec. nº 43061; bem como Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e João Pacheco de amorim, Código do Procedimento Administrativo, Anotado, Vol. 1, Almedina, 1993, anotação 3 ao art. 39º, p. 280.)”. Quanto à alegada omissão da norma legal que autoriza a determinação da revisão da liquidação ao Chefe do Serviço de Finanças, que, na óptica dos recorrentes, configura falta de fundamentação, diga-se que tal questão não foi suscitada na petição inicial, pelo que se trata de questão nova, não podendo este Tribunal de recurso dela conhecer, como tem sido entendimento corrente da doutrina e da jurisprudência. Com efeito, apenas nos casos expressamente previstos (cfr. artigo 665º nº 2, 608º, nº 2, in fine, CPC), pode o tribunal superior substituir-se ao tribunal que proferiu a decisão recorrida, apreciando questões que não foram submetidas à sua apreciação e sobre as quais não se pronunciou. Por outro lado, os recorrentes alegam que inexiste no processo qualquer documento (despacho, notificação, etc) que promovesse o prosseguimento do procedimento pelo Serviço de Finanças ..., já que o mesmo foi iniciado na Direcção de Finanças .... Vejamos o que se expendeu na sentença, a este propósito: “Os impugnantes alegam que a Direcção de Finanças ... não se pronunciou sobre o exercício do direito de audição do projecto de decisão de que foi notificada. Pese embora a Direcção de Finanças ... não se tenha pronunciado sobre o exercício do direito de audição, ainda assim, não há preterição de formalidade essencial. Vejamos. A notificação realizada pela Direcção de Finanças ... configura uma duplicação de procedimentos. Esta irregularidade porém é irrelevante, porquanto a decisão relevante para o caso dos autos é a decisão do chefe do Serviço de Finanças ..., pois foi a sua decisão que deu origem à liquidação impugnada. Na verdade, já depois da decisão de 14/4/2009 de revisão da liquidação dos impugnantes do IRS de 2005, a Direcção de Finanças ... notificou indevidamente os impugnantes dum procedimento análogo. Este procedimento era uma duplicação do do Serviço de Finanças .... Por isso, com a decisão do Serviço de Finanças ... de 14/4/2009, decisão que deu origem à correcção da liquidação impugnada, o procedimento da Direcção de Finanças ... perdeu toda a utilidade. Apesar da notificação da proposta da Direcção de Finanças ... ser posterior à decisão do Serviço de Finanças ..., a decisão proferida sobrepõe-se à proposta de decisão porque define a situação jurídica os impugnantes e torna inútil a proposta de decisão, motivo pelo qual nem sequer foi, nem tinha de ser, proferida decisão pela Direcção de Finanças. Por outro lado, esta irregularidade do procedimento realizada pela Direcção de Finanças ... é irrelevante para o caso dos autos, porquanto a decisão que deu origem à liquidação impugnada foi a decisão do Serviço de Finanças, pelo que o procedimento da Direcção de Finanças é de todo irrelevante e inoperante para a liquidação impugnada. Por isso, ainda que se considerasse que o procedimento da Direcção de Finanças ... constituiria uma irregularidade ela sempre teria de ser considerada não invalidante em nome do princípio geral de direito que é o princípio do aproveitamento dos actos. Com efeito, não tendo o procedimento da Direcção de Finanças ... influenciado, em nada, a decisão de correcção da liquidação do IRS de 2005 dos impugnantes (a decisão que originou a correcção da liquidação foi a decisão do chefe do Serviço de Finanças ...), esse procedimento é de todo inútil e irrelevante para a liquidação impugnada, pelo que a decisão impugnada não podia ser diferente da que foi tomada pelo chefe do Serviço de Finanças .... Como tal qualquer irregularidade do procedimento da Direcção de Finanças ... sempre teria de ser considerada inoperante para a liquidação impugnada e como tal sempre teria de ser convolada em irregularidade não essencial e não invalidante.” Não vemos razão para nos afastarmos deste entendimento. Com efeito, o acto lesivo, que produziu efeito na esfera jurídica dos impugnantes foi o acto de liquidação emitido na sequência do procedimento conduzido pelo Serviço de Finanças ... e do despacho proferido, constante da al. N) dos factos provados, sendo que nenhum acto definitivo, proferido pela Direcção de Finanças ... foi praticado, susceptível de revogar ou colocar em causa a liquidação oficiosa que constitui objecto desta impugnação judicial. Assim, a notificação para exercer o direito de audição, enviada pela Direcção de Finanças ..., não teve relevância no acto de liquidação, não tendo aquele órgão produzido acto que viesse revogar ou substituir o acto impugnado. Deste modo, improcede o vício invocado. 4.3. Os recorrentes insurgem-se igualmente contra a sentença recorrida, na parte em que confirmou o entendimento da AT, ao desconsiderar as despesas de saúde declaradas na declaração periódica de rendimentos. Alega que o art. 82º do CIRS apenas é mencionado na sentença, não constando da fundamentação do acto de liquidação praticado pela AT. Dispõe o art. 5º, nº 3 do CPC, que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. Sobre esta norma, diz Rui Pinto (Código de Processo Civil Anotado, volume I, Coimbra, Coimbra Editora, 2018 p. 63), que ela “trata dos poderes do tribunal quanto à matéria de direito. O princípio é o da competência autónoma para indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, o que configura uma expressão do princípio da oficiosidade quanto à matéria de direito. Veja-se o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.03.2018 (Proc. 2057/11.0TVLSB.L1.S2) onde se lê: “I - Emerge do art. 608.º, n.º 2, do CPC que a actividade judicativa, com excepção das questões que o julgador deva conhecer oficiosamente, mostra-se confinada ao objecto do litígio, sendo o objecto do processo integrado pela causa de pedir e pela pretensão formulada pelo autor, abarcando também e eventualmente a matéria de excepção aduzida pelo réu em sua defesa. II - Ao abrigo do princípio da oficiosidade do conhecimento e aplicação do direito aos factos trazidos pelas partes – e que se exprime no brocado latino iura novit curia – actualmente consagrado no art. 5.º, n.º 3, do CPC, o tribunal pode apreciar as questões submetidas à sua apreciação com base em argumentos ou razões distintas daquelas que foram concitadas pelas partes”. O juiz apenas está vinculado aos factos articulados pelas partes, mas não quanto à sua qualificação jurídica, podendo apreciar as questões submetidas ao seu conhecimento com base em argumentos ou razões distintas daquelas que foram aduzidas pelas partes. Assim, não estava o Tribunal recorrido impedido de aplicar as normas que entendesse ser adequadas ao caso concreto, não se verificando aqui qualquer excesso de pronúncia ou conhecimento de questão que não estivesse submetida à sua apreciação. Por outro lado, defendem os recorrentes referem que as despesas de saúde apresentadas não ofendem o disposto no art. 82º, nº 1 do CIRS. Na sentença, exarou-se entendimento diverso, no qual nos revemos: “Esses documentos no entender da administração tributária não são idóneos a comprovar a dedução das despesas de saúde. E tem razão. O art. 82.º do CIRS estipulava: “1 - São dedutíveis à colecta 30% das seguintes importâncias: a) Aquisição de bens e serviços directamente relacionados com despesas de saúde do sujeito passivo e do seu agregado familiar, que sejam isentas de IVA, ainda que haja renúncia à isenção, ou sujeitas à taxa reduzida de 5%; b) Aquisição de bens e serviços directamente relacionados com despesas de saúde dos ascendentes e colaterais até ao 3.º grau do sujeito passivo, que sejam isentas de IVA, ainda que haja renúncia à isenção, ou sujeitas à taxa reduzida de 5%, desde que não possuam rendimentos superiores ao salário mínimo nacional mais elevado e com aquele vivam em economia comum; c) Os juros de dívidas contraídas para o pagamento das despesas mencionadas nas alíneas anteriores; d) Aquisição de outros bens e serviços directamente relacionados com despesas de saúde do sujeito passivo, do seu agregado familiar, dos seus ascendentes e colaterais até ao 3.º grau, desde que devidamente justificados através de receita médica, com o limite de (euro) 57 ou de 2,5% das importâncias referidas nas alíneas a), b) e c), se superior. 2 - As despesas de saúde parcialmente comparticipadas por qualquer entidade pública ou privada são dedutíveis, na parte efectivamente suportada pelo beneficiário, no ano em que for efectuado o reembolso da parte comparticipada.”. Assim, compete ao sujeito passivo ter em seu poder os documentos comprovativos das despesas de saúde que se enquadrem neste preceito legal. Atendendo ao teor dos documentos apresentados pelos impugnantes, os mesmos não podem considerar-se relevantes para comprovar as despesas de saúde que conferem direito à dedução. Com efeito as facturas/recibos apresentados pelos impugnantes referem de forma genérica “consultas médicas e tratamentos”, não especificando o número e datas das consultas e o valor individual de cada uma, nem o número, tipo e datas dos tratamentos realizados, nem o respectivo valor individual. Ora a referência genérica a “consultas médicas e tratamentos” sem a especificação de uns e outros não constitui um documento bastante para comprovar a despesa de saúde para efeitos de dedução. Por um lado, porque tem de especificar-se e individualizar-se o número de consultas médicas e tratamentos realizados, porquanto a fundamentação legal da dedução dos tratamentos médicos pode não coincidir com a das consultas médicas, designadamente se os tratamentos puderem estar sujeitos a uma taxa de IVA superior a 5%, porque neste caso exige-se uma justificação médica (art. 82.º, n.º 1, alínea c), do CIRS), sendo a fundamentação legal e a eventual existência do direito à dedução diferente das restantes alíneas do n.º 1, podendo uns conferir o direito à dedução e outros não. Por outro lado, a falta de especificação do que são despesas de consultas médicas e de tratamentos obsta à validade dos documentos apresentados como documento de prova das despesas de saúde, porquanto o direito à dedução depende do tipo concreto de despesas, já que há deduções que não necessitam de prescrições médicas (art. 82.º, n.º 1, alíneas a) a c), do CIRS) e há deduções que exigem prescrições médicas (art. 82.º, n.º 1, alínea d), do CIRS) e o facto da emitente estar no regime de isenção do IVA nos termos do art. 9.º, n.º 2, do CIVA, não significa que não efectue tratamentos sujeitos a tributação e nesse caso sempre seria necessária a identificação dos tratamentos realizados e a respectiva prescrição médica para conferir o direito à dedução, pelo que a individualização dos tratamentos realizados é indispensável para conferir o direito à dedução, pois só assim se saberia se havia ou não direito à dedução e porque alínea do art. 82.º, n.º 1, do CIRS. Finalmente, não tendo os impugnantes comprovado qual era o montantes das despesas de consultas médicas, nem o montante das despesas de tratamentos, a administração tributária não pode sequer aceitar as despesas das alegadas consultas médicas (que ainda que fossem aceites como despesas de saúde tinham de estar discriminadas para se saber o que eram despesas de consultas e despesas de tratamentos) porque não sabe qual era o valor de umas e outras. E não se sabendo os valores concretos das consultas e dos tratamentos realizados e dentro destes se com isenção ou não de IVA, não pode aceitar-se o valor genérico referido nas referidas facturas/recibo. No caso em apreço, com os documentos apresentados pelos impugnantes não consegue saber-se se existe ou não fundamento legal para o direito à dedução de todas as despesas constantes dos referidos documentos ou de parte delas e qual. Por isso, bem andou a administração tributária em considerar não relevantes esses documentos para justificar as despesas de saúde deduzidas pelos impugnantes, estando por isso afastada a presunção de legalidade da declaração fiscal dos impugnantes. A partir daí competia aos impugnantes alegar e provar (art. 74.º, n.º 1, da LGT) os factos que comprovassem de forma cabal que as despesas concretas constantes das facturas/recibos correspondiam todas a despesas de saúde que conferiam o direito à dedução, nos termos do art. 82.º do CIRS. Porém, os impugnantes não fizeram tal prova. Eles limitaram-se a alegar que os referidos documentos constituíam prova bastante das despesas de saúde. Todavia, como vimos esses documentos não constituem prova bastante para comprovar o direito à dedução como despesas de saúde, porquanto eles não identificam especificadamente cada uma das despesas deles constantes o que inviabiliza, de todo, a possibilidade da administração tributária conferir a existência ou não do direito à dedução nos termos do art. 82.º do CIRS e porque alínea. Não estando demonstrada de forma cabal a justificação do direito à dedução a administração tributária não os pode aceitar como comprovativo da respectiva dedução. A prova carreada para os autos pela [SCom01...] da contabilização dos montantes das facturas/recibos não constitui documento bastante para prova da natureza das respectivas despesas. Essa prova revela apenas que aqueles montantes foram contabilizados na [SCom01...], mas nada mais do que isso. Acresce que a alegada avaria na entidade emitente, bem como a alegada eventual violação do sigilo médico não constituem fundamento legal para não justificar os montantes constantes das facturas/recibos. A natureza do actos ou factos a que se reportam as despesas das facturas/recibos podiam ser realizada por outros meios que não os constantes dos registos clínicos dos computadores da [SCom01...], designadamente por declarações de substituição que comprovassem a realização de consultas e tratamentos, a sua natureza, quantidade e custo unitário. A identificação do tipo de tratamento é feita por uma referência genérica identificativa do tratamento, não violando o sigilo médico, sem prejuízo do mesmo poder ser dispensado se fosse necessário, que não era. Não tendo os impugnantes alegado e provado a natureza concreta e especificada das despesas em causa, que permitissem fundada e cabalmente comprovar o tipo de despesa de saúde em causa e o correspondente fundamento legal do direito à dedução de cada uma delas, como lhes competia, a correcção à liquidação do IRS de 2005 dos impugnantes realizada pela administração tributária está cabal fundamentada de facto e de direito, não padecendo de qualquer vício ou erro de qualificação ou quantificação do facto tributário” E a sentença não merece qualquer censura. Na verdade, a descrição das facturas, “consultas e tratamentos” não permite averiguar se os cuidados prestados aos recorrentes e respectivo agregado familiar se integram nas aquisições de bens ou serviços que conferem direito à dedução à colecta, já que o art. 82º separa aqueles que necessitam de prescrição dos que não necessitam (alíneas a) e d) do nº 1 do art. 82º), sendo que, só conhecendo o tipo de serviços prestados se pode determinar se são isentas de IVA ou sujeitas à taxa reduzida. Não tendo os recorrentes feito prova cabal da natureza das ditas consultas e tratamentos, não tendo discriminado os respectivos valores individualizadamente, não se mostra viável a apresentação de tais despesas para dedução à colecta. Quanto à invocada falta de fundamentação da decisão da AT, por omissão de alusão ao art. 82º do CIRS, também esta constitui questão nova, que, por não ter sido alegada em momento próprio, não foi conhecida na sentença recorrida, não podendo, consequentemente, ser aqui apreciada. Deste modo, o recurso não merece provimento. 5. Decisão: Em consonância com o que acabamos de expender, acordam em conferência os juízes deste Tribunal, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida. Custas a cargo dos recorrentes. Nos termos do art. 663º, nº 7, do CPC, elabora-se o sumário: I – A falta de menção do uso de delegação de poderes degrada-se em formalidade não essencial (irrelevante) desde que não tenha afectado nem prejudicado o direito ao respectivo recurso contencioso. II – A possibilidade de dedução de despesas de saúde para efeito de IRS, carece de prova quanto à natureza e montantes das despesas referidas. * * * Porto, 10 de Abril de 2025 Graça Valga Martins Rui Esteves Carlos Castro Fernandes |