Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00008/07.5BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/16/2025
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:VIRGÍNIA ANDRADE
Descritores:IRC 2002 A 2004; CASO JULGADO FORMAL – DESPACHO MERO EXPEDIENTE;
TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA; DESPESAS NÃO DOCUMENTADAS; DETERMINAÇÃO MATÉRIA COLECTÁVEL;
MÉTODOS DIRECTOS/INDIRECTOS; CUSTOS JUROS EMPRÉSTIMOS BANCÁRIOS; FINANCIAMENTO 3ºS;
Sumário:
I. Quando a decisão proferida recaia apenas sobre a relação processual, forma-se caso julgado formal, cuja força obrigatória é apenas circunscrita ao processo – valor intraprocessual do caso julgado formal.

II. No processo tributário, a obrigação legal de que o juiz que presidiu às diligências de prova seja o juiz que elabora a sentença só se impõe em relação aos processos entrados em juízo após 17 de Novembro de 2019, data em que entrou em vigor a Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro.

III. A matéria de facto só deve integrar factos concretos e não formulações genéricas, de direito ou conclusivas, nomeadamente quando, por si só, traduzam uma afirmação ou uma valoração de facto que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta ou componente de resposta àquelas questões.

IV. A motivação do julgamento da matéria de facto tem como indicações normativas que o juiz analise criticamente as provas e indique os fundamentos decisivos da sua convicção.

V. Na tributação autónoma por verificação de despesas não documentadas, recai sobre a AT o ónus de comprovar que as despesas em questão ocorreram efetivamente e que o respetivo beneficiário não é conhecido, nem cognoscível.

VI. Na determinação da matéria colectável de um mesmo exercício, não existe qualquer impedimento legal a que a AT recorra, simultaneamente à avaliação directa e indirecta, uma vez que a contabilidade do sujeito passivo, para esse efeito, pode revelar-se insuficiente numa parte concreta e suficiente quanto ao demais.

VII. Quando a AT cumpre o ónus que sobre ela recai no sentido de formar a séria convicção sobre a existência do facto tributário não declarado com recurso a elementos suficientes, recai sobre o sujeito passivo de imposto o ónus de comprovar que as entradas de dinheiro não respeitam a proveitos omissos.

VIII. Ao abrigo do disposto no artigo 23.º do CIRC, não são de considerar como fiscalmente relevantes os custos com juros de empréstimos bancários contraídos por uma sociedade e aplicados no financiamento gratuito de sociedades 3ªas, quando não respeitem a empréstimos de uma SGPS às sociedades por si participadas, atento o respectivo objeto social.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1 – RELATÓRIO
[SCom01...], S.A, contribuinte n.º ...05, e a Fazenda Pública vêm interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 8.02.2017 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IRC, Derrama, Tributações Autónomas e respectivos Juros Compensatórios dos exercícios de 2002 a 2004, no montante total de €627.021,90.

A Recorrente [SCom01...], S.A terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
“A) Deve a douta sentença proferida ser julgada nula por violação do princípio caso julgado, previsto no artigo 620.º do CPC, atento o grosseiro desrespeito pelo despacho proferido nos autos em 28.10.2009 que impôs, ao abrigo do Princípio da plenitude da assistência dos juízes, que fosse o Juiz perante o qual forem praticados os actos de instrução e discussão em sede de audiência quem deveria proferir decisão sobre a matéria de facto. Ou caso assim não se entenda
B) Deve a douta sentença proferida ser julgada nula por violação dos princípios do Juiz natural e da plenitude de assistência dos juízes, por violação do disposto no artº 32º nº 9 e 268º nº 4 da CRP e art. 654° n° 1 e 655º do CPC, dado que mostram os autos que nos dias 9.01.2008, 15.01.2008 e 13.02.2008 a Mmª Juíza, titular do processo, presidiu à produção de prova levada a cabo no âmbito dos presentes autos, não proferiu a sentença objeto de recurso. Ou caso ainda assim não se entenda,
C) Vislumbrando-se omissão de pronúncia quanto ao parecer técnico junto aos autos deve proceder a arguição de nulidade da sentença fundada no artigo 668º, nº 1, al. d), 1ª parte, do CPC 1961, atual artigo 615º, na medida em que o Tribunal “pura e simplesmente, não tomou posição sobre o teor do parecer, inclusivamente não decidiu explicitamente que não podia dele tomar conhecimento (afastando a sua aplicação).
Sem prescindir,
D) Deve ser aditado, em conformidade aos factos dados como provados em 3.1.) da sentença, em razão dos depoimentos credíveis das testemunhas e da prova documental, Art.ºs 362º e 392º do Código Civil e Art.º 115º do CPPT, os factos alegados sob artigo 124º, 134º 142º da petição inicial (impugnação).
E) Deve ser alterada em conformidade os factos dados como não provados em 3.2.) da sentença, para factos provados, em razão dos depoimentos credíveis das testemunhas e dos documentos sociais, Art.ºs 362º e 392º do Código Civil e Art.º 115º do CPPT.
F) Existe falta de fundamentação, quando a AT estabelece que o saldo devedor de € 9.457,62 deve fazer parte da tributação autónoma, conforme Art.º 77º da LGT.
G) Existe falta de fundamentação na conclusão de ser inviável a pesagem de alguns produtos, para serem afastados da amostra, conforme resulta do artigo 77º da LGT.
H) Existe falta de fundamentação, quanto ao estabelecimento da taxa de desperdício de 25%, pela AT, para efeitos de pressuposto e aplicação dos métodos indiretos, conforme Art.º 77º da LGT.
I) Existe vício de violação da lei, quanto à tributação dos pagamentos em causa nos autos, como despesas não documentadas, conforme Art.º 81º do CIRC (à época).
J) Existe vício de violação da lei para serem abrangidos pelo artigo 81º nº 1 do CIRC (aqui violado) os montantes referidos nas páginas 13 a 16 e terem sido, como foram, sujeitos a tributação autónoma.
K) Existe vício de violação da lei, quanto à mudança do rumo de tributação da tributação direta para a indireta, conforme Art.ºs 87º, n.º 1, al. b), e 88º, ambos da LGT e Art.º 52º do CIRC (à época).
L) Existe errónea quantificação e manifesto excesso de capacidade contributiva, conforme Art.º 86º da LGT e Art.º 100º do CPPT.
M) Existe vício de violação da lei na consideração de € 100.928,65, como rendimentos em 2004, por não existir ligação entre o montante recebido e os rendimentos e o período em causa, conforme Art.º 20º, n.º 1 do CIRC.
N) Existe vício de violação da lei na consideração de juros nos pagamentos da dívida da [SCom02...], SA, atento o Art.º 20º, n.º 1, c) e 17º, n.º 1 a), ambos do CIRC e o princípio da prudência que fazia parte do Plano Oficial de Contabilidade
O) E consequentemente devem as liquidações recorridas ser anuladas.
TERMOS EM QUE, E NOS QUE DOUTAMENTE FOREM SUPRIDOS, DEVEM V. EXAS. DAR PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, E, EM FACE DAS CONCLUSÕES ATRÁS ENUNCIADAS ANULANDO A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, FACE ÀS NULIDADES INVOCADAS OU CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA DEVE A SENTENÇA SER REVOGADA E ORDENADA A SUA SUBSTITUIÇÃO POR OUTRA QUE, RESPEITANDO AS NORMAS LEGAIS APLICÁVEIS, JULGUE A IMPUGNAÇÃO PROCEDENTE E APRECIE OS VÍCIOS E ERROS ALEGADOS, COM EFEITOS NA ANULAÇÃO DAS LIQUIDAÇÕES RECORRIDAS E COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, COMO É LEGAL E JUSTO!”


A Recorrente Fazenda Pública terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
“I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos em epígrafe, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por [SCom01...] SA, contra as liquidações adicionais de IRC dos exercícios de 2002 a 2004.
II. O douto Tribunal anulou parcialmente as liquidações em causa por ter considerado que a AT não poderia, ao abrigo do artigo 23.º do CIRC, ter recusado como custo os juros bancários suportados com empréstimos, cujos montantes foram utilizados para financiar gratuitamente outras empresas relacionadas (parte referente às correções aos custos e perdas financeiras, no valor de €28.206,02, vertidas no ponto IV.2.1.2. do Relatório de Inspeção Tributária (RIT) – páginas 61 a 63 da douta peça decisória).
III. A questão decidenda a submeter ao julgamento do Tribunal ad quem consiste em saber se o douto Tribunal incorreu em incorreta apreciação e valoração da factualidade dada como assente, em deficiente seleção da matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito controvertida, em errónea subsunção da matéria considerada como provada aos comandos normativos contidos nos artigos 23.º do CIRC e 74.º da LGT e em incorreta interpretação e aplicação daquelas mesmas normas.
II - A factualidade dada como provada
IV. A Recorrente manifesta discordância com a factualidade dada por assente pelo Tribunal a quo, na medida em que este não poderia dar como provados determinados factos, atenta a prova documental carreada para os autos, nem poderia tirar as ilações que tirou dos mesmos, além de que, em relação a outros, foi-lhes dada uma redação diversa da que se impunha.
Assim,
V. Quanto ao facto 56 (pág. 16-17 da sentença), o douto Tribunal considerou como assente que a Recorrida assume que as empresas com quem detém relações especiais são a “[SCom03...]”, a “[SCom04...]”, a “[SCom05...]” e a “[SCom06...]. – SGPS SA”, baseado nos documentos constantes a fls. 2041 (volume 6) e 2109 e 2307 (volume 7) dos presentes autos, os quais, à luz do quadro normativo vigente, não permitem comprovar a sua efetiva existência.
VI. Nenhum dos referidos documentos preenche as regras plasmadas no n.ºs 6 e 7 do artigo 58.º do CIRC e na Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, nomeadamente as que disciplinam o respetivo processo de documentação fiscal e identificam a informação relevante que nele deve constar, designadamente, a caracterização da atividade exercida pelo sujeito passivo e pelas entidades relacionadas com as quais realiza operações e, em relação a cada uma destas, a indicação discriminada, por natureza das operações; a identificação detalhada dos bens e direitos ou serviços que são objeto das operações vinculadas; e a descrição das funções exercidas, ativos utilizados e riscos assumidos, quer pelo sujeito passivo, quer pelas entidades vinculadas.
VII. Acresce que, nos documentos que sustentam a prova do facto 56, não há qualquer alusão a preços de transferência praticados com a [SCom06...]-Sociedade Gestora de Participações Sociais SA.
VIII. A circunstância da Recorrida assumir que existiam relações especiais, mesmo que tal circunstância tenha sido dada como provado na douta sentença recorrida, não tem a virtualidade de daí se poder obter, através de um raciocínio lógico, pelo método indutivo, a conclusão firme, segura e sólida de que existiam relações especiais, tal como vem expressamente exarado no facto 57.
IX. Relativamente ao facto 57 (pág. 16-17 da sentença), o douto Tribunal, ao considerar como assente que os empréstimos concedidos pela Recorrida justificam-se pelas relações especiais existentes entre essas empresas, enverede por uma formulação que constitui um mero facto conclusivo.
X. O douto Tribunal, no limite, apenas poderia ter dado como provado que “a [SCom01...] assumiu que os empréstimos concedidos justificavam-se pelas relações especiais entre essas empresas ”, o que é bem diverso.
XI. Ao ser dado como provado que os empréstimos se justificam, está-se, em bom rigor, a formular um juízo que contém a decisão desta vertente da lide.
XII. Tal facto não pode, de todo, ser considerado como assente, carecendo de alegação e prova por parte da impugnante/recorrida.
XIII. A douta sentença é totalmente omissa, em termos de análise crítica, quanto ao objeto social das sociedades beneficiárias dos empréstimos, reforçando a tese de que, para o Meritíssimo juiz a quo, o que releva é a existência de relações especiais.
XIV. Assim se explica que, para o Ilustre Julgador, seja absolutamente irrelevante que o objeto social de uma das beneficiárias dos empréstimos concedidos seja uma Sociedade Gestora de Participações Sociais, a qual, a partir de finais de 2002, passou a deter 90% do capital social da Recorrida.
XV. O facto da atividade principal da sociedade [SCom06...] – Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA – aquisição, detenção e gestão de participações sociais – não ter qualquer correspondência com o objeto social da Recorrida, é, para o Tribunal a quo, indiferente, abstendo-se assim de formular um juízo crítico sobre a conexão entre o custo e a manutenção da fonte produtora, no sentido de aferir uma ligação económica (e não meramente causal) entre a despesa e a vigência e manutenção da sociedade.
XVI. E também o facto dos documentos mencionados no facto 56, não conterem qualquer referência à [SCom06...] – Sociedade Gestora de Participações Sociais, não suscitar qualquer reflexão crítica.
XVII. O mesmo se regista em relação ao facto de ser a Recorrida detida pela [SCom06...] – Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, que no limite colide com a afirmação lavrada na página 62 da douta sentença, de acordo com a qual “a Impugnante recorreu a empréstimos bancários para os conceder posteriormente a algumas empresas cujo capital detém parcialmente”.
XVIII. Os factos 56 e 57 não podem ser considerados como assentes, carecendo de alegação e prova por parte da Impugnante/Recorrida
III – O erro de julgamento da matéria de facto
XIX. Todo o entendimento do douto Tribunal se alicerçou na convicção de que a dedutibilidade fiscal dos juros decorrentes dos empréstimos contraídos pela Recorrida dependia, tão só, da existência de relações especiais existentes entre esta e as empresas identificadas no facto 57.
XX. As quantias controvertidas correspondem a juros de empréstimos bancários contraídos pela Recorrida e aplicados no financiamento gratuito de sociedades relacionadas, não estando, por isso mesmo, diretamente relacionadas com qualquer atividade do sujeito passivo inscrita no seu objeto social, nem sequer se reportam, ainda que indiretamente, à sua atividade.
XXI. A mera possibilidade de a Recorrida poder vir a ter no futuro ganhos resultantes da aplicação desses capitais nas outras sociedades não determina só por si que tais investimentos possam enquadrar-se no conceito de custos fiscais porque para isso era necessário que tais encargos fossem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
XXII. Analisada a materialidade fáctica dada como provada é patente que tal indispensabilidade não foi dada como comprovada.
XXIII. Como já mencionamos, os juros pagos na sequência de empréstimos contraídos para financiar empresas relacionadas, para serem fiscalmente dedutíveis, nos termos do artigo 23.º do CIRC, teriam que estar diretamente relacionados com qualquer atividade da Recorrida ou a ela reportadas, ainda que indiretamente.
XXIV. A factualidade dada como provada oferece-nos, apenas, escassos elementos sobre a [SCom06...] – Sociedade Gestora de Participações Sociais SGPS SA, cujo objeto social não tem qualquer afinidade com a atividade desenvolvida pela Recorrida e, no que tange às restantes, mencionadas no facto 57, não é possível, com um mínimo de rigor, aferir em que medida podem estar, direta ou indiretamente, relacionadas com a atividade da Impugnante.
XXV. Na solução perfilhada pela decisão do CAAD de 08.07.2013, proferido no âmbito do processo n.º 12/2013-T, o qual, sem ressalvas, foi integralmente acolhida pela douta sentença recorrida, vem destacado que “os encargos financeiros suportados pela requerente cujo capital seja aplicado em prestações suplementares ou acessórias sem juros a favor de sociedades dominadas (de forma direta ou por quantificações proporcionais tal como sucede na Circular 7/2004) assumem-se como um custo fiscal, nos termos do artigo 23.º do CIRC”. (pág. 63 da douta sentença recorrida).
XXVI. Contudo, na situação objeto de decisão por parte do CAAD, cumpre sublinhar que a Requerente era uma SGPS que, no âmbito da sua atividade, procedia à dotação de prestações suplementares ou acessórias às suas participadas e dominadas, para que estas pudessem prosseguir a sua atividade operacional.
XXVII. É neste quadro factual que a douta decisão convocada pelo Ilustre Julgador, define que a dita SGPS “(…) tem um interesse próprio e egoístico nestas operações, via aumento e rentabilização do valor da participação e possibilidade ulterior de receção de rendimentos, via dividendos (por lucros distribuídos da filial) ou mais-valias (por alienação onerosa, com ganho dessas participações).”
XXVIII. No caso vertente, nem a Recorrida é uma SGPS (em vez disso, o seu capital social era detido, desde os finais de 2002, em mais de 90% por uma SGPS), não tendo, por isso mesmo, como único objeto contratual a gestão de participações sociais como forma indireta de exercício de atividades económicas, nem na douta sentença recorrida foi dado como provado que ela tinha um interesse próprio na concessão de empréstimos sem juros.
XXIX. Laborou o Tribunal a quo em erro de julgamento pois, nem mesmo a doutrina vertida na decisão do CAAD de 08.07.2013, proferido no âmbito do processo n.º 12/2013-T, permite amparar o entendimento consignado na douta sentença recorrida, segundo o qual, face à existência de relações especiais, se presumem justificados os empréstimos concedidos pela agora Recorrida às empresas ditas relacionadas.
XXX. De acordo com o disposto no artigo 23.º do CIRC, os custos ou perdas da empresa constituem elementos negativos da conta de resultados, e são dedutíveis fiscalmente quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa, pelo que a ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos.
XXXI. Assim, se explica que, não podem ser contabilizados como custos despesas que não têm qualquer relação direta com a atividade principal da empresa e não se revelem indispensáveis à obtenção dos proveitos ou à manutenção da fonte produtora.
XXXII. Mas não basta que sejam indispensáveis segundo um critério subjetivo qualquer, mas sim que o sejam comprovadamente, ou seja, que sejam suscetíveis de comprovação objetiva quanto à sua indispensabilidade por parte do sujeito passivo, que os contabiliza.
XXXIII. Todos estes considerados animam a doutrina vazada na decisão convocada pelo Meritíssimo juiz a quo (Decisão do CAAD de 08.07.2013, processo n.º 12/2013-T), a qual destaca os oito corolários para avaliar a dedutibilidade fiscal dos custos.
XXXIV. Foi à luz desses critérios que o douto Árbitro do CAAD (TOMÁS MARIA CANTISTA DE CASTRO ALVES) não teve dúvidas em concluir que os encargos associados à realização de prestações acessórias/suplementares sem juros a empresas detidas por uma SGPS, para que as primeiras pudessem prosseguir a sua atividade operacional, eram dedutíveis ao abrigo do artigo 23.º do CIRC.
XXXV. Porém, contrariamente ao ocorrido nos presentes autos, importa destacar que a douta decisão arbitral deu como provado que, por parte da referida SGPS, existia um interesse próprio nestas operações, quer por via do aumento e rentabilização do valor da participação e possibilidade ulterior de receção de rendimentos, quer por via dos dividendos ou de eventuais mais-valias.
XXXVI. Mesmo ao abrigo da doutrina vertida na decisão do CAAD de 08.07.2013, acolhida sem ressalvas pelo Ilustre Julgador, não é possível amparar a tese que considera como justificados os empréstimos concedidos pela agora Recorrida face à mera existência de relações especiais.
XXXVII. Se a AT equaciona e suscita a dúvida sobre a relação justificada de uma determinada despesa com a atividade do sujeito passivo, compete à Impugnante oferecer uma explicação sobre a “congruência económica” da operação, a qual não se cumpre, nem com a alegação abstrata e conclusiva de que a despesa se insere no interesse societário e/ou da existência de relação justificada com a atividade desenvolvida, nem, por maioria de razão, com o assumir a existência de relações especiais.
XXXVIII. Exige-se, pelo contrário, que o contribuinte alegue e comprove factos concretos capazes de demonstrar a veracidade das atuações empresariais que estão na génese dos custos registados.
XXXIX. No caminho trilhado pelo douto Tribunal a quo, parece inquestionável que a existência de relações especiais, factualidade dada como assente no probatório, ditou de per si a dedutibilidade fiscal dos encargos em causa.
XL. Na douta decisão de que agora se recorre também ter-se-á entendido que Recorrida logrou “remover aquelas dúvidas” na medida em que, para o caso, somente importaria apurar a existência de relações especiais.
XLI. Porém, com o devido respeito, não podemos concordar com tal entendimento, uma vez que a AT questionou validamente a indispensabilidade dos custos para a realização dos proveitos, na medida em que, após proceder a uma análise e a uma descrição exaustivas de todos os atos praticados pelas sociedades envolvidas, concluiu que “quota-parte dos juros pagos à banca que se referem à parte do capital que não foi efetivamente utilizado na manutenção dos meios indispensáveis à obtenção dos proveitos, mas sim para operações de financiamento às empresas referidas, uma das quais detém 90% do capital da empresa” (cfr. pág. 60 do RIT a fls. 31/verso do processo administrativo).
XLII. Por sua vez, também aqui a Recorrida não conseguiu remover as dúvidas validamente suscitadas pela AT, desde logo porque, se procurarmos escalpelizar os argumentos a que recorreu na douta petição inicial, verificamos que se limitou a espraiar conceitos jurídico-tributários e a sugerir a prática de ilegalidades procedimentais ao ato em questão.
XLIII. Cumpre frisar que a obrigação de prova (de comprovação) que recaia sobre a Recorrida resulta do disposto artigo 74.º da LGT, em articulação com a alínea b) do n.º 2 do artigo 75.º do mesmo diploma legal (dever de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da lei, for legítima a sua recusa), prova essa que, em nosso entender, a Impugnante/Recorrida não satisfez.
XLIV. Tendo a AT questionado validamente a dedutibilidade fiscal dos custos suportados e, em sentido inverso, não tendo a Impugnante logrado comprovar ou esclarecer devidamente a indispensabilidade de tais custos, afigura-se-nos, com o devido respeito, que o Tribunal a quo laborou em erro de julgamento, conducente à revogação, na parte acima identificada, da douta sentença aqui recorrida.
XLV.A douta decisão, sempre ressalvando o devido respeito, também enferma de erro de julgamento de direito, por errónea interpretação e aplicação do preceituado nos artigos 23.º do CIRC e 74.º da LGT, conducente à sua revogação, na parte referente às correções sobre os custos e perdas financeiras, no valor de €28.206,02, vertidas no ponto IV.2.1.2. do RIT, assim se fazendo
JUSTIÇA.”

Por despacho de 3.05.2017, a fls. 635 do SITAF, o Tribunal a quo proferiu despacho de sustentação relativamente às nulidades apontadas à decisão recorrida, considerando que as mesmas não se verificam.
O Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal proferiu parecer, sustentando que o recurso interposto pela Recorrente [SCom01...], SA não merece provimento, pois considera que a decisão recorrida não padece das nulidades que lhe são assacadas e que não foram aduzidas nas conclusões qualquer novidade do já alegado em sede da petição inicial.
Quanto ao recurso interposto pela Fazenda Pública, entende que o mesmo merece provimento por se verificar o alegado erro de julgamento invocado.
Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. artigo 657.º n.º 4 do Código de Processo Civil, submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
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Objecto do recurso

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta do artigo 608.º n.º 2, artigo 635.º, n.º 4 e 639.º n.º 1, todos do Código de Processo Civil.
Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir no recurso interposto pela [SCom01...], SA:
i) da nulidade da decisão por violação do princípio caso julgado
ii) da nulidade da decisão por violação dos princípios do Juiz natural e da plenitude de assistência dos juízes
iii) da nulidade da decisão por omissão de pronúncia quanto ao parecer técnico junto aos autos
iv) do erro de julgamento de facto
v) do erro de julgamento de direito, consubstanciado na falta de fundamentação, no vício de violação da lei quanto à tributação autónoma, na falta de pressupostos para a aplicação de métodos indirectos, na errónea quantificação e manifesto excesso de capacidade contributiva, conforme art.º 86º da LGT e art.º 100º do CPPT, no vício de violação da lei na consideração de €100.928,65 como rendimentos em 2004, no vício de violação da lei na consideração de juros nos pagamentos da dívida da [SCom02...], SA.
Quanto ao recurso interposto pela Fazenda Pública importa apreciar e decidir:
i) do erro de julgamento de facto
ii) do erro de julgamento de direito.

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2 - Fundamentação
2.1. Matéria de Facto
O Tribunal a quo decidiu a matéria de facto da seguinte forma, que aqui se reproduz:
“3.1 Matéria de facto dada como provada:
Com base nos documentos juntos aos autos e no processo administrativo (PA) apenso, bem como na prova testemunhal produzida, considera-se provada a seguinte matéria de facto, com relevância para a decisão:
1. A sociedade anónima “[SCom01...], S.A.” (doravante [SCom01...]), nipc ...05, com sede em ..., ..., dedica-se à atividade de fabricação de fechaduras, dobradiças e outras ferragens - CAE 028630 – Vol.1, fls. 4 do PA;

2. O seu objeto social é e sempre foi a indústria de ferragens para móveis e construção civil, sendo a sua gama de produtos composta pelos seguintes:
a)Puxadores de Porta e de Móvel;
b)Dobradiças;
c)Fechaduras;
d)Acessórios e toalheiros - Vol.1, fls. 4 do PA;

3.Para o fabrico da gama de produtos acima identificados, a [SCom01...] utiliza matérias-primas tais como o latão, o zamack, e o aço inoxidável - Vol.1, fls. 4 do PA;

4.Em 01/02/2005, foi apresentada uma proposta de ação inspetiva externa à [SCom01...], com a seguinte motivação:
“A empresa acima identificada faz parte do acompanhamento permanente e a presente proposta de acção inspectiva externa insere-se no âmbito do controlo ao sector das sucatas. Os motivos subjacentes à presente proposta são os seguintes:
1- Existência de vendas de sucata de latão (matéria-prima mais utilizada no processo de fabrico) nos anos de 2001 e 2002 aparentemente irrisórias face ao volume de negócios declarado pela empresa, conforme valores abaixo, quando comparados com dados recentemente obtidos em empresa recentemente visitada ([SCom07...], Lda.) (…)
A este aspecto junta-se o facto de ser do nosso conhecimento que os sócios da [SCom01...], SA têm efectuado grandes investimentos imobiliários (aquisição de terrenos) tudo levando a crer com dinheiros provenientes da venda de sucata. (…)
3. A empresa regista uma diminuição do volume de negócios de 2002 para 2003 de cerca de 9%, uma diminuição do resultado líquido de cerca de 73% e do resultado fiscal de cerca de 63% no mesmo período.
4. No âmbito do acompanhamento tem-se verificado a existência de divergências no VIES que convém serem analisadas.” – Vol.1, Fls. 96 do PA;

5. Em cumprimento da Ordem de Serviço nº ...42, datada de 30/06/2005, foi ordenada a realização de uma ação inspetiva externa de âmbito geral aos exercícios de 2002 a 2004 da aqui Impugnante – Vol.1, fls. 95 do PA;

6. Através do ofício nº ...22, datado de 04/07/2005, foi a Impugnante informada que “a muito curto prazo, se deslocará (ão) à morada acima referenciada, técnico (s) dos Serviços de Inspecção Tributária. A visita do (s) técnico (s) tem como finalidade o cumprimento das correspondentes obrigações tributárias por parte de V.ª(s) Ex.ª(s) (…)” – Vol.1, fls. 99 do PA;

7. Em 21/11/2005, os Serviços de Inspeção Tributária (doravante designado SIT), remeteram à [SCom01...], na pessoa do seu administrador «AA», notificação para prestar esclarecimentos relativamente a:
“ 1(…) 2. Verifica-se que foram efectuados depósitos em numerário nos montantes de 157.000,00€ em 2002, 128.000,00€ em 2003 e 128.358,79 em 2004. Relativamente a este facto, justifique/identifique:
a) Qual a proveniência de cada montante depositado em numerário;
b) Caso respeitem a recebimentos de clientes, identifique os mesmos, nomeadamente indique a factura, venda a dinheiro ou documento equivalente respectivo;
c) Caso a proveniência seja outra, apresente documento comprovativo.
3. Verificou-se nos exercícios de 2002, 2003 e 2004 elevado número de cheques emitidos ao portador, aparentemente levantados para o caixa, sem que posteriormente haja a sua saída, pelo que foram os mesmos objecto de pedido de fotocópia frente e verso às instituições bancárias respectivas. (…)
a) Relativamente aos cheques ao portador que foram levantados ao balcão e partindo do princípio que os respectivos beneficiários não são as pessoas que levantaram as importâncias, queiram apresentar relação contendo a identificação completa dos beneficiários (nome completo e n.º de identificação fiscal) bem como dos valores recebidos e a que título os receberam, sob pena de não sendo justificada a utilização do dinheiro, tal ser considerado como despesa confidencial ou não documentada, nos termos do n.º1 do art.º 81.º do CIRC, e como tal sujeito a tributação autónoma à taxa de 50%;
4.Relativamente ao cheque n.º ...68 do Banco 1..., de 2003-12-03, no valor de10.000,00€, emitido à ordem de «BB», depositado na conta n.º ...72 do Banco 1..., a que título foi o mesmo emitido ao administrador.” – Vol. 2, fls. 516 e 517 do PA;

8.Em 23/11/2005, a Inspetora Tributária credenciada requereu alguns elementos à [SCom01...], nomeadamente: “1) Fichas Técnicas dos Produtos de 2002, 2003 e 2004: a) indicação custo unitário de cada componente; b) indicação pesos líquidos dos componentes selecionados; c) indicação preços unitários de venda (em termos médios); d) indicação quantidades vendidas e produzidas de cada referência;
2) Listagem, por ano, dos produtos injectados em latão, contendo: a) a referência; b) designação; c) quantidade produzida; d) quantidade vendida; e) peso líquido do produto; f) preço custo da matéria-prima;
3) Quadro onde consta para cada ano: 2002, 2003 e 2004: a) quantidade e valor inicial (Ex. Inicial); b) compras (quantidade e valor); c) quantidade e valor final (Ex. Final), de lingotes de latão;
4) Quantidade de alumínio adquirido em 2002, 2003 e 2004.
5) Matérias primas, em quantidade e valor, adquiridas em 2004.” – Vol. 7, fls. 2428 do PA;

9. Em 25/11/2005, o Diretor das Finanças ... proferiu despacho de prorrogação do prazo da ação inspetiva por mais 3 meses, tendo o mesmo sido notificado à Impugnante através do ofício nº ...89, datado de 12/01/2006 – Vol. 1, fls. 91 e 92 do PA;

10. Em 29/11/2005, a [SCom01...] prestou os esclarecimentos identificados no ponto 7, respondendo o seguinte: “1. (…) 2. – Quanto aos pontos 2., 3.e 4., na sociedade foi levantado dinheiro para o reforço do caixa, cfr. Pontos 3. e 4., e depois depositado cfr. ponto 2. 3 – Os valores recebidos em 3. e 4., são verbas de adiantamentos de salários (vales ao caixa) e à medida que foram recebidas, são depositadas.” – Vol. 2, fls. 518 do PA;
11. Em 14/12/2005, a Inspetora Tributária requereu ao Dr. «CC» que “A fim de prosseguirmos a amostragem, precisamos dos seguintes elementos, alguns deles já solicitados no pedido de elementos efectuado em 23 de Novembro do corrente: a) Indicar nas fichas técnicas dos produtos, o custo da matéria-prima de modo a podermos obter o custo unitário do produto, isto só em termos de matérias (matérias primas + componentes);
b) Relativamente aos produtos em que não foi possível fazer pesagem, por se encontrarem na posse dos clientes, como ficou combinado, se possível indique os pesos líquidos, bem como a valorização pretendida em a);
c) Relativamente às mercadorias que constam nas fichas técnicas pretendemos também do seu preço de custo;
d) Caso as mercadorias que foram seleccionadas e que constam das fichas técnicas não sejam representativas em termos de valor facturado, seleccione as mais representativas nos 3 anos (2002, 2003 e 2004), indicando os preços de custo e preços de venda unitários;
e) Relativamente ao inventário final de produtos acabados de 2001 e 2002, indique o valor das mercadorias indevidamente contabilizadas, à data, como produtos acabados;
f) Ficheiro contendo os artigos mais facturados nos anos em análise;
g) Os elementos solicitados nos pontos 2), 3), 4) e 5) do pedido escrito feito em 23 de Novembro de 2005.” – Vol. 7, fls. 2427 do PA;

12. Em 12/01/2006, a Impugnante apresentou os elementos anteriormente peticionados pela Inspetora Tributária, e já identificados em 11 – Anexo 41, Vol. 3, fls. 911 a 933 do PA;

13. Em 20/01/2006, a Impugnante foi notificada na pessoa do seu Administrador «DD», para no dia 31/01/2006 apresentar os seguintes elementos:
“1. Relativamente à relação de artigos junta em anexo n.º I a esta notificação de que faz parte integrante, fotocópias devidamente autenticadas das fichas técnicas de cada artigo;
2. Disponibilização de um exemplar de cada artigo e dos meios técnicos humanos para se proceder à sua pesagem;
3. Relação das vendas de produtos (só produtos), dos anos 2002, 2003 e 2004, contendo Nº Artigo, Nome, Quantidade e Valor.” – Anexo 34-A, Vol. 2, fls. 730 do PA;

14. Em 31/01/2006, o Administrador «EE» respondeu às questões da Inspetora Tributária, ficando a constar o seguinte no Auto de Declarações: “2 – (…) Quanto ao latão referiu que há latão estampado e injectado. O latão estampado começa com a aquisição de cavilha, corte da mesma conforme a configuração da peça, segue-se a estampagem e a operação de aparar. Seguem-se posteriormente as várias mecanizações consoante a peça. Por fim os acabamentos polimentos e acabamentos finais, que são galvânicos ou a verniz. O latão injectado é adquirido em lingote e a outra parte é reciclada das aparas da estampagem (toda a apara é reciclada); a limalha da estampagem nem toda é reciclada. A limalha vendida corresponde exactamente à parte que não pode ser reciclada aqui na empresa. Relativamente ao zamack, é adquirido em lingote, é injectado em moldes, seguindo-se as operações de mecanização, depois é vibrado e polido e finalmente são feitos os acabamentos galvânicos. Nesta matéria-prima há um aproveitamento total, portanto não há criação de sucata. Os serviços de mecanização são efectuados em 80 a 90 % dos casos aqui na empresa. São raras as peças que vão fazer estes serviços fora.
3 - (…) Como já foi referido, toda a apara da estampagem de latão é reciclada, reentra no processo produtivo. A limalha de latão que não entra no processo produtivo é vendida. Actualmente é vendida à empresa [SCom08...], que a transporta nos seus camiões, em bidons ou avulso, neste último caso consoante as condições da caixa do veículo de transporte. Nos anos de 2002, 2003 e 2004, a limalha de latão era vendida aos [SCom09...], Lda.
4 - (…) Foi referido que as guias de remessa manuais de 2002 e 2003 foram deitadas ao lixo, só tendo aparecido 3 guias de 2004 e que não é tirado talão de pesagem da balança. Referiu que as guias de remessa manuais relativamente à venda de sucata, são processadas pela parte comercial com base em informação (verbal ou escrita, não sabia ao certo) dada pelo funcionário Sr. «FF»” – Anexo 31, Vol. 2, fls. 588 do PA;

15 .Em 02/02/2006, a Impugnante foi notificada na pessoa do Administrador «DD» para no dia 13/02/2006, apresentar os seguintes elementos e esclarecimentos: “1. Esclarecimento por escrito, das situações em que eram utilizadas pela empresa “guias de remessa manuais”, nos anos de 2002, 2003 e 2004, já que dos elementos contabilísticos, nomeadamente vendas a dinheiro emitidas/contabilizadas nos anos em análise (2002, 2003 e 2004), consta a menção a um número de “guias de remessa manual”, conforme se demonstra no resumo em anexo I a esta notificação;
2 Fotocópias devidamente autenticadas (carimbo e assinatura da administração), dos livros de guias de remessa manuais processadas nos exercícios de 2002, 2003 e 2004. Caso não seja possível cumprir com o solicitado, solicita-se o esclarecimento por escrito sobre o não cumprimento do pedido formulado;
3. Fotocópias devidamente autenticadas de todas as guias “Modelo A – Guia de Acompanhamento de Resíduos”, processadas em nome da empresa [SCom01...], SA” nos exercícios de 2002, 2003 e 2004, bem como os mapas de registo anual de resíduos dos mesmos anos;
4. Relativamente aos produtos injectados em latão nos exercícios de 2002 e 2003, queriam referir o motivo porque não possuem os registos da sua injecção nesses anos (data, quantidade, descrição de produto);
5. Relativamente à listagem de produtos injectados em latão facultada e respeitante ao ano de 2004, queiram esclarecer:
a) se os pesos(grs) indicados são pesos brutos ou pesos líquidos;
b) dado estarmos perante um P.V.F. (produto em via de fabrico) cujo código e descrição não corresponde ao código e descrição do produto final acabado destinado a venda, queiram esclarecer se há fichas técnicas destes P.V.F. e se é possível fazer a sua correspondência com o(s) produto(s) final(ais) correspondente(s). Se tal for possível solicita-se que na listagem dos produtos injectados em latão em 2004, seja indicada a(s) referência(s) desse(s) produto(s) acabado(s) e a respectiva descrição completa;
6.- Queiram ainda esclarecer por escrito se um determinado produto em latão, tanto pode ser produzido por estampagem como por injecção e se essa situação se verificou na v/ empresa, nos anos de 2002, 2003 e 2004;
7.- Percentualmente, qual o peso das vendas e produção (no total das vendas e da produção, respectivamente) de:
a) Produto latão: a1) Estampado; a2) Injectado;
b) Produto zamack (injectado), nos anos em análise de 2002, 2003 e 2004.” – Anexo 33, Vol.2, fls. 592 e 593 do PA;

16. Através dos ofícios nºs ...73 e ...74, datados de 08/02/2006, os SIT solicitaram a colaboração da “[SCom10...] e comércio de reciclagens, Lda.” e de “[SCom11...], Lda.”, respetivamente, pedindo as “fotocópias das guias “Modelo A – Guia de Acompanhamento de Resíduos” dos anos de 2002, 2003 e 2004 emitidas pelas seguintes empresas: (…) [SCom01...], SA”, tendo para o efeito, a [SCom11...], Lda. apresentado fotocópia das guias nºs ...09 e ...10, e a [SCom10...] e comércio de reciclagens, Lda. as fotocópias das guias nºs ...22, ...23, ...18, ...19 – Vol.5, fls.1653 a 1664 do PA;

17. Em 10/02/2006, a Impugnante apresentou resposta à notificação identificada em 15, referindo que: “1. As guias de remessa manuais eram utilizadas pontualmente quando o sistema informático estava indisponível ou quando não fosse possível de preparar a respectiva guia de remessa automática em tempo útil;
2. Não possuímos os livros de guias de remessa manuais.
3. Seguem no Anexo I as guias Mod.A e os mapas anuais de resíduos;
4. Não possuímos o registo dos produtos injectados em latão porque não o efectuávamos.
5. a) Os pesos indicados são pesos teóricos à saída da injecção, que se aproximam de pesos líquidos;
b) Não existem fichas técnicas dos produtos em vias de fabrico e do produto final, porquanto um mesmo componente pode fazer parte de n produtos;
6. Em função de razões técnicas, uma determinada percentagem de componentes tanto pode ser obtida por estampagem como por injecção;
7.Estimamos os seguintes pesos sobre as vendas de produtos acabados:
Ano 2002 – produto latão 89% [88%; 90%]; produto zamack 11% [10%; 12%];
Ano 2003 – produto latão 89% [88%; 90%]; produto zamack 11% [10%; 12%];
Ano 2004 – produto latão 88% [87%; 89%]; produto zamack 7% [6%; 8 %].
Não conseguimos estimar as percentagens de produtos de latão estampados e injectados em função das vendas; todavia, com erro tolerável as percentagens de produtos produzidos em latão e zamack sobre o total produzido devem ser similares às percentagens acima indicadas para as vendas.” – Anexo 34, Vol. 2, fls. 594 e ss. do PA;

18. A resposta da Impugnante a que alude o ponto anterior inclui ainda o referido anexo I onde constam alguns mapas anuais de resíduos relativamente aos anos de 2002, 2003 e 2004. No que concerne aos resíduos de Aparas e Limalhas:
METAIS NÃO FERROSOS
AnoQuantidade Produzida no ano respeitante ao registoQuantidade prevista para o ano seguinte ao do registoIdentificação do destinatário de valorizaçãoIdentificação do transportador para valorizaçãoResponsável pelo preenchimento
200210,6 Ton.+/- 12 Ton.[SCom09...][SCom09...]«HH»
20034,9 Ton.+/- 5 Ton.[SCom09...][SCom09...]«II»
20044,9 Ton.+/- 5 Ton.«GG»[SCom09...]«II»
METAIS FERROSOS
20023,25 Ton.+/- 3 Ton.[SCom12...], Lda.[SCom12...], Lda.«HH»
20033,5 Ton.+/- 3 Ton.[SCom12...], Lda.[SCom12...], Lda.«II»
20043,6 Ton.+/- 3 Ton.[SCom12...], Lda.[SCom12...], Lda.«II»
Anexo 34, vol. 2, Fls. 595 a 612 do PA;

19. Através do ofício nº .....639, datado de 20/02/2006, os SIT solicitaram a colaboração da Direção Regional da Economia do Centro (doravante designada DREC), pedindo elementos e esclarecimentos sobre a [SCom01...], tendo sido dada resposta em 17/03/2006 – Anexo nº44, vol. 3 fls. 937 a 958 do PA;

20. A ação inspetiva identificada no ponto 5 teve início em 18/7/2005 e terminou em 16/03/2006 – Vol. 1, fls. 93 a 95 do PA;

21. Através do Ofício nº 8404032, datado de 17/03/2006, foi a Impugnante notificada para exercer o direito de audição sobre o Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, datado de 17/3/2006, tendo sido aposta nesta notificação a seguinte menção do administrador «BB» “Recebi, hoje, dia 17/03/2006, o presente projecto de conclusões de relatório”, não tendo a [SCom01...] exercido dessa faculdade – Vol. 1, fls. 48 do PA;

22. Em resultado da ação inspetiva levada a cabo contra a [SCom01...], foi levantado o respetivo Auto de Notícia datado de 04/04/2006 – Vol. 1, fls. 41 a 47 do PA;

23. Em 06/04/2006, a AT emitiu o Relatório Final, homologado do por despacho de 11/4/2006, e três Documentos de Correção Único (DCU), com o nº 314420 (para o exercício de 2002), nº 318914 (para o exercício de 2003), e nº 216348 (para o exercício de 2004) – Vol. 1, fls. 174 a 191, 194 a 211, e 214 a 229 do PA;

24. Em 11/4/2006 “o Diretor de Finanças tendo em conta os proveitos, custos e correcções constantes do presente documento e outros elementos” e através de aplicação de métodos indiretos fixou o lucro tributável da Impugnante para o exercício de 2002 em € 906.452,42 (alterando o lucro tributável declarado de € 326.683,80); para o exercício de 2003 em € 566.550,87 (alterando o lucro tributável declarado de € 121.289,60); e para o exercício de 2004, em € 517.878,66 (alterando o lucro tributável declarado de € 165.300,70) - Vol. 1, fls. 172, 192 e 212 do PA;

25.Em 12/04/2006, ao abrigo do disposto no art.º 239º do CPC (atual art.º 231º CPC) e no art.º 41.º do CPPT, os inspetores tributários deslocaram-se à sede da [SCom01...] para a notificarem do “Relatório Final (Entregue em cumprimento do disposto no Artº77 da LGT e 61º do RCPIT), elaborado pelo Serviço de Inspecção Tributária (SIT), com data de 06/04/2006 composto por 101 fls.” e dos “Documentos de Fixação, relativo à cédula de IRC e IVA interligado com o(s) ano(s) de 2002/2003/2004”, uma vez que “o acto notificador emerge por no seio do Processo ter ocorrido: Recurso à aplicação de “métodos indirectos” e Correcções meramente aritméticas em IRC/ IVA/ IRS exercícios de 2002/2003/2004”, tendo esta notificação sido feita na pessoa do Administrador «DD» – Vol.1, fls. 169 a 171 do PA;

26. Em 11/05/2006, a Impugnante apresentou pedido de revisão da matéria tributável, nos termos do art.º 91.º da LGT, do procedimento tributário “dos anos de 2002, 2003 e 2004 em IVA e IRC” – Vol.1, fls. 128 a 168 do PA;

27. Em 07/07/2006, foi realizado o debate contraditório (art.º 92, nº1 LGT) entre o perito da AT e o perito indicado pelo contribuinte, e a fim concluiu-se “NÃO HAVER ACORDO, entre os Peritos identificados em 1. Assim, o processo prosseguirá os trâmites subsequentes, nomeadamente o da imediata recolha da Resolução do Órgão Competente – Artigo 92º, número 6, da LGT.” – Vol.1, Fls. 119 a 127 do PA;

28. Em 08/08/2006, foi realizado um Parecer relativamente ao pedido de revisão da matéria tributável apresentado pela ora Impugnante, concluindo o mesmo que
“Face a tudo o antes descrito propomos que a RESOLUÇÃO que venha a ser assumida leve em linha de conta os valores que se vão seguir, a saber: (…) E.2 – Agravamento (Artigo 91.º, números 9 e 10, da Lei Geral Tributária) Inexistente, por a Reclamação do Contribuinte ter tido o mérito de levar à reformulação dos valores que vinham propostos, devido à existência de “(…) erros de cálculos no relatório de inspecção (…)” – Vol.1, fls. 104 a 114 do PA;
29. Em 11/08/2006, a Direção de Finanças ... emitiu um termo de resolução (art.º 92.º, nº 6 da LGT), referindo que “Em concordância com o teor do PARECER, integrado por 22 folhas e 7 anexos, datado de 2006/08/08, RESOLVO: ALTERAR os valores inicialmente fixados, substituindo-os pelos que se assinalam de seguida:
AnosIRC
Lucro Tributável (Euros)
IVA
Imposto em Falta (Euros)
2002845 441,3763 817,83
2003541 127,9750 815,94
2004463 751,3618 505,09
- Vol.1, Fls. 103 do PA;
30. A AT emitiu e notificou as seguintes liquidações de IRC, incluindo derrama, tributações autónomas e juros compensatórios:
N° LiquidaçãoAnoValor total
...742002254.990,81
...292003227.789,40
...412004144.241,69
TOTAL627.021,90
- acordo, fls. 1 e 86 e 245 a 254 do processo físico;
31.Em 02/01/2007, por via postal, foi remetido ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu a petição inicial da presente Impugnação – fls. 1 e ss. do processo físico;

32. No final do exercício de 2001, na contabilidade da [SCom01...] existia um saldo devedor da conta 26249910 (despesas não documentadas Administração) de € 917,64 – fls. 109 do processo físico;

33. No final do exercício de 2002, na contabilidade da [SCom01...] existia um saldo devedor da conta 26249910 (despesas não documentadas Administração) de € 9.457,62, – fls. 109 a 113 do processo físico;

34. No ano de 2002 foram emitidos vários cheques ao portador para a conta caixa da [SCom01...], no entanto, entre estes, existiam 20 cheques (cheques nº ...88, ...10, ...52, ...24, ...36, ...45, ...18, ...06, ...84, ...73, ...23, ...88, ...48, ...35, ...63, ...26, ...20, ...57, ...90, ...50) que na sua totalidade perfazem o valor de € 104.744,71, que não tinham documento comprovativo de despesa – Anexo 9, Vol.1, fls. 286 do PA;

35. No ano de 2003, existiam 42 cheques (cheques nº ...49, ...34, ...50, ...22, ...46, ...28, ...32, ...41, ...98, ...76, ...23, ...74, ...10, ...89, ...54, ...47, ...72, ...61, ...76, ...71, ...45, ...83, ...93, ...97, ...14, ...16, ...19, ...30, ...32, ...60, ...63, ...40, ...53, ...51, ...78, ...27, ...97, ...02, ...80, ...85, ...88, ...44) que na sua totalidade perfazem o valor de € 93.743,53, que não tinham documento comprovativo de despesa – Anexo 9, Vol.1, fls. 287 do PA;

36. No ano de 2004, existiam 33 cheques (cheques nº ...46, ...47, ...09, ...96, ...23, ...34, ...67, ...55, ...90, ...96, ...99, ...00, ...58, ...48, ...66, ...83, ...08, ...24, ...40, ...46, ...57, ...00, ...16, ...88, ...45, ...73, ...94, ...36, ...90, ...70, ...89, ...58, ...97) que na sua totalidade perfazem o valor de € 40.200,00, que não tinham documento comprovativo de despesa – Anexo 9, Vol.1, fls. 300 do PA;

37. A Impugnante pagou, a título de adiantamento de salários (vales ao caixa) no ano de 2002 o valor de € 7.382,34, em 2003 o valor de € 4.735,83, e em 2004 o valor de € 5.415,22 - Anexos 19 e 20, Vol.2, fls. 518 a 524 do PA;

38. A [SCom01...] emitiu pelo menos as seguintes Guias de Acompanhamento de Resíduos – Modelo A (doravante designado: GAR), relativamente a “Aparas e limalhas de metais não ferrosos”:
Guia N°DataQuantidade de resíduosTransportadorRecetorResponsável pela emissão da Guia
2002
428181324/09/2002[SCom09...], Lda.«JJ»«II»
2003
238612330/06/03360 kg[SCom09...], Lda.[SCom10...], Lda.«II»
238611907/07/2003780 kg[SCom09...], Lda.[SCom10...], Lda.«II»
238611811/07/2003540 kg[SCom09...], Lda.[SCom10...], Lda.«II»
2004
359438511/05/20041900 kg[SCom12...][SCom12...]
[SCom13...]
«II»
428181708/06/2004460 kg[SCom09...], Lda.«JJ»«II»
428181808/06/2004700 kg[SCom09...], Lda.«JJ»«II»
428181914/06/2004700 kg[SCom09...], Lda.«JJ»«II»
428180917/09/2004200 kg[SCom09...], Lda.[SCom11...], Lda.«II»
428181017/09/2004150 kg[SCom09...], Lda.[SCom11...], Lda.«II»
428182111/10/2004[SCom12...]«JJ»«II»
428182211/10/2004[SCom09...], Lda.«JJ»«II»
- Anexos 26, 28, 29 e 30, Vol.2, fls. 574 a 587 do PA;

39. Com base na Ficha de Controlo Anual de Resíduos de 2003 (documento interno da [SCom01...]), verifica-se que a atividade da Impugnante gerou nesse ano 1840kg de resíduos metais não ferrosos (920 kg em 23/06/2003 e 920 kg em 30/06/2003) – Anexo 27, Vol.2, fls. 576 do PA;
40. No ano de 2002, a Impugnante emitiu 26 documentos de venda a dinheiro para a empresa “[SCom09...], Lda.”, sendo estas representativas de 10627kg de sucata de latão, e do valor de € 16.638,83 - Vol.4, fls. 1262 a 1287 do PA;

41. No ano de 2002, a empresa “[SCom09...], Lda.” emitiu vários cheques à ordem da [SCom01...], entre os quais: Cheque nº ...78 no valor de € 456,83 (datado de 17/05/2002); Cheque nº ...41 no valor de € 1.859,36 (datado de 02/05/2002); Cheque nº ...49 no valor de € 424,77 (datado de 21/03/2002); Cheque nº ...46 no valor de € 296,03 (datado de 28/03/2002), o que perfaz um montante global de € 3.036,99 – Vol.1, fls. 230 a 232 do PA;

42. Em resposta ao ofício nº .....639 (identificado no ponto 18), a DREC enviou aos SIT alguns elementos referentes à [SCom01...], destacando-se o seguinte:
“Ponto 6 – Complemento memória descritiva apresentada Anexo AN1.14
(…)
h) No que se refere à actividade de fundição injectada (…)
Relativamente à capacidade máxima diária instalada confirmamos o valor referido e enviado no Exercício EPER 2002 (fax de 2003/09/09), ou seja o valor de 1,8 ton/dia.
Os valores apresentados no formulário PCIP (NA 1.14) dando indicação de uma capacidade de fundição injectada de latão e zamack de 60 a 130 toneladas são relativos à capacidade de injecção das máquinas e não a capacidade produtiva, daí não apresentarem uma unidade temporal.
Quanto ao valor referido de 3,936 ton/dia, que é a soma do consumo médio de varão de latão (3.512 kg), do lingote de zamak (234 kg) e do lingote de latão (190 kg), clarificamos que no processo de fundição injectada apenas consumimos lingote de latão e lingote de zamak. Nas prensas é que utilizamos a cavilha de latão como matéria prima.
Referimos ainda que este valor apresentado representa os consumos diários, e que o valor referido no Exercício EPER 2002 é a capacidade máxima. (…)” - Anexo nº44, vol. 3 fls. 945 e 946 a 958 do PA;

43. Dos elementos enviados pela DREC aos SIT, consta ainda um formulário que comporta, para além de outras informações, o Quadro “QB4.2 – Resíduos Não Perigosos Gerados na Instalação e respectivas Operações de Gestão”, onde a Impugnante declarou que relativamente aos resíduos de aparas e limalhas de metais não ferrosos (120103) produz uma quantidade de 4,9 T/ano, sendo a totalidade deste resíduo sujeito a uma operação de valorização no exterior, pela empresa [SCom09...] (Responsável pelo Transporte e pela Operação) - Anexo nº44, vol. 3 fls. 956 do PA;

44. O processo produtivo da [SCom01...] manteve-se sempre o mesmo nos anos de 2002, 2003 e 2004 – facto implícito nos artigos 138º e dos depoimentos da 3ª, 4ª e 5ª testemunha;

45. Em 20/01/2003, a empresa “[SCom14...]” dirigiu-se por escrito [SCom01...] para esclarecer que “Por lapso, a Firma [SCom15...] fez a transferência, para pagamento da Vossa factura acima referida [factura nº181], para a conta da [SCom14...]. Para repor a ordem correcta, junto estamos a enviar o n/cheque nº ...03 sobre o Banco 2... no valor de € 3.931,26, sendo a quantia exacta que havemos recebido.”, tendo este cheque sido depositado em 21/01/2003 na conta da [SCom01...] no Banco 1...– Anexo 23, Vol. 2, fls. 542 e 543 do PA;
46. O montante de € 3.931,26 pago pela “[SCom15...]” (conforme ponto anterior) não está refletido na conta corrente deste cliente (211121114), nem mesmo a correspondente fatura nº 181 acima referida - Anexo 23, Vol. 2, fls. 544 do PA;
47. Em 12/05/2003, num documento interno da [SCom01...], designado “Documento de saída de cheque”, consta a menção “[SCom15...]” e que o cheque nº ...94 do Banco 2..., no valor de € 3.931,26, emitido a favor de «AA», vogal do conselho de administração da [SCom01...], foi creditado da conta 1212 e debitado na conta 26249910 – Vol. I, fls. 5 e Anexo 23, Vol. 2, fls. 545 e 546 do PA;
48. Em 17/02/2004, a empresa “[SCom15...] GMBH” fez uma transferência para a conta da [SCom01...] no Banco 2..., no montante de € 3.937,50, e no verso do documento desta transferência consta “fact. Proforma 74 de moldes. Nota – foram emitidas 2 fact’s, mas só uma é que devia ter sido emitida” - Anexo 23, Vol. 2, fls. 547 do PA;
49. O montante de 3.937,50 pago pela “[SCom15...]” (identificado no ponto 45) não está refletido na conta corrente deste cliente (211121114), nem mesmo a já mencionada fatura Proforma nº 74 - Anexo 23, Vol. 2, fls. 549 do PA;
50. Em 02/03/2004, num documento interno da [SCom01...], designado “Documento de saída de cheque”, consta a menção “Reg. Conta [SCom15...]” e que o cheque nº ...09 do Banco 2..., no valor de € 3.937,50, emitido a favor de «AA», foi creditado da conta 1212 e debitado na conta 26249910 - Anexo 23, Vol. 2, fls. 550 e 551 do PA;
51. Em 11/03/2004, foi emitido pela “[SCom16...], S.A.”, o cheque nº ...32, no montante de € 22.881,45, à ordem da [SCom01...], tendo este sido depositado na conta da [SCom01...] localizada no Banco 3... no dia 15/03/2004 - Anexo 24, Vol. 2, fls. 552 a 554 do PA;
52. Em 15/03/2004, há dois documentos internos da [SCom01...], designados “Documento de saída de cheque”, sendo um deles referente ao cheque nº...19, do Banco 3..., no montante de € 15.000,00, emitido a favor de “«KK»”, e outro referente ao cheque nº...18, do Banco 3..., no montante de € 7.881,45, a favor de “«EE»”, que no total perfazem o montante de € 22.881,45 – Anexo 24, Vol. 2, fls. 556 e 558 do PA;
53. Em 23/07/2004, a empresa “[SCom17...]” fez uma transferência do estrangeiro para a conta da [SCom01...] no banco Banco 1..., no montante de € 74.109,70, tendo a Impugnante em 27/07/2004, emitido um cheque (nº ...74) do mesmo valor, constando deste a menção “CH. Entregue ao Dr. «AA»” – Anexo 10, vol. 1, fls. 311 a 313 do PA;
54. A [SCom01...] dispunha das seguintes viaturas no seu Imobilizado:
MARCAMATRICULAANOUTILIZADOR
AUDI..-..-IG2002/2003Eng° «BB»
MITSUBISHI..-..-OP2002/2003/2004Serviço
VOLVO..-..-MS2002/2003/2004Da. «LL»
WOLKSWAGEN..-..-IT2002/2003Dr. «AA»
MITSUBISHINX-..-..2002/2003/2004Serviço
MITSUBISHI..-..-QL2002/2003Serviço
ALFA-ROMEO..-..-DS2002/2003Serviço
WOLKSWAGEN..-..-EA2002/2003Serviço
OPEL..-..-HB2002/2003/2004Sr. «MM»
WOLKSWAGEN..-..-OU2002/2003/2004Eng. «NN»
MERCEDES..-..-UF2002/2003/2004Sr. «MM»
CITROENHQ-..-..2002/2003/2004Serviço
ALFA-ROMEOSI-..-..2002/2003/2004Serviço
BMW..-..-PU2002/2003Dr. «AA»
WOLKSWAGEN..-..-QQ2002/2003/2004Eng. «OO»
WOLKSWAGEN..-..-SE2002/2003/2004«PP»
FORD..-..-ST2002/2003/2004Serviço
AUDI..-..-QF2002/2003/2004Eng.° «QQ»
WOLKSWAGEN..-..-UQ2003/2004Serviço
RENAULT..-..-UQ2003/2004Bastos
BMW..-..-XB2004«EE»
- Anexo 43, Vol. 3, fls. 934 a 936 do PA;
55. A viatura Volvo ..-..-MS, utilizada pela D. «LL», secretário da Assembleia Geral da [SCom01...], esteve ao serviço da [SCom01...] nos anos de 2002, 2003 e 2004 — artigo 210° da p.i., e depoimentos da 1a, 2a e 5a testemunha;
56. No capítulo dedicado aos preços de transferência incluído nos relatórios de contas dos exercícios de 2002, 2003 e 2004 a [SCom01...] assume que as empresas com que detém relações especiais são: [SCom03...]”; “[SCom04...]”; “[SCom05...]” e [SCom06...]. — S.G.P.S., S.A.”- Vol. 6, fls. 2041 do PA e Vol. 7 fls. 2109 e 2307
56. Os empréstimos concedidos pela [SCom01...] à “[SCom05...], SA”; à “[SCom04...], S.A.”; e à “[SCom06...]. — S.G.P.S., S.A.”, justificam-se pelas relações especiais existentes entre essas empresas — acordo: artigos 219° e 220° da p.i. e artigo 74° da contestação;
57. Em 05/05/1999, a “[SCom02...], S.A.” reconheceu que devia à agora Impugnante o valor de € 1.156.287,19, constando ainda que já havia começado a satisfazer o pagamento da dívida em 01/01/1999, conforme o plano de amortizações (Primeira cláusula), a vencer juros de 5% ao ano até ao dia 01/01/2000, e que a partir dessa data, seria adicionada uma margem de 2 % aos já previstos 5% (Segunda cláusula), e que para além disso a “[SCom02...], S.A.” prestou garantia dessa dívida através de uma hipoteca voluntária sobre alguns prédios — Anexo 39, Vol. 3, fls. 903 a 908 do PA;
58. O plano de amortização da dívida assumida pela “[SCom02...], S.A.”, configura o pagamento de 192,390,000 pesetas (doravante: PTS) (ou € 1.156.287,19) em 8 anos, com início em Janeiro de 1999 e fim em Dezembro de 2006, estando previsto para cada exercício a amortização de capital e a amortização de juros. Em relação a 2002, 2003 e 2004, estariam previstas amortizações conforme se descreve no quadro seguinte:
ANOSCAPITALJUROSTOTAL
200222,095,744 PTS
(€ 132.798,096)
7,904,256 PTS
(€47.505,535)
30,000,000 PTS (€180.303,631)
200329,365,632 PTS
(€176.491,003)
6,634,368 PTS
(€39.873,355)
36,000,000 PTS (€216.364,358)
200437,007,462 PTS
(€222.419,326)
4,992,538 PTS
(€30.005,758)
42,000,000 PTS (€252.425,084)
- Anexo 39, Vol. 3, fls. 909 do PA;
60. Do Relatório de Contas do exercício de 2002 consta, relativamente aos créditos de cobrança duvidosa, o seguinte: “O valor da conta 21.8. – Clientes de cobrança duvidosa era de €243.298,67 em 31.12.2002”, e no anexo A – 6 desse relatório constam ainda os créditos incobráveis dos clientes: “[SCom18...], Lda”, “[SCom19...], Lda”, “[SCom20...], Lda.”, “[SCom21...], Lda.”, “[SCom22...], S.A.” – Vol. 6, fls. 1950 e 1963 do PA;
61. Do Relatório de Contas do exercício de 2003 consta, relativamente aos créditos de cobrança duvidosa, o seguinte: “O valor da conta 21.8. – Clientes de cobrança duvidosa era de €243.103,23 em 31.12.2003”, não existindo nesse ano quaisquer créditos incobráveis de clientes – Vol. 7, fls. 2088 e 2089 do PA;
62. Do Relatório de Contas do exercício de 2004 consta, relativamente aos créditos de cobrança duvidosa, o seguinte: “O valor da conta 21.8. – Clientes de cobrança duvidosa era de € 285.173,12 em 31/12/2004”, não existindo para este ano quaisquer créditos incobráveis de clientes – Vol. 7, fls.2195 vº e 2196 do PA;
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3.2. Matéria de facto dada como não provada:
Dão-se como não provados os seguintes factos:
1. Os desperdícios gerados no processo produtivo da [SCom01...] eram todos reaproveitados na empresa nos anos de 2002 e 2003 – facto implícito nos artigos 137º, 139º a 141º, 267º e 268º da p.i. e dos depoimentos da 3ª, 4ª e 5ª testemunhas;
2. Os cheques e as transferências realizados para as contas da [SCom01...] (identificados nos pontos 45 a 53 de 3.1 supra), não lhe eram destinados, uma vez que resultaram de lapsos das entidades emissoras – facto implícito nos artigos 21º a 30º, 227º e 228º da p.i. e do depoimento da 5ª testemunha;
3. Da dívida identificada em 58 de 3.1, foram pagas rendas mensais pela “[SCom02...], S.A.” que apenas amortizaram o capital – facto implícito nos artigos 236º a 245º da p.i. e do depoimento da 5ª testemunha;
4. As despesas com refeições e despesas com combustíveis cujo registo se encontra suportado com documentos que se destinam a substituir outras despesas efetivamente suportadas foram pagas pela sociedade aqui Impugnante – facto implícito nos artigos 205º a 207º da p.i. e no depoimento da 5ª testemunha;
*
4. Motivação de facto
A convicção do tribunal quanto aos factos assentes teve por base o confronto das posições das partes assumidas nos respetivos articulados, a análise global dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo que, por não estarem impugnados, se dão como integralmente reproduzidos, conforme se indica em cada um dos pontos de 3.1 supra. Para a formação dessa convicção também se atendeu aos depoimentos testemunhais, conforme indicado.
Do conjunto da prova produzida resultou a convicção de que:
A sociedade [SCom01...], S.A. foi constituída em 1976 e desde essa data dedica-se à indústria de ferragens para móveis e construção civil, produzindo inúmeros produtos distintos, nomeadamente, puxadores de porta, dobradiças, fechaduras, acessórios de toalheiros e outros. Na produção dos seus produtos utiliza essencialmente como matérias-primas o latão “latão” é uma liga metálica de cobre e zinco (podendo conter outros metais, como alumínio, estanho, chumbo e arsênio) de cor amarelada semelhante à do ouro e é consideravelmente resistente a manchas; , o zamac “zamac” é uma liga metálica não ferrosa muito procurada e de valor relativamente elevado, por ser constituída
por Zinco, Alumínio, Magnésio e Cobre (daí o acrónimo “Zamac”); e o aço inoxidável “aço inoxidável” é uma liga de ferro e crómio, podendo conter também níquel, molibdénio e outros elementos, que apresenta propriedades físico-químicas superiores aos aços comuns, com alta resistência à oxidação; (factos 1 a 3 de 3.1 supra) Sabe-se que o latão e o zamac são ligas de “metais não ferrosos” (não contêm ferro na sua composição) e o aço inoxidável é uma liga de “metais ferrosos” (a sua composição contém ferro como constituinte principal), sabendo-se que a presença de ferro na composição da liga faz aumentar a sua dureza mas também aumenta a sua suscetibilidade à oxidação, desvantagem que na produção do aço inoxidável se procura minimizar através da adição de crómio e outros metais. .
No início de 2005, no âmbito de uma campanha de fiscalização ao sector das sucatas, foi apresentada uma proposta de ação inspetiva à [SCom01...], dado que, comparando com outras empresas do sector, esta apresentava vendas de sucata de latão (matéria prima mais utilizada pela empresa) insignificantes face ao volume de negócios que exibia em 2001 e 2002. Para além disso, a AT constatou que os sócios da [SCom01...] teriam feito grandes investimentos imobiliários, provavelmente com dinheiro oriundo da venda de sucata (facto 4 de 3.1 supra).
Com base nessa proposta, foi posteriormente ordenada a realização da ação inspetiva externa à [SCom01...], referente aos exercícios de 2002 a 2005. Esta ação inspetiva teve início em 18/7/2005 e foi dada por terminada em 16/03/2006 (factos 5 e 20 de 3.1 supra).
No decorrer desta ação inspetiva foram realizadas várias diligências, nomeadamente alguns pedidos de informação e de esclarecimento dirigidos à sociedade ora Impugnante, bem como a outras empresas com relação direta com esta ([SCom10...] e comércio de reciclagens, Lda. e [SCom11...], Lda.), e para além destes, foi ainda solicitada informação à DREC (factos 7, 8, 10 a 19 de 3.1 supra).
Após o cruzamento de todas estas informações, a AT (através das Inspetoras) formou a convicção de que a [SCom01...] estaria a ocultar da sua contabilidade uma parte significativa de vendas das sucatas originadas no seu processo produtivo. Uma vez que não possuía elementos suficientes para verificar exatamente esta situação, a AT decidiu efetuar uma amostragem para determinar a percentagem de sucata gerada no processo produtivo.
Para a realização dessa amostragem, a AT começou por solicitar à empresa alguns dados relativos aos exercícios de 2002, 2003 e 2004, tais como, a relação dos 20 produtos mais faturados e as fichas técnicas de cada produto. Esta análise foi feita com base nos produtos com maior representatividade no total de vendas declaradas, sendo estes: puxadores de porta; dobradiças de latão/anilhas para dobradiça de latão, artigos especiais de latão, e artigos especiais de zamac (factos 8 e 11 de 3.1 supra).
Após isso, a AT solicitou à empresa um exemplar de cada um dos produtos selecionados para procederem à sua pesagem, por forma a apurar a matéria-prima incorporada em cada um deles (facto 13 de 3.1 supra). Realizadas as pesagens destes produtos, foram calculadas as percentagens de desperdício geradas em cada um desses produtos, separadas pelo tipo de matéria-prima, tendo sido estas percentagens posteriormente ponderadas com o peso das vendas declaradas de cada produto.
Desta amostragem resultou que relativamente à matéria-prima “Latão em cavilha”, resultou uma percentagem de desperdício ponderada de 24,7% para 2002, de 25,1% para 2003, e de 24,7% para 2004. O que permitiu à AT concluir que as vendas de sucata declaradas pela [SCom01...] eram ínfimas face àquilo que as inspetoras criam ser a realidade.
Dada a impossibilidade de quantificação direta e exata da matéria tributável, a AT socorreu-se da aplicação de métodos indiretos.
Para isso, a AT fundou-se em diversos indícios, entre os quais: o elevado número de cheques levantados para o caixa; a existência de pagamentos de serviços de polimento de peças e aquisições de outros bens para utilização na área industrial sem o respetivo documento de suporte; diversos depósitos em numerário sem qualquer documento justificativo; alguns recebimentos de clientes sem origem em qualquer documento emitido pela [SCom01...]; o pagamento de IVA de determinadas faturas aos administradores da [SCom01...]; as manifestações de fortuna que os administradores da [SCom01...] apresentavam, face ao salário auferido; os valores inscritos nas GAR apresentarem discrepâncias face aos valores faturados; e o resultado da amostragem que revelava omissão da venda de sucatas.
Face a todos estes indícios, a AT entendeu que estavam preenchidos os pressupostos para aplicação de métodos indiretos, por forma a determinar a matéria tributável aos exercícios de 2002, 2003 e 2004.
Assim, da aplicação de métodos indiretos resultou a quantificação da omissão de vendas no montante de € 412.301,87 no ano 2002, de € 292.875,24 no ano de 2003, e de € 151.522,49 no ano de 2004.
Além disso, a AT também efetuou correções técnicas aos custos e proveitos que haviam sido declarados pela empresa, verificando-se com estas correções um acréscimo de €167.466,75 para 2002, €152.386,03 para 2003, e € 201.055,47 para 2004.
Para o apuramento da matéria coletável foi tido em conta o lucro tributável já corrigido, ou seja, ao lucro tributável declarado pela Impugnante foram somadas as correções (técnicas e por métodos indiretos) realizadas pela Administração. Em resultado, o lucro tributável da Impugnante fixou-se em € 906.452,42 para 2002 (ao invés de € 326.683,80), de € 566.550,87 para 2003 (ao invés de € 121.289,60) e de € 517.878,66 para 2004 (ao invés de € 165.300,70) (facto 24 de 3.1 supra).
Não se conformando com os resultados obtidos pela ação inspetiva, a Impugnante apresentou um pedido de revisão da matéria tributável dos anos de 2002, 2003 e 2004 em sede de IVA e de IRC alegando que não estariam reunidos os pressupostos para aplicação de métodos indiretos e que houve errónea quantificação e manifesto excesso de tributação
(facto 26 de 3.1 supra).
No decorrer do pedido de revisão o perito da AT assumiu alguns erros, nomeadamente, a informação dos consumos fornecida pelo contribuinte ter sido utilizada com o significado de compras, influenciando consequentemente o cálculo dos consumos realizados; erro no recalculo da percentagem de desperdício, nomeadamente ao nível dos preços unitários da matéria-prima; e erro no cálculo das quantidades de sucata de latão não fundidas em 2004, por ter sido considerado em duplicado o valor de 15% gerado na injeção.
Não houve acordo entre o perito da AT e o perito indicado pela Impugnante, pelo que (ao abrigo do art.º 92.º, nº6, da LGT) foi elaborado Parecer, que no seu conteúdo apenas visou corrigir os erros já assumidos pelo perito da Administração (factos 27 e 28 de 3.1 supra), e o Diretor de Finanças, assumindo que concordava com o dito Parecer na parte em que propõe a alteração dos valores inicialmente fixados em sede de IRC, fixou o lucro tributável para o ano de 2002 em € 845.441,37, para 2003 em € 541.127,97, e para 2004 em 463.751,36 (facto 29 de 3.1 supra).
Ainda assim, a ora Impugnante não se conformou com os resultados desse procedimento de revisão e apresentou a presente Impugnação (facto 30 e 31 de 3.1 supra).
Há muitos factos controversos em discussão nos Autos, sendo necessário verificar se a posição da Impugnante merece ou não apoio.
Uma das questões em discussão nos Autos reporta-se ao processo produtivo da [SCom01...] nos anos de 2002, 2003 e 2004.
A Impugnante defende que o processo produtivo se manteve inalterado ao longo dos anos de 2002, 2003 e 2004, por forma a demonstrar que se no ano de 2004 houve reaproveitamento dos desperdícios, significa que também assim foi nos anos de 2002 e 2003.
Quanto a tal questão, a terceira testemunha «RR», metalúrgico da [SCom01...] há 25 anos, e a quarta testemunha «SS», responsável pela produção na [SCom01...] há 7 anos, declararam que o circuito do processo produtivo da empresa se manteve inalterado nos anos de 2002, 2003 e 2004. Quanto a esta parte, ambos os depoimentos foram coerentes e credíveis, até porque fizeram uma explicação bastante detalhada de todos os processos inseridos no circuito da produção.
No mesmo sentido, a quinta testemunha «CC», que exerce funções na [SCom01...] desde 1995 enquanto economista e Técnico Oficial de Contas, confirmou que o processo produtivo se manteve o mesmo ao longo dos anos, e que a partir de 2004 começaram a fazer registos das quantidades produzidas na fundição, não o tendo feito nos anos anteriores porque não era exigido. Defendeu ainda que apesar de não ser possível quantificar com rigor o peso consumido nos anos de 2002/2003, seria “lícito” dizer que tudo aquilo que foi reutilizado em 2004, também o teria sido em 2002 e 2003 em proporção idêntica.
Portanto, dúvidas não restam de que o circuito do processo produtivo da [SCom01...] se manteve inalterado ao longo dos anos.
Nesta parte os depoimentos das testemunhas foram credíveis, uma vez que se mostram coerentes e objetivos. A terceira e quarta testemunha conseguiram identificar sem qualquer dificuldade, todos os processos produtivos, fazendo um esforço por explicar e exemplificar o desenvolvimento de cada um desses processos com algum pormenor.
Do exposto, resulta a conclusão de que o Tribunal acompanha o entendimento de que o processo produtivo da [SCom01...] se manteve inalterável nos anos 2002, 2003 e 2004, pelo que se dá como provado o ponto 44 de 3.1 supra.
Essa conclusão não obsta ao facto de se poder/dever discutir se os desperdícios seriam ou não reintroduzidos no processo produtivo.
Quanto a esta parte, os depoimentos defendem que os desperdícios gerados no processo produtivo são maioritariamente reintroduzidos novamente no circuito de produção da [SCom01...]. No entanto, não nos podemos bastar com os depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas, dado que estas têm uma relação de dependência laboral e económica em relação à ora Impugnante e tendem naturalmente a ser permeáveis a eventuais pressões no sentido de serem parciais a favor dos interesses da entidade patronal.
Ora, para averiguar a veracidade dos factos não poderão deixar de ser tidos em conta os documentos constantes nos Autos.
Em auto de declarações subscrito por um dos administradores da sociedade ora Impugnante, «EE», foi declarado que “O latão injectado é adquirido em lingote e a outra parte é reciclada das aparas da estampagem”, “toda a apara da estampagem de latão é reciclada, reentra no processo produtivo”, e que “Relativamente ao zamac, é adquirido em lingote (…). Nesta matéria-prima há um aproveitamento total, portanto não há criação de sucata”.
No entanto, ao contrário do que foi declarado pelas testemunhas e por este administrador, há documentos que apontam no sentido da existência de “sucata” de “metais não ferrosos”, incluindo o latão. De facto, num documento interno de controlo anual de resíduos de 2003 da [SCom01...] é possível constatar que a atividade da Impugnante gerou 1840 kg de metais não ferrosos (facto 39 de 3.1 supra).
A [SCom01...] emitiu também algumas GAR (guias de acompanhamento de resíduos) para as “Aparas e limalhas de metais não ferrosos”: relativamente a 2002 há uma GAR sem qualquer menção às quantidades, para 2003 existem 3 GAR que perfazem no seu total 1680 kg, e em 2004 existem 8 GAR das quais duas não fazem menção à quantidade, perfazendo as restantes o peso de 4110 kg (facto 38 de 3.1 supra).
Para além disto, a Impugnante disponibilizou aos SIT os seus mapas de resíduos anuais dos quais resulta que a Impugnante declarou a existência de resíduos de aparas e limalhas de metais não ferrosos, que produziu 10,6 toneladas em 2002 e 4,9 toneladas em 2003 e igual quantidade em 2004, identificando como destinatário desses bens a empresa “[SCom09...], Lda.”. Analogamente, a Impugnante declarou que produziu, respetivamente, 3,25 toneladas, 3,5 toneladas e 3,6 toneladas de aparas e limalhas de metais ferrosos (facto 18 de 3.1 supra).
Ademais, da contabilidade da Impugnante resulta que no exercício de 2002 emitiu 26 documentos de venda a dinheiro para a empresa “[SCom09...], Lda.”, representando estes documentos 10627 kg de sucata de latão, apurando o montante de € 16.638,38 (facto 40 de 3.1 supra), e, para além disso, a Impugnante recebeu dessa empresa vários cheques no valor global de € 3.036,99 (facto 41 de 3.1 supra).
Por fim, cumprirá fazer referência aos documentos que a DREC forneceu aos SIT, nomeadamente os formulários que a Impugnante já havia enviado a esta entidade. Num desses documentos consta que “Quanto ao valor referido de 3,936 ton/dia, que é a soma do consumo médio de varão de latão (3.512 kg), do lingote de zamac (234 kg) e do lingote de latão (190 kg), clarificamos que no processo de fundição injectada apenas consumimos lingote de latão e lingote de zamak. Nas prensas é que utilizamos a cavilha de latão como matéria prima.”. Noutro documento declara que produz 4,9 toneladas por ano de aparas e limalhas de metais não ferrosos, sendo a totalidade deste produto valorizada no exterior pela empresa “[SCom09...], Lda.” (factos 42 e 43 de 3.1 supra).
Em suma, os documentos acima mencionados revelam que há saída de quantidades significativas de desperdícios da [SCom01...], para a sua posterior valorização por empresas externas, o que contraria a tese da Impugnante.
Pese embora à data dos factos a [SCom01...] tivesse capacidade para proceder ao reaproveitamento dos seus desperdícios, resulta dos documentos junto aos Autos que nos anos em causa (2002, 2003 e 2004) não fazia o reaproveitamento integral das aparas e limalhas dos metais não ferrosos.
De tudo o que foi apurado nos autos resulta por demais evidente que, apesar de a [SCom01...] ter os meios para reutilizar as aparas e as limalhas, a verdade é que vendeu esses desperdícios metálicos ferrosos e não ferrosos nos anos de 2002, 2003 e 2004, entregando a valorização desses desperdícios a empresas externas, não sendo possível concretizar se a Impugnante terá reaproveitado alguma quota-parte, ou se de facto não houve qualquer reaproveitamento na sua empresa.
Dado que os depoimentos das testemunhas se mostraram, quanto a esta parte, parciais e incompatíveis com os documentos referidos, não serão valorados positivamente.
Logo, o Tribunal acompanha o entendimento da AT na parte em que defende que há omissão de vendas de sucata por parte da [SCom01...]., razão pela qual se dá como não provada a reintrodução dos desperdícios no processo produtivo (facto 1 de 3.2 supra).
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Quanto à questão dos cheques e transferências recebidos indevidamente nas contas da [SCom01...], a Impugnante defende que “quando no cheque, era mencionado o nome do administrador Dr. «AA», o que podia configurar um levantamento por conta de lucros”, “contudo, pagamentos não são despesas”, “a Administração Tributária apenas conferiu pagamento e não despesa” (27º a 29º p.i.).
A quinta testemunha explicou que estes valores que entravam e saiam das contas da [SCom01...] não eram relevados na contabilidade por nada terem que ver com a empresa, uma vez que se tratavam de lapsos dos emissores. Essa testemunha afirmou que primeiramente a Impugnante confirmava se os montantes recebidos tinham relação com algum documento que estivesse por liquidar, e constatando-se que seriam indevidos faziam a sua devolução através de cheque ou transferência.
Referiu ainda que relativamente ao cheque de € 74.109,70 recebido através de uma transferência internacional da empresa “[SCom17...]”, a empresa teve uma atuação diferente, uma vez que havia um administrador com uma relação própria com esta empresa, e por tal a [SCom01...] emitiu o cheque diretamente a esse administrador para que o entregasse à empresa.
A justificação apresentada afigura-se pouco credível, assente em depoimento pouco fiável dadas as relações de subordinação que esta testemunha mantinha e mantem com a sociedade aqui Impugnante.
Temos como certo que não basta alegar que tais movimentos resultaram de lapsos, e que era imprescindível justificar a existência dos referidos lapsos, que a Impugnante de facto procedeu à devolução das respetivas quantias às entidades emitentes e que o fez por transferência bancária ou através de emissão de cheque ou por qualquer outro meio.
Ademais, parece pouco plausível a afirmação de que em determinada situação foi emitido o cheque à ordem do administrador para devolver ele próprio o valor à empresa. É certo que a quantia entrou no património da Impugnante e que esta emitiu um cheque à ordem do seu administrador, mas é incerto o destino que tal quantia veio a ter.
E nesse aspeto, nem a Impugnante nem a testemunha «CC» se atreveram a provar que o Administrador não se apropriou da quantia em causa, e limitaram-se a sustentar a tese do lapso e da devolução.
Será necessário dizer também que apesar de se reconhecer a possibilidade abstrata de ocorrerem lapsos como os descritos pela Impugnante, sempre as quantias em causa teriam de ser contabilizadas (como lapsos e como recebimentos indevidos) e teriam de constar dos extratos bancários, e as respetivas devoluções teriam de estar correspondentemente relevadas discriminadamente e assentes em documentos tão esclarecedores e idóneos quanto possível, ao contrário do que defendeu «CC».
A falta de relevação de tais operações contraria o disposto nos artigos 17º e 115º do CIRC.
O ónus de provar esses factos compete a quem os alega e pretende aproveitar deles (artigo 74º, nº1, da LGT) e, neste caso, a Impugnante não o cumpriu adequadamente.
Pelo que é convicção do Tribunal que os valores recebidos, alegadamente por meros lapsos, não são estranhos à atividade da Impugnante, podendo muito bem ter sido recebidos a título de pagamento de produtos não faturados.
Em suma, considera-se não provado que os cheques e transferências recebidos de outras entidades não eram efetivamente destinados à ora Impugnante (facto 2 de 3.2 supra).
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Relativamente à viatura Volvo ..-..-MS, a AT defende que, não obstante fazer parte do ativo imobilizado da empresa, é utilizado pela D. «LL», que foi administradora até inícios de 2003, em seu proveito pessoal, para as suas deslocações pessoais, pelo que em nada contribuem para a realização dos proveitos ou ganhos da empresa.
Em sentido contrário, a Impugnante defende que esta viatura sempre esteve ao serviço da empresa, e a primeira testemunha, «TT» (responsável pela parte administrativa da [SCom01...] há 30 anos), também o confirmou acrescentando que este carro é utilizado por mais do que uma pessoa mas que habitualmente quem o utiliza é a D. «LL». Esclareceu que a D. «UU» é mulher do ex-administrador da [SCom01...], «EE», e que exercia funções na área comercial da empresa, admitindo que esta seja ainda administradora uma vez que constava essa informação do pacto social.
A segunda testemunha, «PP», diretor comercial da [SCom01...] desde 1991, também confirmou que conhecia esta viatura como sendo da D. «LL» e que o seu uso não estava adstrito exclusivamente a esta, porque ele próprio já havia utilizado a viatura. Referiu também que a D. «LL» trabalha consigo regularmente no departamento comercial mas não sabe se ocupa formalmente o cargo de Administradora, embora a reconheça e trate como tal.
Ainda quanto às funções da D. «LL», a quinta testemunha, «CC», afirmou que ela foi administradora até ao segundo semestre do ano de 2003 (data em que renunciou ao cargo) e que após essa data continuou a trabalhar na [SCom01...] com o cargo de diretora geral.
Verificando a lista de viaturas do imobilizado da [SCom01...] dos anos de 2002, 2003 e 2004, confirma-se que a viatura Volvo com a matrícula ..-..-MS consta do imobilizado e que tinha como utilizador associado a D.ª «LL» (facto 54 de 3.1 supra).
Todas as testemunhas enunciadas têm uma relação de dependência laboral com a [SCom01...] e, por isso, sabe-se que os seus depoimentos têm implícito um forte potencial de alguma parcialidade a favor da entidade patronal. Apesar disso, o documento do ativo imobilizado da empresa veio confirmar as declarações prestadas por estas testemunhas, confirmando-se que nos anos de 2002, 2003, e 2004 este veículo estava adstrito, ainda que não exclusivamente, à dita D.ª «LL» (facto 54 de 3.1 supra).
A AT bastou-se a alegar que o veículo da empresa era para uso pessoal da D. «LL». No entanto não concretizou os fundamentos da sua conclusão. Assim, e tendo em conta que os depoimentos das testemunhas foram unanimes referindo que a viatura era utilizada em serviço da empresa, e o documento do ativo imobilizado da empresa também o demonstra, confirma-se o que vem sendo defendido pela Impugnante.
Como tal, é convicção do Tribunal que o carro esteve efetivamente ao serviço da empresa, pelo que se dá como provado no facto 55 de 3.1 supra.
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Quanto à situação em que a Impugnante recorreu a empréstimos bancários para os conceder posteriormente a algumas empresas, a testemunha Dr. «CC», afirmou que os referidos empréstimos visaram a concessão de crédito a empresas com relações especiais com a [SCom01...], uma vez que pertenciam na sua essência aos mesmos acionistas, referindo inclusive que a empresa “[SCom06...] – S.G.P.S., SA” era uma olding e que detinha 90% a 100% da empresa “[SCom05...]”. Sustentou que estas sociedades apresentavam alguma debilidade financeira, e tendo em conta que a [SCom01...] era a principal geradora de proveitos no grupo, acabava por ter mais facilidade em dispor desse dinheiro e eventualmente pedi-lo à banca.
Nos relatórios de contas da [SCom01...] dos exercícios de 2002, 2003 e 2004 consta um documento onde esta estabelece os preços de venda às empresas com relações especiais, sendo estas a “[SCom03...]”; “[SCom04...]”; “[SCom05...]”, atestando o que vem sendo defendido pela Impugnante (factos 56 e 57 de 3.1 supra).
Efetivamente, consta no Relatório de Inspeção que estes empréstimos configuram “(…) operações de financiamento às empresas referidas, uma das quais detém 90 % do capital da empresa” (fls. 60 do relatório), constando igualmente logo no início do relatório que “Em finais do ano de 2002, a sociedade [SCom06...]- Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, passou a deter 90% do capital da [SCom01...], na sequência da compra por esta empresa das acções detidas pela família «BB».” (fls. 6 do relatório). Ou seja, a AT assumiu a existência de “relações especiais” (artigo 58º, nº4, do CIRC) entre esta empresa e a [SCom01...].
Também na contestação a AT não põe em causa as relações de proximidade das empresas, uma vez que chega a referir “Na verdade, estes custos visam encobrir financiamentos a empresas próximas à Impugnante” (artigo 74º da contestação).
De facto, não se discute que estes empréstimos foram concedidos a empresas com relações de especial proximidade à [SCom01...], pelo que se dá como provado que os empréstimos concedidos a algumas empresas resultam das relações especiais entre estas, conforme facto 57 de 3.1 supra.
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Quanto aos juros provenientes de uma dívida da “[SCom02...], S.A.” à ora Impugnante (facto 58 de 3.1 supra), o economista e TOC da Impugnante (quinta testemunha) começou por afirmar que a [SCom01...] (Portugal) já tinha tido uma participação financeira na “[SCom02...], S.A.”, mas que, como os negócios não correram bem e que a dada altura a [SCom01...] decidiu sair dessa empresa. Também afirmou que o crédito que a [SCom01...] tinha sobre esta empresa era enorme, pelo que decidiram negociar a cessação da participação acordando um prazo de pagamento da dívida e criando ainda um plano dos valores da renda mensal, com parcelas de amortização de capital e parcelas de juro e que, afirmou, feito o acordo, a [SCom01...] (Portugal) ia procedendo ao registo à medida que ia recebendo as rendas, cujos valores primeiramente serviriam para amortizar as parcelas do capital em dívida e, cumprida que estivesse esta parte, o remanescente serviria para amortizar a parcela dos juros, e que só nessa altura é que os contabilizariam como tal. Diz que por uma questão de prudência não contabilizaram os juros, porque era incerto vir a recebê-los e que chegou a haver até uma hipoteca que pensa só ter garantido a parcela do capital.
Mais uma vez, afigura-se que este depoimento não merece credibilidade pelas razões já explanadas supra e porque consta do anexo 39 o plano de amortização a que se referiu a testemunha de que resulta que comportava o pagamento do valor global de 192,390,000 PTS (€1.156.287,188), a dividir por oito anos, com início em Janeiro de 1999 e conclusão em Dezembro de 2006. Estavam previstas e discriminadas neste plano as amortizações de capital e as amortizações de juros para cada ano, e no que concerne aos anos aqui em discussão, estava prevista a amortização de juros no valor de 7,904,256 PTS (€ 47.505,535) para 2002, para 2003 de 6,634,368 PTS (€ 39.873,355), e para 2004 de 4,992,538 PTS (€ 30.005,758) (facto 59 de 3.1 supra).
Ao contrário do defendido pela Impugnante e pela sua testemunha, impunha o princípio da prudência que se fizesse a análise e previsão da existência de créditos de cobrança duvidosa ou dos créditos incobráveis, reconhecendo-os na sua contabilidade, e não que agisse como se tivesse a intenção de perdoar os juros e, portanto, arcar com os custos da operação à revelia do plano documentado na contabilidade.
Tendo em conta o explanado pela testemunha e dado o valor avultado desta dívida, a Sociedade deveria ter agido de outra forma, de maneira a acautelar os seus interesses, pelo que cumpria fazer uma análise e avaliação do risco inerente a este crédito determinando se seria um crédito de cobrança duvidosa e, em caso afirmativo, deveria tê-lo reconhecido na sua contabilidade. Ademais, verificada que estivesse a impossibilidade de vir a cobrar este crédito, deveria ter constituído a respetiva provisão e tê-lo reconhecido como um crédito incobrável.
Da análise dos Relatórios de Contas dos anos de 2002, 2003 e 2004 verifica-se que não consta como crédito de cobrança duvidosa a dívida assumida pela “[SCom02...], S.A.”, e no que respeita aos créditos incobráveis, só há menção ao respetivo valor global, não estando discriminados quais os créditos (factos 59 a 62 de 3.1 supra). No entanto, daquilo que tem vindo a ser defendido pelas partes entende-se que nada disso foi feito, o que leva o Tribunal a formar a convicção de que a Impugnante não teve qualquer dúvida acerca da solvabilidade desta dívida.
Numa empresa com a dimensão (em estrutura e volume de vendas) da [SCom01...] não é credível que a situação descrita corresponda à realidade da vida, sendo inacreditável que, se fosse verdadeira, tal alteração do plano de pagamentos tivesse deixado de ser documentada e justificada tempestiva e pormenorizadamente nos elementos da contabilidade.
Pelo exposto, o Tribunal criou a convicção de que os montantes que foram sendo pagos pela “[SCom02...], S.A.” comportavam não só a amortização de capital como também a amortização dos juros, pelo que se deu como não provado o facto 3 de 3.2 supra.
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Quanto às despesas com os artigos para oferta, despesas de representação, despesas com refeições e despesas com combustíveis, a Impugnante alega que ocorreram efetivamente e que foram pagas pela sociedade aqui Impugnante, destinando-se parte delas a substituir custos, como a AT reconhece nos anexos 11, 12 e 13 (anos 2002, 2003 e 2004) do Relatório. Além disso, alega que há outro conjunto de custos que resultam do normal desenvolvimento da atividade da empresa, pelo que são indispensáveis, como sucede com viaturas não pertencentes ao imobilizado, despesas com a administração (D.ª «VV»), passagens aéreas, viagens, seguros, despesas de alimentação e alojamento incorridas pela administração – artigos 205º a 207º da p.i.
No seu depoimento a quinta testemunha e TOC da empresa declarou que concorda com a posição da AT relativamente a alguns custos, mas discorda da decisão quanto a outros, acompanhando a posição da Impugnante transmitida na p.i..
Tal depoimento constituiu-se mais como um parecer de perito do que como depoimento testemunhal, pelo que se mostra praticamente irrelevante para o caso.
Assim, da posição da própria Impugnante resulta a convicção de que algumas das despesas em causa não foram efetivamente suportadas com os custos a que se referem os documentos registados na contabilidade, mas a “substituir custos” efetivamente suportados com o setor de medicina do trabalho e outros cujos verdadeiros beneficiários não emitiram documento justificativo (artigo 206 p.i. e ponto IV.2.1.1.1, al. c.1), a pág. 55 do Relatório). Para isso, a empresa agora Impugnante usou documentos que descrevem despesas com refeições e combustíveis mas que realmente serviram apenas para documentar, em seu lugar, as despesas com os serviços médicos, e outras, não documentadas.
Pelo que, por ser assim, se tem de dar como não provado o facto a que alude o artigo 4 de 3.2 supra, na parte em que se refere às despesas com refeições e combustíveis (cujos documentos se destinam apenas a suportar o registo de despesas com outros beneficiários em substituição dos documentos relativo a estas).
Quanto às despesas restantes agora em causa, com seguros, conservação e reparação de viaturas não pertencentes ao imobilizado da empresa, bem como despesas com a administração, passagens aéreas, viagens, seguros de vida e acidentes pessoais e de saúde, despesas de representação, a Impugnante sustenta que são indispensáveis ao normal desenvolvimento da atividade da empresa, pelo que devem ser aceites sob pena de tributação para além da capacidade contributiva (artigos 207 e 208 p.i.)
Pelo contrário, a AT considera que as despesas relativas a artigos para oferta e com seguros e reparações de viaturas que não fazem parte do imobilizado e que não estão em regime de locação financeira (a que se referem os pontos ponto IV.2.1.1.1, al. a) e d), a pág. 54 e 56 do Relatório), bem como as despesas efetuadas pelos administradores resultantes de utilização de termas e viagens ao Brasil (ponto IV.2.1.1.1, al. c.2, a pág. 55/56 do Relatório) faturas com combustível sem identificação da viatura e da respetiva empresa ou apresentadas pelos administradores e trabalhadores que possuem cartão de abastecimento na BP (pontos IV.2.1.1.1, al. c3) e C4), a pág. 56 do Relatório), não são custos fiscais por não serem indispensáveis para efeitos do artigo 23º do CIRC. O que significa que a AT reconhece a existência das respetivas despesas, embora recuse o direito à dedução como custo fiscal por motivos de direito que apreciaremos no ponto seguinte. Assim, o Tribunal fica com a convicção de que as partes não discutem a existência dessas despesas.
Já quanto às despesas de representação (ponto IV.2.1.1.1, al. b), a pág. 55 do Relatório) a AT admite a sua existência mas entende que estão mal contabilizadas (as verdadeiras despesas de representação estão sujeitas a tributação autónoma à taxa de 6% por força do artigo 81º do CIRC) e não constituem custos dedutíveis, e relativamente às despesas com seguros de vida e acidentes pessoais (ponto IV.2.1.1.1, al. e), a pág. 55 do Relatório), a AT admite a sua existência mas entende que devem ser sujeitas a tributação na esfera pessoal dos beneficiários e vedada a dedução na esfera da empresa nos termos do artigo 23º do CIRC, sucedendo algo parecido com o as despesas relativas a seguros de saúde em grupo (ponto IV.2.1.1.1, al. f), a pág. 55 do Relatório). Pelo que se entende que as partes não discutem a existências de tais despesas, mas apenas o fundamento legal do direito à dedução fiscal. “
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2.2. Aditamento oficioso à fundamentação de facto
Dispondo os autos dos elementos probatórios para o efeito indispensáveis e ao abrigo do disposto no artigo 662.º n.º 1 do CPC, afigura-se-nos ser necessária à decisão da causa aditar à matéria de facto dois factos.

Assim, aditam-se os pontos 63. a 70. à matéria de facto assente com o seguinte teor:

63. Foi proferido despacho em 28.10.2009 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro com o seguinte teor: “Os presentes autos encontram-se conclusos para prolação de sentença. Constata-se que no dia 09 de Janeiro de 2008 (acta de fls 152) a Mma Juiz, Drª «WW», titular do processo, presidiu à diligência de inquirição de testemunhas, tendo presidido igualmente à continuação da diligência posteriormente agendada. Impõe o Princípio da plenitude da assistência dos juízes, cuja consagração vem expressa no artº 654º do CPC (aplicável ex vi artº 2º e) do CPPT), que seja o juiz perante o qual forem praticados os actos de instrução e discussão em sede de audiência final, quem deve proferir decisão sobre a matéria de facto. Tal entendimento vem também expresso na Deliberação do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, de 7 de Outubro de 2009. Assim sendo e sem necessidade de mais considerações, remeta com as cautelas habituais os presentes autos ao Tribunal onde a Exma Juiz «WW» actualmente exerce funções, acompanhados do processo administrativo e dos suportes magnéticos que contêm a prova gravada, certificando-se previamente que fica depositada neste Tribunal cópia audível dos referidos suportes magnéticos. D. N. Notifique.”
64. O despacho a que se alude em 63., foi notificado à Fazenda Pública e à [SCom01...] SA – cfr. fls. 244 e 246 do SITAF.
65. Foi proferido despacho em 22.11.2011 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra com o seguinte teor: “Acompanhando na íntegra, o entendimento sufragado no recente Acórdão do Tribunal central Administrativo Sul, processo n.º 02021/07, de 27/09/2011, (…), sobre o princípio da plenitude da assistência dos Juízes, remeta os presentes autos ao Exmo. Juiz Titular.” – cfr. fls. 233 do processo físico.
66. Remetidos os autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro foram recebidos em 30.11.2011 – cfr. fls. 233 do processo físico.
67. Foi proferido em 10.01.2012 despacho pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro com o seguinte teor: “De acordo com o provimento 5/2011 proferido em 19 de dezembro de 2011 aguardem os autos na Secção Tributária pela pronúncia vinculativa do STA” – cfr. fls. 258 do SITAF.
68. Em 26.06.2012 foi remetido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro à Fazenda Pública e à [SCom01...] SA, ofício com o seguinte teor: “(…) Assunto: Informação - PARA CONHECIMENTO Serve a presente para levar ao conhecimento de V.ª Ex.ª que, por força do Provimento 3/2012 de 19/4, foram os presentes autos sujeitos a redistribuição por ausência do M.mo Juiz Titular por questões de saúde. Encontram-se os autos prontos para prolação da sentença na qual importa a apreciação da prova testemunhal produzida - Artº. 654º. CPC “ex vi” Artº. 2º., al.e) do CPPT. Por deliberação do CSTAF de 7 de Outubro de 2009 (Provimento 5/2011) – “ nos processos de impugnação e de oposição e naqueles que são tramitados segundo as normas do CPPT, as sentenças deverão ser proferidas pelo Juiz que preside à fase instrutória…”
Tendo esta deliberação sido objecto de controvérsia, aguardarão os presentes autos pela pronúncia vinculativa do STA sobre a matéria.-“ – cfr. fls. 260 e 262 do SITAF.
69. Em 8.02.2017 foi proferida sentença pelo Juiz titular dos autos – cfr. fls. 288 do SITAF.
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2.2 – O direito

Constitui objecto do presente recurso a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IRC, Derrama, Tributações Autónomas e respetivos Juros Compensatórios dos exercícios de 2002 a 2004, no montante total de €627.021,90.

Do recurso interposto pela [SCom01...], SA

A Recorrente vem invocar a nulidade da decisão por violação do princípio de caso julgado, por violação dos princípios do Juiz natural e da plenitude de assistência dos juízes, por omissão de pronúncia quanto ao parecer técnico junto aos autos, o erro de julgamento de facto e o erro de julgamento de direito.

2.2.1. Da nulidade da decisão por violação do princípio de caso julgado e por violação dos princípios do Juiz natural e da plenitude de assistência dos juízes

A Recorrente vem invocar a nulidade da decisão por violação do princípio de caso julgado do despacho proferido em 28.10.2009 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que determinou ao abrigo do Princípio da plenitude da assistência dos juízes a remessa dos autos ao Juiz perante o qual foram praticados os actos de instrução e discussão em sede de audiência.
Ademais, invoca a violação dos princípios do Juiz natural e da plenitude de assistência dos juízes, na medida em que a Juíza titular do processo que presidiu à produção de prova levada a cabo não proferiu a sentença objeto de recurso.
O Juiz do Tribunal a quo sustentou as nulidades imputadas à decisão recorrida, considerando que “(…) na sequência de despacho de 22/11/2011 (fls. 233 do processo físico), a decisão recorrida foi proferida ao abrigo da jurisprudência transmitida pelo Acórdão de 12/12/2012 proferido pelo Pleno da Secção de Contencioso tributário do STA no processo de Reenvio Prejudicial nº 1152/11-50, confirmado no Acórdão de 3/6/2015, processo nº 098/15, segundo o qual “No processo de impugnação judicial a sentença deve ser proferida pelo juiz a quem o processo está distribuído no momento em que a mesma tem de ser proferida ”. Pelo que não se reconhece a apontada nulidade”
Vejamos.
Nos termos do que dispõe o artigo 620.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “caso julgado formal”, “1 - As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.”
A excepção de “caso julgado é um efeito processual da sentença transitada em julgado, que por elementares razões de segurança jurídica, impede que o que nela se decidiu seja atacado dentro do mesmo processo (caso julgado formal) ou noutro processo (caso julgado material)” – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13.04.2011, processo n.º 250/06.6PCLRS.L1-3.
“A excepção de caso julgado, (…), tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior, pressupondo, pois, a repetição de uma causa (artigo 497.º números 1 e 2 do Código de Processo Civil)” – cfr. Acórdão do STA de 13.04.2011, rec. 250/06.6PCLRS.L1-3.
Assim, parafraseando Miguel Teixeira de Sousa, (in Estudos sobre o novo Processo Civil, 2.ª Ed., Lex. Lisboa, 1997, pp. 569 e 570), “quando a decisão proferida recaia apenas sobre a relação processual, forma-se caso julgado formal, cuja força obrigatória é apenas circunscrita ao processo – valor intraprocessual do caso julgado formal”
Daí que a estabilidade inerente à figura do caso julgado seja menos intensa em situações de caso julgado formal - cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, Vol. V, p. 157.
No entanto, como decorre do n.º 2 do artigo 620.º do Código de Processo Civil “Excluem-se do disposto no número anterior os despachos previstos no artigo 630.º”
Ora, estatui o artigo 630.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Despachos que não admitem recurso” que “1 - Não admitem recurso os despachos de mero expediente nem os proferidos no uso legal de um poder discricionário. 2 - Não é admissível recurso das decisões de simplificação ou de agilização processual, proferidas nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º, das decisões proferidas sobre as nulidades previstas no n.º 1 do artigo 195.º e das decisões de adequação formal, proferidas nos termos previstos no artigo 547.º, salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios.”
Assim, e relativamente aos despachos de mero expediente, estes não têm força obrigatória dentro do processo, isto é, o Juiz pode proferir novo despacho contrário ao anteriormente proferido.
Conforme o disposto no artigo 152.° n. 4 do Código de Processo Civil,Os despachos de mero expediente destinam-se a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes; consideram-se proferidos no uso legal de um poder discricionário os despachos que decidam matérias confiadas ao prudente arbítrio do julgador.”
Nesta senda, e como decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em Acórdão de 6.06.2019, proc 517/16.5GCLRA.C1I – Constituem despachos de mero expediente aqueles que apenas têm por finalidade regular ou disciplinar o andamento ou a tramitação processual e que não importam decisão ou julgamento, denegação, reconhecimento ou aceitação de qualquer direito.”
Vejamos, pois, se no caso concreto se verifica o alegado caso julgado formal.
Ora, como decorre da factualidade aditada, pontos 63. e 64., em 28.10.2009 foi proferido despacho pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro determinando a remessa dos autos à Juíza que presidiu à diligência de inquirição de testemunhas, notificado às partes.
No entanto, por despacho de 22.11.2011 o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, sustentado em Jurisprudência, determinou a devolução dos autos ao Juiz titular do processo, tendo este sido recebido em 30.11.2011 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro – cfr. pontos 65. e 66 da factualidade assente aditada por este Tribunal.
Tendo sido o STA questionado sobre os princípios do Juiz natural e da plenitude de assistência dos juízes, por despacho de 10.01.2012 o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro determinou que os autos aguardassem pela pronúncia do STA, tendo sido dado conhecimento às partes – cfr. pontos 67. e 68. da factualidade assente aditada.
Em 8.02.2017 foi proferida sentença pelo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, Juiz titular à data – cfr. ponto 69 da factualidade assente aditada.
Ora, como se pode constatar, o despacho em questão não interferiu no conflito de interesses entre as partes e não respeitou a decisão ou julgamento da causa.
Mas será que negou algum direito da Recorrente?
Com efeito, a Recorrente vem invocar a violação dos princípios do Juiz natural e da plenitude de assistência dos juízes.
Vejamos.
Dispunha à data o artigo 654.º do Código do Processo Civil (actual artigo 605.º) o princípio da plenitude da assistência do juiz, corolário dos princípios da oralidade e da imediação na apreciação da prova – cfr. Acórdão do STA de 03.07.2019, processo n.º 499/04.6BECTB (1522/15).
“Como comummente é aceite na doutrina e na jurisprudência, o princípio da imediação traduz-se no contacto pessoal entre o juiz e as diversas fontes de prova, isto é, o principio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto directo, pessoal, entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar, com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto, permitindo-lhe que se aperceba de todos os factos pertinentes para a resolução do litígio e uma valoração da prova expurgada, pelo menos tendencialmente, dos factores de falseamento e erro que as transmissões de conhecimento podem envolver. (3) Por sua vez, o princípio da oralidade, que constitui matriz do nosso regime processual civil, reporta-se ao modo de produção da prova e significa que a prova produzida sob a égide deste princípio é a realizada oralmente.” – cfr. Acórdão do TCA Sul de 14.02.2019, proc. 159/08.9BECTB.
No entanto, a aplicação do princípio da plenitude da assistência no processo tributário e no tempo foi escrutinado pelo STA.
Nessa medida, tem vindo a ser entendido pelos nossos Tribunais superiores que “No processo tributário, a obrigação legal de que o juiz que presidiu às diligências de prova seja o juiz que elabora a sentença só se impõe em relação aos processos entrados em juízo após 17 de Novembro de 2019, data em que entrou em vigor a Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro (cf. art. 14.º), como resulta do disposto no art. 114.º do CPPT e da alínea a) do n.º 1 do art. 13.º da referida Lei.” – inter alios Acórdão do STA de 10.03.2021, proc. n.º 0272/14.3BEVIS
Isto porque, tem sido entendido sobre a questão da prevalência do princípio da plenitude da assistência do juiz que no âmbito do contencioso tributário “o juiz a quem compete elaborar a sentença é aquele a quem o processo está distribuído e não necessariamente aquele que presidiu às diligências de prova, face à singularidade do próprio processo tributário em confronto com o regime existente no Código Processo Civil. É certo que a aproximação do regime estabelecido no novo Código de Processo Civil ao regime que desde sempre vigorou no processo tributário, no tocante ao regime da prova e elaboração das sentenças, veio suscitar dúvidas, infundadas, de resto, sobre se também no processo tributário haveria que passar a fazer-se de modo diferente. Porém, e face, como se disse, à singularidade do processo tributário, a questão colocada já se encontrava resolvida pela doutrina deste Supremo Tribunal e veio mesmo a ser confirmada pelo legislador, na recente alteração ao CPPT, que passou a prever expressamente, no artigo 114.º, que também no processo tributário passava a vigorar o princípio da plenitude da assistência do juiz, mas apenas para todos processos que dessem entrada em juízo após a entrada em vigor da Lei n.º 118/2019, de 17.09, cfr. artigo 13.º, n.º 1 e alínea a)” – cfr. Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA de 4.03.2020, processo n.º 259/10.5BELRS.
Retornando ao caso presente e atendendo a que os autos foram instaurados em 3.01.2017, ou seja, em data muito anterior à entrada em vigor das alterações ao Código de Procedimento e de Processo Tributário, introduzidas pela Lei n.º 118/2019 de 17.09 e designadamente ao artigo 114.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não há lugar à aplicação do princípio da prevalência do princípio da plenitude da assistência do juiz.
Nesta senda, não se verificando qualquer denegação de direito da Recorrente, impõe-se concluir que estamos perante um despacho de mero expediente, não ocorrendo caso julgado formal que impedisse que fosse proferido despacho a determinar que os autos fossem decididos pelo Juiz titular do processo e não pelo Juiz que presidiu à diligência de inquirição de testemunhas.
Pelo exposto, não ocorrendo caso julgado formal, não se verifica a nulidade invocada, negando-se provimento ao alegado.
Pelas razões supra expostas, também não ocorre a invocada nulidade da sentença, por violação dos princípios do Juiz natural e da plenitude de assistência dos juízes impondo-se também nesta parte negar provimento ao alegado.

2.2.2. Da nulidade da decisão por omissão de pronúncia quanto ao parecer técnico junto aos autos

A Recorrente vem também invocar a nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia quanto ao parecer técnico junto aos autos, face à ausência de qualquer alusão à apreciação de tal parecer e à contribuição técnica do mesmo para a matéria em discussão nos autos.
O Tribunal a quo, em despacho de sustentação da nulidade invocada considerou que “a sentença recorrida alude a ele, expressamente, a pág. 2 (fls. 257 do processo físico). No ponto 4 faz-se a apreciação crítica da prova produzida considerada relevante, afastando-se tacitamente qualquer relevância do dito parecer. De facto, o parecer técnico unilateralmente apresentado por alguma das partes não constitui só por si um meio de prova dos factos a que alude. O facto de o Tribunal não atender ao conteúdo do Parecer Técnico não o faz incorrer em qualquer vício, tendo autonomia para, apreciando as provas exibidas, formar a sua convicção acerca das questões suscitadas nos autos e acerca daquelas que cumpra conhecer oficiosamente. De facto, a omissão de pronúncia anulatória da sentença só acontece quando nesta se deixa de decidir alguma das questões que cumpra decidir, salvo se a decisão dessa questão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra (Ac. STJ de 29/11/2005- proc.º 05S2137, disponível em www.dgsi). O que não sucedeu no caso concreto. Pelo que também não se reconhece tal nulidade.”
Vejamos.
Decorre do disposto no artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário que “1 - Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”.
Acresce que, também resulta do disposto no artigo 615.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 2.º alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que:
“1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”
Ora, como estatui o n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil, “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”
A par, o n.º 4 do artigo 607.º do Código do Processo Civil (anterior artigo 659.º) estabelece que “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.” – negrito nosso.
Assim e “no que toca à falta de especificação dos fundamentos de facto da sentença, tem-se entendido que esta nulidade abarca não apenas a falta de discriminação dos factos provados e não provados, a que se refere o artigo 123º, nº 2 do CPPT, mas também a falta de exame crítico das provas, previsto no artigo 659º, nº 3 do CPC.” – cfr. Acórdão do TCA Norte de 11.04.2024, proc. 00344/14.4BEAVR.
Nessa medida, a falta de apreciação critica das provas contende com a fundamentação da decisão.
Ora, “A apreciação crítica das provas consiste na exposição do processo racional e lógico pelo qual o tribunal considerou os factos provados ou não provados, com base na prova produzida.” – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11.03.2008, proc. 2277/07-1.
Com efeito, “não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo, devendo esse exame crítico indicar no mínimo, e não tem que ser de forma exaustiva, as razões de ciência e demais elementos que tenham na perspectiva do tribunal sido relevantes, para assim se poder conhecer o processo de formação da convicção do tribunal. O que é essencial é que através da leitura da sentença se perceba por que razão o tribunal decidiu num sentido e não noutro, garantindo-se que a decisão sobre a matéria de facto não foi fruto de capricho arbitrário do julgador. Assim, sob pena de nulidade, a sentença, para além da indicação dos factos provados e não provados e dos meios de prova, há-de conter também “os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituíram o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse no sentido de considerar provados e não provados os factos da acusação, ou seja, ao cabo e ao resto, um exame crítico sobre as provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal colectivo num determinado sentido. Nisto se esgota a questão da nulidade da sentença por falta de exame crítico das provas” – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21.01.2020, proc. 129/18.9GASRP.E1.
Assim, “a motivação do julgamento da matéria de facto tem como indicações normativas que o juiz analise criticamente as provas e indique os fundamentos decisivos da sua convicção - art. 607.º nº 4 do CPC - o que não induz qualquer formulário ou guião que seja de respeitar. Esta análise e indicação é realizada em liberdade de convicção e de forma, importando essencialmente que depois de se saber que matéria foi julgada como provada e não provada se saiba também das razões objetivas dessa convicção e que remetem para a indicação dos elementos probatórios e para o que eles relevam na economia da credibilidade. Reportando aos elementos probatórios e compatibilizando toda a matéria de facto adquirida, o que se pretende é que de uma forma lógica, dinâmica e organizada o que se julga como provado e não provado tenha expressão na motivação” – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.06.2022, proc. 558/15.0T8AGH.L1.S1.
Retornando ao caso dos autos e como resulta da decisão recorrida, a fls. 2, o Tribunal a quo deu conta da junção aos autos do parecer técnico apresentado pela Recorrente.
No entanto, quer em sede da matéria de facto provada e não provada, quer em sede da motivação da mesma, o Tribunal a quo não fez qualquer referência ao sobredito parecer.
Não obstante, e como ressalta à evidência, o Tribunal a quo indicou e analisou criticamente os meios de prova que considerou relevantes para formar a sua convicção quanto aos factos que resultaram provados e não provados, aliás de forma exaustiva como resulta de fls. 19 a 31 da decisão recorrida, tendo, de forma clara e concretizada, evidenciado os meios de prova que julgou relevantes, numa apreciação casuística dos factos alegados.
Percepciona-se que, ao não ter o Tribunal a quo feito menção ao parecer junto aos autos pela Recorrente o Tribunal não o considerou pertinente para a sua decisão.
Sabendo-se que “com a fundamentação da sentença há-de ser possível perceber, como é que de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, se formou a convicção do tribunal” e que a sentença, “para além de dever conter a indicação dos factos provados e não provados e a indicação dos meios de prova, há-de conter, também, «os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse no sentido de considerar provados e não provados os factos da acusação, ou seja, ao cabo e ao resto, um exame crítico, sobre as provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal num determinado sentido» - Ac. STJ de 13.02.92, CJ, Tomo I, pág. 36 e Ac. TC de 2.12.98, DR IIa Série de 5.03.99.” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 5.06.2006, proc. 389/06-1), é notório que a decisão recorrida não padece da nulidade que lhe vem imputada, na medida em que o Tribunal a quo analisou e deu a conhecer as provas que concorreram para a formação da sua convicção no sentido da sua decisão.
Acresce que, como tem vindo de forma reiterada a jurisprudência e a doutrina a considerar “esse dever de fundamentação, causa de nulidade da sentença, respeita à falta absoluta de fundamentação, como dão nota A. Varela, M. Bezerra e S. Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, p. 687, ao escreverem “Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente e incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito” – cfr. Acórdão do STJ de 3.03.2021, proc. n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1.
Nesta senda, mesmo que fosse de considerar verificada a falta de apreciação critica dos meios de prova apresentados, não se concluiria pela nulidade da decisão, na medida em que, nunca se poderia considerar que a decisão recorrida padece de absoluta falta de fundamentação no que à apreciação critica da prova contende.
Termos em que, se considera não verificada a nulidade da decisão recorrida, sendo de se negar provimento ao alegado.

2.2.3. Do erro de julgamento de facto

A Recorrente vem invocar o erro de julgamento de facto, defendendo que sejam aditados os factos alegados sob os artigos 124.º, 134.º 142.º da petição inicial, em conformidade com os factos dados como provados em 3.1.), assim como na decorrência dos depoimentos credíveis das testemunhas e da prova documental apresentada.
Ademais, sustenta que a matéria de facto assente deve ser alterada, considerando-se comprovados os factos dados como não provados, em razão dos depoimentos credíveis das testemunhas e dos documentos sociais.
Vejamos.
Como dispõe o n.º 1 do artigo 662.º do CPC, subsidiariamente aplicável ao contencioso tributário, os Tribunais Centrais, enquanto tribunais de recurso, devem “(…) alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”
Com efeito, parafraseando António Abrantes Geraldes (in Recursos em processo civil, 7ª Edição actualizada, Almedina, pag. 333) “quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”
Nesta medida, verificados os pressupostos que decorrem do disposto no artigo 662.º do Código do Processo Civil, assiste a este Tribunal o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo Tribunal a quo, competindo-lhe reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de recurso, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre as questões controvertidas.
Acresce que, como decorre do n.º 4 do artigo 607.º do Código de processo Civil “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”
Ora, “para demonstrar a realidade que alega em juízo a parte deve produzir prova, podendo fazê-lo através de prova documental, testemunhal, pericial, por inspecção ou por confissão por declaração de partes – cf. art.ºs. 341.º do CC e 410.º a 526.º do CPC
Depois, o tribunal forma a sua convicção sobre a prova atendendo a todos os meios de prova produzidos. Nesta análise, o tribunal goza de uma ampla margem de discricionariedade de apreciação, controlável apenas através de fundamentação da sentença, pela motivação ai indicada, que deve ter-se por acertada quando seja alicerçada em argumentos coerentes, razoáveis e plausíveis, que se coadunem com as regras da racionalidade, da lógica, da ciência e da experiência comum. Ou seja, em matéria de prova vigora o princípio da livre apreciação. O tribunal examina e avalia livremente a prova produzida, segundo a sua prudente convicção, valendo o referido princípio, de forma plena, frente à prova testemunhal, pericial, por inspecção, ou por declaração de partes. Quanto às principais ressalvas ao princípio, reconduzem-se aos factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, àqueles que só possam ser provados por documentos, aos factos que estejam plenamente provados, por documento, por acordo ou confissão das partes - cf. art.ºs 413.º, 466.º, n.º 3 e 607.º, n.º 5, do CPC.” – cfr. Acórdão do TCA Sul de 19.10.2017, proc. n.º 985/16.5BEALM
Com efeito, à luz do princípio da livre apreciação da prova, “um facto resultará provado (ou não) consoante o juiz, perante a prova produzida, se tenha convencido de que o mesmo incorreu efectivamente ou não (…)” – cfr. Helena Cabrita, in “A sentença cível, fundamentação de facto e de direito, 2ª edição Revista e Actualizada, Almedina, pag. 185.
No entanto, a livre apreciação da prova, enquanto princípio orientador de valoração da mesma, tem limites relativamente àqueles factos para cuja prova a lei exige especial formalidade, só podendo ser provados por documentos ou estejam plenamente provados, de que são exemplo as situações previstas nos artigos 364.º n.º 1, 393.º e 394.º n.º 1, todos do Código Civil.
Acresce que, “Quando a prova é gravada, a sua análise crítica constitui complemento fundamental da gravação; indo, nomeadamente, além do mero significado das palavras do depoente (registadas em audiência e depois transcritas), evidencia a importância do modo como ele depôs, as suas reacções, as suas hesitações e, de um modo geral, todo o comportamento que rodeou o depoimento” – cfr. Lebre de Freitas (in Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 2ª edição, pág. 660].
Face a tais princípios, cumpre agora aferir se assiste razão à Recorrente, quanto à impugnação da matéria de facto, nos termos por ela propostos.
No presente processo a audiência de prova processou-se com gravação dos depoimentos prestados nesse acto processual, sendo que, no caso presente, se encontram reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto estabelecidos no artigo 640.º do Código do Processo Civil.
Retornando ao caso presente, sustenta a Recorrente que devem ser aditados os factos alegados sob os artigos 124.º, 134.º 142.º da petição inicial.
Vejamos individualmente cada um dos factos que a Recorrente pretende aditar.
Consta do artigo 124.º do articulado inicial que “Pois, não é correcto calcular a percentagem de desperdício ponderada, utilizando como ponderador o valor de vendas, uma vez que estas dependem de critérios comerciais que são distintos em função do produto, do mercado, do acabamento, da embalagem, etc.”, pretendendo a Recorrente que seja dado como comprovado que “o Valor de venda depende de critérios comerciais distintos em função do produto, mercado, acabamento da embalagem, etc.”
Para suporte de tal facto a Recorrente sustenta que tal foi confirmado pela inspectora autora do relatório, «XX», pois, questionada se admite que a embalagem, a mão de obra e o design possam influenciar o preço, respondeu que sim.
Ora, revisitada a prova testemunhal produzida, nomeadamente o testemunho de «XX», constata-se que, efectivamente a testemunha respondeu afirmativamente a tais questões.
No entanto, não vislumbramos em que medida é que tal facto se mostra relevante para apreciar e decidir da justeza da decisão recorrida.
Com efeito, tanto nas suas conclusões como no corpo do recurso, não se vislumbra que a Recorrente tenha invocado tal facto por forma a sustentar a sua pretensão.
Assim, não obstante, o mesmo ter sido confirmado pela testemunha indicada, considerando que a matéria de facto assente tem que respeitar aos factos que se mostram relevantes para a boa decisão da causa, nega-se provimento ao aditamento pretendido pela Recorrente.
Invoca a Recorrente que deveria ter sido dado como provado o facto que decorre do artigo 134.º da petição inicial de onde consta que “É de salientar também que parte do latão consumido é transformado em pó (polimento) misturado em lamas residuais (vibração) e associado em processos químicos (galvanoplastia), processos estes que envolvem a quase totalidade dos nosso produtos”, defendendo a Recorrente que deveria ter resultado provado que “Parte do latão consumido é transformado em pó (polimento) misturado em lamas residuais (vibração) e associado em processos químicos (galvanoplastia), processos estes que envolvem a quase totalidade dos produtos
Como fundamento do alegado sustenta que tal foi referido, de forma clara, pelos funcionários «RR» e «OO», “cujos depoimentos quanto a esta matéria e ao teor do primeiro fato dado como não provado se reproduzem infra e cuja transcrição aqui se dá por reproduzida por mera economia processual”
No entanto, e como decorre do disposto na alínea a) do artigo 640.º n.º 2 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, “quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”
“Os aspetos fundamentais a assegurar neste campo são os relacionados com a definição do objeto da impugnação (que se satisfaz seguramente com a clara enunciação dos pontos de facto em causa), com a seriedade da impugnação (sustentada em meios de prova indicados e explicitados) e com a assunção clara do resultado pretendido.” – cfr. António Abrantes Geraldes, (in “Recursos em Processo Civil”, 2022, 7.ª edição actualizada, Almedina, pág. 208).
Ora, apesar de transcritos os testemunhos de «RR» e «OO», a Recorrente não logrou identificar quais as passagens que considerava provarem tal facto, limitando-se a referenciar que reproduziria infra.
Com efeito, a Recorrente não indica as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, nem identifica quais as partes transcritas que servem o propósito aventado.
Assim, impõe-se rejeitar o recurso do julgamento da matéria de facto atinente ao ponto que considera ser de aditar ao acervo probatório.
Quanto ao facto que resulta do artigo 142.º da petição inicial deste consta que “Curiosamente e após o debate contraditório, do Art.º 92º da LGT (Doc. 5 Anexo), a frase exposta na pag. 72 do Relatório da Inspecção, demonstra-se incongruente e contraditória, pois o volume de vendas estimado em 2004 baixou para limiar inferior ao dos depósitos em numerário”, defendendo a Recorrente que ficou comprovado que “o volume de vendas estimado em 2004 baixou para limiar inferior ao dos depósitos em numerário
Considera que tal facto resulta claramente do relatório e parecer/resolução junto aos autos, pois não aceita que os cheques no valor de €100.928,65 e que a Autoridade Tributária e Aduaneira apurou traduzem omissão de vendas no ano 2004.
Vejamos.
A reapreciação da decisão da matéria de facto exige que os Recorrentes cumpram o ónus de fundamentação da sua discordância, com a especificação concreta da sua divergência, sob pena de rejeição imediata do recurso à luz do disposto no artigo 640.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, por força da remissão que decorre do artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Nessa senda, e ao abrigo de tal normativo legal, os Recorrentes têm obrigatoriamente de especificar i) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados ii) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e iii) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
No caso presente, a Recorrente pretende que seja aditado à matéria de facto assente que o volume de vendas estimado em 2004 baixou para limiar inferior ao dos depósitos em numerário, somente por discordar com as ilações extraídas pelos Serviços da Inspecção Tributária relativamente à imputação dos cheques apurados no montante de €100.928,65 a omissão de vendas.
Nos meios de prova que invoca (relatório e parecer/resolução junto aos autos) a Recorrente não logrou especificar de onde resulta tal facto.
Acresce que, se tal facto decorre do relatório do procedimento inspectivo, e encontrando-se este enunciado no ponto 23. da matéria de facto assente, mostra-se despiciente o seu aditamento.
Consequentemente, é de negar provimento ao aditamento pretendido pela Recorrente.
Defende também a Recorrente que deveriam ter sido considerados comprovados os factos dados como não provados.
Vejamos.
Considerou o Tribunal a quo que não resultou comprovado que :
“1. Os desperdícios gerados no processo produtivo da [SCom01...] eram todos reaproveitados na empresa nos anos de 2002 e 2003 – facto implícito nos artigos 137º, 139º a 141º, 267º e 268º da p.i. e dos depoimentos da 3ª, 4ª e 5ª testemunhas;
2. Os cheques e as transferências realizados para as contas da [SCom01...] (identificados nos pontos 45 a 53 de 3.1 supra), não lhe eram destinados, uma vez que resultaram de lapsos das entidades emissoras – facto implícito nos artigos 21º a 30º, 227º e 228º da p.i. e do depoimento da 5ª testemunha;
3. Da dívida identificada em 58 de 3.1, foram pagas rendas mensais pela “[SCom02...], S.A.” que apenas amortizaram o capital – facto implícito nos artigos 236º a 245º da p.i. e do depoimento da 5ª testemunha;
4. As despesas com refeições e despesas com combustíveis cujo registo se encontra suportado com documentos que se destinam a substituir outras despesas efetivamente suportadas foram pagas pela sociedade aqui Impugnante – facto implícito nos artigos 205º a 207º da p.i. e no depoimento da 5ª testemunha;”
Quanto ao facto não provado n.º 1 de onde decorre que “Os desperdícios gerados no processo produtivo da [SCom01...] eram todos reaproveitados na empresa nos anos de 2002 e 2003 – facto implícito nos artigos 137º, 139º a 141º, 267º e 268º da p.i. e dos depoimentos da 3ª, 4ª e 5ª testemunhas;”, defende a Recorrente que face ao testemunho de «RR» e «OO» deveria ter considerado provado que “Os desperdícios gerados no processo produtivo da [SCom01...] eram maioritariamente reaproveitados na empresa nos anos de 2002 e 2003”.
Motivando a razão da sua decisão como facto não comprovado considerou o Tribunal a quo que “Quanto a esta parte, os depoimentos defendem que os desperdícios gerados no processo produtivo são maioritariamente reintroduzidos novamente no circuito de produção da [SCom01...]. No entanto, não nos podemos bastar com os depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas, dado que estas têm uma relação de dependência laboral e económica em relação à ora Impugnante e tendem naturalmente a ser permeáveis a eventuais pressões no sentido de serem parciais a favor dos interesses da entidade patronal. Ora, para averiguar a veracidade dos factos não poderão deixar de ser tidos em conta os documentos constantes nos Autos. Em auto de declarações subscrito por um dos administradores da sociedade ora Impugnante, «EE», foi declarado que “O latão injectado é adquirido em lingote e a outra parte é reciclada das aparas da estampagem”, “toda a apara da estampagem de latão é reciclada, reentra no processo produtivo”, e que “Relativamente ao zamac, é adquirido em lingote (…). Nesta matéria-prima há um aproveitamento total, portanto não há criação de sucata”. No entanto, ao contrário do que foi declarado pelas testemunhas e por este administrador, há documentos que apontam no sentido da existência de “sucata” de “metais não ferrosos”, incluindo o latão. De facto, num documento interno de controlo anual de resíduos de 2003 da [SCom01...] é possível constatar que a atividade da Impugnante gerou 1840 kg de metais não ferrosos (facto 39 de 3.1 supra). A [SCom01...] emitiu também algumas GAR (guias de acompanhamento de resíduos) para as “Aparas e limalhas de metais não ferrosos”: relativamente a 2002 há uma GAR sem qualquer menção às quantidades, para 2003 existem 3 GAR que perfazem no seu total 1680 kg, e em 2004 existem 8 GAR das quais duas não fazem menção à quantidade, perfazendo as restantes o peso de 4110 kg (facto 38 de 3.1 supra). Para além disto, a Impugnante disponibilizou aos SIT os seus mapas de resíduos anuais dos quais resulta que a Impugnante declarou a existência de resíduos de aparas e limalhas de metais não ferrosos, que produziu 10,6 toneladas em 2002 e 4,9 toneladas em 2003 e igual quantidade em 2004, identificando como destinatário desses bens a empresa “[SCom09...], Lda.”. Analogamente, a Impugnante declarou que produziu, respetivamente, 3,25 toneladas, 3,5 toneladas e 3,6 toneladas de aparas e limalhas de metais ferrosos (facto 18 de 3.1 supra). Ademais, da contabilidade da Impugnante resulta que no exercício de 2002 emitiu 26 documentos de venda a dinheiro para a empresa “[SCom09...], Lda.”, representando estes documentos 10627 kg de sucata de latão, apurando o montante de € 16.638,38 (facto 40 de 3.1 supra), e, para além disso, a Impugnante recebeu dessa empresa vários cheques no valor global de € 3.036,99 (facto 41 de 3.1 supra). Por fim, cumprirá fazer referência aos documentos que a DREC forneceu aos SIT, nomeadamente os formulários que a Impugnante já havia enviado a esta entidade. Num desses documentos consta que “Quanto ao valor referido de 3,936 ton/dia, que é a soma do consumo médio de varão de latão (3.512 kg), do lingote de zamac (234 kg) e do lingote de latão (190 kg), clarificamos que no processo de fundição injectada apenas consumimos lingote de latão e lingote de zamak. Nas prensas é que utilizamos a cavilha de latão como matéria prima.”. Noutro documento declara que produz 4,9 toneladas por ano de aparas e limalhas de metais não ferrosos, sendo a totalidade deste produto valorizada no exterior pela empresa “[SCom09...], Lda.” (factos 42 e 43 de 3.1 supra). Em suma, os documentos acima mencionados revelam que há saída de quantidades significativas de desperdícios da [SCom01...], para a sua posterior valorização por empresas externas, o que contraria a tese da Impugnante. Pese embora à data dos factos a [SCom01...] tivesse capacidade para proceder ao reaproveitamento dos seus desperdícios, resulta dos documentos junto aos Autos que nos anos em causa (2002, 2003 e 2004) não fazia o reaproveitamento integral das aparas e limalhas dos metais não ferrosos. De tudo o que foi apurado nos autos resulta por demais evidente que, apesar de a [SCom01...] ter os meios para reutilizar as aparas e as limalhas, a verdade é que vendeu esses desperdícios metálicos ferrosos e não ferrosos nos anos de 2002, 2003 e 2004, entregando a valorização desses desperdícios a empresas externas, não sendo possível concretizar se a Impugnante terá reaproveitado alguma quota-parte, ou se de facto não houve qualquer reaproveitamento na sua empresa. Dado que os depoimentos das testemunhas se mostraram, quanto a esta parte, parciais e incompatíveis com os documentos referidos, não serão valorados positivamente.” – fim de citação.
Com efeito, o Tribunal a quo deu conta que dos depoimentos prestados decorre que “os desperdícios gerados no processo produtivo são maioritariamente reintroduzidos novamente no circuito de produção da [SCom01...]”, no entanto, sustentado nos demais elementos trazidos aos autos, como i) algumas guias de acompanhamento de resíduos, ii) os mapas de resíduos em que é identificado como destinatário desses bens a sociedade [SCom09...], Lda., iii) a existência de vários cheques emitidos por essa sociedade em nome da Recorrente no valor total de €3.036,99, iv) os formulários que a Recorrente já havia enviado à DREC, traduzindo a saída de quantidades significativas de desperdícios da Recorrente, considerou que a Recorrente não logrou comprovar que “Os desperdícios gerados no processo produtivo da [SCom01...] eram todos reaproveitados na empresa nos anos de 2002 e 2003”. – fim de citação.
Ora, revisitada a prova testemunhal apresentada pela Recorrente, nomeadamente o testemunho prestado por «RR» e «OO», poder-se-ia efectivamente concluir que “os desperdícios gerados no processo produtivo são maioritariamente reintroduzidos novamente no circuito de produção da [SCom01...]”.
No entanto, e como bem considerou o Tribunal a quo, não se pode desconsiderar os elementos recolhidos em sede do procedimento inspectivo e que fundamentaram a actuação da Autoridade Tributária e Aduaneira e que nos norteiam em sentido oposto.
Ressalva-se que os elementos que contrariam os depoimentos aqui em questão respeitam a elementos fornecidos pela própria Recorrente, como sejam as guias de acompanhamento de resíduos, os mapas de resíduos, assim como elementos emitidos em nome da Recorrente como os cheques emitidos pela sociedade [SCom09...], Lda. e por fim, mas não menos importantes, os formulários que a Recorrente havia remetido à Direção Regional da Economia do Centro, elementos esses coligidos no acervo probatório assente, pontos 38. a 41., 43. e que a Recorrente não veio nesta sede lograr contrariar e/ou sequer impugnar.
Com efeito, os elementos declarados pela própria Recorrente contrariam os testemunhos dos seus funcionários, não se mostrando assim coerentes quando comparados com as demais provas que constam dos autos.
Ora, considerando que ao abrigo do disposto no artigo 413.º do Código do Processo Civil (anterior 515.º), “o tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las (…)”, o Tribunal a quo encontrava-se obrigado a considerar todas as provas que decorrem dos autos por forma a formar a sua convicção, o que efectivamente se verifica.
No que respeita ao facto de ter resultado provado que o processo produtivo da [SCom01...], SA, se manteve inalterável nos anos de 2002, 2003 e 2004, e, tal como considerou o Tribunal, consideramos que tal não obsta “ao facto de se poder/dever discutir se os desperdícios seriam ou não reintroduzidos no processo produtivo”.
Isto porque, o facto que resultou não comprovado é que a Recorrente não comprovou que “Os desperdícios gerados no processo produtivo da [SCom01...] eram todos reaproveitados na empresa nos anos de 2002 e 2003”, e não que nenhum dos desperdícios gerados no processo produtivo da [SCom01...], SA eram reaproveitados na empresa nos anos de 2002 e 2003, não se vislumbrando qualquer contradição entre tais factos, uma vez que, o que daí decorre é que nos anos de 2002 e 2003 houve reaproveitamento de desperdícios mas não da sua totalidade.
Acresce que, quanto à valoração dos testemunhos apresentados, sustenta a Recorrente que “muito menos se entende que, quanto à primeira parte se tenha atribuído plena validade ao depoimento da terceira testemunha «RR», metalúrgico da [SCom01...] há 25 anos e à quarta testemunha «OO», responsável pela produção na [SCom01...] há 7 anos, (…) e, igualmente, se tenha entendido que, nesta parte, os depoimentos das testemunhas foram credíveis, uma vez que se mostram coerentes e objetivos; 6 e que, contudo, tais depoimentos plenamente aceites e credíveis quanto a esta matéria foram afastados, sem motivo,7 ao referirem que os desperdícios gerados no processo produtivo são maioritariamente reintroduzidos novamente no circuito de produção da [SCom01...]”.
Tal como já considerava Eurico Lopes Cardoso, os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar (cfr. BMJ n.º 80, págs. 220 e 221).
Ora, “como é consabido, não é certamente por uma testemunha se apresentar em Tribunal e, no respectivo depoimento, reproduzir integralmente a versão apresentada por uma das partes, referindo todos os factos essenciais que a compõem, que a mesma virá a ser necessariamente considerada credível pelo tribunal e, consequentemente, que do respectivo depoimento resulte a prova dos factos por si relatados.” – cfr. Helena Cabrita in “A sentença Cível, Fundamentação de facto e de direito”, 2ª edição revista e actualizada, Almedina, fls. 206 e 207.
Acresce que, “outro elemento susceptivel de revelar maior credibilidade consiste, sem dúvida, no facto de os diversos meios probatórios se articularem ou conjugarem entre si.” – cfr. Helena Cabrita in “A sentença Cível, Fundamentação de facto e de direito”, 2ª edição revista e actualizada, Almedina, fls. 211.
Nesta medida, concordarmos com a valoração da prova testemunhal efectuada pelo Tribunal a quo, no que a este facto contende, pois atendeu, como se impunha, a toda a prova que constava dos autos, tendo sido dada prevalência à demais prova que consta dos autos do que os depoimentos prestados, sendo assim de negar provimento quanto a este facto.
A Recorrente vem também discordar do facto não provado identificado como ponto 2., de onde resulta que “Os cheques e as transferências realizados para as contas da [SCom01...] (identificados nos pontos 45 a 53 de 3.1 supra), não lhe eram destinados, uma vez que resultaram de lapsos das entidades emissoras
Ora, apesar da Recorrente identificar o concreto ponto de facto que considera incorretamente julgado e enunciar que consta da pagina 67 do relatório da Autoridade Tributária e Aduaneira “PROVA DOCUMENTAL QUE IMPÕE DECISÃO DIVERSA”, esta limita-se a ajuizar sobre o ónus da prova que recaía sobre a Autoridade Tributária e Aduaneira, considerando que esta “não conseguiu estabelecer, como lhe competia, qualquer relação entre o valor de € 74.109,70 (páginas 15, 34, 35 e 67 do relatório) e a atividade da impugnante”.
Com efeito, a Recorrente não logrou especificar, efetivamente, qual o meio de prova que comprova o alegado, limitando-se a proferir conclusões, uma vez que afirma que “tais montantes não eram destinados à sociedade tendo os movimentos resultado de lapsos e que a empresa procedeu à devolução das respetivas quantias”, sem ter, no entanto, conseguido comprovar tal.
Relativamente a este facto e mais uma vez, a Recorrente não logra cumprir o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil.
Isto porque, como já aqui ficou dito, a Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre o ponto da matéria de facto impugnado diversa da adoptada pela decisão recorrida, sendo que a Recorrente, limitou-se a tecer considerandos sobre a interpretação que faz do relatório do procedimento inspectivo e que considera comprovar tal facto, sem que, no entanto, apresente os respectivos meios de prova.
Pelo exposto, é de recusar a apreciação da impugnação da matéria de facto no que respeita ao facto não provado e identificado como 2.
Insurge-se também a Recorrente contra o facto não comprovado e identificado sob o n.º 3, dai decorrendo que “Da dívida identificada em 58 de 3.1, foram pagas rendas mensais pela “[SCom02...], S.A.” que apenas amortizaram o capital“.
Para sustento da sua pretensão invoca que “Decorre do relatório (elaborado em resultado da inspeção) ter verificado na conta (21122052) [SCom02...] AS até 31.12.98 a existência de um saldo devedor elevadíssimo à data de 01.01.2002 de 861.791,35 e a contabilização de uma importância mensal sempre no mesmo valor. Tendo sido referido terem existido fornecimentos da empresa impugnante àquela sem que a mesma procedesse ao seu pagamento atempado. E que os pagamentos mensais se destinavam a liquidar o valor em divida em virtude de acordo de pagamento (página 67 e 68). Foi ainda referido que a empresa devia o valor de €1.156.287,19 e que se verificou a concordância entre o plano de amortizações e o refletido na contabilidade da empresa. Deste relatório, resulta, deste modo, não ter existido a omissão de qualquer valor, mas interpretação contrária (e não sustentada) pela AT de dissecar do valor pago mensalmente que, na sua interpretação (diga-se incorreta) corresponderia supostamente a juros, quando a empresa (e bem) imputava todos os valores recebidos na amortização do capital. Convém sublinhar que a empresa em causa devia, nada data de outorga do acordo de pagamento prestacional, o valor de €1.156.287,19 – Valor bastante elevado que deve ser (e não foi) devidamente sopesado na consideração e admissão da opção da empresa e que, portanto, deve ser também tido em conta para a conclusão do fato ora em apreço como provado. A dívida era de valor elevado e o recebimento do capital bastante incerto tendo em considerarão esse mesmo valor e a antiguidade da dívida. Pelo que, se entende que a Sociedade apenas poderia ter agido da forma como agiu, sempre em estrita observância do principio contabilístico da Prudência. Ora, o que consta do documento social é que a recorrente tinha direito a receber juro” – bold nosso.
Ora, contrariamente ao que quer fazer crer a Recorrente, tais alegações não servem o propósito aventado, isto é, comprovar que as rendas mensais pagas pela [SCom02...] AS serviram somente para amortizar o capital, pois, o que decorre do relatório, supra referenciado pela Recorrente, assim como o que decorre dos documentos sociais (não identificados) é que, efetivamente esta tinha direito a receber juros, facto que a própria afirma no presente recurso e supra ressalvado a bold.
Afirma também a Recorrente que “Não sobram dúvidas, que dos documentos sociais e da contabilidade da recorrente, decorre que esta não recebeu qualquer juro”.
Ora, a afirmação não se encontra devidamente especificada, na medida em que, a Recorrente não logra especificar qual o documento social a que se refere, nem sequer o que do mesmo consta, impedindo o Tribunal de aferir do acerto da sua alegação.
Com efeito, incumbia sobre a Recorrente comprovar que, contrariamente aos documentos recolhidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira, os sobreditos pagamentos não incluíam juros, o que, como já referenciamos, não logrou fazer.
Nesta senda, improcede também nesta parte o alegado.
Discorda também a Recorrente por não terem sido dados como provados os factos que constam dos artigos 205.º e 207.º, ambos da petição inicial, pois foi considerado não provado que “As despesas com refeições e despesas com combustíveis cujo registo se encontra suportado com documentos que se destinam a substituir outras despesas efetivamente suportadas foram pagas pela sociedade aqui Impugnante” – cfr. ponto 4. da matéria de facto não provada.
Mais uma vez a Recorrente não logrou cumprir o ónus de impugnação de tal facto, na medida em que se limita a discordar do considerado pela inspectora e espelhado no relatório do procedimento inspectivo.
Com efeito, a Recorrente não logrou enunciar qualquer meio de prova que demonstre que as despesas com refeições e despesas com combustíveis cujo registo se encontra suportado em documentos que se destinam a substituir outras despesas efetivamente suportadas foram pagas por si.
Assim, sobre o julgamento de facto, não se vislumbra razão para divergir do sentido decisório do Tribunal a quo relativamente à materialidade por aquele fixado.
Com efeito, o Tribunal a quo, através da ponderação crítica dos documentos não impugnados e juntos aos autos e dos constantes do processo administrativo apenso, e em conformidade com as regras da experiência e normalidade (verosimilhança ou congruência da versão apresentada face aos meios de prova), concluiu que da instrução da causa resultavam provados aqueles factos, assim como não provados os elencados nos pontos 1. a 4. do acervo probatório.
Nesta senda, impõe-se negar provimento ao erro da matéria de facto alegado pela Recorrente.



2.2.3. Do erro de julgamento de direito

Estabilizada a matéria de facto, cumpre apreciar e decidir do erro de julgamento de direito sustentado pela Recorrente quanto à falta de fundamentação do relatório do procedimento inspectivo, ao vício de violação de lei e à errónea quantificação e manifesto excesso de capacidade contributiva.

2.2.3.1 Da falta de fundamentação do relatório do procedimento inspectivo

A Recorrente invoca o erro de direito da decisão recorrida por ter considerado fundamentado o relatório do procedimento inspectivo.
Para tal, defende que não se consegue apurar que o saldo devedor de €9.457,62 inscrito na conta – que se reporta a dívida - 26249910 (despesas não documentadas Administração) sejam despesas da administração, como se considerou na decisão recorrida.
Vejamos.
A fundamentação dos actos administrativos em geral constitui um imperativo constitucional, expressamente vertido no artigo 268° n.º 3 da Constituição da Republica Portuguesa.
Em obediência ao dever geral de fundamentação dos actos administrativos previsto na Constituição da Republica Portuguesa, assim como nos artigos 124º e 125º do Código do Procedimento Administrativo, à data aplicáveis, conjugados com o que dispõe o artigo 77.º da Lei Geral Tributária, os actos têm de se encontrar fundamentados de forma expressa, clara, congruente e suficiente.
A fundamentação tem de ser suficiente e congruente, na medida em que o conteúdo do acto tem de ter uma relação lógica com os fundamentos invocados e tornar claro os pressupostos tidos em conta pelo autor do acto.
Os actos administrativos devem apresentar-se, formalmente, como disposições conclusivas lógicas de premissas correctamente desenvolvidas, e, permitir, através da exposição sucinta dos factos e das regras jurídicas em que se fundam, que os seus destinatários concretos, pressupostos cidadãos diligentes e cumpridores da lei, façam a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade dissidente.
Acresce que, se impõe a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material, isto porque, uma coisa é saber se a Autoridade Tributária e Aduaneira deu a conhecer os motivos que a motivaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto, situação distinta e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa.
Distinguindo a dimensão formal e a dimensão substancial do dever de fundamentação, e parafraseando Vieira de Andrade, (in “O dever de fundamentação expressa de actos administrativos”, Almedina, 2003, pág. 231), a diferença está “em que o dever formal se cumpre pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis; enquanto a fundamentação material exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo”.
No caso presente o Tribunal a quo considerou que “O valor aqui em discussão refere-se a pagamentos de despesas incorridas pela administração da empresa no ano 2002 para os quais não existe qualquer documento de suporte. Assim, a AT decidiu considerar estas despesas como não documentadas e consequentemente, foram sujeitas a tributação autónoma à taxa de 50 % (facto 33 de 3.1 supra). De facto, como resulta com mediana clareza do texto do Relatório (pág. 14) e do documento que integra a contabilidade da Impugnante cuja cópia se encontra a fls. 109 a 113 do processo físico, em 31/12/2002 existia na contabilidade da [SCom01...] um saldo devedor da conta 26249910 (despesas não documentadas Administração) de € 9.457,62 Portanto, verifica-se que a AT indicou claramente a origem do valor apurado, que resulta dos dados fornecidos pela própria Impugnante, pelo que esta não poderá desconhecer onde e como foi apurado tal valor. Assim, o Tribunal considera que o Relatório está devidamente fundamentado, quanto a esta questão, e não merece crítica.”
Ora, como resulta do relatório do procedimento inspectivo, vertido no ponto 23. da factualidade assente, os Serviços da Inspecção Tributária constataram em 2002, a débito da conta 26249910 – Despesas não documentadas Administração – que passou a designar-se em 2003 e 2004 “Conta da Administração”, pagamentos de diversas despesas incorridas pela administração da Recorrente sem que para tal existisse o respectivo documento de suporte.
Assim, é claro que a actuação da Autoridade Tributária e Aduaneira resultou da existência da contabilização a débito de tal conta do montante de €9.457,62, isto é, foi retirado dinheiro dos cofres da Recorrente, sem que tivesse sido apresentado, pela administração da mesma documento justificativo para tal despesa.
Nesta medida, tal como considerou o Tribunal a quo, é perceptivel, por decorrer da fundamentação apresentada no relatório do procedimento inspectivo, as razões que nortearam a actuação da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Acresce que, a Recorrente sustenta que o saldo final de tal conta é uma divida da administração, não consubstanciando despesa.
Ora, independentemente da alegação da Recorrente não contrariar a actuação da Autoridade Tributária e Aduaneira plasmada no relatório do procedimento inspectivo, coligido no ponto 23. da factualidade assente, saber se colhem ou não as razões invocadas é matéria que vai para além da formalidade da fundamentação, entrando já no domínio da substância da decisão, do vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e/ou de direito, que já não no da validade formal do acto.
Entendido o dever de fundamentação expressa na sua dimensão formal, impõe-se concluir que, no caso concreto, a Autoridade Tributária e Aduaneira externou as razões de facto e de direito que estão na base da decisão em termos que as tornam apreensíveis para o seu destinatário e, dessa forma, cumpriu aquele dever.
Nesta conformidade, a fundamentação que foi levada ao conhecimento da Recorrente contem os elementos suficientes para a tornar ciente dos motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, negando-se provimento no que a este vício formal contende.
A Recorrente vem também nas conclusões G) e H) invocar que “G) Existe falta de fundamentação na conclusão de ser inviável a pesagem de alguns produtos, para serem afastados da amostra, conforme resulta do artigo 77º da LGT” e que “H) Existe falta de fundamentação, quanto ao estabelecimento da taxa de desperdício de 25%, pela AT, para efeitos de pressuposto e aplicação dos métodos indiretos, conforme Art.º 77º da LGT.”
Para tal e quanto à conclusão G), invoca a Recorrente no corpo do recurso que “Quanto ao ponto IV.D), salvo o devido respeito, que é muito, não consegue a ora Recorrente apurar porque se mostrou e concluiu ser inviável a pesagem de alguns produtos, para serem afastados da amostra.
Pois, a fundamentação expressa inscrita no relatório da inspeção é a de que encontravam embalados e prontos a ser comercializados, contudo não estabelece o nexo entre esse facto e de que forma se tornava impossível determinar a respetiva pesagem, no momento.
Seguidamente não foi referido pela AT se tal facto isoladamente impedia ou não, alternativamente, que o referido teste fosse efetuado noutro momento com outros produtos, como já refere noutras circunstâncias na página 48.
Aliás, a recorrente efetuou a pesagem e apresentou-a na PI.
Pelo que, nesta parte o relatório não está devidamente fundamentado e deve ser alterada a decisão em conformidade.”
Relativamente à conclusão H), limita-se a Recorrente a invocar que “Quanto aos famigerados 25%, não se concebem nem se conseguem determinar os motivos do respetivo arredondamento, pois se a AT apurou 24,7%, em 2002, 25,1%, em 2003 e 24,7%, em 2004, porque motivo arredondou os valores, para 25%? No relatório da inspeção não encontramos explicação, para o arredondamento, mas verificamos que a sentença acolhe o arredondamento, sem qualquer fundamento. O que no nosso entender não pode ser e constitui vício de fundamentação formal, o que tem por consequência a anulação das liquidações recorridas.”
Ora, estatui o n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil que “1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.”
Parafraseando Rui Pinto (in Manual do Recurso Civil; Vol. I, AAFDL, Lisboa, 2020 pag. 293) “Dentro das alegações, há uma função lógica que apenas cabe às conclusões: individualizar o objeto do recurso, ao indicar o(s) fundamento(s) específico(s) da recorribilidade (cf. artigo 673.º nº 2) e, sendo o caso, o segmento decisório concretamente impugnado (cf. o artigo 635º nº 4). Daí ser pacífico o entendimento da jurisprudência de que é pelas conclusões que o recorrente delimita, efetivamente, o objeto do recurso. Simetricamente, a presença das conclusões permite a “viabilização do exercício do contraditório, de modo a não criar dificuldades acrescidas à posição da outra parte, privando-a de elementos importantes para organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações” (STJ 26-5-2015/Proc. 1426/08.7TCSNT.L1.S1 (HÉLDER ROQUE)”.
Com efeito, as conclusões devem (deveriam) corresponder a fundamentos que, com o objetivo de obter a revogação a alteração ou anulação da decisão recorrida, se traduzam na enunciação de verdadeiras questões de direito (ou de facto) cujas respostas interfiram com o teor da decisão recorrida e com o resultado pretendido, (…)” – cfr. António Santos Abrantes Geraldes Geraldes, (in Recursos em processo civil”, 7ª Edição Atualizada, Almedina, pag. 186).
Nesta senda “as conclusões da motivação de recurso têm de habilitar o tribunal superior a conhecer das pessoais razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida, seja no plano de facto, seja no plano de direito e sempre com a formulação das conclusões que resumem as razões do pedido. Assim, o ónus de concluir obtém-se pela indicação resumida dos fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da sentença ou despacho. Mais simplesmente, as conclusões traduzem uma enunciação abreviada dos fundamentos do recurso, que devem ser congruentes, claros e precisos. É que, “no contexto da alegação o recorrente procura demonstrar esta tese: que o despacho ou sentença deve ser revogado, no todo ou em parte. É claro que a demonstração desta tese implica a produção de razões ou fundamentos.” – cfr. Acórdão do Tribunal da relação de Lisboa de 26.10.2023, proc. n.º 3945/20.8T8ALM.L1-2.
No caso presente, a Recorrente limitou-se a invocar, em sede das conclusões e no corpo do recurso, a falta de fundamentação do relatório do procedimento inspectivo.
Impunha-se que a Recorrente, em sede do presente recurso, tivesse discorrido sobre as razões da sua discordância com o julgado, ou melhor, tivesse formulado os fundamentos por que defende que a decisão deveria ser anulada ou alterada, para que o Tribunal tivesse conhecimento delas e as apreciasse.
Porém, a Recorrente não veio atacar os fundamentos da decisão recorrida, pois, omitindo totalmente a referência à decisão recorrida, não invocou concretos fundamentos de facto e de direito que permitam a este Tribunal alterar e/ou revogar a decisão recorrida, isto porque, o que se constata é que a Recorrente, apesar de ter vindo pedir a revogação da sentença recorrida, fica-se apenas por aí, não tendo apontando à decisão qualquer erro por forma à sua revogação, impossibilitando que este Tribunal reaprecie ou analise a questão que comporta a decisão que se recorre, por forma a aferir se o juízo confirmativo da sentença encerra em si um qualquer erro de julgamento.
Pelo que, o Tribunal não pode assim tomar conhecimento do apontado erro de direito por vício formal por falta de fundamentação alegado nas conclusões G) e H) do recurso interposto.




2.2.3.2 Do erro de julgamento quanto à violação da lei relativamente à tributação autónoma respeitante a despesas não documentadas

I. Despesas confidenciais ou não documentadas da administração

A Recorrente invoca que a sentença recorrida violou o disposto no artigo 81.º nº 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, por considerar que “o saldo devedor de €9.457,62 inscrito na conta – que se reporta a dívida - 26249910 (despesas não documentadas Administração) não são despesas da administração. Pelo que, não se corrobora a conclusão do Tribunal a quo de que o saldo final devedor na conta respetiva é uma despesa não documentada da administração. Entendemos que esta situação (indevidamente fundamentado no relatório) não preenche os requisitos legais que permitiriam considerar estas despesas como não documentadas e, consequentemente, sujeitas a tributação autónoma à taxa de 50 %.”
Vejamos.
Dispunha à data dos factos o n.º 1 do artigo 115.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas que “As sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais entidades que exerçam, a título principal, uma actividade comercial, industrial ou agrícola, com sede ou direcção efectiva em território português, bem como as entidades que, embora não tendo sede nem direcção efectiva naquele território, aí possuam estabelecimento estável, são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal que, além dos requisitos indicados no nº 3 do artigo 17º, permita o controlo do lucro tributável”
O n.º 3 do mesmo normativo legal dispunha ainda que “Na execução da contabilidade deve observar-se em especial o seguinte: a) Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário”
Acresce que, como decorria à data dos factos do disposto no artigo 81.º nº 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas “As despesas confidenciais ou não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, sem prejuízo do disposto na alínea g) do nº 1 do artigo 42º”
Ora, trata-se de “uma tributação que incide sobre certas despesas dos sujeitos passivos, as quais são havidas como constituindo factos tributários” - segundo Rui Morais (in “Apontamentos ao IRC”, Almedina, Coimbra, 2009, pp. 202,203).
Com efeito, as tributações autónomas, embora formalmente inseridas no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas não servem o propósito de tributar o rendimento das empresas, mas sim determinados tipos de despesa, consubstanciando cada despesa um facto tributário autónomo, a que o sujeito passivo de imposto fica sujeito, obtenha ou não rendimento tributável no exercício, isto para evitar que os sujeitos passivos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas utilizem determinadas despesas para proceder a distribuição camuflada de lucros e para evitar a fraude e a evasão fiscal.
Como considerado pelo TCA Sul no Acórdão de 8.05.2019, processo n.º 1119/16.1BELRA “Despesas não documentadas» são aquelas que não têm por base qualquer documento de suporte que as justifique. (…) Não sofre dúvida que «a tributação das despesas não documentadas pretende compensar o pagamento oculto de rendimentos a outro sujeito passivo, não identificável pela administração tributária»(19). (…) A norma incide sobre a capacidade contributiva efectiva manifestada através de realização de gastos sem contrapartida, por parte do sujeito passivo e tem em vista prevenir a fraude, a evasão e-ou a elisão fiscal que as despesas não documentadas implicam. Não se trata de uma norma presuntiva, mas antes de uma norma de incidência, cujos pressupostos de aplicação decorrem da previsão legal e que assenta na avaliação directa do facto tributário. Não há presunção, na medida em que a tributação autónoma da despesa oculta implica a demonstração de que o gasto sem contrapartida ocorreu”. – fim de citação.
Acresce que, quanto ao ónus da prova, dispõe o n.º 1 do artigo 74.º da Lei Geral Tributária que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”
No que respeita à tributação autónoma por verificação de despesas não documentadas, sobre a Autoridade Tributária e Aduaneira recai o ónus de comprovar que i) as despesas em questão ocorreram efetivamente ii) que o respetivo beneficiário não é conhecido, nem cognoscível.
Neste sentido vide o Acórdão do TCA Sul de 8.05.2019, proc. n.º 1119/16.1BELRA.
Ora, conforme decorre do conspecto do relatório do procedimento inspectivo, enunciado no acervo probatório, ponto 23), os Serviços da Inspecção Tributária tributaram autonomamente o montante de €9.457,62 à taxa de 50%, por não ter sido comprovado pela Recorrente através de qualquer documento de suporte o destino da despesa, tendo sido, nessa medida, considerado como despesa não documentada ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 81.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas.
Ora, como decorre do preceito legal supra enunciado (n.º 1 do artigo 81.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas), o pressuposto para que ocorra tributação autónoma é, in casu, a existência de despesas não documentadas, o que se verifica no caso presente, não tendo a Recorrente sequer alegado a existência do respectivo documento de suporte dessas mesmas despesas, desconhecendo-se assim o seu destinatário.
Nesta senda, não se encontrando documentada a contabilização do montante de €9.457,62, a decisão recorrida não padece do alegado erro de julgamento por violação do disposto no n.º 1 do artigo 81.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, sendo de negar provimento ao presente recurso no que a esta alegação respeita.

II. Do erro de julgamento quanto aos cheques emitidos para o caixa

Alega também a Recorrente que a sentença errou ainda ao tributar autonomamente o valor dos cheques emitidos para o caixa, pois, para além da contabilidade se presumir verdadeira até prova em contrário ao abrigo do disposto no artigo 75.º n.º 1 da Lei Geral Tributária, a lei fiscal não estabelece que se presume como despesas os levantamentos com destino ao caixa social, não tendo a construção do Tribunal a quo resguardo legal.
Vejamos.
Quanto a esta questão e como decorre do relatório do procedimento inspectivo enunciado no ponto 23. da matéria de facto assente, consideraram os Serviços da Inspecção tributária que “Tal como se pode constatar no ponto IV. I.B) do presente relatório, foram detectados vários cheques emitidos para o Caixa nos anos de 2002, 2003 e 2004, os quais se encontram relacionados no anexo n.º 9 deste relatório do qual fazem também parte fotocópias de alguns cheques e outros documentos considerados de interesse na matéria em questão. Verificou-se nomeadamente que estes cheques se destinaram a pagar, provavelmente, complementos de vencimentos, horas extras, “recompensas" a comissionistas e entregas aos administradores, configurando pois a existência de despesas confidenciais ou não documentadas, logo sujeitas a tributação autônoma nos termos do n.º 1 do art. 81° do CIRC, apurando-se o IRC a pagar em cada ano nos quadros seguintes: (…)”
A decisão recorrida entendeu que “A conta caixa (conta 11) compreende o dinheiro, cheques ou outros meios de pagamento em caixa. Por sua vez, os fluxos de caixa poderão ser influxos, quando se trate de recebimentos (entradas) e exfluxos, quando se trata de pagamentos (saídas). O fluxo de caixa permite organizar e saber toda a movimentação diária de numerários de uma determinada empresa. No entanto para todas as movimentações na contabilidade da empresa, terá que existir controlo, nomeadamente através de documentos internos, pelo que não deverão ocorrer movimentos (especialmente de saída) do caixa que não estejam documentados. O saldo inicial resulta de levantamentos das contas de depósitos à ordem e é, sempre que necessário, reforçado pelos recebimentos ou por novos levantamentos das contas bancárias. Para além disso, cumpre ainda clarificar que o saldo da conta caixa é, regra geral, sempre devedor, nunca podendo apresentar um saldo credor. No caso sub judice havia vários movimentos da conta bancos (conta 12), para a conta caixa (conta 11). Ou seja, era frequente o levantamento de um número elevado de cheques da conta banco para a conta caixa (factos 34 a 36 de 3.1 supra) mas sem que em alguns desses movimentos exista o respetivo documento (interno ou externo) de despesa. O que de facto permite a existência de operações omissas à contabilidade, como considera a AT (pág. 14 do Relatório). Na realidade, a AT verificou que os saldos da conta caixa tinham valor gradualmente crescente (pág. 25 do Relatório), o que não vem impugnado. Isso significa que o valor entrado em caixa é tendencialmente superior ao valor das saídas. Numa situação dessas não se justificava o reforça da conta caixa, mas o inverso (para manter estável o saldo de caixa impunha-se que o valor excedente fosse depositado no banco). Quando o saldo de caixa vai crescendo e apesar disso esse valor vai sendo reforçado com levantamentos de depósitos do banco pode legitimamente suspeitar-se de que o sujeito passivo não pretende ter contabilidade transparente e procura obscurecer algumas operações. Nesse sentido, no Relatório de Inspeção “Veio a verificar-se nalguns casos que algumas das menções/justificações para o levantamento de cheques para o caixa haviam sido escritos a lápis nos documentos internos e foram depois apagadas, o mesmo se verificando nos duplicados dos cheques entretanto solicitados… Em muitos casos, porém, após algum esforço foi possível concluir o que estava escrito, noutros casos foi possível detectar justificações que foram apagadas nos documentos internos, mas não foram apagadas dos duplicados dos cheques. Assim verificou-se que foram escritas, por exemplo, as seguintes justificações: “Dr. … entregou ao Dr. «AA»”; “Prenda de casamento da filha do … «YY»”; “Prenda de casamento”; “Valor que falta para pagamento H. Ex. Julho”; “Lev. Cx – H.E. Julho”; “Complemento H.E.”; “Reposição saída H.E.”; “Complementos Dezembro”; “Lev. Cx.- «ZZ»”; “Compl. H.E. Fev.”; “«ZZ»”; “Lev. Cx. (dinheiro entregue ao Dr. «CC» p/ Chinês)”.” (pág 25 e anexo 9 do Relatório). Neste contexto é possível interpretar as referências a “H.E.”, precedidas de “pagamento”, “levantamento”, “complemento”, “reposição”, atribuindo-lhe o significado de “horas extras”. Posto isto, a Inspetora notificou a Impugnante para prestar esclarecimentos sobre os levantamentos de cheques para o caixa, solicitando que fosse apresentada uma “relação contendo a identificação completa dos beneficiários (nome completo e n.º de identificação fiscal) bem como dos valores recebidos e a que título os receberam, sob pena de não sendo justificada a utilização do dinheiro, tal ser considerado como despesa confidencial ou não documentada, nos termos do n.º1 do art.º 81.º do CIRC, e como tal sujeito a tributação autónoma à taxa de 50%” (facto 7 de 3.1 supra). E no seguimento desta notificação, a Impugnante indicou que “Os valores recebidos (…) são verbas de adiantamentos de salários (vales ao caixa) e à medida que foram recebidas, são depositadas.” (facto 10 de 3.1 supra). Na sequência desta resposta, as Inspetoras apuraram os vales ao caixa (adiantamentos a trabalhadores) que haviam sido atribuídos nesses períodos e constataram que os valores facultados para esse fim eram insignificantes face ao valor dos cheques que haviam sido levantados para o caixa. A relação entre os cheques levantados para o caixa e os vales ao caixa está demonstrada no Relatório de Inspeção veja-se: para o ano de 2002 foram levantados vários cheques para o caixa que somados perfazem o valor de € 104.744,71, e o valor total dos vales ao caixa para esse ano foi de € 7.382,34; da mesma forma em 2003, foram levantados cheques no valor de € 93.743,53, e foram pagos vales ao caixa no valor de € 4.735,83; por fim, também em 2004, foram levantados cheques no valor de € 40.200,00, e foram pagos vales ao caixa no valor de € 5.415,22 (factos 34 a 37 de 3.1 supra e pág. 27 e anexo 20 do Relatório). Assim, a justificação dada inicialmente pela Impugnante não tem qualquer fundamento, porque em verdade estes valores não são semelhantes.” – fim de citação.
Ora, não podemos discordar do assim decidido, isto porque, apesar da Recorrente afirmar que existiram documentos de suporte, os documentos a que se refere respeitam aos movimentos bancários e não a documentos comprovativos do destino do dinheiro que saía (a crédito da conta caixa), sendo que o que está em questão são, efectivamente os documentos comprovativos das saídas da conta caixa, justificando a despesa a esses movimentos associada.
Acresce que, não se vislumbra como é que a sentença recorrida deveria estar apoiada em base documental, pois, era a contabilidade da Recorrente que teria de estar apoiada em documentos relativamente aos movimentos financeiros verificados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, nem vislumbramos como é que a Autoridade Tributária e Aduaneira extrapolou de um facto conhecido para um facto desconhecido, como é invocado pela Recorrente, não explicado pela mesma.
Refere ainda a Recorrente que “É certo que a AT aponta como provável a saída de alguns cheques para pagamento aos funcionários. Mas a AT não demonstra que essa mesma probabilidade sucedeu com a totalidade dos cheques em causa. Pelo que, de partida, existe um salto indevido transcrito na douta sentença, por inexistência de base legal para o efeito, que resulta na transformação da leitura de alguns cheques e na sua extrapolação à totalidade dos cheques em causa nos Autos”, ora, não se colhe da leitura do relatório do procedimento inspectivo, nem da decisão recorrida que a tributação autónoma ocorreu porque foi considerado que os montantes em questão tinham como fim o pagamento aos funcionários, pois, como se enuncia na decisão recorrida “os vales ao caixa (adiantamentos a trabalhadores) que haviam sido atribuídos nesses períodos e constataram que os valores facultados para esse fim eram insignificantes face ao valor dos cheques que haviam sido levantados para o caixa”.
Pelo exposto, impõe-se negar provimento à alegação apresentada.

III. Do erro de julgamento quanto aos cheques emitidos ao portador

A Recorrente vem também invocar que “quanto ao levantamento do cheque n.º ...74, no valor de € 74.109,70, também sujeito a tributação autónoma como despesa confidencial ou não documentada, a douta sentença estriba-se na falta de registo da operação em causa. Primeiro, cumpre esclarecer o ónus da prova e depois, seguidamente, a fundamentação da despesa não documentada. Sendo que a falta de registo contabilístico da saída de um cheque não constitui, nem conduz à inversão do ónus da prova, nem, de per si, constitui uma despesa não documentada. Sabe-se que o cheque emitido saiu a favor de administrador, consequentemente, presume-se que todos os lançamentos em contas correntes (efetuados ou não) dos administradores presumem-se feitos a título de adiantamento sobre lucros, conforme Art.º 6º, n.º 4 do CIRS.”
Ora, considerou a decisão recorrida que “Esta situação teve origem numa transferência de € 74.109,70, que a ora Impugnante recebeu em 23/07/2004, proveniente da empresa “[SCom17...]”. Dias depois, a Impugnante emitiu um cheque (nº ...74) com o mesmo valor que havia sido recebido na transferência, e onde constava a menção “CH. Entregue ao Dr. «AA»” (facto 53 de 3.1 supra). Tanto a transferência recebida na conta da Impugnante como o cheque por si emitido, não foram refletidos na sua contabilidade, mas é possível comprovar estes movimentos através do extrato de uma conta bancária da [SCom01...] no Banco 1... (Anexo 10, fls. 311 do PA), alegando a Impugnante que o levantamento desse cheque não configura só por uma despesa não documentada ou confidencial (artigo 27º da p.i.) (…) Se o dinheiro entrou nos cofres da Impugnante (ainda que por lapso do cliente) e saiu, através de cheque emitido a favor de um administrador (Dr. «AA»), deveria ter havido a correspondente relevação contabilística dessas operações. Se o dinheiro saiu com destino ao Administrador a título de adiantamento por conta de lucros, não há dúvida de que se trata de um “pagamento”. Porém, desconhecendo-se se assim foi (ou seja, desconhecendo-se o efetivo destino do dinheiro), uma vez que não existe documento contabilístico que o comprove, é razoável acompanhar a conclusão administrativa segundo a qual ocorreu uma “despesa não documentada” – fim de citação.
Vejamos.
Quanto ao ónus da prova, consideramos que a Autoridade Tributária e Aduaneira logrou cumprir com o ónus que sobre ela recaia, na medida em que está comprovada a saída do sobredito montante em 27.07.2004 através do cheque n.º ...74, sem que seja conhecido o seu destinatário, pois, como já referenciado, esta nem teve acesso ao cheque.
Assim, e uma vez cumprido o ónus da prova por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, impendia sobre a Recorrente apresentar documentação que comprovasse o destino de tal verba, o que não logrou fazer (cfr. Acórdão do TCA norte de 17.02.2022, proc. 00537/10.3BECBR).
Com efeito, e não obstante, a Recorrente invocar que o cheque emitido saiu a favor de administrador, não se vislumbra a existência de comprovativo do mesmo, nem que se encontre registado na contabilidade da Recorrente a saída do montante a favor do administrador.
Ressalva-se que, como decorre do relatório do procedimento inspectivo, enunciado no ponto 23. da factualidade assente, nem foi registado contabilisticamente o recebimento do cheque emitido por [SCom17...], nem foi refletido contabilisticamente a saída desse mesmo montante na data de 27.07.2004, não tendo sequer a Autoridade Tributária e Aduaneira tido acesso ao cheque.
Ademais, tal como se afirma na decisão recorrida “O facto de ter sido emitido e utilizado o cheque, não pressupõe automaticamente que este seja uma despesa não documentada ou confidencial. No entanto, a inexistência de qualquer documento de suporte, que justifique tal saída de dinheiro, não nos permite perceber o destino dado a essa importância (…)”
Assim, não existindo documento de suporte do montante em questão (€74.109,70), nega-se nesta parte provimento ao recurso, por não verificado o erro de julgamento imputado à decisão recorrida.

IV. Do erro de julgamento quanto ao valor remanescente da conta 6312

Por último, e quanto à tributação autónoma, invoca a Recorrente que “quanto à tributação autónoma do remanescente da conta 6312-IVA, a condução encetada pelo Tribunal a quo quanto a esta questão, apenas se pode apontar à adoção de um de dois caminhos: ou o da insuficiência por não ter sido devidamente esclarecida e apreendida a questão colocada ao Tribunal ou o da suficiência no sentido em que todo e qualquer discurso da AT é suficiente para se concluir da mesma forma. (…) O que sabemos, é que a AT não quis esforçar-se por tributar devidamente a diferença entre os acréscimos à matéria coletável e os da conta 6312 IVA e, sem mais, fez a tributação autónoma como despesas não documentadas. Com o que discordamos, pois não está demonstrado pela AT, que a diferença em causa era relativa a despesas não documentadas e está demonstrado nos autos que as despesas em causa estão documentadas.”
Ora, a existência de tal despesa decorre do registo contabilístico nas contas 2432315, 2432316 e 2432317, respeitantes a IVA não dedutível - Outros bens e serviços - com taxas de 5%, 19% e 12%, tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira aferido tal montante pela diferença entre o montante dos acréscimos à matéria colectável quantificados nos anexos 11 a 13 do relatório do procedimento inspectivo e o valor constante da conta 6312 IVA.
Assim, é notório o cumprimento do ónus da prova por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, pois a despesa encontra-se registada contabilisticamente por parte da própria Recorrente e não são conhecidos os seus destinatários por contraposição aos conhecidos e indicados nos anexos supra referenciados.
Ademais, e, não obstante, a alegação formulada, a Recorrente não logra concretizar o alegado, isto porque, limita-se a afirmar que está demonstrado nos autos que as despesas em causa estão documentadas, sem que para tal, identifique os documentos comprovativos das despesas em questão.
Sendo consabido que à luz do que estatui o disposto no artigo 115.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, são admitidos todos os meios gerais de prova no processo tributário, não existindo limitação a um especifico modo de prova, à Recorrente impunha-se que lograsse comprovar o alegado, o que, in casu, não fez.
Nesta senda, não se encontrando documentada a contabilização dos montantes supra identificados, as situações elencadas no relatório do procedimento inspectivo enquadram-se no conceito de despesas não documentadas previstas no n.º 1 do artigo 81.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, negando-se provimento ao presente recurso no que a esta alegação respeita, por não padecer a decisão recorrida do erro de julgamento invocado pela Recorrente.

2.2.3.2 Do erro de julgamento quanto à falta de pressupostos para a aplicação de métodos indirectos

A Recorrente vem invocar que a decisão recorrida é incongruente e contraditória, pois, por um lado desenvolve “um raciocínio no sentido do demérito da escrita comercial e fiscal com base numas pretensas irregularidades e, posteriormente, tributa as mesmas com base em métodos diretos”
Assim, se bem percebemos o alegado, a Recorrente vem sustentar a impossibilidade de ocorrer simultaneamente tributação por via directa e indirecta.
Vejamos.
Decorre da decisão recorrida que “Tendo em conta que os indícios que a AT arrolou são capazes de abalar a credibilidade da contabilidade da Impugnante, estão portanto reunidos os pressupostos para as respetivas correções. Porém, a AT também juntou indícios, como já se disse, capazes de justificar o recurso a métodos indiretos (como a venda de sucata sem registo dos respetivos proveitos, depósitos em numerário e recebimentos de clientes sem os respetivos documento de proveitos, ou, ainda, a existência de “saco azul” usado para pagamentos ou levantamentos pelos administradores com destino desconhecido), na medida em que deles resulta a impossibilidade de determinação direta e exata da matéria tributável.”
Assim, foi decidido que a recolha de indícios que justificam a determinação da matéria colectável por via indirecta não afasta a utilização de métodos indirectos nesses mesmos exercícios.
Com efeito, e como tem vindo a decidir de forma reiterada e unanime a nossa Jurisprudência que aqui secundamos, “Não existe obstáculo legal a que a Administração Tributária, numa mesma inspecção, lance mão, simultaneamente, para o mesmo exercício ou relativamente a vários exercícios, de métodos directos e indirectos para efeitos de correcções à matéria tributável, uma vez que a contabilidade do sujeito passivo, para esse efeito, pode revelar-se insuficiente numa parte concreta e suficiente quanto ao demais” – cfr. Acórdão do TCA Sul de 20.02.2020, proc. n.º 152/10.1BELRS e ainda no mesmo sentido vide Acórdão do TCA Norte de 27.04.2022, porc. n.º 00447/10.4BEMDL.
Assim, não se verifica qualquer contradição e/ou incongruência na decisão recorrida, pois mostra-se possível determinar a matéria colectável com recurso a avaliação directa e indirecta num mesmo exercício.
Quanto à determinação da matéria colectável por via da avaliação indirecta, o nosso ordenamento jurídico tributário consagra o princípio do sistema declarativo, como meio de apuramento do valor tributável, surgindo as outras vias pela iniciativa da Autoridade Tributária e Aduaneira, como meios subsidiários ou residuais, o que significa que vigora a declaração do contribuinte, nos termos do que dispunha à data o artigo 16.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, presumindo-se a veracidade do declarado, como decorre do artigo 75.º n.º 1 da Lei Geral Tributária.
No entanto, nos termos do disposto nos artigos 58.º e 63.º da Lei Geral Tributária, são conferidos à Autoridade Tributária e Aduaneira poderes de descoberta da verdade material da situação tributária dos contribuintes, podendo esta proceder à correção das declarações apresentadas pelos contribuintes sempre que resultem de outros elementos ao dispor da Autoridade Tributária e Aduaneira omissões nelas praticadas, cessando como tal a presunção de veracidade dos rendimentos declarados, tal como dispõe a alínea a) do n.º 2 do artigo 75.º da Lei Geral Tributária.
Isto é, a Autoridade Tributária e Aduaneira poderá emitir liquidação quando os elementos apurados permitam formar a séria convicção sobre a existência do facto tributário não declarado (total ou parcialmente) pelo sujeito passivo de imposto, no cumprimento do princípio da verdade material, conforme estatui o artigo 50.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e artigo 58.º nº 1 da LGT, por efeito da remissão plasmada no artigo 52.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas.
Dispõe o n.º 1 do artigo 85.º da Lei Geral Tributária que “A avaliação indirecta é subsidiária da avaliação directa”.
Acresce que, o artigo 87.º da Lei Geral Tributária, enunciando os pressupostos da realização da avaliação indirecta estatuía à data dos factos que “A avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de:
a) Regime simplificado de tributação, nos casos e condições previstos na lei;
b) Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável;
c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar, sem razão justificada, mais de 30% para menos ou, durante três anos seguidos, mais de 15% para menos, da que resultaria da aplicação dos indicadores objectivos da actividade de base técnico-científica referidos na presente lei.
Nesta senda, “há-de caber, em princípio, à Administração o ónus de prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados estes pressupostos” (cfr. Vieira de Andrade, in "A Justiça Administrativa" (Lições), 2° edição, p. 569).
Com efeito, é consabido que àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, competindo àquele contra quem a invocação é feita a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado - cfr. artigo 342.º n.ºs 1 e 2 do Código Civil e artigo 74.º n.º 1 da Lei Geral Tributária.
Ou seja, para desconsideração dos elementos declarados, impõe-se à Autoridade Tributária e Aduaneira carrear elementos objetivos e seguros que demonstrem com um elevado grau de certeza a existência e quantificação dos factos tributários não declarados na medida em que contrariam a presunção de verdade e boa-fé da declaração do contribuinte, facto que é constitutivo do direito à liquidação adicional, cujo ónus da prova não pode deixar de recair sobre a mesma, nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, demonstrando então a existência e o conteúdo do facto tributário que afirma ocorrer.
Apesar de entender-se que tal prova, a mais das vezes, não pode ser feita de uma forma directa ou patente, na medida da sua impossibilidade, pode, no entanto, resultar de circunstâncias colaterais e indiretas que, indiciem fundadamente, pelas regras da experiência comum, um determinado resultado que não o declarado, devendo, então, assentar em pressupostos objetivos e não em meras suposições ou juízos de natureza puramente subjetiva.
Nesta senda, cabe pois à Autoridade Tributária e Aduaneira abalar a presunção da veracidade da declaração do imposto pelo contribuinte, atento o sobredito princípio da declaração vigente, pois, com efeito, quem tem a seu favor uma presunção legal está dispensado da prova do facto presumido, conforme prescrevem os artigos 349.º e 350.º nº 1 do Código Civil, o que significa que se a Autoridade Tributária e Aduaneira não fizer prova da formação do seu juízo, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de se analisar se o contribuinte logrou ou não provar, em sede inspectiva ou em Tribunal, a veracidade da declaração e a inexistência do facto tributário que a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou verificado para proceder à liquidação adicional.
Enunciado o quadro legal aplicável ao caso, cumpre aferir se a Autoridade Tributária e Aduaneira cumpriu o ónus que sobre ela recaía aferindo-se pelo alegado pela aqui Recorrente.
Ora, como foi enunciado na decisão recorrida: “Os indícios apurados foram os seguintes, pelo menos: o elevado número de cheques levantados para o caixa; a existência de pagamentos de serviços de polimento de peças e aquisições de outros bens para utilização na área industrial sem o respetivo documento de suporte; diversos depósitos em numerário sem qualquer documento justificativo; alguns recebimentos de clientes sem origem em qualquer documento emitido pela [SCom01...]; o pagamento de IVA de determinadas faturas aos administradores da [SCom01...]; as manifestações de fortuna que os administradores da [SCom01...] apresentavam, face ao salário auferido; os valores inscritos nas GAR apresentarem discrepâncias face aos valores faturados; e o resultado da amostragem que revela omissão da venda de sucatas.”
Assim, face aos elementos recolhidos, conclui-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira logrou reunir um conjunto de elementos capazes de aventar que a contabilidade da Recorrente padece de erros e de omissões impeditivos de determinar a matéria tributável por via directa, e, nem se diga que somente no seu conjunto eles traduzem essa impossibilidade, na medida em que, alguns dos indícios, só por si, justificariam a aplicação de métodos indirectos, tais como i) a venda de bens sem fatura ou documento equivalente ii) depósitos em numerário sem qualquer documento justificativo.
Invoca ainda a Recorrente que “Apura-se ainda outra contradição, a verdade da escrita comercial e fiscal da recorrente regressou na Comissão de Revisão quando se apurou que a quantificação declarada em 2004 estava correta (dentro do erro tolerável), independentemente dos pressupostos falíveis apresentados pela AT, no relatório da inspeção. Contudo, na douta sentença considerou o Meritíssimo Juiz a quo, sem reservas, o teor do relatório da inspeção e não atendeu na sua decisão aos acontecimentos posteriores e, logo, a todos os fatores relevantes”
No entanto, a Recorrente não logrou concretizar em que medida é que tal contradição ocorre, pois não logrou concretizar a alegação proferida, impedindo assim este tribunal de apreciar e decidir do alegado.
Invoca também a Recorrente que “acrescem indícios, que não ligam com os pressupostos, como cheques levantados para o Caixa, a existência de pagamentos de serviços de polimento e peças para aquisições de outros bens para utilização na área industrial sem o respetivo documento de suporte, diversos depósitos em numerário sem qualquer documento justificativo, alguns recebimentos de clientes sem origem de qualquer documento emitido pela [SCom01...], pagamento de IVA de determinadas faturas aos administradores da [SCom01...]. Pois, estes indícios permitiam TODOS, sem qualquer exceção, a quantificação direta e exata da matéria coletável e serviram de pressuposto ou base certa a tributações pelos métodos diretos”
Ora, consideramos que todos os indícios referenciados pela Recorrente logram descredibilizar a sua contabilidade e, tal como referenciamos supra, a possibilidade de tributação directa relativamente a alguns dos indícios recolhidos, como é exemplo a tributação autónoma de que foram alvo os montantes respeitantes a cheques levantados para o Caixa, não impede que estes sejam considerados no computo dos elementos justificativos para a determinação da matéria colectável por via indirecta.
O mesmo se diga relativamente aos documentos de receitas.
Com efeito, não obstante, estes indícios puderem ser corrigidos individualmente por via directa, há que atender aos demais elementos que compõe o apuramento da matéria colectável, como seja a margem bruta sobre a venda das mercadorias, os custos incorridos etc…
Ademais, vem a Recorrente invocar que “o ponderador dos desperdícios é errado”, por considerar que “a AT não pesou valores para os comparar com os valores de vendas”, assim como dar conta de outros erros “nomeadamente aquele que assenta no facto da AT ter excluído parte dos produtos da amostragem, sem explicações” e ainda dissertou sobre a comparação dos dados obtidos a preços de venda, com as Vendas a preços de venda (Vendas declaradas de Produtos) e com a Variação de Produtos a preços de custo.
Ora, como decorre do disposto no n.º 1 do artigo 639.º do Código do Processo Civil “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”
No entanto, das conclusões e alegações apresentadas, a Recorrente nada infirma no que o julgamento que recaiu sobre os pontos ora enunciados, o que só por si repudia o conhecimento da mesma enquanto tal.
In casu, o que se constata é que a Recorrente não ataca verdadeiramente a sentença, limitando-se, outrossim, a manifestar o seu inconformismo com o considerado em sede do procedimento inspectivo.
Pelo exposto, impõe-se negar provimento ao recurso no que respeita à verificação dos pressupostos para aplicação de métodos indirectos.

2.2.3.3 Do erro de julgamento quanto à errónea quantificação e manifesto excesso de capacidade contributiva

A Recorrente vem invocar o erro de julgamento quanto à errónea quantificação e manifesto excesso de capacidade contributiva.
Vejamos.
Como decorre do disposto no artigo 83.º n.º 2 da Lei Geral Tributária, a avaliação indirecta visa a determinação do valor dos rendimentos a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a Autoridade Tributária e Aduaneira disponha.
Assim, a quantificação dos rendimentos deve obedecer a critérios tidos como referência, permitindo desta forma a avaliação do rendimento real da forma mais próxima da realidade existente.
Nesta senda, estatui o artigo 90.º da Lei Geral Tributária que perante a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável, a Autoridade Tributária e Aduaneira poderá atender aos vários critérios de avaliação aí espelhados.
Assim, este método presumido parte dos factos apurados em sede inspectiva, para inferir o facto desconhecido – rendimento presumivelmente obtido pelo sujeito passivo de imposto – e para, a partir daí determinar a matéria colectável obtida.
Com efeito, embora na aplicação de métodos indirectos não seja possível determinar o rendimento real, deve, todavia, ser aplicado um critério que permita a aproximação à realidade conhecida, usando qualquer dos índices estabelecidos no citado artigo 90.º da Lei Geral Tributária.
Assim, e, não obstante se ter concluído que à Autoridade Tributária e Aduaneira assistia legitimidade para recorrer à avaliação indirecta, poderá constatar-se, contudo, ter havido excesso na quantificação da matéria colectável apurada nesses termos.
No que respeita ao ónus da prova, e, como decorre do disposto no artigo 74.° n.º 3 da Lei Geral Tributária, uma vez demonstrado pela Autoridade Tributária e Aduaneira o preenchimento dos pressupostos da verificação dos pressupostos da sua aplicação, recai sobre o sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação
Assim, tal como decorre do preceito legal enunciado e como resulta da Jurisprudência reiterada e uniforme, incumbe assim à aqui Recorrente o ónus probandi de que a realidade é completamente distinta do resultado a que conduziu a utilização do critério utilizado, e/ou que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada.
No entanto, não basta “suscitar dúvidas quanto ao resultado obtido, antes impondo-se que demonstre a inadequação ou errada aplicação dos critérios de quantificação utilizados”, pois “se se apurar que o critério é suscetível de surtir algumas divergências de quantificação, tal, não é suficiente porque o que releva não é uma qualquer divergência ou dissonância, ela terá de ser uma divergência intolerável” – cfr. Acórdão deste Tribunal de 3.02.2022, proc. n.º 01520/07.1BEVIS.
Invoca a Recorrente que o ponderador dos desperdícios é errado porque a Autoridade Tributária e Aduaneira partiu do valor das vendas, mas não pesou valores para os comparar com os valores de vendas, devendo a Autoridade Tributária e Aduaneira ter ponderado com base nas quantidades vendidas.
Decidiu o Tribunal a quo que “O que a Impugnante defende é que para a Administração poder comparar vendas estimadas com vendas declaradas de sucata, seria necessário valorizar as vendas declaradas a preço de venda de maneira a igualar a natureza de valores. Ou seja, o cálculo teria que ser realizado como se a variação da produção tivesse sido efetivamente vendida. Independentemente das diferenças apuradas segundo os cálculos efetuados pela Impugnante, verifica-se que os cálculos sob crítica – efetuados no Anexo 38 do Relatório – visaram apenas, na perspetiva da AT, concluir que, por um lado, as vendas de produtos assim estimadas “ascendem a valores muito elevados e irrealistas” mas permitem concluir que houve realmente erosão da margem bruta sobre preço de venda (devido à erosão do preços e por aumento do preço de custos das matérias-primas) e que, por outro lado, a empresa concluiu, principalmente a partir de 2004, que ganhava mais se reciclasse do que se vendesse a sucata nos anos em causa houve omissão de vendas de sucata (principalmente em 2002 e 2003) e não omissão de vendas de produtos.
Em suma, a margem bruta sobre as vendas ponderada (a que alude a Impugnante) não foi usada, na prática, para a determinação da matéria tributável que serviu de base às liquidações impugnadas Para esse efeito a AT partir das vendas de sucata declaradas em cada ano (quadros de pág. 40, 41 a final, e 43 do Relatório), apurando quantidades vendidas (kgs) e respetivo valor, e com base nisso calculando o preço de venda médio. Assim, sabendo a taxa de desperdício e a quantidade consumida, a AT apurou a quantidade de sucata gerada e calculou o valor das vendas estimadas de sucata por aplicação do valor medio acima referido. A este último valor a AT deduziu o valor das vendas declaradas e apurou o valor das vendas omissas”
Ora, concordamos com o assim decidido, isto porque, não obstante, o erro na identificação das páginas do relatório do procedimento inspectivo por parte do Tribunal a quo, uma vez que a fundamentação dos critérios utilizados na quantificação da matéria colectável consta de fls. 70 a 74 do relatório, da fundamentação aí apresentada não resulta que a margem bruta sobre as vendas ponderada foi utilizada na determinação da matéria tributável, constatando-se é que, tal como enunciado pela decisão recorrida estas “visaram apenas, (…) concluir que, (…) houve realmente erosão da margem bruta sobre preço de venda (devido à erosão do preços e por aumento do preço de custos das matérias-primas) e que, por outro lado, a empresa concluiu, principalmente a partir de 2004, que ganhava mais se reciclasse do que se vendesse a sucata nos anos em causa houve omissão de vendas de sucata (principalmente em 2002 e 2003) e não omissão de vendas de produtos.”
Com efeito, e como decorre de fls. 71 do relatório do procedimento inspectivo, enunciado no ponto 23. da matéria de facto assente, a Autoridade Tributária e Aduaneira teve em consideração i) as percentagens de desperdício obtidas nos produtos fabricados em cavilha de latão (principal matéria-prima) objecto de pesagem conforme mapa que se junta na amostragem em cada ano; ii) os consumos de cavilha de latão dos anos de 2002, 2003 e 2004; iii) quanto ao ano de 2004 aceitou-se a listagem de produtos injetados fornecida pela empresa, tendo-se considerado que os pesos indicados são pesos bruto e não líquidos, sendo que “Desprezaram-se as % de desperdício geradas nos produtos zamack nos três anos analisados e a % de desperdícios gerada nos produtos injetados em latão nos anos de 2002 e 2003, por não serem materialmente relevantes constituindo este, mais um facto favorável à empresa” e, no que contende com o imposto aqui em causa – IRC – atendeu i) à percentagem de desperdício obtida na amostragem de produtos em latão(cavilha/chapa); ii) aos consumos anuais de cavilha/chapa de latão de cada ano; iii) ao preço de venda médio da sucata de latão declarado nos anos auditados.
Assim, como decorre do relatório do procedimento inspectivo, a venda de sucata omitida foi calculada com base na percentagem do desperdício da cavilha, nos quilos de cavilha de latão consumidos e no preço medio do quilo da sucata.
Ademais, alega que a Autoridade Tributária e Aduaneira excluiu parte dos produtos da amostragem, sem explicações, não infirmando, no entanto, a decisão recorrida, pois, mais uma vez, não lhe aponta qualquer erro quanto a este item, seja por errada análise, seja por falta da análise do mesmo.
Invoca também a Recorrente que quanto ao uso dos preços de venda (posição do Relatório) ou das quantidades (posição da recorrente) ponderado no final da página 69, a sentença descreve-o, mas não critica se a amostra determinada pela AT era ou não certa.
Ora, não obstante, se constatar que na decisão recorrida não foi aferido do acerto de tal alegação, a Recorrente também não extrai qualquer consequência de tal.
No entanto, considerando o invocado, consideramos que não se vislumbra como é que a Autoridade Tributária e Aduaneira, nos seus cálculos, poderia atender às quantidades vendidas, quando desconhecia essas mesmas quantidades vendidas, por omissas à contabilidade.
Com efeito, a Autoridade Tributária e Aduaneira utilizou os elementos conhecidos, como seja, i) a % de desperdício da cavilha ii) os quilos de cavilha de latão consumidos, por forma a aferir dos quilos de sucata gerados, que por sua vez, multiplicados pelo preço de venda médio do quilo da sucata, resultaram no valor de vendas estimadas.
Invoca também a Recorrente que a Autoridade Tributária e Aduaneira partiu do princípio, que toda a diferença calculada foi vendida como sucata à margem da escrituração, não tendo em conta que o sistema de produção se manteve inalterado e que parte do latão consumido é transformado em pó (polimento) misturado em lamas residuais (vibração) e associado em processo químico (galvanoplastia), para reaproveitamento da sucata de latão na fundição.
Quanto a esta questão considerou-se na decisão recorrida que “Ora, como se disse no ponto 4 supra, afigura-se que o processo produtivo da Impugnante não se alterou, no essencial, durante o período em causa. Todavia, isso não implica que seja de dar como provado que os resíduos produzidos sejam reintroduzidos na produção. Pelos motivos indicados no citado ponto 4 supra dá-se como não provada essa reintrodução (facto 1 de 3.2 supra). Pelo que, afastado o pressuposto da afirmação da sob análise, tem de se concluir que não se verifica excesso de tributação resultante do vício em causa. Competia à Impugnante demonstrar e quantificar o que alega no artigo 134 e 280 da p.i. (que parte do latão é transformado em pós em resultado de polimento, misturado em lamas residuais e associado em processos químicos (por galvanoplastia), e que desse desperdício não foi atendido pela AT e daí resulta algum excesso de tributação. Essa prova não foi efetuada”
Com efeito, e como decorre da factualidade não assente, ponto 1), a Recorrente não logrou comprovar que “Os desperdícios gerados no processo produtivo da [SCom01...] eram todos reaproveitados na empresa nos anos de 2002 e 2003”, concluindo-se assim que existiriam desperdícios que eram reaproveitados.
No entanto, não decorre da factualidade assente a percentagem de latão consumido que é transformado em pó e reaproveitado na sucata de latão, por forma a que possamos aferir da relevância e do efectivo impacto de tal nos cálculos da matéria colectável, e, consequentemente, concluir pelo excesso na quantificação.
Ora, colocado em causa o erro de julgamento quanto à quantificação da matéria colectável, a Recorrente teria de, mediante a apresentação de provas adequadas e fortemente convincentes, conseguir demonstrar que o funcionamento do poder discricionário da Autoridade Tributária e Aduaneira conduziu e traduziu-se na fixação de resultados, no apuramento de valores, objectiva e inquestionavelmente fora dos limites da razoabilidade, da mais ampla e impressiva aceitabilidade, o que no caso presente não sucedeu.
Isto porque, não foi apresentada qualquer prova capaz de contrariar as conclusões da Autoridade Tributária e Aduaneira, restringindo a sua defesa no que considerou ser necessário aferir por forma a apurar a matéria colectável, numa análise casuística insuficientemente concretizada.
Acresce que, a Recorrente não logrou materializar em que medida é que a quantificação era excessiva, o que se impunha.
A par do exposto, e tal como é sobejamente considerado pela nossa Jurisprudência, a avaliação indirecta da matéria colectável mais não é do que uma mera presunção dos rendimentos auferidos pelos sujeitos passivos de imposto, não traduzindo como tal os rendimentos reais, na medida em que tal resultaria da aplicação da avaliação directa que, in casu, não foi possível recorrer.
Pelo exposto, não logrando a Recorrente demonstrar, através de prova concludente, factos consubstanciadores que permitissem apontar o excesso da quantificação verificada, inflectindo os pressupostos em que assentou o juízo de probabilidade feito pela Autoridade Tributária e Aduaneira, e consequente erro de julgamento, impõe-se negar provimento também, nesta parte, ao que vem alegado.

2.2.3.4. Do erro de julgamento quanto à violação da lei na consideração do montante de €100.928,65 como rendimentos em 2004

A Recorrente invoca que “ficou a constar da douta sentença a existência de proveitos ou rendimentos omitidos. Contudo, da prova produzida, conforme supra defendido e demonstrado, não está comprovado que o recebimento esteja associado a proveitos ou rendimentos omitidos. No relatório da inspeção está dito, sem prova ou demonstração, que recebimento estará associado a proveitos ou rendimentos omitidos. Todavia, a recorrente negou todas as justificações da AT.”
Vejamos.
Foi decidido pelo Tribunal a quo que “Quanto aos proveitos de 2003 e 2004, no montante global de €100.928,65, relativos a recebimentos de clientes sem que exista fatura ou documento equivalente (pontos IV.2.1.5 e II.B.4, a pág. 67 e 33/35, do Relatório), já se viu, no ponto 4 (fls. pág. 25/26) supra, que não pode considerar-se provado que os cheques e transferências recebidos de outras entidades não eram efetivamente destinados à ora Impugnante (facto 2 de 3.2 supra). A Impugnante alega que os registos contabilísticos gozam da presunção de verdade e que o ónus da prova compete à AT (artigos 226 a 229 p.i.). No caso dos autos não é assim porque a AT verificou a existência de diversas irregularidades, erros e omissões contabilísticas que retiraram a credibilidade a toda a contabilidade da Impugnante, que, por isso, deixou de merecer a presunção de verdade de que gozava inicialmente (artigo 75º, nº 2, da LGT); pelo que o ónus da prova dos factos em que assenta o direito que invoca passou a caber à Impugnante (artigo 74º da LGT” – fim de citação.
Com efeito, da matéria de facto assente resulta que “em 20/01/2003, a empresa “[SCom14...]” dirigiu-se por escrito à [SCom01...] para esclarecer que “Por lapso, a Firma [SCom15...] fez a transferência, para pagamento da Vossa factura acima referida [factura nº181], para a conta da [SCom14...]. Para repor a ordem correcta, junto estamos a enviar o n/cheque nº ...03 sobre o Banco 2... no valor de € 3.931,26, sendo a quantia exacta que havemos recebido.”, tendo este cheque sido depositado em 21/01/2003 na conta da [SCom01...] no Banco 1...”, não se encontrando refletido tal montante na conta corrente deste cliente, nem a respectiva factura – cfr. pontos 45. e 46. da matéria de facto assente.
A par, também decorre da factualidade assente, pontos 48. e 49., que “em 17/02/2004, a empresa “[SCom15...] GMBH” fez uma transferência para a conta da [SCom01...] no Banco 2..., no montante de € 3.937,50, e no verso do documento desta transferência consta “fact. Proforma 74 de moldes. Nota – foram emitidas 2 fact’s, mas só uma é que devia ter sido emitida”, montante também não refletido na conta corrente do cliente, assim como a factura respectiva.
Por último, também decorre dos pontos 51. e 53. da matéria de facto assente que “em 11/03/2004, foi emitido pela “[SCom16...], S.A.”, o cheque nº ...32, no montante de € 22.881,45, à ordem da [SCom01...], tendo este sido depositado na conta da [SCom01...] localizada no Banco 3... no dia 15/03/2004”, assim como que “em 23/07/2004, a empresa “[SCom17...]” fez uma transferência do estrangeiro para a conta da [SCom01...] no banco Banco 1..., no montante de € 74.109,70, tendo a Impugnante em 27/07/2004, emitido um cheque (nº ...74) do mesmo valor, constando deste a menção “CH. Entregue ao Dr. «AA»”
Nestes termos, e à luz do que dispõe o artigo 74.º n.º 1 da Lei Geral Tributária, a Autoridade Tributária e Aduaneira cumpriu com o ónus que sobre ela impendia, isto é, recolheu os factos vertidos nos pontos 45., 46., 48., 49., 51., 53. da matéria de facto assente, que aqui já demos conta, constitutivos do direito que se arrogou, tributando os montantes transferidos para as contas bancária da Recorrente, considerando-os omissão de proveitos.
Assim, e uma vez cumprido o ónus da prova por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, passou a recair sobre a Recorrente o ónus de comprovar que tais entradas de dinheiro não respeitavam a proveitos, o que, ostensivamente não logrou fazer.
Isto porque, não obstante, a Recorrente invocar que negou todas as justificações da Autoridade Tributária e Aduaneira, esta não logrou infirmar o que resulta do relatório do procedimento inspectivo, enunciado no ponto 23. da matéria de facto assente.
Por último apraz ressalvar que no que respeita à determinação da matéria tributável por via directa e indirecta, como já supra explicitamos, nada impedia a Autoridade Tributária e Aduaneira de recorrer a essas duas vias, em nada influenciando a conclusão da omissão de proveitos face aos factos recolhidos em sede de procedimento inspectivo.
Nesta senda, nega-se provimento ao alegado por não verificado o erro de julgamento que vem imputado à decisão recorrida.



2.2.3.5. Do erro de julgamento quanto à violação da lei na consideração de juros nos pagamentos da dívida da [SCom02...], SA

A Recorrente invoca que a sentença incorreu em erro ao prescrever que nos pagamentos constava a amortização de capital e juro, sustentando que “estamos perante um confronto entre a regra da especialização dos exercícios e a regra da prudência”, pois “não considerou os juros implícitos no pagamento e deixou-os para final dos pagamentos. (…) Mas a recorrente foi vendendo sem recebimentos. A dívida corria sérios riscos de não ser paga, era anterior a 1999 e nessa data foi efetuada hipoteca. Pelo que de acordo com o princípio da prudência não estavam reunidas condições para reconhecer ganhos financeiros. Pelo que, a liquidação impugnada viola o Art.º 20º, n.º 1, c) e 17º, n.º 1 a), ambos do CIRC e o princípio da prudência que fazia parte do Plano Oficial de Contabilidade.”
Vejamos.
Decidiu o Tribunal a quo que “Quanto aos proveitos financeiros (juros) obtidos e não contabilizados no negócio com a [SCom02...],SA (ponto IV.2.1.6, pág. Do relatório), a Impugnante alega que havia risco sério de incobrabilidade e não estava garantido o pagamento dos juros, pelo que aceitou receber primeiro apenas o capital, e em consequência a correção em causa viola os artigos 20º, nº 1, al. c) e do CIRC e Plano Oficial de Contabilidade ex vi artigo 17º, nº1, al. a) do CIRC (artigos 235 a 246 da p.i.).
Conforme se disse no ponto 3 de 3.2 e em 4 supra (a pág. 29/30 supra), os montantes que foram sendo pagos pela “[SCom02...], S.A.” comportavam não só a amortização de capital como também a amortização dos juros.”
Ora, tal como decidido pelo Tribunal a quo e, não obstante, a Recorrente invocar que não considerou os juros implícitos no pagamento e deixou-os para final dos pagamentos, não obstante, ter vindo impugnada a matéria de facto assente provada e não provada, relevante para a questão a decidir, esta manteve-se na ordem jurídica, por não alterada.
Com efeito, não resultou comprovado que “Da dívida identificada em 58 de 3.1, foram pagas rendas mensais pela “[SCom02...], S.A.” que apenas amortizaram o capital” – cfr. ponto 3. da matéria de facto dada como não provada.
Assim, impõe-se negar provimento ao alegado, não sendo de apreciar nem de decidir sobre a regra da especialização dos exercícios versus princípio da prudência, na medida em que, a Recorrente não logrou comprovar que dos pagamentos efectuados não constavam juros tendo-os deixado para final dos pagamentos.
Assim, e face ao que vem dito, o recurso mostra-se votado ao insucesso pois, não tendo obtido provimento o aventado erro de julgamento, forçoso é concluir que não se verifica na decisão recorrida os apontados erros de julgamento quanto ao erro nos pressupostos de facto e de direito da determinação da matéria colectável por via da avaliação indirecta.

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Apreciado e decidido do recurso interposto pela Recorrente, importa agora apreciar e decidir do recurso interposto pela Fazenda Pública.

Do recurso interposto pela Fazenda Pública

A Fazenda Pública vem apresentar o presente recurso relativamente à parte da decisão que julgou procedente a impugnação judicial quanto às correções aos custos e perdas financeiras, no valor de €28.206,02, vertidas no ponto IV.2.1.2. do Relatório de Inspeção Tributária.
Assim, face ao supra referenciado, mantem-se na esfera jurídica das partes a decisão recorrida relativamente I) à liquidação de IRC do exercício de 2002 na parte em que se encontra afetada pelo saldo em 31.12.2001 da conta 26249910, no montante de € 917,64 (ponto III.3.1.1 do Relatório), ii) à liquidação do exercício de 2002, na parte em que se encontra afetada pela correção às reintegrações ou amortizações da viatura Volvo, matricula ..-..-MS, no montante de € 5.466,82 (ponto IV.2.1.2, pág. 58/59, do Relatório), assim como relativamente, iii) à liquidação do exercício de 2003, na parte afectada pela correção aos juros relativos a 2002 e anos anteriores, no montante de €22.353,88, e que só foram debitados pelo Banco em 2003 (ponto IV.2.1.4, a pág. 65, do Relatório).

2.2.4 Do erro de julgamento de facto

A Fazenda Pública vem invocar o erro de julgamento de facto por considerar que o Tribunal “não poderia dar como provados determinados factos, atenta a prova documental carreada para os autos, nem poderia tirar as ilações que tirou dos mesmos, além de que, em relação a outros, foi-lhes dada uma redação diversa da que se impunha”
Assim, impugna os factos julgados provados e enunciados nos pontos 56., 57. da matéria de facto assente.
Vejamos então da justeza da impugnação da matéria de facto assente.
Quanto ao facto dado como assente no ponto 56., entende a Fazenda Pública que “os documentos mencionados no facto 56 não são suficientes para comprovar a prática de preços de transferência com as empresas [SCom03...], [SCom04...], [SCom05...] e, muito em particular, com a [SCom06...]-Sociedade Gestora de Participações Sociais SA, tal como vem sugerido nos artigos 219.º e 220.º da petição inicial”
Ora, resulta do ponto 56. da matéria de facto assente que “No capítulo dedicado aos preços de transferência incluído nos relatórios de contas dos exercícios de 2002, 2003 e 2004 a [SCom01...] assume que as empresas com que detém relações especiais são: “[SCom03...]”; “[SCom04...]”; “[SCom05...]” e [SCom06...]. – S.G.P.S., S.A.”, suportando-se o Tribunal a quo nos documentos constantes do Vol. 6, fls. 2041 do PA e Vol. 7 fls. 2109 e 2307.
Ademais, decorre da motivação da matéria de facto assente o seguinte: “Quanto à situação em que a Impugnante recorreu a empréstimos bancários para os conceder posteriormente a algumas empresas, a testemunha Dr. «CC», afirmou que os referidos empréstimos visaram a concessão de crédito a empresas com relações especiais com a [SCom01...], uma vez que pertenciam na sua essência aos mesmos acionistas, referindo inclusive que a empresa “[SCom06...] – S.G.P.S., SA” era uma olding e que detinha 90% a 100% da empresa “[SCom05...]”. Sustentou que estas sociedades apresentavam alguma debilidade financeira, e tendo em conta que a [SCom01...] era a principal geradora de proveitos no grupo, acabava por ter mais facilidade em dispor desse dinheiro e eventualmente pedi-lo à banca. Nos relatórios de contas da [SCom01...] dos exercícios de 2002, 2003 e 2004 consta um documento onde esta estabelece os preços de venda às empresas com relações especiais, sendo estas a “[SCom03...]”; “[SCom04...]”; “[SCom05...]”, atestando o que vem sendo defendido pela Impugnante (factos 56 e 57 de 3.1 supra). Efetivamente, consta no Relatório de Inspeção que estes empréstimos configuram “(…) operações de financiamento às empresas referidas, uma das quais detém 90 % do capital da empresa” (fls. 60 do relatório), constando igualmente logo no início do relatório que “Em finais do ano de 2002, a sociedade [SCom06...]- Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, passou a deter 90% do capital da [SCom01...], na sequência da compra por esta empresa das acções detidas pela família «BB».” (fls. 6 do relatório). Ou seja, a AT assumiu a existência de “relações especiais” (artigo 58º, nº4, do CIRC) entre esta empresa e a [SCom01...]. Também na contestação a AT não põe em causa as relações de proximidade das empresas, uma vez que chega a referir “Na verdade, estes custos visam encobrir financiamentos a empresas próximas à Impugnante” (artigo 74º da contestação). De facto, não se discute que estes empréstimos foram concedidos a empresas com relações de especial proximidade à [SCom01...], pelo que se dá como provado que os empréstimos concedidos a algumas empresas resultam das relações especiais entre estas, conforme facto 57 de 3.1 supra.”
Os documentos que suportam este facto são os documentos de fls. 2041 do Vol. 6 e documentos de fls. 2109 e 2307 do Vol. 7 do processo administrativo junto aos autos.
Ora, estes documentos respeitam a documentos titulados pela [SCom01...], SA e relativos aos exercícios de 2002, 2003 e 2004, em que esta estabelece as regras de determinação dos preços de venda à empresas com relações especiais, identificando como tais as sociedades [SCom03...], [SCom04...] e a sociedade [SCom05...].
Ademais, do relatório do procedimento inspectivo, enunciado no ponto 23. da matéria de facto assente, consta que “em finais do ano de 2002, a sociedade [SCom06...]- Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, passou a deter 90% do capital da [SCom01...], na sequência da compra por esta empresa das acções detidas pela família «BB».”
Nestes termos, considerando o teor do facto em questão, consideramos que tais documentos, acrescido do que resulta do relatório do procedimento inspectivo quanto à sociedade [SCom06...]- Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA suportam tal facto.
Senão vejamos.
A posição da Recorrente é sustentada no que considera decorrer de tal facto, isto porque considera que de tal facto decorre a comprovação que a [SCom01...], SA pratica preços de transferência com as “empresas [SCom03...], [SCom04...], [SCom05...] e, muito em particular, com a [SCom06...]-Sociedade Gestora de Participações Sociais SA, tal como vem sugerido nos artigos 219.º e 220.º da petição inicial”.
No entanto, do ponto 56. da matéria de facto assente somente resulta que a [SCom01...], SA assumiu nos relatórios de contas dos exercícios de 2002, 2003 e 2004 que detém relações especiais com tais sociedades.
Com efeito, de tal facto não se extrai que ficou comprovada a prática de preços de transferência da [SCom01...], SA com essas empresas.
Acresce que, saber se tais documentos preenchem as regras plasmadas no n.ºs 6 e 7 do artigo 58.º do Código do IRC e na Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro são questões não relevantes para discernir da correcção do facto, pois não está em questão aferir da correcta declaração por parte da [SCom01...], SA da prática de prática de preços de transferência.
Nesta senda, considerando o teor do ponto 56. da matéria de facto assente pelo Tribunal a quo, consideramos que este se encontra suportado pelos documentos mencionados na motivação do mesmo, negando-se provimento à alteração pretendida pela Fazenda Pública.
Relativamente ao facto que decorre do ponto 57. dado como assente, defende a Fazenda Pública que o Tribunal, ao considerar como assente que os empréstimos concedidos pela Recorrida justificam-se pelas relações especiais existentes entre essas empresas, envereda por uma formulação que constitui um facto conclusivo, pois considera que o Tribunal, no limite, apenas poderia ter dado como provado que “a [SCom01...] assumiu que os empréstimos concedidos justificavam-se pelas relações especiais entre essas empresas”, o que é bem diverso, pois, “ao ser dado como provado que os empréstimos se justificam, está-se, em bom rigor, a formular um juízo que contém a decisão desta vertente da lide”
No dizer de Anselmo de Castro (in Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, Coimbra, vol. III, 1982, p. 268/269), “são factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os factos reais, como os simplesmente hipotéticos”, (…), acontecimentos ou factos concretos no sentido indicado podem constituir objecto da especificação e questionário (isto é, matéria de facto assente e factos controvertidos), o que importa não poderem aí figurar nos termos gerais e abstractos com que os descreve a norma legal, porque tanto envolveria já conterem a valoração jurídica própria do juízo de direito ou da aplicação deste” (in Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, Coimbra, vol. III, 1982, p. 268/269).
Com efeito e parafraseando Helena Cabrita, (in “A fundamentação de facto e de direito da decisão cível”, págs. 106, 110 e 111), “Os factos conclusivos são aqueles que encerram um juízo ou conclusão, contendo, desde logo em si mesmos a decisão da própria causa ou, visto de outro modo, se tais factos forem considerados provados ou não provados, toda a acção seria resolvida (em termos de procedência ou improcedência), com base nessa única resposta”.
“Assim, em linha com esse entendimento, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que, sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado [Ac. STJ de 28-01-2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, António Leones Dantas, www.dgsi.pt.]. Significando isto, que quando tal não tenha sido observado pelo tribunal a quo e este se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, deve tal pronúncia ter-se por não escrita. E, pela mesma ordem de razões, que deve ser desconsiderado um facto controvertido cuja enunciação se revele conclusiva, desde que o mesmo se reconduza ao thema decidendum, não podendo esquecer-se que o juiz só pode servir-se dos factos alegados pelas partes e que “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir (..)” [art.º 5.º 1 do CPC].” – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27.09.2023, proc. 9028/21.6T8VNG.P1.
No caso presente, decorre do ponto 57) da factualidade assente que “Os empréstimos concedidos pela [SCom01...] à “[SCom05...], SA”; à “[SCom04...], S.A.”; e à “[SCom06...]. – S.G.P.S., S.A.”, justificam-se pelas relações especiais existentes entre essas empresas”
Acresce que, da motivação que suporta a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo resulta o seguinte: “Efetivamente, consta no Relatório de Inspeção que estes empréstimos configuram “(…) operações de financiamento às empresas referidas, uma das quais detém 90 % do capital da empresa” (fls. 60 do relatório), constando igualmente logo no início do relatório que “Em finais do ano de 2002, a sociedade [SCom06...]- Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, passou a deter 90% do capital da [SCom01...], na sequência da compra por esta empresa das acções detidas pela família «BB».” (fls. 6 do relatório). Ou seja, a AT assumiu a existência de “relações especiais” (artigo 58º, nº4, do CIRC) entre esta empresa e a [SCom01...]. Também na contestação a AT não põe em causa as relações de proximidade das empresas, uma vez que chega a referir “Na verdade, estes custos visam encobrir financiamentos a empresas próximas à Impugnante” (artigo 74º da contestação). De facto, não se discute que estes empréstimos foram concedidos a empresas com relações de especial proximidade à [SCom01...], pelo que se dá como provado que os empréstimos concedidos a algumas empresas resultam das relações especiais entre estas, conforme facto 57 de 3.1 supra”.
Ora, a questão dos autos respeita à dedutibilidade de custos ao abrigo do disposto no artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira considerado que os juros bancários suportados não são fiscalmente dedutíveis.
Em contraponto, a [SCom01...], SA veio, em sede do articulado inicial, defender que o raciocínio da Autoridade Tributária e Aduaneira é incongruente e contraditória pois deveria num primeiro momento apurar os juros dos empréstimos bancários e após apurar a diferença para acrescer ao rendimento, uma vez que o princípio da legalidade não admite esta simplificação de apuramento com base nos 7%, para efeitos de determinação do valor base a corrigir por via aritmética.
Não obstante, decidiu o Tribunal a quo que “Quanto aos custos e perdas financeiros (ponto IV.2.1.3, a pág. 59/62 do Relatório) (artigo 211º a 221º da p.i.), a AT considerou, com fundamento no artigo 23º, nº1, al. c), do CIRC, que não há direito a dedução dos respetivos encargos financeiros porque esse capital não foi utilizado para a manutenção dos meios indispensáveis à obtenção dos proveitos, mas sim para financiamento das empresas com as quais se encontra em situação de “relações especiais”. Ora já se viu que a Impugnante recorreu a empréstimos bancários para os conceder posteriormente a algumas empresas cujo capital social detém parcialmente, conforme ponto 4 supra (a pág. 28) e facto 57 de 3.1 supra. Ora, “A lei comercial consagra, expressamente, que a realização de prestações suplementares ou prestações acessórias é parte integrante da capacidade de uma sociedade e da prossecução do seu escopo lucrativo (30 - Cfr. Arts. 6º, 210º e 278º do CSC), isto é, o empréstimo de dinheiro, mesmo que sem juros, a uma empresa associada é visto pela lei comercial como um negócio acoberto pelo escopo das sociedades comerciais. Já a lei fiscal nada consagra relativamente a esta questão. Pode entender-se que o legislador poderia tê-lo feito, tendo optado por nada regular. Neste sentido, parece poder-se afirmar que valem as regras da lei comercial. Se nos debruçarmos sobre a questão conseguimos, facilmente, compreender o entendimento de que está em causa a valorização (rentabilização) das participações sociais (31- Ac. CAAD, proc. nº 12/2013-T, disponível em http://www.caad.org.pt.). Mesmo que o ganho não seja direto, muito possivelmente, haverá lugar a percepção de dividendos ou, inclusive, de mais-valias com a venda das participações. Assim, facilmente se poderá compreender a razão de a lei comercial considerar que este tipo de operações se insere na finalidade das sociedades comerciais).” - Dedutibilidade de Juros em Sede de IRC: Algumas Questões, Dissertação de Mestrado em Direito Fiscal, de Adriana Pinho Soares Sardão - Nº 345012011 – Faculdade de Direito da Universidade Católica do Porto, Maio/2010, in (…).p df. Na linha do referido Acórdão da CAAD, pode dizer-se que as sociedades que solicitam empréstimos bancários, relativamente aos quais pagam juros, e concedem empréstimos a empresas a empresas cujo capital detêm parcialmente (e no caso chega a deter 90%), com ou sem juros cobrados às empresas beneficiárias, estão a efetuar negócios lícitos e inseridos na sua capacidade, ainda que não lucrativos no curto prazo, porque não geram qualquer rédito no imediato. Ora, se esta operação é consentida pelo Direito Comercial, nos seus exatos termos – inexigibilidade de juros nestas prestações – é então evidente que a mesma se insere num perfil lucrativo (pois essa é a bitola da capacidade das sociedades). De facto, não faria sentido que o CSC consentisse operações cujos termos revelassem que os sujeitos não visam um intuito lucrativo, porque extravasariam a capacidade dos entes morais. O art. 210.º do CSC não pode estar em contradição com o art. 6.º do CSC – mas o instituto da prestação suplementar (em todas as suas feições, inclusive na inexistência de juros) concretiza e torna operativo o princípio da capacidade descrito no art. 6.º do CSC. A sociedade (a Requerente), na sua liberdade de gestão, pode dotar as dominadas com os fundos que carecem, das formas mais díspares. E os interesses (comercial e fiscal) têm de aceitar qualquer dessas opções. Apesar da inexigibilidade imediata de rendimento (juro), a verdade é que o prestador (requerente) tem um interesse próprio e egoístico nestas operações, via aumento e rentabilização do valor da participação e possibilidade ulterior de receção de rendimentos, via dividendos (por lucros distribuídos da filial) ou maisvalias (por alienação onerosa, com ganho dessas participações). (…)E isso é assim, mesmo que numa lógica imediatista se revelem aparentemente como maus negócios (que o art. 23.º do CIRC não pode aliás censurar): entregam-se fundos, sem juros, durante um certo prazo, recebendo-se no final da operação apenas o dinheiro entregue (sem juro e sem atualização da inflação) e suportando-se juros relativamente aos capitais alheios objeto de prestação a favor da dominada. Mas o direito comercial (e fiscal) releva antes o seguinte: com a prestação sem juros, a sociedade concedente valoriza a sua participação financeira; dota a filial dos fundos necessários para que possa exercer melhor a sua atividade, com vantagens próprios e egoísticas também da concedente, via valorização da participação de capital e assunção de um risco empresarial que lhe permitirá no futuro, assim se espera, rentabilizar esse ativo com retorno valorizado do investimento (via mais valias ou dividendos). E note-se que o art. 23.º do CIRC não se pode imiscuir nas livres e lícitas opções económicas do sujeito (dotar fundos via aumento de capital, empréstimo com juros ou prestações em juros) nem no grau de risco económico (maior ou menor) que o mesmo quer emprestar às suas decisões (alavancagem financeira dos fundos utilizados na prestação suplementar). Esses juros só não seriam um custo fiscal se a requerente, apesar de os contabilizar, não tivesse realmente aplicado tais verbas nas prestações que declara; ou aplicando-as, se a dominada não os utilizasse na sua atividade operacional, mas por exemplo, na satisfação ilícita de interesses de terceiro, em investimentos não empresariais, mas meramente privados. Mas a AT nada alega que possa incluir-se neste tipo de situações. Reconhece que as prestações foram realizadas e que a dominada utilizou o dinheiro na sua atividade, sem qualquer fraude ou intuito abusivo. Por todos estes motivos, os encargos financeiros suportados pela requerente cujo capital seja aplicado em prestações suplementares ou acessórias sem juros a favor de sociedades dominadas (de forma direta ou por quantificações proporcionais tal como sucede na Circular 7/2004) assumem-se como um custo fiscal, nos termos do art. 23.º do CIRC.” – fim de citação.
Assim, atendendo aos termos do decidido pelo Tribunal a quo, consideramos que o sobredito facto é um facto conclusivo, na medida em que encerra em si um juízo de valor, na medida em que constitui “uma conclusão a que se poderá chegar através da demonstração de outros factos” ou, ainda numa outra formulação, tal facto terá de ser apodado de conclusivo “porque encerra em si mesmo apenas a conclusão, quando deveria desdobrar-se numa multiplicidade de factos” – cfr. Helena Cabrita, (in “A Fundamentação de Facto e de Direito da Decisão Cível”, Coimbra Editora, 2015, pag. 107 e 108).
Com efeito, e como defende a Recorrente o Tribunal a quo “estribou-se exclusivamente neste facto, em concreto, para sustentar toda a sua posição quanto à dedutibilidade fiscal dos juros bancários suportados pela ora Recorrida”.
Assim, tratando-se de matéria conclusiva, nunca a mesma deveria ter sido reconduzida ao probatório, determinando-se a sua expurgação da matéria de facto.
Por outro lado, se do facto constasse tão só que “a [SCom01...] assumiu que os empréstimos concedidos se justificavam pelas relações especiais entre essas empresas”, este já não seria conclusivo, pois não encerraria em si a decisão da causa.
Nesta senda, concede-se provimento ao alegado e determina-se a eliminação do ponto 57. da matéria de facto dada como assente nos termos em que está redigido, passando dele a constar tão só o seguinte:
57) A [SCom01...] assumiu que os empréstimos concedidos se justificavam pelas relações especiais entre essas empresas.

2.2.5. Do erro de julgamento de direito

A Fazenda Pública alega que a decisão recorrida enferma de erro de julgamento de direito, por “errónea interpretação e aplicação do preceituado nos artigos 23.º do CIRC e 74.º da LGT, conducente à sua revogação, na parte referente às correções sobre os custos e perdas financeiras, no valor de €28.206,02, vertidas no ponto IV.2.1.2. do RIT”
Para tal, e suportada em jurisprudência sustenta que “tendo a AT questionado validamente a dedutibilidade fiscal dos custos suportados e, em sentido inverso, não tendo a Impugnante logrado comprovar ou esclarecer devidamente a indispensabilidade de tais custos, afigura-se-nos, com o devido respeito, que o Tribunal a quo laborou em erro de julgamento, conducente à revogação, na parte acima identificada, da douta sentença aqui recorrida”.
Vejamos.
Como decorria à data dos factos do disposto no artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas “1 - Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:
a) Encargos relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de fabricação, conservação e reparação;
b) Encargos de distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias;
c) Encargos de natureza financeira, como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de acções, obrigações e outros títulos e prémios de reembolso;
d) Encargos de natureza administrativa, tais como remunerações, ajudas de custo, pensões ou complementos de reforma, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida e operações do ramo «Vida», contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social;
e) Encargos com análises, racionalização, investigação e consulta;
f) Encargos fiscais e parafiscais;
g) Reintegrações e amortizações;
h) Provisões;
i) Menos-valias realizadas;
j) Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.”
Como ficou considerado no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 27.06.2018, processo n.º 1402/17 “o conceito de indispensabilidade dos custos, a que se reporta o art. 23º do CIRC refere-se aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das actividades decorrentes ao seu escopo societário. Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos, nomeadamente quando não apresentem qualquer afinidade com a actividade da sociedade, é que deverão ser desconsiderados”
Relativamente a esta questão a nossa jurisprudência tem entendido, que, à luz do artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, não são de considerar como fiscalmente relevantes os custos com juros e imposto de selo de empréstimos bancários contraídos por uma sociedade e aplicados no financiamento gratuito de sociedades suas associadas.
Neste sentido vide Acórdãos do STA de 07.02.2007, proc. nº 01046/05, de 20.05.2009, proc. nº 01077/08, de 30.11.2011, proc. nº 0107/11, de 30.05.2012, proc. nº 0171/11.
Mais recentemente, veja-se o decidido pelo STA no Acórdão de 8.11.2023, proc. 0411/16.0BEPNF ao ter considerado que a jurisprudência daquele Supremo Tribunal, somente abre excepção “para os casos em que estejam envolvidos empréstimos de uma SGPS às sociedades por si participadas, atento o respectivo objeto social”.
Assim, na senda desta jurisprudência, e retornando ao caso dos autos, i) não sendo a [SCom01...], SA uma SGPS, ii) não abrangida pelo regime de tributação de grupos de sociedade, iii) tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira constatado que a quota parte dos juros pagos não foi efectivamente utilizada para a manutenção dos meios indispensáveis à obtenção dos proveitos, mas sim encargos financeiros por si suportados com juros de empréstimos que revertem a favor de 3ºs, a quem concede empréstimos, nomeadamente às sociedades [SCom05...], SA e [SCom06...]. – S.G.P.S., SA, não podem ser considerados como custos fiscalmente dedutíveis, por não serem indispensáveis para a realização de proveitos da [SCom01...], SA ou para a sua manutenção como fonte produtora dos mesmos, nos termos do artigo 23º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas.
No mesmo sentido vide Acórdão do STA de 19.04.2017, proc. nº 0925/16.
Nesta senda, concede-se provimento ao recurso por ter o Tribunal a quo incorrido em erro de julgamento, resultante na sua revogação na questão atinente às correcções efectuadas ao nível dos custos financeiros de juros bancários suportados.

2.2.6 – Do conhecimento em substituição

O Tribunal a quo ao ter decidido pela procedência da impugnação, com base na possibilidade de dedução fiscal, não apreciou a questão que vem colocada nos artigos 213 a 221 da petição inicial.
Ora, como decorre do disposto no n.º 2 do artigo 665.º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 281º do Código de Procedimento e de Processo Tributário ”Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários”
Nesta medida, considerando que das questões colocadas no articulado inicial pela Impugnante, o Tribunal a quo não apreciou e decidiu da questão relativa à questão supra identificada e, uma vez que as partes já tiveram oportunidade de sobre as mesmas se pronunciarem ao longo dos autos, em cumprimento do normativo citado, constando dos autos todos os elementos necessários ao conhecimento de tal questão por este Tribunal, passamos a decidir em substituição.

2.2.6.1 Dos custos e perdas financeiras não dedutíveis fiscalmente nos termos do disposto no artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas

Invoca a Impugnante que o raciocínio da Autoridade Tributária e Aduaneira é incongruente e contraditório, pois teria que, num primeiro momento apurar os juros dos empréstimos bancários e depois apurar a diferença para acrescer ao rendimento, não podendo, face ao princípio da legalidade estipular a taxa de 7%.
Vejamos.
Como decorre do relatório do procedimento inspectivo, enunciado no ponto 23. da factualidade assente, constatou a Autoridade Tributária e Aduaneira que a [SCom01...], SA recorre a empréstimos bancários com pagamento de juros, sendo que, parte desses custos financeiros revertem a favor de terceiros, a quem concede empréstimos sem juros.
Assim, contrariamente ao que quer fazer crer a Impugnante, esta não cobra juros nos empréstimos que concede, por forma a que a Autoridade Tributária e Aduaneira estivesse obrigada a aferir da diferença dos juros que cobravam à Recorrente e dos juros que cobrou.
Acresce que, a Autoridade Tributária e Aduaneira calculou a parcela dos juros a acrescer nos exercícios de 2002, 2003 e 2004, aplicando aos montantes dos empréstimos concedidos pela [SCom01...], SA a taxa de juro legal em vigor em cada um desses anos estipulados ao abrigo da Portaria n.º 263/99 de 12.04, que fixou para 2002 a taxa anual dos juros legais em 7%, e ao abrigo da Portaria n.º 291/2003, de 8.04, que fixou para 2003 e 2004 a taxa anual dos juros legais em 4%.
Pelo exposto, improcede o alegado.
Invoca também a Impugnante que estando-se perante empresas relacionadas, com alçada nos preços de transferência, a correcção técnica deveria ter seguido, nessa parte a das relações especiais ao abrigo do artigo 58.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, onde o proveito a mais corrigido pela Autoridade Tributária e Aduaneira deveria ser simetricamente corrigido para menos na empresa relacionada.
A Fazenda Pública, em sede do recurso interposto, veio sustentar a improcedência do alegado.
Vejamos.
Dispunha à data dos factos o n.º 1 do artigo 58.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas que “Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.”
Este regime tem por objectivo evitar a manipulação da base tributável, através do aumento ou diminuição dos preços praticados entre sujeitos relacionados entre si, com o propósito de diminuir ou eliminar a tributação, estabelecendo-se na Lei requisitos cumulativos cuja verificação justifica que possam ser desencadeadas correcções ao lucro tributável declarado como decorre do preâmbulo da Portaria n.º 1446-C/2001 de 21 de Dezembro.
No caso presente, se bem percebemos o que a Impugnante alega, esta considera que a Autoridade Tributária e Aduaneira deveria ter aplicado o regime dos preços de transferência, corrigindo outrossim os proveitos, para menos, nas empresas relacionadas.
Ora, independentemente do acerto da Autoridade Tributária e Aduaneira na não aplicação deste regime, que não está colocado em causa pela Recorrente, a inexistência de correcção dos proveitos nas empresas relacionadas com a aqui Impugnante em nada interfere na legalidade das liquidações controvertidas e impugnadas, pois, tal omissão, a verificar-se, poderia quando muito afectar a legalidade das liquidações das empresas relacionadas, não conduzindo em hipótese alguma à anulação das sobreditas liquidações, como sustenta a Impugnante, razão pela qual também este fundamento da impugnação improcede.

***

Nos termos do disposto no artigo 663.º nº 7 do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário:

I. Quando a decisão proferida recaia apenas sobre a relação processual, forma-se caso julgado formal, cuja força obrigatória é apenas circunscrita ao processo – valor intraprocessual do caso julgado formal.
II. No processo tributário, a obrigação legal de que o juiz que presidiu às diligências de prova seja o juiz que elabora a sentença só se impõe em relação aos processos entrados em juízo após 17 de Novembro de 2019, data em que entrou em vigor a Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro.
III. A matéria de facto só deve integrar factos concretos e não formulações genéricas, de direito ou conclusivas, nomeadamente quando, por si só, traduzam uma afirmação ou uma valoração de facto que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta ou componente de resposta àquelas questões.
IV. A motivação do julgamento da matéria de facto tem como indicações normativas que o juiz analise criticamente as provas e indique os fundamentos decisivos da sua convicção.
V. Na tributação autónoma por verificação de despesas não documentadas, recai sobre a AT o ónus de comprovar que as despesas em questão ocorreram efetivamente e que o respetivo beneficiário não é conhecido, nem cognoscível.
VI. Na determinação da matéria colectável de um mesmo exercício, não existe qualquer impedimento legal a que a AT recorra, simultaneamente à avaliação directa e indirecta, uma vez que a contabilidade do sujeito passivo, para esse efeito, pode revelar-se insuficiente numa parte concreta e suficiente quanto ao demais.
VII. Quando a AT cumpre o ónus que sobre ela recai no sentido de formar a séria convicção sobre a existência do facto tributário não declarado com recurso a elementos suficientes, recai sobre o sujeito passivo de imposto o ónus de comprovar que as entradas de dinheiro não respeitam a proveitos omissos.
VIII. Ao abrigo do disposto no artigo 23.º do CIRC, não são de considerar como fiscalmente relevantes os custos com juros de empréstimos bancários contraídos por uma sociedade e aplicados no financiamento gratuito de sociedades 3ªas, quando não respeitem a empréstimos de uma SGPS às sociedades por si participadas, atento o respectivo objeto social.

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3 – Decisão

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em:
a) Negar provimento ao recurso interposto pela Recorrente [SCom01...], SA, e, em consequência, manter a sentença recorrida.
b) Conceder provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública e, em consequência, revogar a sentença recorrida na parte respeitante às correcções efectuadas ao nível dos custos financeiros de juros bancários suportados.
a) Em substituição, julgar improcedente a impugnação judicial, mantendo-se na ordem jurídica a liquidação impugnada relativa ao IRC do exercício de 2002, 2003 e 2004, na parte impugnada, isto é, quanto às correções aos custos e perdas financeiras, no valor de €28.206,02, vertidas no ponto IV.2.1.2. do Relatório de Inspeção Tributária.


Custas pela Recorrente [SCom01...], SA nesta instância, e, na 1ª instância, atento o decaimento, condena-se a Recorrente [SCom01...], SA em 95% e a Fazenda Pública em 5%, nos termos do disposto no artigo 7.º n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 16 de Janeiro de 2025


Virgínia Andrade
Paulo Moura
Conceição Soares