Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00346/11.BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/15/2019
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:RESPONSABILIDADE POR ACTOS LÍCITOS. PREJUÍZOS ESPECIAIS E ANORMAIS. DESVALORIZAÇÃO DE IMÓVEL.
Sumário:I) – A responsabilidade extracontratual por actos lícitos, impondo encargos ou causando prejuízos especiais e anormais, é fonte indemnizatória.

II) – O que é o caso, em que com a realização de determinada obra o imóvel dos recorrentes ficou desvalorizado em 35%, em montante de € 59,696,00.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:J. M. L. F. . R. e esposa M. M. C. . E,
Recorrido 1:EP – Estradas de Portugal, SA;
Recorrido 2:B. – A. E. . L., S.A.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder parcial provimento aos recursos.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:

I - J. M. L. F. . R.e esposa M. M. C. . E. [autores];
II - EP – Estradas de Portugal, SA [ - atualmente, Infraestruturas de Portugal, S.A., por força da sucessão legal, nos termos do disposto no n.° 1, do artigo 2,°, do Decreto-Lei n.° 91/2015, de 29 de Maio] ;
III - B. – A. E. . L., S.A. [] ;
… todos id. nos autos, vieram interpor recurso(s) de decisão do TAF de Coimbra, que julgou “a presente ação administrativa comum parcialmente procedente e, em consequência, condenam-se as RR. a pagar solidariamente aos AA. a quantia de € 92.463,00 (noventa e dois mil quatrocentos e sessenta e três euros), acrescida de juros de mora contados desde o trânsito em julgado da presente decisão e até efetivo e integral pagamento”.
[Sendo intervenientes acessórias IV - S. E., S.A., L. E. . C., S.A., MSF – E., S.A., e N. – C. A., S.A. (integrantes da L. A. – Construtores, ACE (LACE)), V - F. – C de S, SA, e VI – C. . S. A., SA., despacho de 22/11/2016 (cfr. Acta de Audiência Prévia) determinou “a cessação de todas estas intervenções acessórias”]
Os autores J. R. e M. E. finalizam o seu recurso com as seguintes conclusões:

1 – Entendem os AA que a decisão atacada enferma de erro de facto e de Direito.
2 – No que respeita à matéria de facto, consideram que deve ser reapreciada a prova testemunhal gravada, bem como a prova documental por não ter sido totalmente valorada, na decisão da matéria de facto, em questões de fundamental importância para o mérito da causa, dando como provados e não provados, factos que não o deveriam ter sido.
3 – Tendo ainda desconsiderado factos relevantes para a boa decisão da causa.
4 - Impugna-se a resposta dada à matéria dos factos não provados indicada em
a): “`A substituição das caixilharias nas janelas e nas portas da habitação dos AA, por caixilharias em PVC está orçamentada em € 6 565,00”, porquanto se considera que foi incorretamente julgada, face aos depoimentos de A. P. N. F., M. A. V. . O., F. M. V. . M. C., J. . O. P. G. e J. L. R. P., que confirma a necessidade de recurso à substituição dessa caixilharia e contraditam a solução que o Tribunal a quo deu,
5 – Acresce que o valor objetivo do orçamento ali contemplado já se encontrava documentado nos Autos no Doc. 11 junto com a PI, com referência a material tipo “Tecnal”, cuja qualidade já seria a adequada para minorar o ruído e mais barata que o PVC e foi orçamentado em € 6565,00, em maio de 2011.
6 - Tanto mais que, se deu como provado no ponto 38 dos factos provados que a substituição da caixilharia permitiria diminuir o ruído vindo do exterior, não podendo ser dada relevância ao facto de terem sido aventados dois materiais distintos (“tecnal” e PVC) porque ambos cumprem com a função de minorar o ruído e reflectem a evolução dos materiais utilizados, com um custo diferenciado.
7 – Pelo que, esta matéria deverá integrar o elenco dos factos provados.
8 - No que concerne aos factos dados como provados nos pontos 19 e 20, dos factos provados, na parte em que o primeiro diz que foram monitorizados, no ano de 2009, o ambiente sonoro, com medições ao ruído em novembro e dezembro de 2009, junto ao local RU42 (localização da habitação dos AA) e em que o segundo discrimina os valores aí apurados, também concluímos que foi incorretamente julgado, face à prova documental constante dos Autos.
9 – Cumpre pois atentar ao RELATÓRIO MONITORIZAÇÃO DO AMBIENTE 2009 que refere expressamente que nenhuma campanha da Qualidade do Ambiente sonoro, foi realizada junto à habitação dos AA. (ponto identificado como RU 42), pelo que, a monitorização ao ruído em 2009 não existiu, junto à habitação dos AA, ao contrário do que o Tribunal deu como provado.
10 – Sendo que a única monitorização realizada foi já no ano de 2010 (fevereiro de 2010), pelo que apenas poderia ter sido dado como provado a monitorização sonora efetuada junto à casa dos AA (RU 42) nesse ano.
11 - Acresce que, ficaram demonstrados factos que consideramos relevantes para a correta decisão da causa e que o Tribunal desconsiderou.
12 - A medição realizada no mês de outubro de 2005, junto à habitação dos AA, na fase do projeto de construção da A--, comprovada documentalmente nos autos correspondente ao ponto M5, (considerando o tráfego em estrada local e na A--), revela valores de LAeq- 47db (A) de dia e 45db (A) à noite.
13 – Medição esta a que o Tribunal não deu, indevidamente, relevância, excluindo-a dos factos provados, quando a mesma é essencial para comparar a situação existente antes e depois da abertura ao tráfego de veículos da Auto estrada, no que concerne aos níveis de ruído.
14 - E, conjugada esta matéria com a dos factos provados sob o ponto 17, dos factos provados, em que os resultados das medições obtidas em agosto de 2008 eram de 60dB(A) diurno e Ln e 51LB(A) noturno, ficou demonstrada a existência de um incremento sonoro relevante, entre a situação existente em outubro de 2005 (antes da A-- estar aberta ao tráfego de veículos) e em agosto de 2008 (após a A-- estar aberta ao tráfego de veículos).
15 – Estes factos comprovam assim o incremento sonoro (ruído) diurno e noturno, em medições constantes do processo entre outubro de 2005 (antes da A-- e já com a A--, realizada por entidade imparcial) e agosto de 2008 (com a A-- e a A--, realizada por Entidade imparcial, durante um dia), o que demonstra, inequivocamente, que tal se verificou independentemente da existência ou não da A-- (existente a mais de 100 metros da habitação e a A--, a menos de 25 metros).
16 – No que à matéria de direito diz respeito, consideram por outro lado os AA. que existiu erro de julgamento de Direito, quer porque não foi tida em conta a matéria de facto supra referida, quer porque não foram corretamente apreciados os pressupostos da responsabilidade civil por factos lícitos.
17 – Assentou o pedido dos AA. nos danos patrimoniais e não patrimoniais e no Instituto de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado por factos lícitos, assente na produção de danos especiais e anormais causados pela abertura ao trânsito de veículos e inerente exploração da autoestrada A--.
18 – Porém, o Tribunal a quo considerou existir prejuízo especial, manifestando “sérias reservas” quanto à verificação da anormalidade desses prejuízos.
19 – Ora, entendem os AA. que o Tribunal a quo fundamenta esta “ausência de anormalidade” na análise de alguns factos, limitando-se e centrando-se apenas no inferior volume de tráfego do que era esperado na A-- e na colocação do piso betuminoso e barreira acústica, concluindo não permitirem formar um juízo de gravidade intrínseca dos danos patrimoniais e não patrimoniais, não assimilável à normal compressão de direitos ou à imposição de pequenos encargos que a vida em sociedade comporta.
20 – Porém, face aos factos dados como provados e aos que foram sublinhados na impugnação da matéria de facto, os AA viram afetado o pleno conteúdo dos seus direitos de personalidade, ao ambiente e de propriedade nos termos em que se mostra consagrado em vários preceitos legais, como por exemplo no artigo 1305.º do CC, provocando-lhes danos;
21 -E, provada a existência destes (factos 30 a 38, corrigidos com o que acima ficou dito quanto à matéria de facto), devem os mesmos ser indemnizados, independentemente de terem sido tomadas pelos RR, todas as precauções julgadas necessárias para que aqueles não se verificassem.
22 - Dúvidas não restam de que as descritas situações de devassa provocada pela abertura ao tráfego de veículos da Auto estrada, afetaram e limitaram o direito de propriedade dos Recorrentes e restringidos os seus direitos.
23 – Demonstradas as restrições ao Direito de propriedade que carecem de indemnização que configuram um excesso de sacrifício para os AA, devem os danos (impactes visuais, sonoros e a privação do gozo standard do imóvel, bem como a frustração do projeto de vida dos AA) ser tidos como ultrapassando os custos inerentes à vida em sociedade, sem dever para os mesmos de os suportar.
24 - A violação do Direito de propriedade é uma lesão que fundamenta a obrigação de indemnizar e deve ser considerada um prejuízo anormal (artº2 do DL 67/2007 de 31 de dezembro) pois não é inerente aos riscos normais da vida em sociedade (suportados pela generalidade dos cidadãos), ultrapassando os limites impostos pelo dever de suportar a atividade da administração.
25 – O que se afere e analisa tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, tal como mencionado o Prof. Fernando Alves Correia, no seu manual “Indemnização pelo sacrifício: contributo para o seu esclarecimento”.
26 - Ora, os AA viram a utilização da sua habitação afetada, com as consequentes e provadas limitações à possibilidade do seu gozo – danos manifestamente fora do normal, assim como viram fracassar o seu projeto de vida e sonho realizado de ir morar para o campo, com o contacto com a natureza e o sossego, tendo sido colocados perante o desvirtuar da paisagem, das vistas que tinham e, assim do “sonho” que estavam a realizar com a compra daquela casa.
27 - Tais circunstâncias são reais e causaram-lhes um prejuízo anormal, tendo uma gravidade intrínseca e lesiva dos direitos dos AA, não só do ponto de vista dos danos não patrimoniais, como também dos danos patrimoniais.
28 – Relevando a posição substantiva dos aqui AA, titulares de um direito de propriedade, de gozo e de fruição que passou a ser limitado por via da abertura ao tráfego de uma auto estrada “vizinha” da sua casa, configurando alteração de um acto constitutivo de direito que ultrapassa os custos próprios da vida em sociedade.
29 - A diferença de ruído entre o antes e o depois do funcionamento da auto estrada junto à casa dos AA é significativa e só pode ser considerada anormal (incremento de 47 para 60 dB(A) diurno e 45 para 51 dB(A) nocturno).
30 - Os AA viram-se obrigados a suportar despesas com a plantação da vegetação, urze e outra vedação, que não representa um pequeno encargo (valor superior a 3500,00€, dado como provado).
31 - Necessitam proceder à alteração da caixilharia das janelas e portas da habitação (valor superior a 6500€), que deveria ter sido dado como provado, até para remediar ao aumento significativo de ruído (antes e depois).
32 - Pelo que, não podia o Tribunal a quo considerar a não verificação do requisito de anormalidade dos danos (danos não patrimoniais e danos patrimoniais), para assim desresponsabilizar as RR.
33 - O requisito de existência de nexo de causalidade entre o ato e o prejuízo, no que respeita aos danos não patrimoniais, também ele se verificou ao contrário do decidido, pois, face á prova inequívoca de que, o ruído existente anteriormente à abertura ao tráfego de veículos da A-- (quando a A-- já existia e se encontrava em pleno funcionamento), teve um incremento significativo após essa abertura, não podia o Tribunal duvidar da verificação desse requisito.
34 - Os factos dados como provados nos pontos 13 a 15 assim também o demonstram face à evidente e incontornável proximidade da Auto estrada em relação à habitação dos AA.
35- Para além do ruído, alegaram e provaram os AA aquilo que consideraram ser uma invasão ao seu “espaço”, à sua privacidade, uma alteração ao seu projeto de vida (factos provados nºs 32, 33 e até 34 e 35).
36- Mudaram-se os AA. da cidade para o campo, com intuito de viver no sossego e em tranquilidade com a natureza, bem como melhorar a sua qualidade de vida e das filhas, escolhendo uma habitação isolada e que oferecia privacidade e tranquilidade, projeto de vida este, que foi cerceado, desvirtuado e frustrado com a autoestrada.
37 - A habitação dos AA estava ladeada de árvores e campos e tinha vista para o rio mondego e deixou de ter, as luzes dos faróis das viaturas são visíveis a partir da habitação, sentindo-se incomodados com essa projeção dos faróis; tiveram de colocar vedação, sebes, urze, para minorar o impacte paisagístico e, ainda terão de alterar as caixilharias das portas e janelas, para minorar o impacte sonoro.
38 - Todos estes danos provados englobam também danos não patrimoniais, que vão muito para além dos causados pelo ruído.
39 – Verificando-se o requisito do nexo de causalidade e a consequente responsabilidade extracontratual por actos lícitos, no que concerne aos danos não patrimoniais, são devidos e deverão ser indemnizados.
40- No que respeita à condenação de juros, não concordam os AA com a posição do tribunal a quo que vai impugnada, devendo os mesmos ser contabilizados desde a citação e não do trânsito em julgado da sentença, partilhando assim do entendimento expresso no acórdão do TCAS com o nº.07144/11 de 6/12/2012 de do STJ – uniformizador de jurisprudência.
41- Por fim, quanto à condenação em custas, discordam os AA da proporção fixada para o decaimento de 50% para cada parte, na medida em que, por despacho de 18 de maio de 2017, fixou-se o objeto do litígio em .”…danos patrimoniais e não patrimoniais que os AA avaliam em 98 382€ devido à desvalorização do imóvel e em 60 000€, respetivamente”, tendo as RR sido condenadas no pagamento aos AA da quantia de 92 463,00€, devendo por isso ser corrigida a proporção, em conformidade com o disposto nos artºs 527º e 528º do CPC, para cerca de 60% para as RR e 40% para os AA.
42 – Considerando assim violadas, entre outras, as normas dos arts. 376º e 483.º do C. Civil; artigo 22º da CRP; art.º 16.º da Lei 67/2007 de 31 de dezembro; artºs 527º e 528º do CPC.

Contra-alegaram a EP e a B., concluindo:

1ª - Na ampliação do âmbito do recurso, que requerem nos termos do disposto no art. 636º do CPC, devem ser aditados aos provados os factos 4º a 36º acima indicados no ponto I dos fundamentos destas contra-alegações, constantes do articulado superveniente (fls. 847-856) e documentos a fls. 862 a 969 e 974-986 dos autos. Mais acresce ainda que o facto 34) fixado pela douta sentença também se apresenta contraditório com os factos 7), 17), e 18) e também por essa contradição não deve ser considerado provado.
2ª - A verdade é que quando em 23-7-2004 os AA compraram a casa ainda inacabada já há mais de 2 anos que a A-- tinha aberto ao trânsito e se encontrava em funcionamento.
3ª - Cuja licença de habitação foi emitida apenas em Março de 2003 (facto admitido pelos AA em 71º da réplica).
4ª - Quando a compraram já existia em 2002, 2003 e 2004 a A-- com as citadas características de “barulho ensurdecedor da A--”, a “níveis sonoros que subvertem o equilíbrio ambiental e afectam os direitos humanos urbanísticos”, “o barulho da circulação rodoviária na A-- é ensurdecedor”, “não respeita - a A-- – os níveis sonoros do regulamento do ruído” que lhes eram então conhecidas e lhe apontam.
5ª - Na A-- foram adoptadas medidas de minimização, aliás sobredimensionadas para o reduzido movimento que afinal veio a verificar-se, face ao pressuposto, não vindo da A-- o ruído de que os AA. se queixam.
6ª - Retirado esse barulho ensurdecedor da A-- – por não ter utilizado medidas de minimização - a A-- não apresenta incómodo considerável, tendo a Agência Portuguesa do Ambiente dispensado o seu controlo por inexpressivo.
7ª - Os AA. não requereram perícia de medição do ruído na instrução da presente acção.
8ª - Os AA. concluem (26 a 29), sem procedência, como se houvesse imutabilidade ou paragem do tempo, no regresso ou retorno ao século XIX quando não havia automóveis nem estradas.

Vindo a ré EP, também, “notificada da interposição de recurso e para querendo contra-alegar, vem para os devidos efeitos legais, fazer seu e aderir às contra-alegações apresentadas pela B. — A. E. . L., S.A.”.

A ré EP recorre, concluindo:

1. A douta sentença do Tribunal “a quo” julgou parcialmente a ação administrativa comum parcialmente procedente e, em consequência, condenou as RR. a pagar solidariamente aos AA. a quantia de € 92.463,00, acrescida de juros de mora contados desde o trânsito em julgado da presente decisão e até efetivo e integral pagamento.
2. Consiste o objeto do litígio:
"Na pretensão, por parte dos Autores, de serem indemnizados pelos Réus Estradas de Portugal S.A. e B. - A. E. . L. S.A., com fundamento na responsabilidade civil extracontratual, pelos danos por si sofridos, enquanto moradores e proprietários do prédio urbano identificado nos artigos 1° a 3° da PI, causados pela abertura ao trânsito de veículos e pela exploração da Auto-estrada A-- junto àquele prédio, danos patrimoniais e não patrimoniais que os Autores avaliam em 98 382 €, devido à desvalorização do imóvel, e em 60 000 €, respectivamente".
3. O objeto do litígio é assim a desvalorização referida às mera abertura e circulação de trânsito
4. São os próprios AA. que imputam ao surgir do ruído da circulação automóvel a desvalorização de 30% ou € 87.000,00, conforme decorre do alegado nos artigos 174º, 175º, 176º, 177º e 178º, da Petição Inicial.
5. Imputam a desvalorização apenas com base neste facto ruído causado pela “exploração”.
6. O Relatório de Avaliação datado de 09/06/2011, elaborado pelo Grupo CDI, de fls 334 e 335, não tem o valor de Perícia.
7. A avaliação do prédio efetuada pelo Banco Espirito Santo, no valor de € 264.180,00, de fls. 332 e 333, não tem o valor de Perícia.
8. Este Relatório foi objeto de impugnação.
9. Das Sessões de Audiência de Discussão e Julgamento no tribunal a quo, não foi produzida qualquer prova para a aceitação e reconhecimento do valor constante do Relatório de fls. 332 e 333.
10. Assim, não pode pois considerar-se provado que o valor do prédio dos AA. era de € 264.180,00.
11. De igual forma, a Recorrente, impugnou o Relatório de Avaliação, datado de 09/06/2011, de fls 334 e 335, pelo que, o mesmo não tem, nem pode ter o valor de Relatório Pericial
12. Porém, a douta sentença omitiu conhecer dos fundamentos dessas impugnações e aceitou o valor de € 264.180,00, bem como a desvalorização de 35%.
13. A desvalorização de 35% não se encontra minimamente fundamentada, trata-se de um valor numérico alcançado por “alguém”, que nem sequer ao imóvel foi.
14. O relatório em questão foi elaborado pela Grupo CDI, com sede em Lisboa e assinado pela testemunha A. R. C. F. G., amigo de longa data dos AA.
15. Trata-se de uma opinião infundamentada, não apoiada em critérios objetivos e resultado de mera apreciação subjetiva, que atribui este valor como podia ter atribuído qualquer outro e que nada ajuda a compreender nem serve para provar o real e efetivo valor do imóvel.
16. Não se pode dar provado que em 09-06-2011, o valor do prédio dos AA. tivesse uma desvalorização de 35%, devido à abertura ao trânsito de veículos e pela exploração da Auto-estrada A-- e os seus efeitos na qualidade do ar e ruído.
17. E consequentemente que o valor do mesmo àquela data era de € 191.000,00.
18. Tendo a desvalorização valorizado o sistema de vistas “Casa do Rio”, a relação com o rio visualmente anulada, a perda de espaço, a ausência de vida animal e ainda a presença direta da autoestrada, o relatório de 09-06-2011 considera a – injustificada - desvalorização de 35% em fatores que – conforme foi decidido - não podem ser atendidos na presente ação, cujo objeto se limita aos efeitos causados pela circulação de veículos.
19. Não pode considerar-se provado que 40):
“O valor do prédio dos AA., após a entrada em funcionamento da A--, sofreu uma desvalorização de 35% em resultado da afetação do sistema de vistas com o rio e, bem assim, da afetação da qualidade ambiental, que inclui o incremento do ruído (cfr. doc. de fls. 334 e 335 do suporte físico do processo).”
20. Não ocorre, por causa da circulação e exploração, privação do gozo standard ou médio da habitação pelos AA., não estando posta em causa a sua adequação à função habitacional.
21. Os AA. não estão privados de gozar do seu imóvel, nas condições e com as utilidades que medianamente se associam a um prédio de habitação nem alegam ou ocorre que o ruído resultante da circulação atinja níveis de insuportabilidade.
22. Foi o mesmo que a douta Sentença certeiramente concluiu ao fundamentar que:
“Nem permite concluir que houve uma frustração total e insuportável (isto é, anormal), como alegam os AA., das suas expectativas de uma vida em tranquilidade, no local em que escolheram viver, devido aos transtornos causados pelo funcionamento da autoestrada e pelo barulho dos veículos que nela agora circulam, e que seja merecedora da tutela do direito neste caso específico de indemnização pelo sacrifício.”
23. Isto é, não há pois em consequência da circulação e exploração e os seus efeitos na qualidade do ar e ruído desvalorização do imóvel que seja merecedora da tutela do direito neste caso específico de indemnização pelo sacrifício.
24. A douta sentença atribuiu desvalorização não pela circulação e exploração – que considerou não causar dano – mas pela “existência da A-- no local onde foi construída”, mas este ponto ou questão estava afastado.
25. Esse elemento inerente à destruição topográfica, ambiental e paisagística, influenciou decisivamente as avaliações do prédio consideradas pela douta sentença.
26. Mas esse fator não pode ser considerado na avaliação influenciada pela “exploração”.
27. Esta matéria e questão de facto não está em apreciação na causa tendo dela já sido afastada pois que o que apenas estava em apreciação era o objeto do litígio acima identificado - qualidade do ar e ruído.
28. Resulta patente do facto 40) não poder ser atribuída a indemnização porque considera aquilo que nos autos não se encontrava em apreciação nos temas da prova por não constituir objeto do litígio.
29. Não há fundamento para os 35% fixados no facto 40) como consequência da mera circulação e exploração nem com o que já não era objeto do processo, afetação do sistema de vistas com o rio.
30. Constituiu surpresa absoluta da Recorrente IP, por totalmente inesperada, que esta matéria de facto tenha vindo a ser apreciada e tenha sido fundamento da douta sentença, pois o que apenas estava em causa eram os efeitos da circulação e exploração e não da “existência da A-- no local onde foi construída” (douto despacho de 18-05-2017).
31. Quando se determina a desvalorização em função de facto provado em 40):
O valor do prédio dos AA., após a entrada em funcionamento da A--, sofreu uma desvalorização de 35% em resultado da afetação do sistema de vistas com o rio e, bem assim, da afetação da qualidade ambiental, que inclui o incremento do ruído (cfr. doc. de fls. 334 e 335 do suporte físico do processo), conhece em excesso de pronúncia sobre questões de facto fora dos temas de prova e do objeto do litígio, de que já não podia tomar conhecimento (608º, nº 2 e 615º, nº 1, d)), do CPC.
32. Era necessário provar a desvalorização do prédio, posto que referida às meras abertura e circulação do trânsito no troço da A--.
33. Na douta sentença a desvalorização não vem imputada à circulação e exploração – ruído e qualidade do ar – inexistindo este nexo de causalidade.
34. Porque o dano apenas se concretiza ao nível das privações concretas que a coisa proporciona não se verifica nenhum dano atual, nem sequer previsível porque em momento nenhum os AA. alegaram ter intenção de vender o prédio e uma perda de valor de mercado do bem só pode ser atendida se a vítima provar que tem a intenção de dispor da coisa (art. 564º do Civ.).
35. Cometendo nulidade (artigo 609, n.º 1 e 615º, n.º 1, al. e), a douta sentença condenou além do que podia conhecer.
36. A douta sentença aplicou erradamente as normas dos artigos 6º do CPTA, 2º, 7º e 16º, da Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, 352º, 358º, 376º, 564º e 692º do Código Civil e 410º, 475º, 591º, 1 c), 596º 1, 609º 1 e 640º 1 c) do CPC, cometendo as nulidades do art. 615º, nº 1, als. e) e d) do CPC.
37. A aplicação dos artigos 3º, 608º, nº 2, 475º e 640º, 1 c) do CPC fundada em norma deles extraída por interpretação que consinta esta violação dos direitos da Recorrente ao contraditório e de defesa e instrução da causa fere essa dimensão interpretativa de inconstitucionalidade por violação do disposto nos arts. 2º e 20º da Constituição.
38. Pelo exposto, deve a sentença ora em crise ser revogada e substituída por outra que adeque os factos provados e não provados, de acordo com a valoração adequada da prova produzida, absolvida a Recorrente da totalidade do pedido.

A ré B. recorre, concluindo:

1ª - Consiste o objecto do litígio, presentemente:
"Na pretensão, por parte dos Autores, de serem indemnizados pelos Réus Estradas de Portugal S.A. e B. - A. E. . L. S.A., com fundamento na responsabilidade civil extracontratual, pelos danos por si sofridos, enquanto moradores e proprietários do prédio urbano identificado nos artigos 1° a 3° da PI, causados pela abertura ao trânsito de veículos e pela exploração da Auto-estrada Al7 junto àquele prédio, danos patrimoniais e não patrimoniais que os Autores avaliam em 98 382 €, devido à desvalorização do imóvel, e em 60 000 €, respectivamente".
2ª – Após debate (591º, 1 f)) fixou o douto despacho de 18-5-2017 que o objecto do litígio é a desvalorização, “posto que referida às meras abertura e circulação do trânsito”.
3ª - São os próprios AA. que imputam ao surgir do ruído da circulação automóvel a desvalorização de 30% ou € 87.000,00. Imputam a desvalorização apenas com base neste facto ruído causado pela “exploração”.
4ª - A recorrente impugnou o documento de fls. 332 a 333, mas a douta sentença omitiu conhecer dos fundamentos dessa impugnação não podendo esse valor de € 264.180,00, cuja aceitação não vem fundamentada, ser considerado provado. No doc. de fls. 332 a 333 é apresentado o valor total de € 264.180,00 com a mesma fundamentação com que podia ser apresentado 164 180 ou 364 180. Trata-se de valor indicado, inaceitável, sem qualquer justificação nem fundamentação, meramente arbitrário, pois podia ter sido indicado outro qualquer. Trata-se, em suma, duma opinião infundamentada, não apoiada em critérios objectivos e resultado de mera apreciação subjectiva, que atribui este valor como podia ter atribuído qualquer outro e que nada ajuda a compreender nem serve para provar o real e efectivo valor do imóvel.
5ª - Quando posteriormente a 8-6-2004, em 22 de Julho de 2004 (cfr. escritura junta com a p.i.), os AA declaram por escrito o valor do imóvel de € 170.560,00 eles contrariam e corrigem o valor, que alteram, da avaliação errada e infundamentada de € 264.180,00 da M. de 8-6-2004, por esta ser uma mera opinião de outrem da qual então discordaram e não aceitaram. Trata-se de uma confissão dos AA que deve ser fixada constante de documento escrito: reconhecimento de um facto que lhes é desfavorável e que favorece a recorrente (arts. 352º, 358º e 376º do Código Civil). Nesta sua actuação, livre e autorresponsável, por culpa própria, erigiram voluntariamente para si próprios o risco.
6ª - Não pode, pois, considerar-se provado, nem dele beneficiar, pois o corrigiram deliberadamente, porque errado, que o valor do prédio dos AA. era de € 264.180,00 quando em 23-7-2004 o compraram.
7ª - Quando o compraram o valor real era de 170.560,00.
8ª - Não está provado que em 9-6-2011 o valor do prédio dos AA. era de € 191.100,00 nem que o valor do prédio tivesse diminuído devido à abertura ao trânsito de veículos e pela exploração da Auto-estrada Al7 e os seus efeitos na qualidade do ar e ruído.
9ª - Fundando a desvalorização na ponderação do sistema de vistas “Casa do Rio”; relação com o rio visualmente anulada; perda de espaço; ausência de vida animal; presença directa da autoestrada, o relatório de 9-6-2011 considera a – injustificada - desvalorização de 35% em factores que – conforme foi decidido - não podem ser atendidos na presente acção, cujo objecto se limita aos efeitos causados pela circulação de veículos.
10ª - Não está provado que € 191.100,00 correspondem em 9-6-2011 à consequência de uma desvalorização de 35% do imóvel por efeito de abertura ao trânsito de veículos e pela exploração da Auto-estrada Al7 e os seus efeitos, não merecedores de tutela, na qualidade do ar e ruído.
11ª - A circulação não produziu a desvalorização do prédio dos AA, ou não o desvalorizou em 35%, nem € 191.100,00 correspondem em 9-6-2011 a 65% do valor do prédio.
12ª - Não pode considerar-se provado o facto 40) O valor do prédio dos AA., após a entrada em funcionamento da A--, sofreu uma desvalorização de 35% em resultado da afetação do sistema de vistas com o rio e, bem assim, da afetação da qualidade ambiental, que inclui o incremento do ruído (cfr. doc. de fls. 334 e 335 do suporte físico do processo).
13ª - Não ocorre, por causa da circulação e exploração, privação do gozo standard ou médio da habitação pelos AA., não estando posta em causa a sua adequação à função habitacional.
14ª - Os AA. não estão privados de gozar do seu imóvel, nas condições e com as utilidades que medianamente se associam a um prédio de habitação nem alegam ou ocorre que o ruído resultante da circulação atinja níveis de insuportabilidade.
15ª - Foi o mesmo que a douta Sentença certeiramente concluiu ao fundamentar que:
Nem permite concluir que houve uma frustração total e insuportável (isto é, anormal), como alegam os AA., das suas expectativas de uma vida em tranquilidade, no local em que escolheram viver, devido aos transtornos causados pelo funcionamento da autoestrada e pelo barulho dos veículos que nela agora circulam, e que seja merecedora da tutela do direito neste caso específico de indemnização pelo sacrifício.
16ª - Isto é, não há pois em consequência da circulação e exploração e os seus efeitos na qualidade do ar e ruído desvalorização do imóvel que seja merecedora da tutela do direito neste caso específico de indemnização pelo sacrifício.
17ª - Como relata a douta sentença os AA., como fundamento da sua pretensão os AA alegam que prescindiram de uma vida na cidade da F. . F. para se mudarem para o campo, pretendendo melhorar a sua qualidade de vida e proporcionar às filhas, à data com 5 e 1 anos de idade, um crescimento num ambiente saudável e em contacto direto com a natureza, tendo optado por uma habitação isolada, apenas ladeada de árvores e campos, com vista para o campo do Rio Mondego; que a construção da autoestrada teve como consequência, numa primeira fase, o corte arbóreo e abate florestal de árvores e, numa segunda fase, o corte de terras, desnivelamento de terrenos e marcação da plataforma da autoestrada, acresce, ainda, a título de danos patrimoniais, a desvalorização do prédio, derivada do incómodo causado pelo ruído provocado pelo tráfego da circulação automóvel na autoestrada, que é estimado em 30% do seu valor, ou seja, em € 87.000,00, sendo que os AA. não têm sequer condições para se desfazerem do imóvel sem que, com isso, sofram um enorme prejuízo patrimonial;
18ª - São os AA que qualificam a título de danos patrimoniais, a desvalorização do prédio, derivada do incómodo causado pelo ruído provocado pelo tráfego, que estimam em 30% do seu valor, ou seja € 87.000,00.
19ª - Foi proferido douto despacho saneador em sede de audiência prévia, tendo sido julgada procedente a exceção da prescrição quanto aos danos invocados anteriores a 16/05/2008 (cfr. ata de fls. 1048 a 1056 do suporte físico do processo).
20ª - A questão a decidir é pois
II – Questões a decidir:
No caso em apreço, a questão fundamental a decidir respeita a saber se os AA. têm direito a ser indemnizados, pelas RR., quantos aos danos, patrimoniais e não patrimoniais, que alegadamente lhes foram causados pela abertura ao trânsito de veículos e inerente exploração da autoestrada A--, no troço situado junto ao prédio urbano de que são proprietários, com base em responsabilidade civil extracontratual por facto lícito.
21ª - Os danos causados por factos anteriores à circulação foram considerados prescritos.
22ª – Considerou a douta sentença
Sofreu uma desvalorização de 35% em resultado da afectação do sistema de vistas com o rio…(pág. 39)
“antes da construção e entrada em funcionamento da A--, a habitação dos AA. estava ladeada de árvores e campos e tinha vista para o campo do Rio Mondego (cfr. ponto 35 dos factos provados), enquadramento paisagístico este que, como resulta, aliás, de um juízo fundado em regras da experiência comum e é facilmente compreensível, não pode deixar de se considerar afetado pela construção e posterior abertura ao público de uma autoestrada nessa mesma zona, o que naturalmente desvaloriza em termos de valor de mercado, qualquer habitação aí existente” (pág. 39).
A desvalorização vem na douta sentença fundamentada em factos que não são nos autos constitutivos dessa pretensão. Não são factos constitutivos do direito os seguintes em que a doura sentença assenta: 40) O valor do prédio dos AA., após a entrada em funcionamento da A--, sofreu uma desvalorização de 35% em resultado da afetação do sistema de vistas com o rio e, bem assim, da afetação da qualidade ambiental, que inclui o incremento do ruído (cfr. doc. de fls. 334 e 335 do suporte físico do processo).
Extrai-se, com efeito, do probatório que o valor do prédio dos AA., após a entrada e funcionamento da A--, sofreu uma desvalorização de 35% em resultado da afetação do sistema de vistas com o rio antes da construção e entrada em funcionamento da A--, a habitação dos AA. estava ladeada de árvores e campos e tinha vista para o campo do Rio Mondego (cfr. ponto 35 dos factos provados), enquadramento paisagístico este que, como resulta, aliás, de um juízo fundado em regras da experiência comum e é facilmente compreensível, não pode deixar de se considerar afetado pela construção e posterior abertura ao público de uma autoestrada nessa mesma zona, o que naturalmente desvaloriza, em termos de valor de mercado, qualquer habitação aí existente;
perder qualidade e valor em consequência da construção e funcionamento do aludido lanço de autoestrada que visou servir a comunidade. Desvalorização de todo inesperada, que os atinge especialmente, não extensível à população em geral. E é anormal porque o seu prédio perdeu 35% do valor que possuía antes da construção e entrada em funcionamento da A-- desvalorização sofrida pelo prédio dos AA. em consequência da autoestrada em apreço
23ª - Os factos constitutivos da pretensão de desvalorização são apenas as consequências produzidas pela circulação de veículos – qualidade do ar e ruído - e não também os citados na precedente conclusão. No que respeita a factos o juiz apenas pode ocupar-se das questões suscitadas (CPC 608º, nº 2, 3º, nº 3, 475º, 640º, 1 c)). A douta sentença conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento por situada fora dos temas da prova e do objecto do litígio.
24ª - Quando determina a desvalorização em função de 40) O valor do prédio dos AA., após a entrada em funcionamento da A--, sofreu uma desvalorização de 35% em resultado da afetação do sistema de vistas com o rio e, bem assim, da afetação da qualidade ambiental, que inclui o incremento do ruído (cfr. doc. de fls. 334 e 335 do suporte físico do processo).
Extrai-se, com efeito, do probatório que o valor do prédio dos AA., após a entrada em funcionamento da A--, sofreu uma desvalorização de 35% em resultado da afetação do sistema de vistas com o rio antes da construção e entrada em funcionamento da A--, a habitação dos AA. estava ladeada de árvores e campos e tinha vista para o campo do Rio Mondego (cfr. ponto 35 dos factos provados), enquadramento paisagístico este que, como resulta, aliás, de um juízo fundado em regras da experiência comum e é facilmente compreensível, não pode deixar de se considerar afetado pela construção e posterior abertura ao público de uma autoestrada nessa mesma zona, o que naturalmente desvaloriza, em termos de valor de mercado, qualquer habitação aí existente;
perder qualidade e valor em consequência da construção e funcionamento do aludido lanço de autoestrada que visou servir a comunidade. Desvalorização de todo inesperada, que os atinge especialmente, não extensível à população em geral. E é anormal porque o seu prédio perdeu 35% do valor que possuía antes da construção e entrada em funcionamento da A-- desvalorização sofrida pelo prédio dos AA. em consequência da autoestrada em apreço conhece em excesso de pronúncia sobre questões de facto fora dos temas de prova e do objecto do litígio, de que já não podia tomar conhecimento (608º, nº 2 e 615º, nº 1, d)).
25ª - Constituiu surpresa absoluta da recorrente, por totalmente inesperada, que esta matéria de facto tenha vindo a ser apreciada e fundamento da douta sentença, pois o que apenas estava em causa eram os efeitos da circulação e exploração e não da “existência da A-- no local onde foi construída” (douto despacho de 18-5-2017). Suprimiu-se totalmente o direito ao contraditório e de instrução e de defesa da recorrente.
26ª - A douta sentença atribuiu desvalorização não pela circulação e exploração - que considerou não causar dano – mas pela “existência da A-- no local onde foi construída”, mas este ponto ou questão estava afastado. Esse elemento inerente à destruição topográfica, ambiental e paisagística, influenciou decisivamente as avaliações do prédio consideradas pela douta sentença. Mas esse factor não pode ser considerado na avaliação influenciada pela “exploração”.
27ª - Esta matéria e questão de facto não está em apreciação na causa tendo dela já sido afastada pois que o que apenas estava em apreciação era o objecto do litígio acima identificado – qualidade do ar e ruído. Resulta patente do facto 40) não poder ser atribuída a indemnização porque considera aquilo que nos autos não se encontrava em apreciação nos temas da prova por não constituir objecto do litígio: Não há fundamento para os 35% fixados no facto 40) como consequência das meras circulação e exploração nem com o que já não era objecto do processo, afectação do sistema de vistas com o rio.
28ª - Não existe pois prova para a fixação de 35% no facto 40), nem que sejam efeito da circulação e exploração da autoestrada.
29ª - Nem o valor concluído no “Relatório de Avaliação” de 9-6-2011 é consequência das “meras abertura e circulação do trânsito”, que é apenas o que está em causa no litígio, pois diz:
“A avaliação foi realizada não considerando o impacto da auto-estrada A-- Estimamos assim que o impacto da auto-estrada A-- se traduz numa desvalorização patrimonial de cerca de 35%”.
30ª - Impacto da A-- era o que os AA pretenderam aditar como temas de prova e foi indeferido sem sua reclamação. Atentemos devidamente em que “facto que já não é objecto do litígio, a saber, a existência da A-- no local onde foi construída” (douto despacho de 19-5-2017).
31ª - A douta sentença valorou o relatório porque este considera “os diversos factores de impacto da presença da autoestrada no valor de mercado da habitação dos AA”, porém foi estabelecido que “já não é objecto do litígio a existência da A-- no local em que foi construída”. Isto é, em excesso de pronúncia, fundamenta em questão de facto que não é causa de pedir nem objecto do presente litígio.
32ª - Esta questão de facto a existência da A-- no local em que foi construída não foi objecto da causa, nem de contraditório nem defesa pela recorrente, na instrução e discussão do objecto do litígio, por dele não fazer parte. Na verdade a recorrente limitou-se a propor e produzir prova sobre “posto que referida às meras abertura e circulação do trânsito no troço da A--” (douto despacho de 19-5-2017) – qualidade do ar e ruído - porque aquela matéria já não fazia parte da discussão e objecto da causa.
33ª - Constitui absoluta e total surpresa lesiva do direito ao contraditório e de defesa da recorrente que tal questão de facto essencial venha agora em alargamento surpresa ao fundamento da douta sentença recorrida para fundar a atribuição de desvalorização, pois ela não constitui objecto do litígio e da instrução e discussão e a recorrente por isso não preparou nem exerceu o contraditório nem defesa nem a proposição e apresentação da prova e instrução acerca dela, pois tais questões de facto estavam, por o terem expressamente sido por despacho, excluídas dos temas da prova. Trata-se pois de questões de facto de alargamento surpresa que não podem ser consideradas como fundamento da decisão.
34ª - Toda a prova proposta e produzida pela recorrente apenas considerou o apuramento dos danos “causados pela abertura ao trânsito de veículos e pela exploração da Auto-estrada”, pois tinha antecipadamente sido decidido por douto despacho não reclamado que “a desvalorização inerente à prévia destruição topográfica, ambiental e paisagística não pode ser imputada ao evento “exploração” da auto-estrada”.
35ª - Isto porque a intervenção contraditória, instrutória e probatória da recorrente e a sua defesa não se referiu ao alargamento surpresa “a um facto que já não é objecto do litígio, a saber, a existência da A-- no local em que foi construída” (douto despacho de 18-5-2017).
36ª - Há excesso de pronúncia e violação do princípio do dispositivo na vertente relativa à conformação objectiva da instância «se o tribunal, apesar de se limitar a apreciar um pedido que foi formulado, exceder os seus poderes de cognição quanto à causa de pedir, violando a regra da identidade de causa de pedir e de causa de julgar».
37ª - Era necessário provar a desvalorização do prédio, posto que referida às meras abertura e circulação do trânsito no troço da A--. Na douta sentença a desvalorização não vem imputada à circulação e exploração – ruído e qualidade do ar – inexistindo este nexo de causalidade.
38ª - O direito de propriedade não é absoluto podendo ser sujeito a limitações, condicionamentos ou restrições e não foram provados prejuízos anormais ou inusitados por efeito das meras abertura e circulação do trânsito nem que a situação dos AA é distinta da dos restantes proprietários em situações análogas. Todos suportam o ónus natural do risco da vida em sociedade e os possíveis danos puramente patrimoniais imputáveis ao desenvolvimento público, económico e social.
39ª - Porque o dano apenas se concretiza ao nível das privações concretas que a coisa proporciona não se verifica nenhum dano actual, nem sequer previsível porque em momento nenhum os AA alegaram ter intenção de vender o prédio e uma perda de valor de mercado do bem só pode ser atendida se a vítima provar que tem a intenção de dispor da coisa (art. 564º do Civ.).
Subsidiariamente
40ª - Cometendo nulidade (609º, 1 e 615º 1 e)) a douta sentença condenou além dos € 87.000,00 pedidos; e contrariamente ao considerado pela douta sentença a diferença entre € 264.180,00 e € 191.100,00 não são € 92.463,00 mas € 73.080,00.
41ª - Os AA. cederam ao Banco Espírito Santo, S.A. o crédito de indemnização nos termos da apólice de seguro de imóvel sobre o prédio dos autos e constituíram hipoteca a favor do Banco Espírito Santo, S.A. para garantia do pagamento desse crédito cedido, resultante de indemnizações devidas por sinistro, expropriação e quaisquer outras causas relativas ao prédio.
42ª - Os AA. não são assim, porque o cederam, titulares do crédito de indemnização que invocam, caso este existisse e que não lhes poderia ser pago. A ré tomou conhecimento da cessão pela cópia do documento complementar junto à escritura pública junta com a petição.
Dispõe o art. 692º do Código Civil que
Se a coisa ou o direito hipotecado diminuir de valor e o dono tiver direito a ser indemnizado o titular da hipoteca conserva sobre o crédito respectivo as preferências que lhe competiam em relação à coisa onerada; e depois de notificado da existência da hipoteca o devedor da indemnização não se libera pelo cumprimento da sua obrigação com prejuízo desses direitos do credor.
43ª - A douta sentença apelada aplicou erradamente as normas dos artigos 6º do CPTA, 2º, 7º e 16º da Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, 352º, 358º, 376º, 564º e 692º do Código Civil e 410º, 475º, 591º, 1 c), 596º 1, 609º 1 e 640º 1 c) do CPC, cometendo as nulidades do art. 615º, nº 1, als. e) e d) do CPC.
44ª - A aplicação dos artigos 3º, 608º, nº 2, 475º e 640º, 1 c) do CPC fundada em norma deles extraída por interpretação que consinta esta violação dos direitos da recorrente ao contraditório e de defesa e instrução da causa fere essa dimensão interpretativa de inconstitucionalidade por violação do disposto nos arts. 2º e 20º da Constituição.

Sem contra-alegações.
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O Exmº Procurador-Geral Adjunto não emitiu parecer (art.º 146º do CPTA).
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Após vistos, cumpre decidir.
*
Os factos, julgados provados pelo tribunal “a quo”:
1) Por escritura pública de “compra e venda e empréstimo com hipoteca” outorgada em 23/07/2004 no Cartório Notarial de Soure, os AA. adquiriram, pelo preço de € 170.560,00, o prédio urbano composto de casa de habitação de rés-do-chão, com a superfície coberta de 213 m2 e logradouro com a área de 2.987 m2, sito no O. . P., no lugar de S. . B., freguesia de M…, concelho da F. . F., inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo 2.223, com o valor patrimonial tributário de € 32.589,00, e descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial da F. . F. sob o número 1934, tendo declarado que destinavam o prédio exclusivamente a sua habitação própria e permanente (cfr. docs. de fls. 21 a 29, 55 e 56 do suporte físico do processo).
2) Os AA. recorreram a empréstimo junto do Banco Espírito Santo, S.A. para financiamento da aquisição referida no ponto anterior (cfr. docs. de fls. 24 a 32 do suporte físico do processo).
3) Em 30/09/2004 foi celebrado um contrato de concessão entre o Estado Português, na qualidade de primeiro outorgante ou concedente, e a R. B., na qualidade de segunda outorgante ou concessionária, tendo em vista a conceção, projeto, construção, aumento do número de vias, financiamento, conservação e exploração, em regime de portagem, dos seguintes Lanços de Autoestrada: (i) IC1 – M- G. (A8-IC1) – Louriçal (IC8); (ii) IC1 – Louriçal (IC8) – F. . F. (A---IP3); (iii) IC1 – F. . F. (A---IP3) – Quiaios; e (iv) IC1 – Quiaios – Mira (cfr. doc. de fls. 83 a 129 do suporte físico do processo).
4) Constam do referido contrato de concessão, entre outras, as seguintes cláusulas:
“8 – Delimitação física da Concessão
8.1 – Os limites da Concessão são definidos em relação à Autoestrada que a integra pelos perfis transversais extremos da mesma, em conformidade com os traçados definitivos constantes dos projetos oficialmente aprovados.
8.2 – O traçado da Autoestrada será o que figurar nos projetos aprovados nos termos do artigo 34.
(…)
Capítulo VII
Funções do IEP – Instituto das Estradas de Portugal
27 – IEP – Instituto das Estradas de Portugal
Sem prejuízo dos poderes cometidos a outras entidades, sempre que no Contrato de Concessão se atribuam poderes ou se preveja o exercício de faculdades pelo Concedente, tais poderes e tal exercício poderão ser executados pelo IEP, salvo quando o contrário decorrer da regra em causa ou de disposição imperativa da lei.
(…)
Capítulo VIII
Conceção, projeto e construção da Autoestrada
(…)
30 – Disposições gerais relativas a estudos e projetos
30.1 – A Concessionária promoverá, por sua conta e inteira responsabilidade, e com o acompanhamento do Concedente, a realização dos estudos e projetos relativos aos Lanços a construir, Áreas de Serviço, centros de manutenção e conservação e outros equipamentos da Autoestrada, os quais deverão satisfazer as normas legais e regulamentares em vigor e, bem assim, as normas comunitárias aplicáveis, e respeitar os termos da Proposta.
30.2 – Os estudos e projetos referidos no número anterior deverão satisfazer as regras gerais relativas à qualidade, segurança, comodidade e economia dos utentes da Autoestrada, sem descurar os aspetos de integração ambiental e enquadramento adaptado à região que a mesma atravessa, e serão apresentados sucessivamente sob as formas de estudos prévios, incluindo Estudos de Impacte Ambiental, anteprojetos e projetos, podendo alguma destas fases ser dispensada pelo IEP, a solicitação devidamente fundamentada da Concessionária.
(…)
34 – Aprovação dos estudos e projetos
34.1 – Os estudos e projetos apresentados ao IEP nos termos dos artigos anteriores consideram-se tacitamente aprovados pelo MOP no prazo de 60 dias a contar da respetiva apresentação, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
(…)
40 – Responsabilidade da Concessionária pela qualidade da Autoestrada
40.1 – A Concessionária garante ao Concedente a qualidade da conceção e do projeto, bem como da execução das obras de construção, aumento e conservação dos Lanços previstos no n.º 5.1, responsabilizando-se pela sua durabilidade, em permanentes e plenas condições de funcionamento e operacionalidade, ao longo de todo o período da Concessão.
(…)
40.3 – A Concessionária responderá perante o Concedente e perante terceiros, nos termos gerais da lei, por quaisquer danos emergentes ou lucros cessantes resultantes de deficiências ou omissões na conceção, no projeto, na execução das obras de construção, aumento do número de vias e na conservação da Autoestrada (…).
(…)
Capítulo XVI
Responsabilidade extracontratual perante terceiros
76 – Pela culpa e pelo risco
A Concessionária responderá, nos termos da lei geral, por quaisquer prejuízos causados no exercício das atividades que constituem o objeto da Concessão, pela culpa ou pelo risco, não sendo assumido pelo Concedente qualquer tipo de responsabilidade neste âmbito”
(cfr. doc. de fls. 83 a 129 do suporte físico do processo).
5) Aquando da aquisição do prédio referido supra no ponto 1), os AA. não tinham conhecimento da projetada construção da A-- nem dos seus possíveis traçados.
6) Em 17/08/2005 o Secretário de Estado do Ambiente emitiu declaração de impacte ambiental (DIA) favorável à alternativa A+C+A do 1.º troço – Louriçal/Área de Serviço e à alternativa A do 2.º troço – Área de Serviço/M. do Projeto “A-- – Autoestrada M. G. /M. – Lanço L./M.”, mas condicionada ao cumprimento das condições e termos constantes do anexo à mesma declaração (cfr. doc. intitulado “DIA1299.pdf” constante da pasta “A-- – RECAPE” do CD 1 junto aos autos).
7) Através de reclamação dirigida à Inspeção-Geral do Ambiente e datada de 20/10/2005, os AA. queixaram-se do barulho proveniente da circulação rodoviária na autoestrada A--, solicitando a realização de um exame ao ruído na sua habitação, o que veio a dar origem ao processo de denúncia n.º RD 135/05 (cfr. docs. de fls. 683 e 700 do suporte físico do processo).
8) Em janeiro de 2006 foi elaborado o Projeto de Proteção Sonora para cumprimento da DIA referente ao Projeto “A-- – Autoestrada M- G./Mira – Lanço Louriçal/Quiaios”, o qual faz parte integrante do Relatório de Conformidade Ambiental do Projeto de Execução (RECAPE), aí se prevendo para o ano de 2017, em resultado do funcionamento da referida autoestrada, os níveis sonoros de 58 dB(A)/dia e 51 dB(A)/noite para a zona de S. .C., na qual se inclui o prédio dos AA., bem como as seguintes medidas de minimização do ruído: colocação de barreiras acústicas numa extensão de 170 metros (PK 14+605 – PK 14+775) e colocação de pavimento BMB numa extensão de 500 metros (PK 14+400 – PK 14+900) (cfr. doc. de fls. 715, no verso, e 716 do suporte físico do processo).
9) Na sequência da entrada em vigor da nova regulamentação relativa ao ruído, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17/01, foi necessário proceder à reformulação do Projeto de Proteção Sonora que antecede, tendo sido elaborado, em novembro de 2007, um novo Projeto de Proteção Sonora referente ao Projeto “A-- – Autoestrada M- G./M. – Sublanços L./A--/Q.”, o qual faz parte integrante do RECAPE, aí se prevendo para o ano de 2017, em resultado do funcionamento da referida autoestrada, os níveis sonoros de 61/62 dB(A)/Lden e 53/54 dB(A)/Ln para a zona de S. .C., na qual se inclui o prédio dos AA., bem como as seguintes medidas de minimização do ruído: colocação de barreiras acústicas numa extensão de 100 metros (PK 14+620 – PK 14+720) e colocação de pavimento BMB numa extensão de 500 metros (PK 14+400 – PK 14+900) (cfr. doc. de fls. 570 a 587 do suporte físico do processo).
10) Em ambos os sentidos da A--, entre o km 14+400 e o km 14+900, extensão que abrange a zona onde se situa o prédio dos AA., foi colocado pavimento do tipo betuminoso modificado com borracha (BMB), o qual baixa o nível de ruído do tráfego rodoviário que por ali passa (cfr. doc. de fls. 570 a 587 do suporte físico do processo).
11) Entre o km 14+620 e o km 14+720 da A--, entre a autoestrada e a habitação dos AA., foi colocada uma barreira acústica com 100 metros de comprimento, 2,5 metros de altura e a área de 250 m2, com a face refletora voltada para a via, a qual baixa o nível de ruído do tráfego rodoviário que por ali passa (cfr. doc. de fls. 570 a 587 do suporte físico do processo).
12) A barreira acústica referida no ponto anterior não abrange toda a propriedade dos AA.
13) A habitação dos AA. situa-se a uma cota superior em cerca de 10-12 metros àquela em que se encontra a via direita da autoestrada A--, sentido sul-norte, para lá de um talude de escavação da autoestrada em cujo topo foi colocada a referida barreira acústica.
14) Entre a habitação dos AA. e a barreira acústica existe ainda um caminho com cerca de 4 metros de largura (cfr. doc. de fls. 1881 do suporte físico do processo).
15) A habitação dos AA. dista, no total, cerca de 25 metros da faixa de rodagem mais próxima da autoestrada.
16) A inauguração e a abertura da autoestrada A-- ao público, no troço em questão junto da habitação dos AA., ocorreram no dia 17/05/2008 (acordo).
17) Em 26/08/2008, no âmbito da reclamação dos AA. que deu origem ao processo de denúncia n.º RD 135/05, referido supra no ponto 7), e já depois da abertura da A--, foi efetuada uma inspeção no local onde se situa a habitação dos AA., por parte da Inspeção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAOT), tendo como objeto o “ruído proveniente de uma infraestrutura rodoviária na A--/A-- – B., S.A.”, na sequência da qual foi elaborado o Relatório n.º 1022/2008, que contém as seguintes observações finais:
“(…) Os resultados obtidos nesta segunda companha de medição acústica apresentaram níveis expressos pelo indicador Lden de 60 dB(A) e Ln de 51 dB(A). Assim, pela análise dos registos acústicos obtidos conclui-se que à luz do Regulamento Geral do Ruído e concretamente no estipulado no artigo 11.º, o referido diploma legal encontra-se a ser cumprido.
Uma vez que o fundamento que deu origem à abertura deste processo de averiguação ambiental encontra-se a ser cumprido à luz da atual legislação sobre a matéria, propõe-se o arquivamento do respetivo registo de denúncia. (…)
(cfr. doc. de fls. 724 a 728 do suporte físico do processo).
18) Em 25/11/2008 foi elaborada a informação interna n.º I/2144/08/SE, que mereceu despacho de concordância do Inspetor Diretor da IGAOT de 26/11/2008, na qual se concluiu o seguinte:
Relativamente a este Processo, cumpre informar o seguinte:
1. O Sr. J. M.L.F.R, residente na Casa do Rio – Rua do (…), concelho da F. . F., apresentou uma reclamação a esta Inspeção-Geral devido ao ruído provocado pela circulação rodoviária nas Autoestradas n.º 14 e 17, as quais passam junto da sua habitação.
2. O signatário deslocou-se ao local para realizar duas campanhas de monitorização de ruído na habitação do reclamante nos dias 6 de maio de 2008 e mais recentemente no dia 26 de agosto de 2008, das quais resultaram que os valores obtidos foram inferiores aos estipulados para os períodos de referência, representados através dos indicadores Lden e Ln, verificando-se assim o cumprimento do valor limite de exposição para o período completo das 24 horas (Lden) e para o período noturno (Ln);
(…)
4. Propõe-se o arquivamento do Processo de Averiguação Ambiental”
(cfr. doc. de fls. 731 do suporte físico do processo).
19) Do Relatório Anual de Monitorização do Ambiente de 2009 relativo aos diversos sublanços da autoestrada A--, mais concretamente no respetivo Capítulo VI – Programa de Monitorização do Ambiente Sonoro, consta que foram efetuadas medições do ruído ambiente em novembro e dezembro de 2009 e, bem assim, em janeiro e fevereiro de 2010, tendo em conta o tráfego existente na referida autoestrada e também, sempre que necessário, nalguma estrada ou caminho mais próximo dos recetores de ruído em questão, sendo que o local de medição do ruído ambiente relativo aos recetores sensíveis localizados próximo dos sublanços monitorizados da autoestrada A-- que correspondem à localização da habitação dos AA. vem indicado como sendo o local RU42, sublanço Louriçal/Paião/A--, km 14+675 (cfr. doc. intitulado “VI_RuidoA--2009.pdf” da pasta “Volume I – Relatório Base” da pasta “A-- – Relatório Anual de Monitorização Ambiental 2009” do CD 1 junto aos autos).
20) De acordo com o relatório referido no ponto anterior, os níveis de ruído detetados no local RU42 encontram-se abaixo dos valores de referência estabelecidos legalmente para o indicador de ruído diurno-entardecer-noturno (Lden) e para o indicador de ruído noturno (Ln), tendo sido apurados os seguintes níveis de ruído:
- período diurno (7h às 20h) – 48,6 dB(A);
- período entardecer (20h às 23h) – 47,6 dB(A);
- período noturno (23h às 7h) – 45,6 dB(A);
- Lden – 52,6 dB(A)
(cfr. doc. intitulado “VI_RuidoA--2009.pdf” da pasta “Volume I – Relatório Base” da pasta “A-- – Relatório Anual de Monitorização Ambiental 2009” do CD 1 junto aos autos).
21) Do Relatório Anual de Monitorização do Ambiente de 2009 relativo aos diversos sublanços da autoestrada A--, mais concretamente no respetivo Capítulo V – Programa de Monitorização da Qualidade do Ar, constam as seguintes conclusões:
“Na campanha de monitorização realizada nos quatro locais de amostragem, as concentrações obtidas de CO1, NO2, Benzeno e PM10 são sempre inferiores aos respetivos valores limite legais para a proteção da saúde humana, presentes no Decreto-Lei n.º 111/2002, de 16 de abril.
Para o NOX, a título informativo, foi considerado o valor limite anual existente neste diploma legal, para a proteção da vegetação, verificando-se três resultados médios diários a exceder este valor limite relativo a um ano civil, pelo que não se podem considerar incumprimentos. De qualquer modo, há que realçar que as médias semanais são inferiores a este valor limite anual.
De acordo com as Rosas de Poluentes elaboradas para todos os parâmetros, conclui-se que a contribuição do tráfego rodoviário, nos sublanços em análise, para a concentração dos poluentes nos locais em estudo, não constitui a única fonte de poluição, o que era expectável, tendo em conta os reduzidos valores de tráfego rodoviário registados.
Da análise e comparação dos valores de tráfego médio diário registados durante as campanhas de monitorização de qualidade do ar e os resultados obtidos, para os quatro locais, verifica-se que não existe relação direta entre o aumento/diminuição do tráfego rodoviário e o acréscimo/diminuição dos níveis dos vários poluentes monitorizados, pelo que as variações nas concentrações dos poluentes encontram-se também associadas a fontes exógenas ao projeto”
(cfr. doc. intitulado “V_Qual_ArA--2009.pdf” da pasta “Volume I – Relatório Base” da pasta “A-- – Relatório Anual de Monitorização Ambiental 2009” do CD 1 junto aos autos).
22) Do Relatório Anual de Monitorização do Ambiente de 2010 relativo aos diversos sublanços da autoestrada A--, mais concretamente no respetivo Capítulo VI – Programa de Monitorização do Ambiente Sonoro, consta que os níveis de ruído detetados no local RU42 se encontram abaixo dos valores de referência estabelecidos legalmente para o indicador de ruído diurno-entardecer-noturno (Lden) e para o indicador de ruído noturno (Ln), tendo sido apurados os seguintes níveis de ruído:
i. No 1.º dia de monitorização em condições típicas de tráfego:
- período diurno (7h às 20h) – 48,6 dB(A);
- período entardecer (20h às 23h) – 47,6 dB(A);
- período noturno (23h às 7h) – 45,6 dB(A)
ii. No 2.º dia de monitorização em condições típicas de tráfego:
- período diurno (7h às 20h) – 51,3 dB(A);
- período entardecer (20h às 23h) – 49,8 dB(A);
- período noturno (23h às 7h) – 45,3 dB(A)
(cfr. doc. intitulado “VI_RuidoA--2010.pdf” da pasta “VOLUME_I-RB” da pasta “A-- – Relatório Anual de Monitorização Ambiental 2010” do CD 1 junto aos autos).
23) Do Relatório Anual de Monitorização do Ambiente de 2010 relativo aos diversos sublanços da autoestrada A--, mais concretamente no respetivo Capítulo V – Programa de Monitorização da Qualidade do Ar, constam as seguintes conclusões:
“Nas campanhas de monitorização de 2010, realizadas em seis locais de amostragem, as concentrações obtidas de NO2, NOx, Benzeno e PM10 são praticamente sempre inferiores aos respetivos valores limite legais para a proteção da saúde humana, presentes no Decreto-Lei n.º 102/2010, de 23 de setembro.
(…)
De acordo com as Rosas de Poluentes elaboradas para todos os parâmetros, conclui-se que a contribuição do tráfego rodoviário, nos sublanços em análise, para a concentração dos poluentes nos locais em estudo, não constitui a única fonte de poluição.
(…)
Por outro lado, da análise e comparação dos valores de tráfego médio diário registados durante as campanhas de monitorização de qualidade do ar e os resultados obtidos, para os seis locais, verifica-se que não existe relação direta entre o aumento/diminuição do tráfego rodoviário e o acréscimo/diminuição dos níveis dos vários poluentes monitorizados, pelo que as variações nas concentrações dos poluentes encontram-se também associadas a fontes exógenas ao projeto”
(cfr. doc. intitulado “V_ ArA--2009.pdf” da pasta “VOLUME_I-RB” da pasta “A-- – Relatório Anual de Monitorização Ambiental 2010” do CD 1 junto aos autos).
24) Do Relatório de Monitorização do Ar e Ruído em 2011 relativo aos diversos sublanços da autoestrada A--, mais concretamente no respetivo Capítulo IV – Programa de Monitorização do Ambiente Sonoro, não consta que tenham sido avaliados os níveis de ruído no local RU42, pese embora se tenha concluído, nos locais monitorizados, que os níveis de ruído detetados se encontram no geral abaixo dos valores de referência estabelecidos legalmente para o indicador de ruído diurno-entardecer-noturno (Lden) e para o indicador de ruído noturno (Ln) (cfr. doc. intitulado “IV_Ruido_A--2011.pdf” da pasta “Relatorio” da pasta “A-- – Relatório Anual de Monitorização Ambiental 2011” do CD 1 junto aos autos).
25) Do Relatório de Monitorização do Ar e Ruído em 2011 relativo aos diversos sublanços da autoestrada A--, mais concretamente no respetivo Capítulo III – Programa de Monitorização da Qualidade do Ar, constam as seguintes conclusões:
“Nas campanhas de monitorização de 2011, realizadas em seis locais de amostragem, as concentrações obtidas de CO, NO2, Benzeno e PM10 são praticamente sempre inferiores aos respetivos valores limite legais para a proteção da saúde humana, presentes no Decreto-Lei n.º 102/2010, de 23 de setembro.
(…)
De acordo com as Rosas de Poluentes elaboradas para todos os parâmetros, conclui-se que a contribuição do tráfego rodoviário, nos sublanços em análise, para a concentração dos poluentes nos locais em estudo, não constitui a única fonte de poluição.
(…)
Por outro lado, da análise e comparação dos valores de tráfego médio diário registados durante as campanhas de monitorização de qualidade do ar e os resultados obtidos, para os seis locais, verifica-se que não existe relação direta entre o aumento/diminuição do tráfego rodoviário e o acréscimo/diminuição dos níveis dos vários poluentes monitorizados, pelo que as variações nas concentrações dos poluentes encontram-se também associadas a fontes exógenas ao projeto”
(cfr. doc. intitulado “III_Ar_A--2011.pdf” da pasta “Relatorio” da pasta “A-- – Relatório Anual de Monitorização Ambiental 2011” do CD 1 junto aos autos).
26) Os valores de tráfego rodoviário na A-- e, em particular, no troço da autoestrada junto da habitação dos AA., são muito inferiores aos valores de tráfego rodoviário que foram inicialmente estimados nos Projetos de Proteção Sonora elaborados no âmbito do Relatório de Conformidade Ambiental do Projeto de Execução (RECAPE) para efeitos de determinação dos níveis sonoros previstos para o ano de 2017, em resultado do funcionamento da referida autoestrada, na zona onde se encontra localizada a habitação dos AA. (cfr. doc. intitulado “VI_RuidoA--2009.pdf” da pasta “Volume I – Relatório Base” da pasta “A-- – Relatório Anual de Monitorização Ambiental 2009”, doc. intitulado “VI_RuidoA--2010.pdf” da pasta “VOLUME_I-RB” da pasta “A-- – Relatório Anual de Monitorização Ambiental 2010” e doc. intitulado “IV_Ruido_A--2011.pdf” da pasta “Relatorio” da pasta “A-- – Relatório Anual de Monitorização Ambiental 2011”, todos do CD 1 junto aos autos).
27) Pelo ofício com a referência n.º 2650/GAIA/2011 de 30/12/2011, dirigido pela Agência Portuguesa do Ambiente à R. B. e relativo à concessão da A--, foi esta notificada de que, “verificando-se que estão instaladas as barreiras acústicas previstas, que não foram detetados valores em desconformidade legal e que os valores de tráfego rodoviário se situam muito abaixo dos valores estimados, apenas se afigura necessidade da estrada voltar a ser monitorizada quando os registos de tráfego se aproximarem dos estimados ou caso haja uma alteração legislativa que altere os valores limite de exposição ao ruído” (cfr. doc. de fls. 1875 do suporte físico do processo).
28) Pelo ofício com a referência n.º 115/GAIA/2012 de 26/01/2012, dirigido pela Agência Portuguesa do Ambiente à R. B. e relativo à concessão da A--, foi esta notificada de que “não existe uma influência significativa da exploração da A-- na qualidade do ar ambiente, pelo que se considera dispensável no futuro realizar novas campanhas para avaliação da qualidade do ar junto da via rodoviária” (cfr. doc. de fls. 1876 e 1877 do suporte físico do processo).
29) Nas proximidades da habitação dos AA. existe uma câmara giratória de videovigilância da autoestrada, nesta implantada.
30) Os AA. deixaram de utilizar o espaço exterior da habitação como faziam antes de entrar em funcionamento a autoestrada, por causa do ruído.
31) Os AA. ouvem, no interior da sua habitação, o barulho das viaturas a circular.
32) As luzes dos faróis das viaturas que circulam na autoestrada A-- são visíveis a partir da habitação dos AA.
33) Os AA. sentem-se incomodados com o ruído do tráfego rodoviário e com a projeção dos faróis das viaturas.
34) Os AA. compraram a habitação em causa com o intuito de viver no sossego e em tranquilidade com a natureza, bem como de melhorar a qualidade de vida das duas filhas e proporcionar-lhes um crescimento num ambiente saudável, tendo prescindido de uma vida na cidade da F. . F. para se mudarem para o campo, optando por uma habitação isolada e que oferecia privacidade.
35) Antes da construção e entrada em funcionamento da autoestrada A--, a habitação dos AA. estava ladeada de árvores e campos e tinha vista para o campo do Rio Mondego.
36) Os AA. colocaram junto da vedação da sua propriedade, do lado sul, vegetação, como bambus e trepadeiras, e painéis de urze.
37) Com a plantação de bambus e trepadeiras os AA. gastaram € 3.417,28 (cfr. doc. de fls. 36 do suporte físico do processo).
38) A substituição da caixilharia existente nas janelas e portas da habitação dos AA. permite diminuir o ruído que vem do exterior.
39) Em 08/06/2004, antes da entrada em funcionamento da A--, o prédio dos AA. foi avaliado, no âmbito do crédito à habitação concedido pelo Banco Espírito Santo, S.A. para financiamento da sua aquisição, no valor de € 264.180,00 (cfr. doc. de fls. 332 e 333 do suporte físico do processo).
40) O valor do prédio dos AA., após a entrada em funcionamento da A--, sofreu uma desvalorização de 35% em resultado da afetação do sistema de vistas com o rio e, bem assim, da afetação da qualidade ambiental, que inclui o incremento do ruído (cfr. doc. de fls. 334 e 335 do suporte físico do processo).
41) A petição inicial da presente ação deu entrada em juízo no dia 13/05/2011 (cfr. doc. de fls. 2 do suporte físico do processo).
42) A citação das RR. ocorreu no dia 16/05/2011 (cfr. docs. de fls. 47 e 49 do suporte físico do processo).
*
Os recursos.
O tribunal “a quo” concluiu “que as RR. devem ser solidariamente condenadas a pagar aos AA., a título de indemnização pelo prejuízo especial e anormal causado e decorrente da desvalorização do prédio dos AA., com a entrada em funcionamento da autoestrada A--, sublanço L. – Q., o montante de € 92.463,00, acrescido de juros de mora contados desde o trânsito em julgado da presente decisão e até efetivo e integral pagamento”, dando correspondente estatuição.
Ø O recurso dos AA.
Sobre a matéria de facto.
Quanto ao que foi julgado:
A primeira atenção versa que o tribunal tenha julgado como não provado (como consignou, sob alínea a) dos factos não provados) que “A substituição das caixilharias existentes nas janelas e nas portas da habitação dos AA. por caixilharias em material PVC está orçamentada em € 6.565,00.”.
Na expressão da sua convicção, exarou que “o documento que os AA. juntaram aos autos para prova do custo estimado da substituição das caixilharias existentes nas janelas e nas portas da sua habitação por caixilharias em PVC não se refere a este material em concreto, mas antes a “alumínio termolacado branco tipo ‘Tecnal’”, não resultando igualmente da prova testemunhal produzida uma demonstração sólida das despesas inerentes a tais trabalhos”.
O que está documentado claramente que não suporta a factualidade alegada; aparentada, mas não igual; se eventualmente a prova testemunhal pode suportar essa outra realidade, nem por isso deixa aquela que se tinha em confronto em erro de julgamento.
(Mas) também muito menos podem os AA. pretender que fique “plenamente provada a necessidade de proceder à substituição das caixilharias nas janelas e nas portas da habitação dos AA, por caixilharias em PVC, ou material similar, que foi orçamentado em € 6565,00, em maio de 2011.” (cfr. corpo de alegações).
Nem “a necessidade de proceder à substituição”, nem o “material similar” participam do juízo de não provado, a modos de permitir apontar um erro de julgamento para tirar juízo contrário.
E do que agora resulta, mantendo o que vem, permanece harmonia com o que se deu como provado no ponto 38 dos factos provados, que a substituição da caixilharia permitiria diminuir o ruído vindo do exterior; há benfeitorias úteis, necessárias e voluptuárias.
No que concerne aos factos dados como provados nos pontos 19) e 20) do elenco supra, o inconformismo dos recorrentes é na parte em que o primeiro diz que foi monitorizado, no ano de 2009, o ambiente sonoro, com medições ao ruído em Novembro e Dezembro de 2009, junto ao local RU42 (localização da habitação dos AA), e na parte em que o segundo discrimina os valores aí apurados.
Isto, face à prova documental constante dos autos.
Precisamente aquela em que o tribunal “a quo” também se apoiou: doc. intitulado “VI_RuidoA--2009.pdf” da pasta “Volume I – Relatório Base” da pasta “A-- – Relatório Anual de Monitorização Ambiental 2009” do CD 1 junto aos autos.
E que mostra não existir qualquer erro de julgamento no julgamento de facto.
Pois que o que está vertido corresponde ao que se encontra exarado no dito documento.
Aí consta:
1. ENQUADRAMENTO
A execução do Programa de Monitorização do Ambiente Sonoro compreendeu as seguintes fases distintas:
- Reconhecimento prévio no terreno dos receptores onde serão efectuadas as medições de ruído;
- Realização das medições de ruído;
- Elaboração do relatório de monitorização.
O reconhecimento prévio dos locais de medição do ambiente sonoro teve como objectivo avaliar a necessidade de relocalizar ou eventualmente eliminar alguns deles em função das características do local ou dos próprios objectivos da monitorização.
Nesse sentido foi efectuada pela AGRI-PRO Ambiente e pela Brisa nos dias 26, 27 e 28 de Outubro de 2009 uma visita de reconhecimento aos locais indicados no Plano de Monitorização do Ambiente Sonoro, tendo-se confirmado a exequibilidade dos locais propostos no referido plano.
No que respeita à frequência da amostragem, o programa de monitorização previa a realização de duas campanhas em 2009, preferencialmente uma representativa das condições médias anuais (a realizar de Julho a Dezembro, excepto no mês de Agosto) e a segunda no período de maior tráfego (Agosto).
No entanto, devido ao ajustamento efectuado no planeamento face ao inicio da prestação de serviços se ter concretizado em Setembro de 2009, não foram realizadas as medições previstas nos meses de Julho, Agosto, Setembro e Outubro.
Por outro lado, os elevados níveis de pluviosidade que se registaram no final de 2009 e inicio de 2010 implicaram que a campanha representativa das condições médias anuais se tenha prolongado para além de Fevereiro de 2010, enquanto que a campanha prevista para Agosto foi adiada para o ano de 2010.
No presente relatório apresentam-se apenas os resultados das medições do ruído ambiente efectuadas até Fevereiro de 2010, inclusive, que decorreram nas seguintes datas:
- 2, 3, 4, 5, 6, 18, 19, 20, 24, 25, 26, 27 de Novembro de 2009;
- 9, 10, 11, 14, 15, 16 de Dezembro de 2009;
- 27, 28, 29 de Janeiro de 2010;
- 1, 2, 3, 4 Fevereiro de 2010.
O relatório desenvolve-se depois sob vários pontos, onde vão sendo intercalados várias tabelas:
2. DESCRIÇÃO DO PROGRAMA DE MONITORIZAÇÃO
2.1 Parâmetros a Monitorizar
(…)
2.2 Locais de Amostragem
(…)
2.3 Métodos e Equipamentos de Recolha de Dados
(…)
2.4 Métodos de Tratamento dos Dados
(…)
2.5 Critérios de Avaliação dos Dados
(…)
3. RESULTADOS DO PROGRAMA DE MONITORIZAÇÃO
(…)
3.1 1ª Fase das Medições
(…)

3.2 2ª Fase das Medições
(…)
4. DISCUSSÃO E AVALIAÇÃO DOS RESULTADOS OBTIDOS
(…)
5. COMPARAÇÃO COM AS PREVISÕES EFECTUADAS NO EIA, RECAPE
5.1 Comparação com as Previsões Efectuadas no EIA / RECAPE
(…)
6. CONCLUSÕES
(…)
O local onde se situa a habitação dos AA. vem indicado como sendo o local RU42.
Avançam os AA. que nesse ponto não foi feita monotorização ao ruído em 2009, identificando erro no julgamento de facto, como se viesse afirmado como provado que tenham sido feitas tais medições em 2009.
Mas não é isso que ficou fixado como provado!
Não podem os autores censurar que “a monitorização ao ruído em 2009 não existiu, junto à habitação dos AA, ao contrário do que o Tribunal deu como provado”, quando tal não foi dado como provado.
Dai a má-fé que os AA. afirmem que no referido Relatório se “refere expressamente que nenhuma campanha da Qualidade do Ambiente sonoro, foi realizada junto à habitação dos AA. (ponto identificado como RU 42), pelo que, a monitorização ao ruído em 2009 não existiu, junto à habitação dos AA, ao contrário do que o Tribunal deu como provado”.
Não é verdade; em nenhuma parte se refere expressamente que “nenhuma campanha da Qualidade do Ambiente sonoro, foi realizada junto à habitação dos AA.”.
Só não é mais impressiva uma afirmação do desvirtuamento da realidade dos factos, conquanto se admite verter uma deficiente expressão de ideia, que antes poderá corresponder a uma interpretação pessoal conclusiva extraída dos dados constantes do Relatório; mas, reafirma-se, lido e relido o documento, em nenhum lado consta “expressamente que nenhuma campanha da Qualidade do Ambiente sonoro, foi realizada junto à habitação dos AA.”.
Num segundo passo, censuram os autores os valores discriminados [item 21)].
Valores que o juízo do tribunal “a quo” viu consignados no Relatório, com seguinte mensuração:
período diurno (7h às 20h) – 48,6 dB(A);
período entardecer (20h às 23h) – 47,6 dB(A);
período noturno (23h às 7h) – 45,6 dB(A);
Lden – 52,6 dB(A
Os AA. aduzem que há erro; em bloco, sem especificamente distinguirem quanto a qualquer um dos valores.
Do “Quadro VI. 2 – Níveis de Ruído Ambiente Registados na 1ª Fase de Monitorização” constam os ditos valores.
Não há erro de julgamento.
Quanto ao que se pretende aditado:
Trata-se da medição realizada no mês de outubro de 2005, junto à habitação dos AA, na fase do projeto de construção da A--, documentalmente suportada, correspondente ao ponto M5, que os autores dizem permite concluir que existiu um incremento sonoro, entre a situação existente em outubro de 2005 (antes da A-- estar aberta ao tráfego de veículos) e em agosto de 2008 (após a A-- estar aberta ao tráfego de veículos).
Mas é aditamento inútil.
Primeiro, documentada e sem controvérsia, sempre pode ser atendida, mesmo não constante de elenco probatório.
Depois, desnecessário ao fim.
O tribunal “a quo” acolheu sem rebuços que existiu um incremento sonoro.
Como se escreve na decisão recorrida:
«(…)
Não se ignora – e, aliás, resulta de um juízo fundado em regras de experiência comum – que o funcionamento de uma autoestrada implica, certamente, pelo tráfego rodoviário inerente à mesma, um incremento dos níveis de ruído e de poluição atmosférica nas zonas envolventes e, com isso, uma correspondente perda de qualidade ambiental.
Decorre, com efeito, do probatório que os AA. deixaram de utilizar o espaço exterior da habitação como faziam antes de entrar em funcionamento a autoestrada, por causa do barulho das viaturas a circular, que se ouve no interior da sua habitação; que as luzes dos faróis das viaturas que circulam na autoestrada A-- são visíveis a partir da habitação dos AA. que, por isso, se sentem incomodados com o ruído do tráfego rodoviário e com a projeção dos faróis das viaturas;
(…)»
• Sobre o direito.
O recurso dos autores incide sobre dois pontos:
- danos julgados não anormais;
- juros.
Tirando em deriva estar incorrecta a condenação de custas.
O tribunal “a quo”, depois de expor o quadro jurídico, fundamentou, logo a seguir do que imediatamente supra se deixou extractado:
«(…)
Julgamos, porém, que este aumento de ruído e de poluição do ar, atentos os factos provados e os contornos da situação concreta, não permite concluir que os alegados prejuízos morais sofridos pelos AA. assumem a necessária característica da anormalidade exigida pelo art.º 16.º do RRCE. Não há dúvidas de que são prejuízos especiais, porquanto atingem um concreto indivíduo ou grupo de indivíduos e não a generalidade dos cidadãos.
Temos, contudo, sérias reservas quanto à verificação da anormalidade desses prejuízos.
Isto porque, desde logo, extrai-se da factualidade provada que em ambos os sentidos da A--, entre o km 14+400 e o km 14+900, numa extensão que abrange a zona onde se situa o prédio dos AA., foi colocado pavimento do tipo betuminoso modificado com borracha (BMB), o qual baixa o nível de ruído do tráfego rodoviário que por ali passa.
Também entre o km 14+620 e o km 14+720 da A--, entre a autoestrada e a habitação dos AA., foi colocada uma barreira acústica com 100 metros de comprimento, 2,5 metros de altura e a área de 250 m2, com a face refletora voltada para a via, a qual baixa o nível de ruído do tráfego rodoviário que por ali circula (cfr. pontos 10 e 11 dos factos provados). Mais se sabe que a habitação dos AA. se situa a uma cota superior em cerca de 10-12 metros àquela em que se encontra a via direita da autoestrada A--, sentido sul-norte, para lá de um talude de escavação da autoestrada em cujo topo foi colocada a referida barreira acústica, existindo, ainda, entre esta e a habitação dos AA. um caminho com cerca de 4 metros de largura. O que significa que a habitação dos AA. dista, no total, cerca de 25 metros da faixa de rodagem mais próxima da autoestrada (cfr. pontos 13 a 15 dos factos provados).
Por outro lado, dos Relatórios Anuais de Monitorização do Ambiente dos anos de 2009, 2010 e 2011, relativos aos diversos sublanços da autoestrada A--, nos capítulos referentes ao ambiente sonoro e à qualidade do ar, consta que os níveis de ruído detetados no local onde se situa a habitação dos AA. (com exceção do ano de 2011, em que este local não foi, em concreto, monitorizado, sendo que tal se nos afigura irrelevante, face às avaliações dos anos anteriores) se encontram sempre abaixo dos valores de referência estabelecidos legalmente para o indicador de ruído diurno-entardecer-noturno (Lden) e para o indicador de ruído noturno (Ln), ou seja, nunca foram ultrapassados os limites fixados e permitidos por lei quanto à produção de ruído, e, bem assim, que as concentrações de gases/fumos na atmosfera são praticamente sempre inferiores aos respetivos valores limite legais para a proteção da saúde humana (cfr. pontos 19 a 25 dos factos provados). Resultados estes que, note-se, determinaram a dispensa de apresentação, pela R. B., dos relatórios de monitorização a partir do ano de 2012, conforme decidido pela Agência Portuguesa do Ambiente (cfr. pontos 27 e 28 dos factos provados).
Com particular relevo para esta matéria, também resultou provado – o que estará, aliás, em consonância com o pouco significativo incremento do ruído e da poluição do ar acima descrito – que os valores de tráfego rodoviário na A-- e, em particular, no troço da autoestrada junto da habitação dos AA., são muito inferiores aos valores de tráfego rodoviário que foram inicialmente estimados nos Projetos de Proteção Sonora elaborados no âmbito do Relatório de Conformidade Ambiental do Projeto de Execução (RECAPE) para efeitos de determinação dos níveis sonoros previstos para o ano de 2017, em resultado do funcionamento da referida autoestrada, na zona onde se encontra localizada a habitação dos AA. (cfr. ponto 26 dos factos provados).
Ou seja, toda esta factualidade, analisada no seu conjunto, não permite, quanto a nós, formular um juízo no sentido de que os danos não patrimoniais ora invocados pelos AA. são prejuízos anormais, isto é, que assumem uma gravidade intrínseca, não assimilável à normal compressão de direitos ou à imposição de pequenos encargos que a ação administrativa e a vida em sociedade naturalmente comportam. Nem permite concluir que houve uma frustração total e insuportável (isto é, anormal), como alegam os AA., das suas expectativas de uma vida em tranquilidade, no local em que escolheram viver, devido aos transtornos causados pelo funcionamento da autoestrada e pelo barulho dos veículos que nela agora circulam, e que seja merecedora da tutela do direito neste caso específico de indemnização pelo sacrifício.
Note-se que estes danos não patrimoniais somente podem ser indemnizados quando, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo que a fixação da sua indemnização deve, nesse caso, ser feita de forma equitativa, tendo em atenção, em cada caso, o grau de culpa do agente, a sua situação económica e a do lesado, bem como as outras circunstâncias do caso cuja influência nele se faça sentir, tais como a personalidade do indemnizado e o grau do seu sofrimento ou frustração.
In casu, houve, naturalmente, um incremento dos níveis de ruído e de poluição do ar, bem como o surgimento de incómodos relacionados com o avistamento dos veículos na autoestrada (dos seus faróis), mas não numa tal dimensão que seja causa de danos e prejuízos (morais) anormais. Não basta que tenha havido um aumento do ruído e da poluição do ar, é necessário que esse aumento tenha sido de tal forma significativo que pudesse fundar um juízo de anormalidade dos danos morais daí decorrentes.
E o mesmo se diga da questão da devassa da privacidade dos AA., porquanto apenas resultou provado – e nada mais – que, nas proximidades da sua habitação, existe uma câmara giratória de videovigilância da autoestrada, nesta implantada (cfr. ponto 29 dos factos provados), o que é manifestamente insuficiente para se concluir, sem mais, no sentido da perda de privacidade dos AA. em resultado do funcionamento da A--.
Não se verifica, portanto, o requisito da anormalidade dos danos não patrimoniais invocados pelos AA., pelo que não são os mesmos passíveis de ser indemnizados pelas RR. ao abrigo da responsabilidade civil extracontratual por factos lícitos.
Ademais, uma outra questão levaria à impossibilidade de indemnização destes danos, concernente ao quarto requisito para responsabilização das RR., ou seja, a existência de nexo de causalidade entre o ato e o prejuízo.
Isto porque da factualidade assente não é possível asseverar que o ruído que os AA. ouvem na sua propriedade provém, única e exclusivamente, do tráfego rodoviário da A--, nem é possível determinar, nesse caso, qual a medida do ruído efetivamente proveniente da circulação automóvel na A--. De referir que, já em 20/10/2005 (antes da abertura da A--), através de reclamação dirigida à Inspeção-Geral do Ambiente, os AA. queixaram-se do barulho proveniente da circulação rodoviária na autoestrada A--, solicitando a realização de um exame ao ruído na sua habitação, o que veio a dar origem ao processo de denúncia n.º RD 135/05. Este processo veio, porém, a ser arquivado pelo facto de os valores detetados em avaliação efetuada para esse efeito se terem contido nos limites legais estabelecidos (cfr. pontos 7, 17 e 18 dos factos provados). Tal significa, portanto, que o ruído que os AA. ouvem provirá igualmente da A-- e não (apenas) da A--, desconhecendo-se, todavia, a medida de contribuição de ambas as autoestradas para o ruído em causa.
(…)
Reclamam os AA., por um lado, o pagamento, a título indemnizatório, do montante total de € 9.982,28, pela colocação de barreiras, junto à vedação do seu prédio, de forma a minorar o impacto visual e sonoro da A--, nomeadamente vegetação (bambus e trepadeiras), tendo suportado a despesa de € 3.417,28, bem como pela necessária e urgente substituição das caixilharias das janelas e portas da sua habitação, com material apropriado para a insonorização, o qual está orçamentado em € 6.565,00.
Julgamos, no entanto, que, atento o que supra ficou exposto a propósito do incremento do ruído na zona da habitação dos AA., que não justifica, nomeadamente, a anormalidade dos danos morais daí resultantes e peticionados nos autos, à mesma conclusão se tem de chegar quanto aos danos patrimoniais em apreço.
Como se viu, tendo resultado provado que o aumento dos níveis de ruído não foi significativo, situando-se os mesmos dentro dos padrões normais e aquém dos limites legalmente fixados, conjugado com o facto de as RR. terem providenciado, como era sua obrigação, pela adoção das medidas de minimização do ruído que se mostravam necessárias em face dos estudos prévios realizados (e que previam níveis de ruído bem superiores aos que se vieram efetivamente a verificar, atento o diminuto tráfego rodoviário no troço da A-- em causa), as despesas incorridas pelos AA. com a colocação de barreiras de bambus e trepadeiras e as despesas que terão de suportar para trocarem as caixilharias existentes na sua habitação (pese embora a quantificação destas últimas não tenha resultado provada) não se afiguram danos anormais que devam ser indemnizados pelas RR. ao abrigo da sua responsabilidade civil por facto lícito.
(…)»
É de confirmar.
Logo pelo compromisso para com a matéria de facto; e porque é assim de direito.
Do enquadramento jurídico a que o tribunal “a quo” fez apelo, merece destaque que “Dispõe o art.º 2.º do RRCE que, “para os efeitos do disposto na presente lei, consideram-se especiais os danos ou encargos que incidam sobre uma pessoa ou um grupo, sem afetarem a generalidade das pessoas, e anormais os que, ultrapassando os custos próprios da vida em sociedade, mereçam, pela sua gravidade, a tutela do direito”.
Segue mesma solução normativa dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas de direito público, por actos lícitos praticados no domínio de gestão pública, antes prevista no artigo 9º do DL nº 48051, de 21.11.67: i) um acto lícito do Estado ou de outra pessoa colectiva pública; ii) praticado por motivo de interesse público; iii) um prejuízo especial ou anormal; iv) nexo de causalidade entre o acto e o prejuízo.
“Por prejuízo especial entende-se o que não é imposto à generalidade dos cidadãos, mas a pessoa certa e determinada em função de uma específica posição relativa; por prejuízo anormal entende-se aquele que não é inerente aos riscos normais da vida em sociedade, suportados por todos os cidadãos, ultrapassando os limites impostos pelo dever de suportar a actividade lícita da Administração.” – Ac. do STA, de 08-11-2018, proc. n.º 01305/15.1BALSB.
A questão sob recurso é a da anormalidade do dano, opinando os autores que perante as circunstâncias de facto provadas, mais ainda com as propostas alterações na matéria de facto (e, a propósito, diga-se que mesmo numa comparação da medição em Outubro de 2005 com valores de Agosto de 2008, não é o aumento que dita de alguma anormalidade; fundamental seria que esse aumento se traduzisse em Agosto de 2008 em valores representativos duma anormalidade; o que desde logo será de afastar quando até se contém dentro de valores legais), será antes de tirar conclusão contrária àquela que foi a do tribunal “a quo”.
Mas entende-se que o tribunal “a quo” julgou bem, sem que o recurso fragilize a sua fundamentação, e sem necessidade de maior aporte.
Não refutando um impacto, mas não chegando a uma anormalidade.
Sobre os juros, o tribunal “a quo” entendeu:
«(…)
Peticionam, ainda, os AA. juros de mora, calculados desde a citação e até efetivo e integral pagamento.
Julgamos, todavia, que, estando em causa a responsabilidade civil das RR. por facto lícito, a mora só ocorre após o trânsito em julgado da sentença que a reconheça, de acordo com o disposto no art.º 805.º, n.º 2, alínea b), e n.º 3, a contrario, do Código Civil, pelo que são apenas devidos juros de mora a partir desse trânsito (cfr. o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 01/03/2012, proc. n.º 07528/11, publicado em www.dgsi.pt).
Para o cálculo dos juros moratórios devidos pelas RR., a taxa de juro aplicável é de 4% ao ano, nos termos da Portaria n.º 291/2003, de 08/04 (cfr. art.os 806.º, n.os 1 e 2, e 559.º do Código Civil).
(…)»
Os autores têm razão, em tese.
«A norma do artº. 805º, nº. 3, do C. Civil, deve interpretar-se no sentido de abranger também as hipóteses em que a obrigação de indemnização resulte de facto lícito.» - Ac. do STA, de 18-06-2015, proc. n.º 01314/13.
Posto que haja obrigação de indemnizar, o que passa pela análise, também, dos recursos dos RR..
Sobre as custas, ao final se versará.
Cfr. Ac. do STA, de 12-04-2007, proc. n.º 01207/06:
I - A possibilidade de ampliação do objecto do recurso, nos termos do art.º 684-A, n.º 1, do CPC, não visa substituir a necessidade de interposição de recurso jurisdicional (principal ou subordinado) por parte daqueles que se julguem prejudicados com uma decisão de um tribunal, mas sim permitir ao recorrido a reabertura da discussão sobre determinados pontos (fundamentos) que foram por si invocados na acção (e julgados improcedentes), mas só e apenas se o recurso interposto, sem essa apreciação, for de procedência.
O que não é o caso (anotando-se a indiferença da ampliação quanto à questão de contagem da mora).
Ø Os recursos dos RR.
• Sobre a matéria de facto.
Coenvolve pronúncia não restrita ao puro domínio do facto.
O tribunal “a quo” ponderou que:
«(…)
Extrai-se, com efeito, do probatório que o valor do prédio dos AA., após a entrada em funcionamento da A--, sofreu uma desvalorização de 35% em resultado da afetação do sistema de vistas com o rio e, bem assim, da afetação da qualidade ambiental, que inclui o incremento do ruído, sendo certo que, em 08/06/2004, ou seja, antes da entrada em funcionamento da A--, tal prédio foi avaliado, no âmbito do crédito à habitação concedido pelo Banco Espírito Santo, S.A. para financiamento da sua aquisição, no valor de € 264.180,00 (cfr. pontos 39 e 40 dos factos provados).
Não se pode perder de vista que, antes da construção e entrada em funcionamento da A--, a habitação dos AA. estava ladeada de árvores e campos e tinha vista para o campo do Rio Mondego (cfr. ponto 35 dos factos provados), enquadramento paisagístico este que, como resulta, aliás, de um juízo fundado em regras da experiência comum e é facilmente compreensível, não pode deixar de se considerar afetado pela construção e posterior abertura ao público de uma autoestrada nessa mesma zona, o que naturalmente desvaloriza, em termos de valor de mercado, qualquer habitação aí existente. E o mesmo se diga da afetação da qualidade ambiental, incluindo o incremento do ruído, sendo certo que, pese embora tenhamos considerado, atentos os contornos do caso concreto e as especiais características de que se revestem os danos morais, que tal era insuscetível de fundamentar a anormalidade destes últimos danos, entendemos que, quanto à desvalorização da habitação, a anormalidade (e especialidade) do dano patrimonial daí decorrente já se verifica e justifica a responsabilização das RR.
Conforme tem sido entendimento pacífico da jurisprudência, não poderá deixar de se concluir que o prejuízo invocado – desvalorização da casa – é especial porque atinge especialmente os AA., que viram a sua habitação, por via da sua preexistência naquele local, perder qualidade e valor em consequência da construção e funcionamento do aludido lanço de autoestrada que visou servir a comunidade. Desvalorização de todo inesperada, que os atinge especialmente, não extensível à população em geral. E é anormal porque o seu prédio perdeu 35% do valor que possuía antes da construção e entrada em funcionamento da A-- – o que só por isso determina a sua relevância indemnizatória –, sacrifício que não é imposto à generalidade dos cidadãos, não podendo considerar-se consequência dos riscos resultantes da vida em sociedade (cfr., entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19/12/2012, acima citado, bem como os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 15/03/2012, proc. n.º 01290/06.0BEBRG, de 22/10/2015, proc. n.º 01098/04.8BEBRG, e de 08/04/2016, proc. n.º 01095/04.3BEBRG, publicados em www.dgsi.pt).
Ademais, não há dúvidas quanto à proveniência do dano e, por isso, quanto à verificação do quarto requisito da responsabilidade civil por facto lícito, respeitante à existência de nexo de causalidade entre a atuação lícita – a entrada em funcionamento da A-- – e o prejuízo invocado – a desvalorização da habitação dos AA.
Temos, pois, que as RR., preenchidos todos os respetivos pressupostos, devem ser responsabilizadas pelo dano patrimonial em apreço, que é especial e anormal.
Em termos de quantificação do dano, e porque aqui está em causa a desvalorização que a entrada em funcionamento e abertura ao público da A-- acarretou para a habitação dos AA., deve atender-se, para este efeito, ao valor que essa habitação possuía antes da inauguração da autoestrada, ou seja, ao valor de € 264.180,00, resultante de uma avaliação feita no âmbito do crédito à habitação concedido pelo Banco Espírito Santo, S.A. para financiamento da sua aquisição e que, nessa medida, entendemos ser um valor que espelha, com razoável grau de exatidão, o valor de mercado da habitação dos AA. àquela data.
Ora, aplicando sobre este valor a percentagem de desvalorização registada e provada (35%), alcançamos o montante de € 92.463,00, que corresponde, portanto, à desvalorização sofrida pelo prédio dos AA. em consequência da autoestrada em apreço e pela qual estes devem ser ressarcidos pelas RR. (e que se mostra dentro do valor do pedido globalmente formulado – art.º 609.º, n.º 1, do CPC).
De acordo com o art.º 497.º, n.º 1, do Código Civil (também aplicável no âmbito da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas), se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade.
Uma última nota para referir que não procede a alegação da R. B. de que o crédito de indemnização invocado pelos AA. foi cedido por estes ao Banco Espírito Santo, S.A., nos termos da apólice de seguro de imóvel sobre o prédio dos autos, pelo que os AA., não sendo titulares do direito à indemnização em causa, caso essa indemnização fosse devida não lhes podia, porém, ser paga. Ao invés, o que resulta do documento complementar à escritura pública de “compra e venda e empréstimo com hipoteca” referente à habitação dos AA. não é a transferência da titularidade do crédito indemnizatório, mas apenas que o Banco, como credor hipotecário, poderá receber, até ao pagamento integral das responsabilidades assumidas, indemnizações devidas por sinistro, expropriação e quaisquer outras causas relativas ao prédio, sendo certo que, no caso dos autos, não resulta que tal possibilidade tenha sido exercida pela instituição bancária.
(…)».
Um primeiro ponto, rejeitando que a sentença tenha incorrido em nulidade(s).
Conheceu do que deveria conhecer, sem condenar para além do que podia.
Não é correcto o espartilho que as rés querem imputar à cognição.
Efectivamente, por despacho de 22/11/2016 (cfr. Acta de Audiência Prévia com tal data; despacho rectificado por despacho de 18-05-2017), identificou-se como objeto do litígio nesta acção: "Na pretensão, por parte dos Autores, de serem indemnizados pelos Réus Estradas de Portugal S.A. e B. - A. E. . L. S.A., com fundamento na responsabilidade civil extracontratual, pelos danos por si sofridos, enquanto moradores e proprietários do prédio urbano identificado nos artigos 1° a 3° da PI, causados pela abertura ao trânsito de veículos e pela exploração da Auto-estrada Al7 junto àquele prédio, danos patrimoniais e não patrimoniais que os Autores avaliam em 98 382 €, devido à desvalorização do imóvel, e em 60 000 €, respectivamente".
A prolação deste despacho decorre depois de “Atentos os termos do douto despacho saneador deste mínima instância e do douto acórdão do TCAN”, de onde foi tirada a cessação das intervenções acessórias”.
E, necessariamente, termos que também vertem reflectidos na instância da acção.
Recorde-se que os autores peticionaram indemnização danos no montante total de € 197.273,28 (e juros), que podem ser declinados nas seguintes parcelas:
A. Danos contemporâneos à construção da auto-estrada: € 40.000,00, a título de danos morais;
B. Danos posteriores à entrada em funcionamento da auto-estrada:
- € 60.000,00, a título de danos morais; e
- € 97.273,28, a título de danos patrimoniais, conforme se discrimina:
a. Esteiras de urze, no valor de € 1.200,00;
b. Plantação de bambus e trepadeiras, no valor de € 3.417,28;
c. Substituição de caixilharia para PVC, no valor de € 6.565,00;
d. Desvalorização do imóvel em cerca de 30%, no valor de € 87.000,00.
Por via do que se encontra já transitado em julgado (incluindo a autoridade do Ac. do STA motivado por recurso sobre o Ac. deste TCAN; não devendo dele fazer-se errónea leitura, quando é certo que manteve o decidido, sob a fundamentação que sustentava, mesmo admitindo que poderia equacionar-se outra solução) só ficaram fora de conhecimento aqueles primeiros danos “Danos contemporâneos à construção da auto-estrada: € 40.000,00, a título de danos morais”, sobre os quais recaiu reconhecimento de prescrição.
Assim, poderia ser prosseguido conhecimento para julgamento da demais matéria alegada pelos AA., que no que especificamente respeita à “desvalorização” do imóvel (e no realce do que agora se cuida) não se confinou a uma questão de ruído, afastando temática de destruição topográfica, ambiental, paisagística.
Recorde-se, extractando da p. i.:
158º
Acresce ainda, a título de danos patrimoniais, a desvalorização do prédio dos AA.
159º
Ora, para um particular poder efectuar uma construção, esta tem de distar, no mínimo 50 mts da construção da Auto-estrada.
160º
Chama-se esta, zona non edificandi .
161º
E, ao contrário ? Será que pode ser construída a Auto-estrada, a uma distância de 4 mts de uma habitação?
162º
Onde fica o princípio da Igualdade?
163º
Há aqui um carácter restritivo das limitações aos direitos fundamentais ( expressos no Artº 18 da Constituição da República Portuguesa).
164º
E, os direitos devem prevalecer sobre as restrições, principalmente na situação em concreto.
165º
Não só porque, se trata de uma via que ao expropriado não traz qualquer vantagem, porque não tem nenhum acesso a ela, a partir do seu prédio.
166º
Como também, porque desvalorizam um terreno sem compensarem o proprietário por isso.
167º
Aliás, relacionado com este facto, está a questão da desvalorização da propriedade. Isto é,
168º
O imóvel adquirido pelos AA, em Julho de 2004, encontrava-se avaliado, em 287 154,66 ( Duzentos e oitenta e sete mil cento e cinquenta e quatro euros e sessenta e seis cêntimos ).- Protestando juntar, no prazo de 20
dias, documento comprovativo.
169º
Neste momento, ter como vizinho uma Auto-estrada, não é uma situação desejada por ninguém, principalmente para quem decide ir viver para o campo e sai da cidade.
170º
Escolhendo uma habitação isolada, longe de tudo e de todos.
171º
É pressuposto, quando se opta por sair da cidade e ir viver para o campo, não ir encontrar as desvantagens do ambiente citadino.
172º
Nomeadamente no que concerne à poluição sonora e ambiental.
173º
Bem como, a paisagem que se procura.
174º
Pelo que, na presente data, há uma desvalorização pelo incómodo causado com o surgir do ruído, provocado pelo tráfego da circulação automóvel na auto-estrada, que é estimado em 30% do valor do prédio.
175º
Há uma depreciação efectiva de cerca de 30%, na sua avaliação actual.- Protesta juntar documento comprovativo de tal desvalorização.
176º
O referido imóvel propriedade dos AA, actualmente, está avaliado em valor inferior a 200 000,00 € (duzentos mil euros ).
177º
Pelo que existe uma desvalorização da referida propriedade, em cerca de 87 000,00€ (oitenta e sete mil euros).
178º
Valor este que, desde já, se reclamam, a título de prejuízos patrimoniais.
179º
Atendendo a esta desvalorização do prédio, não têm sequer, os AA, condições para se desfazerem do imóvel,
180º
Sem que, com isso, sofram um enorme prejuízo patrimonial, resultante da sua desvalorização.
181º
Sendo certo que, canalizaram todas as suas economias e recorreram a um empréstimo bancário pesado, para o adquirir.
182º
E, os valores que hoje poderiam realizar com a venda do mesmo, não seriam suficientes para honrar estes compromissos.
183º
Pelo exposto, totaliza assim, o montante de 97 273,28 € ( noventa e sete euros duzentos e setenta e três euros e vinte e oito cêntimos ), o prejuízo, a título de danos patrimoniais.

Requereram os AA. (req. de 26-04-2017) que fossem acrescentados temas de prova relativos à desvalorização do imóvel, assim enunciados:
- O imóvel tem o seu valor de mercado comprometido, em virtude da sua aproximação com a auto-estrada;
- O impacto da auto estrada A--,traduz-se numa desvalorização patrimonial de cerca de 87 000,00€ (oitenta e sete mil euros);
- A que corresponde o valor aproximado de 30 a 35%, do valor do imóvel.
O tribunal “a quo”, por despacho de 18/05/2017, considerou que os AA:
“Porém referem a causa da desvalorização ora em juízo a um facto que já não é objecto do litígio, a saber, a existência da A-- no local em que foi construída.
Não deixa, contudo, de ter sentido, do ponto de vista dos Autores, acrescentar temas de prova relativos à desvalorização do prédio, posto que referida às meras abertura e circulação do trânsito no troço da A-- aqui em causa.
Como assim, acrescenta-se aos temas de prova os seguintes:
16 – Se o valor de mercado do imóvel dos AA diminuiu em consequência da abertura ao trânsito e da exploração da A-- na sua proximidade.
17 – Se essa desvalorização se traduz em cerca de 87 000 €
18 – Se este valor de 87 000 € corresponde aproximadamente a 30% - 35% do valor do imóvel.”.
A interpretar como as RR. pretendem, óbvio que o despacho nem poderia ser atendido por ofensivo do transitado em julgado, e até definido por tribunal superior.
Mas certamente que não é com esse sentido que deve ele ter interpretação.
Fora de dúvidas que tem toda a impressividade de querer acolher e ressalvar esse anterior julgado.
Ainda que com imprecisão linguística, a devida interpretação correctiva - coincidente com as fronteiras de conhecimento de anterior pronúncia quanto à prescrição - afasta o espectro de nulidade(s) brandido.
O tribunal “a quo” podia averiguar da “desvalorização” do imóvel em função do “resultado da afetação do sistema de vistas com o rio e, bem assim, da afetação da qualidade ambiental, que inclui o incremento do ruído”.
Afirmou que essa desvalorização foi de 35%.
Para tanto, alinhou que:
«(…)
Por fim, quanto aos factos indicados nos pontos 39) e 40) – referentes, por um lado, à avaliação do prédio dos AA. no âmbito do crédito à habitação concedido pelo Banco Espírito Santo, S.A. para financiamento da sua aquisição e, por outro lado, à sua desvalorização (em 35%) após a entrada em funcionamento da A-- –, a convicção do Tribunal formou-se com base na análise do documento de fls. 332 e 333 do suporte físico do processo (relativo à avaliação do imóvel considerada pelo Banco), bem como do documento intitulado “Relatório de Avaliação”, de fls. 334 e 335 do processo físico, elaborado, em junho de 2011, pela empresa “CDI – Construção e Desenvolvimento Imobiliário, Lda.”, segundo o qual, referindo-se à habitação dos AA., “o impacto da autoestrada A-- se traduz numa desvalorização patrimonial de cerca de 35%”, tendo em conta a seguinte fundamentação: “Um dos pontos decisivos para a aquisição e construção deste imóvel foi certamente o sistema de vistas. A própria casa foi designada por ‘Casa do Rio’. O cliente deste tipo de habitação procura a tranquilidade do campo, espaço e ausência de poluição. Com a construção da autoestrada a cerca de 4m da propriedade e a cerca de 8m da habitação, a relação preexistente com o Rio foi visualmente anulada. A tranquilidade foi fortemente condicionada, se não mesmo, desapareceu. Mesmo considerando os painéis acústicos colocados parcialmente ao longo da autoestrada e paralelamente à propriedade, não podemos deixar de salientar a presença constante de ruído proveniente da utilização regular da autoestrada e a natural ausência da vida animal que seria natural e própria desta localização e que naturalmente desapareceu do local. Associados temos naturalmente a qualidade do ar potencialmente comprometida em relação aos pressupostos iniciais da propriedade. Assim, somos de opinião que este imóvel tem o seu valor de mercado fortemente comprometido em relação ao mercado em que se insere, em virtude das características que motivam a aquisição deste tipo de habitação estarem fortemente postas em causa com a presença direta da autoestrada”.
Tal relatório de avaliação, pese embora tenha sido impugnado pelas RR. e não tenha, de facto, a força probatória associada a uma prova pericial, foi valorado livremente pelo Tribunal, tal como a demais prova produzida, sendo que o mesmo se mostra elaborado com base em dados objetivos, considerando, como vimos, os diversos fatores de impacto da presença da autoestrada no valor de mercado da habitação dos AA., assim alcançando uma percentagem de desvalorização de 35%. Ante o exposto, este valor percentual afigura-se-nos um reflexo objetivo e fidedigno da desvalorização sofrida pelo prédio urbano em apreço, razão pela qual o Tribunal o valorou em conformidade.
Acresce que o teor, metodologia e resultados da avaliação foram ainda melhor explicados e detalhados pela testemunha André Ribeiro Caneira de Freitas Garcia, autor do relatório em causa, o que contribuiu igualmente para a formação da convicção do Tribunal nesta matéria.
(…)».
Como se vê, é o mencionado relatório e o depoimento da testemunha André que alicerçam a convicção.
Relatório que até foi impugnado e testemunha até contraditada em audiência de julgamento.
Falece mínimo fundamento para afirmar preterição de contraditório.
O facto elencado sob 39) é de manter.
O que foi consignado: “Em 08/06/2004, antes da entrada em funcionamento da A--, o prédio dos AA. foi avaliado, no âmbito do crédito à habitação concedido pelo Banco Espírito Santo, S.A. para financiamento da sua aquisição, no valor de € 264.180,00 (cfr. doc. de fls. 332 e 333 do suporte físico do processo).”.
Encontra-se correspondentemente documentado; efectivamente, o valor da avaliação do prédio dos AA., feita em 08/06/2004, antes da entrada em funcionamento da A--, no âmbito do crédito à habitação concedido pelo Banco Espírito Santo, S.A., foi de € 264.180,00.
Como também é de manter o facto elencado sob 40): “O valor do prédio dos AA., após a entrada em funcionamento da A--, sofreu uma desvalorização de 35% em resultado da afetação do sistema de vistas com o rio e, bem assim, da afetação da qualidade ambiental, que inclui o incremento do ruído (cfr. doc. de fls. 334 e 335 do suporte físico do processo).”.
Julga-se que o factor de 35% pode ser aceite.
O depoimento da testemunha André - amigo dos Autores há muitos anos (cfr. Acta de audiência de julgamento de 08-02-2018), subscritor do dito relatório de avaliação de 2011 da empresa CDI – afigura-se de argumentos credíveis, conformes a um padrão de experiência de vida.
As RR. cumprem, sem dúvida, o ónus impugnatório, indicando as passagens de gravação do depoimento da testemunha (inclusive transcrevendo) onde pretendem assentar favor de tese.
Mas o que se vê não tira sentido e antes até alimenta, racional e objectivamente, a afirmação de uma desvalorização de 35%.
O ser um testemunho - mesmo de pessoa amiga - único sem amparo de outros depoimentos não verte, como as RR. parecem querer ver, uma pura subjectividade; e mesmo se concede que para essa, não estando em campo das ciências exactas, sempre até haverá alguma margem.
Não se impõe modificar o que o tribunal “a quo”, dentro da sua liberdade de julgamento, afirmou.
• Sobre o direito.
Sem embargo da manutenção do decidido quanto à matéria de facto provada, entende-se que a impugnação das recorrentes não se reduz estritamente quanto ao facto dado como provado; estende-se à ilação tirada.
Em particular no contributo que se retirou sob o elencado em 39) e 40).
Temos para nós que ainda se trata de domínio de julgamento de facto.
Mas o ponto foi tratado na sentença recorrida localizado na “IV – Fundamentação de direito”, e, sem nos merecer censura, na facilidade e íntima conexão, segue-se a mesma lógica narrativa, sem estanquicidade.
Vejamos, pois.
O tribunal “a quo” teve como premissa o valor € 264.180,00 (a que aplicou o factor de desvalorização de 35%), obtido por avaliação no âmbito do crédito à habitação.
O que as RR. entendem como errado.
Justificou que “deve atender-se, para este efeito, ao valor que essa habitação possuía antes da inauguração da autoestrada, ou seja, ao valor de € 264.180,00”, resultante da dita avaliação .
Distanciou-se, pois, do valor de € 294.000,00 constante do dito relatório de 2011 (que, com a dita percentagem de 35%, afirma um valor residual de € 191.000,00).
E bem, já que tal juízo reporta à data do relatório, no ano de 2011, já bem depois da inauguração da auto-estrada.
Percebe-se que teve esse valor de avaliação em 2004 como mais confiável e adequado ao marco de tempo a que devia atender.
Mas, não nos parece que tenha sido a mais segura referência.
Trata-se de um valor dado por empresa terceira para efeitos de crédito hipotecário atinente ao imóvel.
Como muitos casos da prática de vida demonstram, tais avaliações são correntemente inflacionadas.
Sempre foi contestado pelas RR. que esse fosse o valor do imóvel antes da abertura da auto-estrada e não se vê na convicção do tribunal que outro meio de prova atinente ao valor de € 264.180,00 suporte o juízo que não a, digamos, “avaliação impugnada” feita, em 2004, no âmbito do crédito à habitação.
Com reverso de ónus da prova a cargo dos AA..
Por outro lado, foi precisamente em 2004 que os AA. adquiriram o imóvel, pelo preço de € 170.560, 00 (cfr. escritura junta com a p. i.).
Ou seja, um valor que os próprios AA. tomaram em definição do valor da coisa e suas utilidades.
Que se impõe como muito mais seguro e fiel.
Aplicando o factor de desvalorização de 35%), o valor “perdido” é de € 59,696,00.
Julgam-se preenchidos os requisitos de especialidade e anormalidade.
É devido o crédito indemnizatório.
A existente hipoteca interfere.
Mas não com todo o alcance que o recurso da Ré B. pretende extrair.
Prevê o art. 692º do Código Civil (indemnizações devidas):
1. Se a coisa ou direito hipotecado se perder, deteriorar ou diminuir de valor, e o dono tiver direito a ser indemnizado, os titulares da garantia conservam, sobre o crédito respectivo ou as quantias pagas a título de indemnização, as preferências que lhes competiam em relação à coisa onerada.
2. Depois de notificado da existência da hipoteca, o devedor da indemnização não se libera pelo cumprimento da sua obrigação com prejuízo dos direitos conferidos no número anterior.
3. O disposto nos números precedentes é aplicável às indemnizações devidas por expropriação ou requisição, bem como por extinção do direito de superfície, ao preço da remição do foro e aos casos análogos.
A propósito desta disposição legal, Pires de Lima e Antunes Varela (“Código Civil Anot.”, vl. I, 4ª ed. Coimbra Editora, pág. 715), escrevem que “a sua doutrina é aplicável, dada a generalidade do n.º 3, a todo e qualquer crédito de indemnização resultante da perda ou diminuição do valor da coisa. Pode tratar-se duma indemnização de seguro, duma indemnização por expropriação por utilidade pública ou particular, etc. (…).”.
Notificada a hipoteca o devedor da indemnização não se libera pelo pagamento ao credor; não o pode opor ao credor hipotecário, caso o devedor hipotecário não cumpra com a sua obrigação; podendo o credor hipotecário vir a exercer os seus direitos sobre o crédito de indemnização, como tal crédito ainda devido; restando ao devedor da indemnização, caso tenha feito pagamento ao seu credor, ressarcir-se junto do dono da coisa hipotecada do prejuízo que lhe advier de um segundo pagamento a que é obrigado.
A dependência, no caso dos autos, não se encontra em que “tal possibilidade tenha sido exercida pela instituição bancária”.
Pois que embora se entenda que ao credor hipotecário é legítimo agir directamente contra o devedor da indemnização, certo também que ele não é sujeito da nossa instância processual.
A dependência está, no nosso caso, na vontade do devedor.
Tem-se entendido que se o devedor da indemnização não obtiver, por acordo com o credor hipotecário e com o devedor, meio de satisfação da sua dívida por modo liberatório, pode recorrer à consignação em depósito (art. 841º do CC).
E o que infra vai estatuído não prejudica.
*
Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em, concedendo parcial provimento aos recursos, revogar parcialmente a decisão recorrida, condenando as RR., solidariamente, a pagar aos AA. a quantia de € 59,696,00 (cinquenta e nove mil e seiscentos e noventa e seis euros), acrescida de juros de mora legais, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Custas: acrescendo ao já definido em anterior Ac. deste TCAN, cada recorrente (cada classe, solidariamente) pagará as suas, em proporção ao vencimento/decaimento.

Porto, 15 de Novembro de 2019.

Luís Migueis Garcia
Conceição Silvestre
Alexandra Alendouro