Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02378/23.9BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/19/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:RICARDO DE OLIVEIRA E SOUSA
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL;
ERRO MATERIAL;
EXIGÊNCIA REGULAMENTAR;
Sumário:
I. Os erros materiais ou de cálculo suscetíveis de retificação são apenas os emergentes do teor da própria declaração negocial e não confundíveis com o erro de obstáculo ou na declaração.

II. Sendo absolutamente seguro que a indicação de fornecimento de 500 exemplares de batas cirúrgicas para o tamanho L surge completamente desenquadrada, evidenciando um erro de escrita que se revela no próprio contexto da declaração através das particulares circunstâncias em que essa indicação é feita, deve concluir-se no sentido da admissibilidade de retificação da proposta à luz do disposto no artigo 249º do CC.

III. Pese embora a previsão regulamentar reclame a necessidade de fornecimento de batas cirúrgicas com a parte frontal da gola tricotada com 3 cores diferentes consoante os tamanhos apresentados [M, L, XL], deve admitir-se o recurso a variações tonais de uma mesma cor desde tal permita atingir o objetivo último que presidiu à necessidade de previsão de exigência - traduzido na necessidade de distinção e identificação dos tamanhos das batas cirúrgicas pela simples observação da gola tricotada.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos:
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I – RELATÓRIO

1. «AA», Autora nos presentes autos de AÇÃO ADMINISTRATIVA DE CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL em que é Entidade Demandada o CENTRO HOSPITALAR UNIVERSITÁRIO ... E.P.E., vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada nos autos, que julgou a presente ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a Entidade Demandada e a Contrainteressada do pedido.

2. Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)

1.º A recorrente está convicta que o ato de adjudicação tem de ser anulado por força do princípio da legalidade, seja porque:

a) Não houve qualquer lapso suprível pelo júri;

b) Se se entender que a contrainteressada apresentou batas com golas de cor azul, verde claro e verde escuro, a distinção material de tom e cor impede qualquer juízo de discricionariedade, estando-se perante um ato vinculado atentos os critérios de avaliação;

c) A recorrente nunca afirmou que as golas das batas propostas não são tricotadas, tendo de resto as mesmas três cores distintas;

d) A contrainteressada [SCom01...] apresentou um dispositivo médico que não está registado no INFARMED, em clara violação do Regulamento UE 2017/745 e do Caderno de Encargos.

2.º Em sede de petição inicial, a ora recorrente referiu que a contrainteressada [SCom01...] só apresentou proposta para o tamanho M e L.

3.º Mais entendeu a recorrente que, tendo em conta que se estava perante apenas um único lote, composto por três referências, se tinha de concluir que a contrainteressada violou um termo relativo à execução do contrato ao não indicar preço para o tamanho XL.

4.º Afirmou a autora que «não pode ser a impugnada, sob pena de violação do princípio da concorrência e do princípio da intangibilidade das propostas, a presumir que o terceiro preço diz respeito ao tamanho XL, ou até ao tamanho XXL»

5.º O tribunal recorrido sustentou a existência de um lapso manifesto – o que não se pode concordar.

6.º O júri não pode presumir que a concorrente queria indicar o tamanho XL quando também é plausível que a mesma indicasse o tamanho XXL – o que levaria à consequente exclusão da proposta por violar os termos a contratar.

7.º É precisamente neste sentido que o artigo 72.º, número 4 do Código dos Contratos Públicos possibilita a retificação do lapso material «desde que seja evidente para qualquer destinatário a existência do erro e os termos em que o mesmo deve ser corrigido.»

8.º A questão relevante será então a seguinte: tinha a [SCom01...] em mente a indicação do tamanho XL? Ou teria em mente a indicação do tamanho XXL? Não verdade, as duas opções são possíveis.

9.º Nestes termos, por não ser evidente os termos em que o erro deveria ser corrigido, tem de se concluir que a proposta da contrainteressada deve ser excluída, por força do artigo 70.º, número 2, alínea a) do Código dos Contratos Públicos.

10.º Em sede de petição inicial, a ora recorrente referiu que a proposta da contrainteressada [SCom01...] deveria ter sido avaliada com 0 pontos na valia técnica C4 por terem sido propostas 2 cores de golas (azul e verde) e não 3 cores de golas como previa a grelha de avaliação - tal argumentação da ora recorrente partiu da análise da ficha técnica da [SCom01...].

11.º O tribunal recorrido entendeu que se estava perante um ato discricionário, pelo que se o júri entendeu que as golas verde claro e o verde escuro permitem a identificação dos tamanhos em causa, então a separação de poderes impede que por atos jurisdicional se coloque em causa tal discricionariedade.

12.º Não se pode concordar tal posição porque se entende que não se está perante um ato discricionário, mas estritamente vinculado.

13.º A grelha de avaliação prevê na valia técnica C4, a existência de «gola tricotada em cores diferentes (…). 3 cores».

14.º A regra de avaliação em concreto caracteriza-se por ter um conteúdo vinculado, tendo por base (1) a previsão de gola tricotada, (2) em 3 cores diferentes.

15.º Se cumprir com este critério cumulativo, a consequência vinculada há-de ser «cumpre», traduzida em 3 pontos; não cumprido, a consequência há-de ser «não cumpre», efetivada com 0 pontos de avaliação.

16.º Quer isto dizer que não se está perante qualquer ato discricionário, porque a administração não tem autonomia para decidir o que são 3 cores de golas, ou o que é uma gola tricotada – ou a proposta cumpre ou não cumpre, ou tem 3 pontos ou tem 0 pontos.

17.º Ora, sendo um ato vinculado, então terá de se analisar se a proposta da [SCom01...] comporta 3 cores – e não comporta.

18.º A existência de dois tons de verde não permite concluir que se trata de duas cores, mas apenas de uma.

19.º A cor é mais ampla, enquanto a tonalidade é mais específica, referindo-se a variações de luz dentro de uma cor.

20.º A contrainteressada [SCom01...] apresentou uma proposta apenas com duas cores de golas, pelo que o subfator em causa deveria estar avaliado em 0 pontos.

21.º Por outro lado, ainda que se entenda que se está perante um ato de avaliação discricionário, sempre se dirá que o poder discricionário não deixa de ter fundamento legal e de ser jurisdicionalmente apreciável, designadamente em sede de respeito pelo princípio da igualdade.

22.º Ora, ao entender-se que uma proposta com dois tons de verde configura duas cores distintas, está-se a estabelecer uma distinção face à proposta da ora recorrente, que indicou claramente três cores distintas de golas e que, por isso mesmo, terá custos superiores à [SCom01...], que apresenta tons diferentes da mesma cor.

23.º É, afinal, um tratamento distinto, sem qualquer motivo razoável que o justifique – o que configura a violação do princípio da igualdade de tratamento das propostas dos concorrentes.

24.º Tendo por assente que (1) o objeto do pedido é a pretensão anulatória do ato de adjudicação, (2) que o presente recurso jurisdicional tem uma natureza substitutiva, (3) que o artigo 95.º, número 3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos impõe o conhecimento de outros motivos de invalidade não alegados pelas partes, e (4) que a função administrativa está sujeita ao respetivo pelo princípio da legalidade, requer-se ainda o conhecimento do referido neste ponto.

25.º Não há um único documento da proposta da RECORRENTE em se refira que não propõe golas tricotadas.

26.º Assim, sem demais considerações, o princípio da legalidade impõe que a proposta da recorrente, em relação à valia técnica C4, seja avaliada com 3 pontos.

27.º Tendo por assente que (1) o objeto do pedido é a pretensão anulatória do ato de adjudicação, (2) que o presente recurso jurisdicional tem uma natureza substitutiva, (3) que o artigo 95.º, número 3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos impõe o conhecimento de outros motivos de invalidade não alegados pelas partes, e (4) que a função administrativa está sujeita ao respetivo pelo princípio da legalidade, requer-se ainda o conhecimento do referido neste ponto.

28.º Nos termos do ponto 2.7 do Programa do Procedimento, os concorrentes tinham de indicar o Código CDM e NPDM dos produtos.

29.º Numa palavra: das batas em causa, sendo dispositivos médicos, tinham de estar devidamente codificadas em processo próprio junto do IINFARMED, IP, cuja prova devia ser feita por certidão.

30.º Tendo em conta esta codificação administrativa, a [SCom01...] juntou Documento comprovativo da Certificação CE e Registo CDM, verificando-se que o registo CDM tem o número ...50.

31.º Mais juntou a respetiva nota técnica, onde se verificam 4 tamanhos e três cores.

32.º Feita a busca no sítio do INFARMED, IP, pelo CDM ...50, verifica-se que a rotulagem é datada de 19-06-2020 (a mesma que foi apresentada pela [SCom01...]).

33.º Porém, a nota técnica que foi registada no INFARMED, com data de revisão de 20-04-2020 (mesma data da nota apresentada no concurso) é diferente da que a [SCom01...] apresentou no concurso.

34.º O CDM proposto no concurso tem 3 cores: azul, verde e vermelho; já o CDM registo no INFARMED tem quatro cores: azul, verde escuro, lilás e vermelho.

35.º No caso, verifica-se que as características do dispositivo médico proposto no concurso são diferentes das características registadas no INFARMED.

36.º Numa palavra: o dispositivo médico proposto não corresponde ao CDM registado no INFARMED.

37.º Assim, o dispositivo proposto não está registado no INFARMED.

38.º Verificando-se que o dispositivo médico proposto não corresponde ao CDM registado no INFARMED e que por isso o dispositivo proposto não está registado no INFARMED, a proposta da [SCom01...] tem de ser excluída por força do artigo 70.º, número 2, alínea f) do Código dos Contratos Públicos e por violar o programa do procedimento (…)”.


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3. Notificado que foi para o efeito, o Recorrido apresentou contra-alegações, que rematou da seguinte forma: “(…)

A sentença recorrida não merece qualquer censura; bem pelo contrário, por enfrentar, com proficiência e apoio jurisprudencial a análise e conhecimento das matérias suscitadas no objeto inicial do processo (aquele fundamento principal alegadamente causal de exclusão da proposta e o relativo à questão da preterição do número de cores), merece manter-se incólume;

Com efeito, o “iter cognoscitivo” e fundamentador da douta sentença bem como o seu sentido decisório, apoiado doutrinária e jurisprudencialmente, patenteia um claro enfrentamento racional e jurídico do objeto inicial da causa;

Estando totalmente, como se evidencia, quanto ao primeiro dos fundamentos da causa de pedir, em harmonia com a aplicação do sentido e densidade da norma do artigo 74º/4 do CCP ao estabelecer que «o júri procede à retificação oficiosa de erros de escrita ou de cálculo contidos nas candidaturas ou propostas, desde que seja evidente para qualquer destinatário a existência do erro e os termos em que o mesmo deve ser corrigido.»

Acrescendo, como sublinha a sentença recorrida, que «No âmbito concursal, os juízos de avaliação de critérios técnicos constituem uma «zona discricionária» que não pode ser totalmente aberta ao controlo jurisdicional. A intervenção neste caso dos tribunais deverá ser circunscrita às situações de erro grosseiro, manifesto e palmar, caso em que se reconheça que a intervenção da Administração sofreu de um evidente e grave desajustamento face à situação concreta.”.» (do Acórdão do Venerando TCAN, de 28-09-2018, proc n.º 00495/17.3BEVIS - www.dgsi.pt.)

Finalmente, as circunstâncias intrínsecas à orientação da sentença recorrida, como contrafactuais, confirmam o seu acerto e merecimento: i) foi apresentada uma proposta válida e sobre a qual emitida valoração técnica e foi proferido o ato de adjudicação impugnado, e ii) a autora impugnou e recorre, com a devida vénia, e na presente instância, manifestamente sem fundamento, procurando do efeito suspensivo legalmente previsto;

Ao decidir como o fez, não merece a douta sentença recorrida qualquer reserva, devendo manter-se como tal em conformidade com o Direito! (…)”.


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4. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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5. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito vertido no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.

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6. Cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

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II– DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR

7. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

8. Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a saber se o despacho saneador-sentença enferma de erro de julgamento de direito, por (i) violação do princípio da igualdade de tratamento das propostas dos concorrentes, bem como por (ii) ofensa do preceituado no artigo 70.º, número 2, alínea f) do Código dos Contratos Públicos.

9. É na resolução de tal questão que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.


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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

10. A matéria de facto pertinente é a dada como provada na sentença «sub censura», a qual aqui damos por integralmente reproduzida, como decorre do art.º 663º, n.º 6, do CPC.


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IV- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO

11. A Autora, aqui Recorrente, intentou a presente ação de contencioso pré-contratual, tendo formulado o seguinte petitório: “(…) NESTES TERMOS, Deve julgar-se a presente ação ser julgada procedente e em consequência ser anulada a decisão adjudicação, juntamente com o reposicionamento da autora em primeiro lugar (…)”.

12. Substanciou tais pretensões, brevitatis causae, no entendimento, por um lado, de que a proposta apresentada pelo concorrente [SCom01...], S.A. [contrainteressada nos presentes autos e doravante [SCom01...]] no âmbito do Concurso Público nº ...23 para a aquisição de Batas cirúrgicas reutilizáveis não deveria ter sido avaliada com 3 pontos na valia técnica C4, já que só apresenta preços em relação a duas cores, não cabendo à Impugnada presumir, alterar e completar a proposta da CI, tendo em conta os critérios de avaliação e as possibilidades técnicas que cabem na ficha técnica, e, por outro, que, com alteração da avaliação do subfator C4, a sua proposta é classificável em 1º lugar, atendendo que apresentou o preço mais baixo, devendo, por isso, ser-lhe adjudicado o procedimento concursal visado nos autos.

13. O T.A.F. do Porto, como sabemos, não validou este entendimento, tendo julgado improcedente a presente ação, em consequência do que absolveu a Entidade Demandada e a Contrainteressada do pedido.

14. Retenhamos o sentido da decisão do T.A.F. do Porto expresso no seguinte excerto: ”(…)

Peticionou a Autora no presente processo de contencioso pré-contratual que seja “anulada a decisão [de] adjudicação, juntamente com o reposicionamento da autora em primeiro lugar”.

Pese embora não tenha formulado (pelo menos de forma expressa no petitório), um pedido de exclusão da proposta da CI [SCom01...], S.A., a verdade é que, atenta a causa de pedir vertida na petição, a Autora funda este seu pedido de anulação do ato de adjudicação do Concurso à proposta da CI [SCom01...], S.A., desde logo, no entendimento de que “a proposta da contrainteressada deve ser excluída, por força do artigo 70.º, número 2, alínea a) do Código dos Contratos Públicos”.

Isto porque, de acordo com o alegado pela Autora, de acordo com o Caderno de Encargos, a Entidade Adjudicante, ora Entidade Demandada, pretende a aquisição de batas 1 250 batas cirúrgicas do tamanho M, 2 500 batas cirúrgicas do tamanho L e 500 do tamanho XL, sendo que a CI [SCom01...], S.A. só apresentou proposta para o tamanho M e L; que tendo em conta que se está perante apenas um único lote, composto por três referências, tem de se concluir que a CI violou um termo relativo à execução do contrato ao não indicar preço para o tamanho XL, razão pela qual tinha esta proposta da CI de ser excluída deste Concurso, por força do artigo 70.º, número 2, alínea a) do Código dos Contratos Públicos.

Mas este é um entendimento que não pode ser acolhido por este Tribunal.

Vejamos porquê.

Como se extrai da matéria de facto coligida nesta ação, no caso, estamos perante um procedimento concursal promovido pelo CENTRO HOSPITALAR UNIVERSITÁRIO ..., E.P.E., ora ED, designado por “Concurso Público nº ...23” para a aquisição de “Batas cirúrgicas reutilizáveis”.

Ora, de acordo com o ponto 1.1. do PP, este Concurso Público tem por objeto a aquisição de 4.250 unidades de batas cirúrgicas reutilizáveis com rastreabilidade por sistema de RFID para um período de 29 meses.

Sendo que o PP nos diz é que o critério de adjudicação vem definido e densificado no ponto 3. do CE,

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

E no ponto 2. do CE definem-se as regras relativas à “Posição a concurso, Quantidades e Preço base”, segundo o qual, a avaliação das propostas será feita para o lote a concurso, em que o valor máximo do procedimento corresponde a € 208.250,00 (+ IVA), para a aquisição das tais 4.250 batas cirúrgicas reutilizáveis com rastreabilidade por sistema de RFID.

Determina-se, ainda, nesse ponto do CE que as propostas que apresentem preços superiores ao preço base unitário mencionado no CE para cada uma das posições serão automaticamente excluídas, como serão igualmente excluídas as propostas que não cumpram os “requisitos obrigatórios” para o lote.

No ponto 2.1. do CE identifica-se o lote e as posições a Concurso do seguinte modo:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

E, de seguida, nesse mesmo ponto do CE, definem-se os tais “requisitos obrigatórios” para o lote, conforme se mostram listados na alínea C) do probatório.

Voltando ao PP. Estabelece-se no seu ponto 2.7, sob a epígrafe “Elementos da Proposta” que da mesma devem constar todos os elementos necessários à aplicação dos critérios de avaliação das propostas, devendo ser elaboradas tendo em conta, no que ora releva, a componente económica: o preço unitário, sem IVA; e o valor global da proposta, sem IVA.

No caso, foram apresentadas quatro propostas a este Concurso, de entre as quais constam as propostas da Autora e da CI.

E, conforme se retira da alínea E) do elenco da matéria de facto provada, a proposta da CI [SCom01...], S.A. integra um documento designado “Proposta Comercial nº ...06”, cujo teor, por razões de economia, se deu por integralmente reproduzido naquela alínea E) do probatório, de que se extrai o seguinte:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

De facto, o que se verifica pela análise deste documento que integra a proposta da CI [SCom01...], S.A. é que para a posição 3, na “descrição” do artigo, é referido nesta proposta da CI “[SCom02...] - Bata Cirúrgica Reutilizável Verde - Tamanho L”, para uma quantidade 500, em que propõe o valor unitário de € 45,16, o que perfaz o valor global de € 22.580,00.

Mas a metodologia que foi seguida pela CI na elaboração da sua proposta torna claro e evidente que a indicação de “Tamanho L” constitui um lapso manifesto.

Desde logo, basta começar por observar que a CI indicou os preços unitários por posição, 1, 2 e 3, fazendo corresponder cada posição à indicação das respetivas quantidades, justamente as posições e quantidades que se encontram previstas no ponto 2.1. do CE, em que ao tamanho L corresponde a quantidade de 2.500 e ao tamanho XL a quantidade de 500, tal qual proposto pela CI.

Por outro lado, na posição 2, na “descrição” do artigo, também é referido nesta proposta da CI “[SCom02...] - Bata Cirúrgica Reutilizável Verde - Tamanho L”.

Está claro que só por erro é que se concebe que a CI poderia indicar, como indicou, para a posição 3. “Tamanho L”, com a quantidade de 500, quando antes acabara de escrever para a posição 2. também o “Tamanho L”, para a quantidade de 2.500.

Sobretudo quando, é certo, a indicação do tamanho (que era um elemento concursal fechado a que os concorrentes apenas tinham de aderir) não tem qualquer impacto para o preço unitário proposto pela CI.

À luz das regras da experiência comum, não faz qualquer sentido que alguém, como a CI, concorra a um determinado procedimento concursal, em cuja proposta escreve, a respeito da posição 2. o “Tamanho L”, para a quantidade de 2.500, e depois na posição seguinte, a 3., volte a escrever “Tamanho L”, para a quantidade de 500, quando a exigência do CE, para essa posição 3. e quantidade 500, era o “Tamanho XL”, e, como referido, a indicação do tamanho não tem qualquer influência no preço unitário proposto, que é exatamente o mesmo, independentemente do tamanho.

“É que, se assim fosse, seria caso para dizer que, quem procede nesses moldes não apenas pode esperar, como até deseja, o que é absurdo, ser imediatamente excluído do procedimento concursal a que está a concorrer e que lhe demanda custos e trabalhos acrescidos.

15.8. Para se concluir pela ausência de um “lapsus calami” forçoso seria admitir que a Apelante é pessoa destituída de qualquer razoabilidade mínima e de senso prático, dispondo-se a concorrer, com os inerentes custos e trabalhos que tal implica, e que tudo fez para ser eliminada ab initio desse concurso, e para se chegar a uma tal conclusão teria ainda de se obter respaldo dessa indicação em qualquer outro documento que revelasse não se tratar de um erro de escrita”.

15.9. Ora, porque a Autora é uma sociedade comercial que, por isso, visa obter lucro, para o que procura certamente o máximo de trabalhos a serem-lhe adjudicados de acordo com o que a sua capacidade lhe permitirá executar, naturalmente que a mesma não age no trafico jurídico e comercial destituída de senso prático, apresentando propostas onde depois de enunciar o que é requisito exigido pela Entidade Adjudicante para que possa ver a sua proposta admitida, propõe coisa diversa, para ser imediatamente excluída. Uma tal atuação seria totalmente contraria ao escopo que prossegue. (…)

16.8. Para este raciocínio que efetuamos, encontramos apoio na jurisprudência que o STA prolatou no já citado Acórdão do STA, proferido no processo n.º 0407/13, de 20/06/2013, onde se escreveu que: «[…] Está adquirido que a menção «600x600» adveio de «lapso». Trata-se, aliás, de um erro ou lapso notório e evidente, pois a referida expressão, aposta a propósito de uma especificação técnica a que a proponente deveria aderir – sob pena de negar, «ipso facto», essa sua qualidade – carece de um qualquer significado declarativo.

Isto mostra que a menção «600x600» se apresentava como um erro de escrita revelado no próprio contexto da declaração e, inclusivamente, através das circunstâncias em que ela foi feita. Portanto, o mencionado «lapsus calami» era perfeitamente integrável na previsão do art. 249º do Código Civil. Ora, esta norma acolhe e exprime um princípio geral de direito, aplicável a todos os erros de cálculo ou de escrita juridicamente relevantes, o qual permite a retificação desses lapsos desde que sejam ostensivos, ou seja, conhecidos do declaratário – o que, aliás, surge na linha da solução prevista no art. 236º, n.º 2, do Código Civil. «In casu», não só era manifesto que a recorrente, ao escrever «600x600» a propósito da especificação técnica, cometera um erro de escrita, mas também era óbvio o que, na vez dessa menção, ela pretendera escrever – pois, já que se apresentava como proponente, haveria necessariamente de querer aceitar a especificação. Portanto, o júri do concurso não estava limitado à certeza de que a proponente errara na sua declaração, continuando todavia a ignorar qual a vontade real ocultada sob a afirmação exprimida – hipótese em que a retificação desta seria inadmissível. Ao invés, o júri conhecia, ou devia conhecer dadas as circunstâncias do caso, aquela vontade real, como acima já salientámos; e, perante este estado de coisas, o júri não podia obstar a que a proponente exercesse o «direito à retificação» previsto no art. 249º do Código Civil.

Assim, e à luz deste preceito de aplicação universal, que incorpora uma regra de bom senso, o júri do concurso, perante aquele ostensivo erro de escrita, localizado na proposta da recorrente dirigida ao lote 4, devia ter admitido a respectiva correção, abstendo-se de propor a exclusão depois acolhida pelo acto. E este «modus faciendi» não era recusado pelas regras e princípios por que se regem os concursos do género. É que a singela retificação de um erro evidente – sabendo-se o que devia estar na vez da declaração errada – não contende com a estabilidade das propostas, nem afeta a concorrência, nem absurdamente envolve a dedução de uma qualquer proposta variante. Com efeito, corrigir um lapso é colocar «in situ» o que se sabe que lá estaria «ab initio», não fora o erro cometido. E, desde que o processo retificador se faça com plena segurança, o seu resultado nenhuma inovação traz – a não ser no que toca à supressão da anomalia; pois, e no fim de contas, limita-se a restituir o escrito, v.g., a proposta, à sua verdade original. Portanto, a recorrente tem razão quando censura o acto impugnado por haver excluído a sua proposta ao lote 4 em vez de aceitar a retificação dela, no ponto referido. Esta certeza, ao esgotar o problema, torna despiciendo apurar se o júri devia ter solicitado esclarecimentos sobre esse segmento da proposta. Donde se segue a necessidade de revogar o aresto recorrido e de fazer ressurgir a pronúncia anulatória emitida pelo TAF de Lisboa.»” - cf. Acórdão do TCAN, de 17-11-2023, p. n.º 118/23.1BECBR, www.dgsi.pt.

Portanto, em relação a este aspeto, temos como certo que qualquer pessoa confrontada com o teor literal da proposta redigida nos termos sobreditos, bem como com todo o contexto em que a declaração foi produzida, a leitura que dela faz é a de que a CI incorreu num lapso manifesto ou “lapsus calami” ao escrever na descrição do artigo relativo à posição 3., para a quantidade 500, “Tamanho L” (“Tamanho L” também indicado na posição 2., imediatamente anterior, para a quantidade de 2.500), quando o que resulta da tabela do artigo 2.1. do CE, para a posição 3. e para a quantidade 500, a indicação do “Tamanho XL”.

Sendo que, neste concurso em concreto, o júri teve oportunidade de confirmar aquando da apreciação das fichas técnicas, como ainda, da análise das amostras apresentadas pela CI (que segundo o júri se encontram em conformidade com as fichas técnicas) a proposta pela CI dos três tamanhos, M, L, e XL, como se extrai da fundamentação vertida pelo júri no relatório final de apreciação das propostas.

E se é “ostensivo e se é absolutamente seguro o que, na vez do que aí se escreveu, se pretendera escrever, deve o júri aceitar a retificação da proposta à luz do princípio geral de direito acolhido no referido art. 249.º do Código Civil, abstendo-se de propor a exclusão dela, sem que isso viole os princípios da estabilidade das propostas ou da concorrência” (cf. ac. do TCAN, de 06-12-2012, P. 02363/12.6BELSB, www.dgsi.pt).

Neste mesmo sentido, escreveu-se no Acórdão do TCAN, de 29-11-2019, Processo n.º 00873/19.3BELSB, disponível para consulta em www.dgsi.pt “(…) Efetivamente, perante a deteção de erros de cálculo, escrita ou outros constantes de proposta concursal, facilmente compreensíveis como tais no contexto da declaração ou das circunstâncias em que foi efetuada, o júri/entidade adjudicante deve proceder oficiosamente à sua correção, abstendo-se de a excluir a candidatura correspondente procedimento concursal. (…)”. E, nesta linha, como se decidiu no Acórdão do TCAN, de 15/07/2015, P. n.º 00301/14.0BEPNF, a tal relevância do erro “não obs[tam] os princípios da intangibilidade das propostas ou da concorrência já que o exercício do poder/dever em causa se destina a restituir a proposta à sua verdade original”.

Pelo que não tinha o júri (nem a entidade adjudicante) qualquer fundamento sustentado na lei ou nas regras concursais que lhe permitisse propor a exclusão (e excluir) da proposta da CI neste domínio.

Pelo que a presente ação, com este fundamento (principal), não pode proceder.

Alega ainda a Autora nos artigos 7.º e 8.º da sua petição que “Subsidiariamente, entende que a avaliação efetuada pelo júri viola os critérios previstos no procedimento concursal; e que a proposta da ora contrainteressada deveria ter sido graduada em segundo lugar e, por sua vez, a proposta da impugnante deveria ter sido graduada em primeiro lugar”.

Depreende-se, portanto, desta causa de pedir que é a título subsidiário (portanto, apenas no caso de o Tribunal entender que a proposta da Autora não deveria ser excluída deste Concurso) que a Autora pretende que o Tribunal aprecie esta questão sobre a avaliação da proposta da CI [SCom01...], S.A.

Mantendo-se a proposta da CI [SCom01...], S.A. no concurso, pelas razões acima expostas, cumpre agora aferir se a avaliação efetuada pelo júri à proposta da CI viola os critérios previstos no procedimento concursal, como invoca a Autora na petição, o que deveria ter determinado que tal proposta da CI fosse graduada em segundo lugar.

Com efeito, neste conspecto alega a Autora que face aos documentos juntos pela CI na sua proposta, a mesma não deveria ter sido avaliada com 3 pontos na valia técnica C4, pois o subfator de avaliação C4 implica a apresentação de uma proposta com 3 cores «para identificação dos vários tamanhos» e que a CI apresentou uma proposta em que apresenta batas somente com duas cores – azul e verde.

Argui a Autora que apurada a ficha técnica há até 3 cores possíveis – azul, verde e vermelho: [Imagem que aqui se dá por reproduzida]

E, segundo a Autora, o que fez a ED “foi afastar a cor vermelha e escolher as outras duas cores – azul e vermelho” e que, subsequentemente, pontuou a sua própria escolha, atribuindo 3 pontos ao subfator em causa.

Defende a Autora que a Entidade Adjudicante, ora ED, mistura o conceito de cor e o conceito de tom, sendo que a cor se refere à propriedade física da luz, enquanto a tonalidade descreve a variação de uma cor específica de acordo com a luz precisamente nos termos que a padronização internacional, ISO 12637-2:2008, 2.132, que se refere ao conceito de tom - graduação de luz numa área; que a existência de dois tons de verde na ficha técnica não traduz numa proposta composta por três cores – verde escuro e verde só traduz uma cor, com duas variações de luz ou tons.

Mas esta pretensão da Autora tem de claudicar.

É o seguinte o teor do subfator de avaliação C4, incluído no fator valia técnica do lote:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

Portanto, objeto de avaliação neste subfator seria: “parte frontal central da gola tricotada, em cores diferentes para identificação dos vários tamanhos. 3 cores”.

Esta questão foi suscitada pela Autora em sede de audiência prévia e este é o discurso fundamentador do júri, na parte que releva:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

Ou seja, o júri refere que a concorrente [SCom01...] apresentou uma ficha técnica com 3 cores diferentes e que permitem com clareza distinguir os tamanhos, identificando o Tamanho M - Azul; o Tamanho L - Verde Escuro; e o Tamanho XL - Verde.

E refere ainda o júri que as amostras apresentadas por esta concorrente estão de acordo com a ficha técnica submetida, cumprindo a identificação das 3 cores referentes aos 3 tamanhos que constam do CE.

A Autora, com o seu argumentário (que é basicamente o mesmo que por ela foi evidenciado em sede de audiência dos interessados e que, como referido, não foi acolhido pelo Júri), não demonstra que o júri incorreu em qualquer erro palmar ou ostensivo com esta sua apreciação.

É na avaliação dos fatores que intervém por excelência o momento de discricionariedade ou de exercício de poderes discricionários, em que, portanto, o júri goza de discricionariedade avaliativa, que, em princípio, é insindicável pelos tribunais, e que só merecerá censura perante um erro grosseiro.

Sendo que, como é consabido, «constitui “erro grosseiro” ou “erro manifesto” aquele erro crasso, palmar, ostensivo, que terá necessariamente de refletir um evidente e grave desajustamento da decisão administrativa perante a situação concreta, em termos de merecer do ordenamento jurídico uma censura particular mesmo em áreas de atuação não vinculadas» (sublinhado nosso, cf. Ac. do STA, de 20-10-2016, P. n.º 01472/14, www.dgsi.pt).

E, como referido, não pode este Tribunal afirmar que, no caso, ocorre tal erro crasso, palmar, ostensivo, evidente, quanto à avaliação da proposta da CI nesse subfator.

Desde logo, a questão dos tamanhos que foram propostos pela CI [SCom01...] já está aqui ultrapassada, remetendo-se para tudo quanto acima foi exposto a propósito deste tema. Portanto, ao contrário do que a Autora sustenta, o júri não “pontuou a sua própria escolha” e muito menos o que fez foi “afastar a cor vermelha e escolher as outras duas cores – azul e vermelho” (que se pensa, pelo contexto da declaração, que a Autora queria dizer “azul e verde”).

O júri - a quem cabe, prima facie, a tarefa de análise e avaliação das propostas - o que fez foi ponderar a questão suscitada pela Autora e pronunciar-se pela conformidade da proposta da CI, no sentido de que uma proposta com o Tamanho M - Azul; o Tamanho L - Verde Escuro; e o Tamanho XL - Verde, corresponde a “cores diferentes para identificação dos vários tamanhos. 3 cores”.

E tendo em conta que não se retira deste descritivo uma expressa exigência de compromisso dos concorrentes específico quanto a determinadas e concretas cores a que os mesmos se tinham de se vincular (o que permite uma maior amplitude na interpretação desta exigência), que a amplitude do conceito do termo «cor» (e as suas diferentes tipologias) que é percebida através da visão, pode incluir uma variação de cores (onde se inclui o «verde», mas também o «verde escuro»), norteado pela finalidade (material) da exigência, a tal “identificação dos vários tamanhos”, cremos que é lógico e racional aceitar, como fez o júri (ancorado pela análise das amostras apresentadas pela CI, onde foi possível confirmar a identificação e a diferenciação das cores por tamanho das batas), como “cores diferentes”, o azul, o verde escuro e o verde.

Acolhe-se, por isso, a fundamentação do Acórdão do TCAN, de 28-09-2018, proferido no processo n.º 00495/17.3BEVIS, disponível para consulta em www.dgsi.pt, segundo a qual “No âmbito concursal, os juízos de avaliação de critérios técnicos constituem uma «zona discricionária» que não pode ser totalmente aberta ao controlo jurisdicional. A intervenção neste caso dos tribunais deverá ser circunscrita às situações de Erro grosseiro, manifesto e palmar, caso em que se reconheça que a intervenção da Administração sofreu de um evidente e grave desajustamento face à situação concreta.”.

O juízo em causa, atinente à avaliação deste subfator, recai, pois, na esfera da margem da apreciação técnica da entidade adjudicante, pelo que é de julgar improcedente a pretensão da Autora quanto à atribuição de zero pontos neste subfator C4 à proposta da CI.

Nesta conformidade, a presente ação terá de improceder totalmente (…)”.

15. Sintetizando a motivação de direito que se vem de transcrever, dir-se-á que o juízo de improcedência da presente ação mostra-se estribado no entendimento, prima facie, de que a menção também do “Tamanho L” para o fornecimento de 2.500 de batas cirúrgicas adveio de um erro de escrita perfeitamente integrável na previsão do art. 249º do Código Civil, o qual permite a retificação do mesmo sem que isso viole os princípios da estabilidade das propostas ou da concorrência e, secunda facie, que (ii) o júri não incorreu em qualquer erro palmar ou ostensivo ao declarar a conformidade da proposta da CI, no sentido de que uma proposta com o Tamanho M - Azul; o Tamanho L - Verde Escuro; e o Tamanho XL - Verde, corresponde a “cores diferentes para identificação dos vários tamanhos. 3 cores”, pois que a normação contida nas peças concursais não encerra uma exigência de compromisso dos concorrentes específico quanto a determinadas e concretas cores a que os mesmos se tinham de se vincular.

16. Vem agora a Recorrente, por intermédio do recurso sub juditio, colocar em crise a decisão judicial assim promanada.

17. Realmente, a Recorrente clama que a proposta apresentada pela contrainteressada [SCom01...] não integra qualquer lapso suprível pelo júri concursal, pelo que a mesma devia ter sido excluída, por força do artigo 70.º, número 2, alínea a) do Código dos Contratos Públicos.

18. Outrossim, clama ainda que a verificação da conformidade da proposta da contrainteressada [SCom01...] no tocante à previsão regulamentar da “(…) parte frontal da gola tricotada em cores diferentes dos vários tamanhos. 3 cores (…) ” integra um ato vinculado e não um ato discricionário, devendo entender-se que “(…) a contrainteressada apresentou uma proposta apenas com duas cores de golas, pelo que o subfator em causa deveria estar avaliado em 0 pontos (…)”.

19. Mais apregoa que a Recorrente não apresentou golas tricotadas, de modo que se impunha, por respeito ao princípio da legalidade, que a proposta da Recorrente, em relação à valia técnica C4, fosse avaliada com 3 pontos.

20. Derradeiramente, aduz que o dispositivo médico proposto pela contrainteressada [SCom01...] não está registado no Infarmed, em clara contravenção da normação contida nas peças concursais, devendo, por isso, ter sido excluída por força do artigo 70.º, número 2, alínea f) do Código dos Contratos Públicos.

21. Espraiadas as considerações pertinentes da constelação argumentativa da Recorrente, adiante-se, desde já, que a razão não está do seu lado.

10. Na verdade, com reporte ao primeiro esteio argumentativo, impera que se comece por sublinhar que, nos termos do artigo 249º, nº.1 do C.C., o simples erro de escrita ou de cálculo, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à retificação desta.

11. Na interpretação desta normação, deve-se necessariamente convocar os contributos jurisprudenciais emanados a seu propósito.

12. Assim, impera ressaltar o teor da jurisprudência emanada pelo S.T.A., no aresto de 21.05.2020, tirado no processo nº. 015/19.5BALSB, onde se expendeu o seguinte:”(…)

«I - O artigo 249.º do Código Civil diz apenas respeito aos lapsos de escrita manifestos, ou seja, aqueles que se identifiquem como erro mecânico de escrita pelo e no contexto da declaração.

II - Os erros de escrita não se confundem com o erro na declaração ou erro obstáculo que ocorre quando, por inadvertência, engano ou equívoco, a vontade declarada não corresponde à vontade real do autor.

III - Se as circunstâncias em que a declaração é efetuada não revelam a evidência do erro e, pelo contrário, permitem a dúvida, não há lugar a retificação do mesmo. (…)”.

13. Reiterando esta linha jurisprudencial, tem-se, portanto, por assente, que a correção dos erros materiais ou de cálculo passíveis de retificação circunscreve-se estritamente àqueles que emergem do próprio conteúdo substantivo da declaração negocial em causa.

14. Convém sublinhar que tais equívocos não devem ser confundidos com os erros de obstáculo ou com deficiências na formulação da declaração em si, uma vez que estes últimos não se enquadram no âmbito da possibilidade de retificação.

15. Impõe-se que, logo à leitura do articulado da proposta, se logre percecionar inequivocamente a existência de lapso ou inexatidão, alcançando-se sem margem para dúvidas o sentido pretendido pelo proponente, ainda que tal não tenha sido expressado com a devida propriedade terminológica.

16. A clareza expositiva deverá ser de tal forma prístina que quaisquer deficiências redacionais sejam prontamente detetáveis, permitindo que o cerne da pretensão transcenda as limitações formais da sua exposição.

17. Neste enquadramento, não sentimos hesitação em assumir que, em ordem a poder-se concluir no sentido da existência de um erro material na proposta da contrainteressada quanto à indicação do tamanho reportado ao fornecimento de 500 batas cirúrgicas, necessário se torna[va] a aquisição da evidência sustentada de que menção do Tamanho L também para o fornecimento de 500 de batas cirúrgicas revela de forma clara a existência de um “lapsus calami” na sua elaboração.

18. Ora, é nosso entendimento que tal representação é perfeitamente extraível da proposta apresentada pela referida concorrente.

19. Efetivamente, no ponto 2.1. do CE identifica-se o lote e as posições a Concurso do seguinte modo:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

20. A concorrente [SCom01...] afirmou na sua proposta o seguinte:”(…)

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

21. Como se observa da proposta da concorrente [SCom01...], existe uma incompatibilidade na indicação do Tamanho L das batas cirúrgicas.

22. De facto, por um lado, o Tamanho L serve para descrever o fornecimento de 2500 batas cirúrgicas com o valor global de € 112.900,00, por outro, o mesmo tamanho L serve também para descrever o fornecimento de 500 batas cirúrgicas com o valor global de € 22,580,00.

23. Essa incompatibilidade, porém, tem que ser analisada no contexto da própria declaração e à luz das exigências regulamentares.

24. E nessa análise, temos como certo que qualquer pessoa confrontada com o teor literal da proposta redigida nos termos anteditos, a leitura que dela faz, é a de que a concorrente incorreu num lapso manifesto ao indicar por duas vezes o tamanho L para o fornecimento de batas cirúrgicas, e isso porque a dita concorrente foi expressa a indicar o fornecimento de 2500 exemplares de batas cirúrgicas tamanho L e também de 500 exemplares também para o tamanho L.

25. Convém não olvidar que as exigências regulamentares reclamam a necessidade de fornecimento de 500 exemplares de batas cirúrgicas para o tamanho XL e de 2500 exemplares para o tamanho L.

26. Se assim é, claro está que a concorrente [SCom01...] só por erro manifesto é que se concebe que poderia indicar, como indicou, o fornecimento de 500 exemplares de batas cirúrgicas para o tamanho L e também de 2500 exemplares para o tamanho L.

27. Em face das considerações que antecedem, é para nós absolutamente seguro que a indicação de fornecimento de 500 exemplares de batas cirúrgicas tamanho L surge completamente desenquadrada, evidenciando um erro de escrita que se revela no próprio contexto da declaração através das particulares circunstâncias em que essa indicação é feita.

28. De facto, ao ler-se a proposta da dita concorrente, facilmente se apreende que a indicação de fornecimento de 500 exemplares de batas cirúrgicas é reportável ao tamanho XL e não ao tamanho L, sendo essa desconformidade entre o declarado e o pretendido declarar apreensível pela simples leitura da proposta e da consideração das circunstâncias em que a mesma teve lugar.

29. O que nos transporta para evidência que estamos perante um “lapsus calami” aferido na vertente preconizada o artigo 249º do C.C.

30. Conforme se expendeu no aresto deste T.C.A.N., datado de 29.,11.2019, tirado no processo n.º 00873/19.3BELSB: “(…) perante a deteção de erros de cálculo, escrita ou outros constantes de proposta concursal, facilmente compreensíveis como tais no contexto da declaração ou das circunstâncias em que foi efetuada, o júri/entidade adjudicante deve proceder oficiosamente à sua correção, abstendo-se de a excluir a candidatura correspondente procedimento concursal. (…)”.

31. Assim sendo, é inteiramente admissível a correção da proposta apresentada pela [SCom01...], situação que tem um verdadeiro efeito de implosão em relação à tese da Recorrentes no domínio em análise.

32. Destarte, as conclusões expendidas nos pontos 1 a 9 do recurso apresentado mostram-se desprovidas de qualquer razão de ser, com o que fica negada a sua improcedência.

33. Idêntica asserção é atingível no tocante ao invocado erro de julgamento de direito quanto à declarada conformidade das cores das golas das batas indicadas na proposta da concorrente [SCom01...] com as exigências contidas nas peças concursais.

34. Na verdade, é o seguinte o teor do teor do subfator de avaliação C4, incluído no fator valia técnica do lote:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

35. Ressuma da normação regulamentar que se vem de transcrever que a avaliação positiva deste subfator reclama o fornecimento de batas cirúrgicas com a parte frontal da gola tricotada com 3 cores diferentes consoante os tamanhos apresentados [M, L, XL].

36. Interpretando esta regulamentação em consonância com o objetivo último que presidiu à necessidade de previsão desta exigência – traduzido na necessidade de distinção e identificação dos tamanhos das batas cirúrgicas pela observação da cor da gola tricotada - é para nós absolutamente apodítico que o fornecimento de batas com golas tricotadas com cores exatamente idênticas para os tamanhos propostos não serve o desígnio concursal, impondo-se, por essa razão, classificar este subfator C4 como não verificado.

37. Debruçando-nos sobre o caso versado, verifica-se que a concorrente [SCom01...] apresentou uma ficha técnica identificando o Tamanho M com a cor Azul; o Tamanho L com a cor/variação tonal Verde Escuro; e o Tamanho XL com a cor Verde.

38. Entendeu o júri concursal que esta diferenciação de cores permite com clareza distinguir os tamanhos das batas cirúrgicas M, L, e XL.

39. A Recorrente não objeta esta conclusão, apenas insiste que o verde escuro não é uma cor, mas uma variação tonal da cor verde, o que contraria a previsão de regulamentar da necessidade de apresentação de três cores distintas.

40. Porém, axioma de que arranca a tese da Recorrente não reveste um carácter absoluto e infranqueável.

41. Na verdade, é nosso entendimento que não deflui da premissa regulamentar a impossibilidade de apresentação de golas com recurso a variações tonais de uma mesma cor desde que tal variação tonal permita atingir o objetivo supra elencado - traduzido na necessidade de distinção e identificação dos tamanhos das batas cirúrgicas pela simples observação da gola tricotada.

42. Nem de outro modo se nos afigura que pudesse ser, sob pena de se frustrar o objetivo que presidiu à criação de tal previsão regulamentar.

43. Em tais termos, e não se levantando dúvidas ao júri concursal quanto à possibilidade de distinção dos tamanhos relativamente à proposta de cores apresentada pela concorrente [SCom01...], nem vindo questionada tal representação, somos levados, de forma inexorável, a reconhecer a absoluta imprestabilidade da alegação recursiva em análise para demonstrar a existência de qualquer erro de julgamento da decisão recorrida, aqui se integrando também as considerações tecidas a propósito da atuação vinculada [ou não] da Administração, por se afigurarem inócuas ou inconsequentes quanto ao propósito declarado pela Recorrente.

44. Fenecem, portanto, as objeções veiculadas nos pontos 10º a 23º das conclusões de recurso.

45. No demais invocado, saliente-se que não são aceitáveis as conclusões formuladas pela Recorrente no sentido de que (i) que se impunha, por respeito ao princípio da legalidade, que a sua proposta, em relação à valia técnica C4, fosse avaliada com 3 pontos [itens 24º a 26º das conclusões de recurso], bem como de que (ii) o dispositivo médico proposto pela contrainteressada [SCom01...] não está registado no Infarmed, em clara contravenção da normação contida nas peças concursais, devendo, por isso, ter sido excluída por força do artigo 70.º, número 2, alínea f) do Código dos Contratos Públicos [itens 27º a 38º das conclusões de recurso].

46. Efetivamente, consubstanciando as referidas alegações “questões novas”, apenas tratadas em sede de recurso, não tendo sido invocada nem tratada anteriormente, nunca as mesmas teriam a virtualidade de se mostrar procedentes.

47. Como se sumariou, entre muitos outros, no Acórdão deste T.C.A.N nº 613/17.1BEBRG, de 04.10.2017 “(…) A decisão proferida em 1ª instância não pode ser revista em recurso jurisdicional com fundamento em questão nova. Os recursos jurisdicionais destinam-se a rever as decisões proferidas pelo tribunal recorrido, não a decidir questões novas. Com efeito, os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre. Assim, não pode em sede de recurso conhecer-se de questão nova, que não tenha sido objeto da sentença pois os recursos jurisdicionais destinam-se a reapreciar as decisões proferidas pelos tribunais inferiores e não a decidir questões novas, não colocadas a esses tribunais, ficando, assim, vedado ao Tribunal de recurso conhecer de questões que podiam e deviam ter sido suscitadas antes e o não foram (…)”.

48. No mesmo sentido, vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 27.06.2012, recurso 218/12, de 25.01.2012, recurso 12/12, de 23.02.2012, recurso 1153/11, de 11.05.2011, recurso 4/11, de 1.07.2009, recurso 590/09, 04.12.2008, rec. 840/08, de 30.10.08, rec. 112/07, de 2.06.2004, recurso 47978 (Pleno), de 2911.1995, recurso 19369 e do Supremo Tribunal de Justiça, recurso 259/06.0TBMAC.E1.S1.

49. Assim sendo, constituindo a matéria que se vem de referir, inquestionavelmente, questões novas, nos termos acima caracterizados, não pode ser apreciada.

50. Deste modo, à luz do que ora se vem de expor, é mandatório concluir pela improcedência do[s] erro[s] de julgamento de direito imputado à decisão judicial recorrida.

51. Mercê de tudo o quanto ficou exposto, deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, confirmando-se a sentença recorrida.

52. Ao que se proverá em sede de dispositivo.

* *

V – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional sub juditio e confirmar a sentença recorrida.

Custas do recurso pela Recorrente.

Registe e Notifique-se.


* *

Porto, 19 de abril de 2024,


Ricardo de Oliveira e Sousa

Tiago Afonso Lopes de Miranda

Clara Ambrósio