Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00051/25.2BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/26/2025
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:ANA PATROCÍNIO
Descritores:DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA;
PREJUÍZO IRREPARÁVEL;
CONTROLO JUDICIAL DO ACTO DE INDEFERIMENTO;
Sumário:
I - Nos termos do artigo 52.º, n.º 4 da LGT, na actual redacção, introduzida pela Lei n.º 42/2016, de 28/12, a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada por insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que, em qualquer dos casos, não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado.
II - O benefício da isenção fica, assim, dependente de dois pressupostos, a provar pelo Requerente, em alternativa: (i) existência de prejuízo irreparável decorrente da prestação da garantia ou (ii) falta de bens económicos para a prestar.
III - Demonstrado um dos pressupostos enunciados, a AT pode deferir o pedido “desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado.”
IV - A apreciação da legalidade do acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia só pode fazer-se tendo em conta os elementos de facto e de direito que condicionaram a respectiva prolação.
V - A reclamação judicial de acto praticado na execução fiscal constitui uma verdadeira acção impugnatória incidental da execução fiscal, formulada no curso de execução pendente, tendo por objecto determinado acto que nela foi praticado pelo órgão da execução fiscal e por finalidade a apreciação da validade desse acto.
VI - Esse processo de reclamação previsto no artigo 276.º e seguintes do CPPT visa a apreciação da legalidade de actuação do órgão da execução fiscal à luz da fundamentação do acto que ele praticou.
VII - Tal controlo judicial tem de ser feito pelo tribunal no contexto do pedido e da causa de pedir gizados na petição de reclamação, não podendo o tribunal apreciar se o acto deve ser validado ou censurado à luz de questões que não foram colocadas a esse órgão ou que nunca foram por ele equacionadas e decididas, já que o tribunal não pode substituir-se a tal órgão e sancionar o acto com a argumentação jurídica que julgue mais adequada.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


I. Relatório

[SCom01...] Sociedade Unipessoal Lda., contribuinte fiscal n.º ...03, com sede em Rua ..., ..., Bairro ..., em ..., interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, proferida em 03/03/2025, que julgou improcedente a Reclamação do acto do órgão de execução fiscal, consubstanciado no despacho que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia, proferido pelo Chefe da Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças ..., por delegação de competências da Directora de Finanças, em 05/12/2024, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...89.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
I) No caso em apreço, em que está em causa a dispensa de prestação de garantia, nos termos do disposto no n.° 4 do art. 52.° da L.G.T., o efeito suspensivo é imprescindível para assegurar a tutela judicial efetiva dos direitos e interesses da Reclamante afetados pelos atos da Administração Tributária sendo, dessa forma, tal efeito suspensivo imposto pelos arts 205.° n.° 2 e. 268 n° 4, da CRP.
II) Deve ser declarado que o efeito devolutivo ao presente recurso afetará o efeito útil do presente recurso e, nessa sequência, deve ser atribuído efeito suspensivo ao presente recurso, o que se Requer a V. Ex.ª
III) O presente recurso tem por objeto as seguintes questões, a saber: i. nulidade da sentença por violação do princípio do contraditório, tendo por referência a violação do disposto no n.º 5 do art. 278.º por parte da entidade Reclamada e a omissão da sua notificação à Reclamada; ii. erro de julgamento na fixação da matéria dada como provada, tendo em consideração os deveres que recaem sobre a entidade Reclamada, os documentos juntos pela Reclamante, incluindo, mas não exclusivamente, e os que constam dos presentes autos, e os factos dados como provados, com referência à verificação dos pressupostos previstos no n.º 4 do art. 52.º da LGT para isentar a Reclamante de prestação de garantia no PEF em causa nos presentes autos, para efeitos de suspensão da cobrança da prestação tributária; e iii. erro de julgamento em matéria de direito decorrente da violação do disposto nos seguintes artigos: artigos nos arts. 115.º n.º 3 e 278.º n.º 5, ambos do CPPT, e arts. 3.º n.º 3 e 415.º, ambos do C.P.C.. nos arts. 411.º, 266.º n.º 4, ambos do C.P.C., os princípios de cooperação e de boa fé processual ínsitos nos arts. 7.º e 8.º do C.P.C., bem como o princípio da proporcionalidade previsto no art. 266.º nº 2 e de participação previsto no art. 267º, nº 5, ambos da CRP e, ainda o princípio constitucional da proibição da indefesa (art. 20º, nº 1 da CRP) n.º 4 do art. 52.º da L.G.T., no que diz respeito à verificação dos pressupostos previstos no n.º 4 do art. 52.º da LGT para isentar a Reclamante de prestação de garantia no PEF em causa nos presentes autos, para efeitos de suspensão da cobrança da prestação tributária.
IV) Não foi pela Reclamada junto aos autos o e-mail enviado pela Reclamante, do qual constava o Balancete reportado à data de 31/10/2024 e documentos comprovativos da impossibilidade de obter qualquer garantia bancária em todas as instituições bancárias na qual possuíam conta bancária, em violação do disposto no n.° 5 do art. 278.° do CPPT.
V) Esta violação por parte da entidade Reclamada passou despercebida à Reclamante, pois que em nenhum momento foi a Reclamante, ora Recorrente, notificada da junção do processo por parte da entidade Reclamada, como se impunha em cumprimento da conjunção do disposto nos arts. 115.º n.º 3 e 278.º n.º 5, ambos do CPPT, e arts. 3.º n.º 3 e 415.º, ambos do C.P.C., e determinou que o Tribunal a quo fizesse uma incorreta apreciação da matéria de facto relevante para a decisão em apreço, em face dos elementos probatórios que deveria ter considerado.
VI) Em face das normas violadas nos termos acima descritos, desde já se Requer a V. Ex.ª se digne admitir a junção com o presente recurso do e-mail enviado pela Reclamada à Reclamante em 20/11/2024, o qual era instruído com o balancete e balanço geral reportado a 31/10/2024, bem como documentos atualizados comprovativos da impossibilidade de obter garantia bancária, que se anexa à presente como Doc.1.
VII) A falta de da remissão do processo executivo por parte da entidade Reclamada ao Tribunal, nos termos do n.º 5 do art. 278.º do CPPT, bem como a falta de notificação por parte do Tribunal a quo para exercer o contraditório quanto a tais elementos influíram de forma clara, notória e inequívoca no exame e na decisão da causa, quer porque não permitiram ao Tribunal a quo ter pleno conhecimento da matéria de facto e dos elementos probatórios constantes dos autos em momento prévio ao despacho Reclamado, quer porque não permitiram à Reclamante pronunciar-se quanto a tal violação por parte da Reclamada.
VIII) As nulidades cometidas pela entidade Reclamada e pelo Tribunal a quo determinam que a Sentença proferida esteja ferida de nulidade, nulidade essa que expressamente se argui para os devidos e legais efeitos e com as devidas e legais consequências, em virtude da violação do disposto nos arts. 115.° n.° 3 e 278.° n.° 5, ambos do CPPT, e arts. 3.° n.° 3 e 415.°, ambos do C.P.C..
IX) Motivo pelo qual ser declarada nula a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, devendo ser revogada e, subsequentemente, ser ordenada a notificação da entidade Reclamada para, considerando o ora exposto, remeter o processo executivo na íntegra por forma a permitir uma decisão que tenha em consideração todos os elementos de facto e todos os elementos probatórios a cuja apreciação se encontra obrigada, ou, em alternativa, considerando o ora exposto, que profira Sentença que tenha em consideração o documento ora junto, o que se Requer a V. Exas.
X) Não tendo, supostamente, a Reclamante logrado provar a impossibilidade de obter garantia bancária, entendeu o Tribunal a quo que inexistia qualquer prejuízo irreparável na prestação de garantia, ou que inexistia manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 4 do art. 52.º da L.G.T..
XI) Certo é que a Reclamante logrou demonstrar, de forma clara e inequívoca, na sequência do solicitado pela Reclamada, e necessariamente antes de ter sido proferido despacho pela entidade Reclamada que não tinha qualquer possibilidade de obter uma garantia bancária em qualquer instituição bancária de entre as elencadas pela Reclamada, a saber, Banco 1..., Banco 2..., Banco 3..., Banco 4... e Banco 5..., tendo por referência a dívida em causa nos presentes autos.
XII) Esta facto revela e demostra de forma cristalina a insuficiência de meios económicos para o pagamento da quantia exequenda e dos acréscimos legais, bem como impossibilidade de prestar uma qualquer garantia.
XIII) Tais factos, aliado ao facto de que todos os imóveis propriedade da Reclamante “se encontram sobejamente onerados com hipotecas voluntárias a favor da Segurança Social”, tal como os “treze veículos automóveis dos quais seis se encontram onerados com reserva de propriedade ou com contrato de locação financeira [e] os restantes sete veículos encontram-se desonerados, mas têm um valor residual resultante do ano de fabrico e o natural desgaste a que estes tipos de bens estão sujeitos” [cfr. ponto 6. dos factos dados como provados e da decisão proferida pela AT em crise nos presentes autos], bem como da alegação no pedido inicialmente formulado pela Reclamante de que “Ainda que se equacionasse a venda dos ativos da empresa, tal não seria possível num curto espaço de tempo, a fim de proceder ao pagamento da dívida em fase de execução, de forma imediata, sendo certo que a REQUERENTE ficaria sem equipamentos para o exercício da sua própria atividade” e de que “a Requerente possui apenas o valor suficiente para os fluxos de caixa, necessários ao exercício da atividade operacional da empresa” [cfr. pontos 16 e 17. do pedido inicialmente formulado pela Reclamante], demonstram que se encontram verificados os pressupostos legais que permitem e impõem seja admitida a isenção de prestação de garantia ao abrigo do n.º4 do art. 52. da LGT e, nessa senda, que o despacho impugnado padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
XIV) Conforme é do conhecimento da Reclamada (e se encontra, quer tal realidade, quer o seu pleno conhecimento por parte da entidade Reclamada, comprovada nos autos através de Despacho junto como Doc. 16 à Reclamação apresentada), no mesmo momento encontrava-se a Reclamada a ser confrontada com uma situação semelhante à em causa nos presentes autos, no âmbito do processo de execução fiscal ...87, em que figurara como Executada a Reclamante, ora Recorrente, e como Exequente a Reclamada, ora Recorrida, e em que estava em causa o montante de €110.818,80 e é[ra] exigida a prestação de garantia para efeitos de suspensão do PEF no montante global de €140.254,40.
XV) A considerar o valor que constava na rúbrica depósito e caixas de forma isolada, era impossível à Reclamada fazer face aos valores em dívida em ambos os PEF’s, facto que deveria ser valorado pela Reclamada e, bem assim, pelo Tribunal a quo e, como tal, deveria ter sido decidido que os valores inscritos nas rúbricas caixa e depósitos era insuficiente para fazer face ao pagamento da dívida exequenda e acrescido de 25%, no montante global de €143.769,90, considerando os processos pendentes e que eram do pleno conhecimento da Reclamada.
XVI) No caso em apreço, mediou mais de um mês entre a apresentação do requerimento e a notificação da decisão de indeferimento em causa nos presentes autos.
XVII) Considerando o comunicado pela Reclamante, bem como entendendo a Reclamada que as rúbricas do ativo corrente denominadas “outros créditos a receber”, “outros ativos correntes” e “clientes” seriam convertíveis em meios financeiros líquidos, deveria a Reclamada ter comunicado tal facto à Reclamante de maneira a permitir que este pudesse expor o que tivesse por conveniente quanto a tais factos, não se vislumbrando como poderia a concessão de um prazo de dois ou três dias para o efeito ser incompatível com a urgência da tramitação em causa.
XVIII) Considerando o disposto nos arts. 411.º, 266.º n.º 4, ambos do C.P.C., os princípios de cooperação e de boa fé processual ínsitos nos arts. 7.º e 8.º do C.P.C., bem como o princípio da proporcionalidade previsto no art. 266.º nº 2 e de participação previsto no art. 267º, nº 5, ambos da CRP e, ainda o princípio constitucional da proibição da indefesa (art. 20º, nº 1 da CRP), impunha-se no caso em apreço à entidade Reclamada indagar tal realidade, notificando a Reclamada da intenção de proferir decisão de indeferimento em virtude da análise efetuada no balancete apresentado pela Reclamante em 20/11/2024, e após solicitação da Reclamada.
XIX) Na sequência da qual teria a Reclamada alegado e comprovado o preenchimento dos requisitos legalmente previstos para que a Reclamante pudesse ser dispensado de prestar garantia, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 4 do art. 52.º da L.G.T..
XX) Sendo certo que, não tendo a AT notificado como se lhe impunha atentos os normativos acima mencionados para exercer o contraditório ou se pronunciar quanto à intenção de proferir decisão de indeferimento em virtude da análise efetuada no balancete apresentado pela Reclamante em 20/11/2024, e após solicitação da Reclamada, sempre se lhe impunha tivesse considerado os elementos e informações prestadas pela Reclamada na sua Reclamação e, dessa forma, tivesse revogado a decisão de indeferimento da dispensa de prestação de garantia e substituído por outra que, julgando verificados os pressupostos plasmados no art. 52.º da LGT, deferisse o pedido de dispensa de prestação de garantia, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 4 do art. 52.º da L.G.T..
XXI) Atenta a alegação efetuada pela Recorrente nos pontos 11. e 12 da Reclamação apresentada (art. 31.º do presente Recurso), a Conclusão XIV da Reclamação apresentada, o teor do Documento ora junto como Doc.1, referente ao e-mail enviado pela Reclamante à Reclamada em 20/11/2024 ora junto, e os documentos juntos como Doc. 14 e Doc. 16 da Reclamação apresentada, deveria o Tribunal a quo, numa correta apreciação dos elementos probatórios e matéria de facto apresentada, ter dado como provado, os seguintes factos, os quais deverão ser aditados à matéria de facto dada como provada nos presentes autos:
“12. Em 20/11/2024 a Reclamante enviou à Reclamada documentos comprovativos da impossibilidade de obter garantias bancárias nas instituições bancárias onde possuía contas bancárias, a saber, Banco 1..., Banco 2..., Banco 3..., Banco 4... e Banco 5..., tendo por referência a dívida em causa nos presentes autos.
13. Por notificação datada de 06/12/2024 foi a Reclamada notificada da decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia solicitado no processo de execução fiscal ...87, em que figurara como Executada a Reclamante, ora Recorrente, e como Exequente a Reclamada, ora Recorrida, e em que estava em causa o montante de €110.818,80 e é[ra] exigida a prestação de garantia para efeitos de suspensão do PEF no montante global de €140.254,40.”
XXII) Atenta a alegação efetuada pela Recorrente nos pontos 21 a 49 da Reclamação apresentada e respetivas conclusões de IV a XIII, o teor do Doc.1 referente ao e-mail enviado pela Reclamante à Reclamada em 20/11/2024 ora junto, e os documentos juntos como Doc.3 a Doc.16 da Reclamação apresentada, deveria o Tribunal a quo, numa correta apreciação dos elementos probatórios e matéria de facto apresentada, ter dado como provado os seguintes factos, os quais deverão ser aditados à matéria de facto dada como provada nos presentes autos:
“14. A rúbrica de ativos denominada “clientes” integra, além do mais, as seguintes contas/clientes: o cliente 21111039 corresponde ao Instituto Politécnico ..., sendo que o valor de €11.624,10 encontra-se em litígio judicial, encontrando-se a correr termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu sob o n.º de processo ...6/2....BEVIS, protestando juntar documento comprovativo; o cliente 21111073 corresponde à sociedade [SCom02...], Unipessoal, Lda., encontrando-se em litígio judicial, tendo sido já aposta fórmula executória na junção n.° .......4/....YIPRT, protestando juntar documento comprovativo; o cliente 21111056 corresponde à EMPRESA E.P.E., sendo que o saldo de €151.496,88 se encontra associado a um contrato de factoring.
15. A rúbrica de ativos denominada “outros créditos a receber” integra, além do mais, os seguintes ativos considerados e refletidos no balancete enviado à Reclamada em conjunto com o balanço reportado a 31 de outubro de 2024, nos seguintes termos e com referência às seguintes contas: Conta n.° 27212, referente ao acréscimo de rendimentos (Revisões EMPRESA E.P.E.), no valor global de €370.273,08, sendo que o valor remanescente diz respeito a adiantamentos a fornecedores/prestadores de serviços, quer por serviços em curso, quer por serviços a iniciar.
16. A rúbrica de ativos denominada “outros ativos correntes”, integra, além do mais, a Conta n.° 2781131003, referente a uma caução depositada na Conta da EMPRESA, EPE, na Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública – IGCP, EPE no montante global de €56.716,94, Conta n.° 2781131017, referente a uma caução depositada na agência da Banco 2..., no montante global de €4.275,00 exigida no âmbito do procedimento n.° CPI/......./ESEP, Conta n.° 2781131022, referente a um adiantamento a fornecedor, no montante global de €4.200,00, Conta n.° 2781131004, referente ao PROGRAMA +CO3SO Emprego Interior (GAL), com o valor de €48.273,21; Conta n.° 2781131015, da qual se abstrai a obrigação de devolução do montante de €14.901,99 no âmbito do projeto Activar do IEFP.
17. De maneira a que tais montantes não se encontram reconhecidos pela Cliente EMPRESA E.P.E., e, bem assim, na disponibilidade da Reclamante, de maneira a que não são passíveis de conversão em meios financeiros líquidos resulta valor suficiente para pagamento da quantia em dívida, logo geradores de prestar garantia a título de caução, seguro-caução ou mesmo garantia bancaria.
18. Assim pese embora à data os montantes estejam registados nas referidas rúbricas, certo é que, dada a factualidade envolta da sua realidade, revela-se claro, notório e inequívoco que não são passíveis de conversão em meios financeiros líquidos resulta valor suficiente para pagamento da quantia em dívida, logo geradores de prestar garantia a título de caução, seguro-caução ou mesmo garantia bancaria.
19. Quanto à rúbrica de ativos denominada “caixa e depósitos bancários”, de frisar que à data de 31/10/2024, a Reclamante possuía saldos bancários nas referidas contas bancárias num total de €169.880,51 e que à data de 06/11/2024, e após cumprimentos das suas obrigações vencidas já em 31/10/2024, a Reclamante apenas e só tinha nas referidas contas bancárias os seguintes saldos bancários, num total de €26.086,93, sendo de destacar, de entre as obrigações vencidas a data, os montantes pagos referentes a salários vencidos à data de 31/10/2024 e que não estavam considerados no balanço referente a outubro de 2024, com uma expressão de €108.492,58 (cento e oito mil quatrocentos e noventa e dois euros e cinquenta e oito cêntimos).
20. De maneira a que, pese embora à data os montantes estejam registadas na referida rúbrica, certo é que, dada a factualidade envolta da sua realidade, o saldo existente com referência ao período de 31/10/2024 era bastante inferior, sendo que, considerando apenas e só os salários vencidos à data e não pagos, restaria apenas e só cerca de €50.000,00, e sendo também certo que, à data da apresentação do requerimento apresentado, i.e., 06/11/2024, apenas e só existiam saldos bancários no valor global de €26.086,93.”
XXIII) A matéria de facto cujo aditamento se Requer é crucial para a boa decisão da causa, não podendo deixar de ser considerada pertinente para a justa composição do litígio em presença, devendo nos termos acima expostos ser aditada à «matéria de facto provada» constante da Sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo, o que se requer e invoca para os devidos efeitos legais.
XXIV) Numa correta aplicação do disposto nos citados artigos, e atenta a matéria de facto que se encontra provada nos presentes autos – quer na douta Sentença, quer nos termos acima mencionados e que se impõe sejam considerados como factos dados como provados, deveria o Tribunal a quo ter decidido que no caso em apreço, se encontravam verificados os pressupostos previstos no n.° 4 do art. 52.° da LGT para que seja deferido o pedido de isenção de prestação de garantia por parte da Reclamante nos autos do PEF ...89.
XXV) Não o tendo feito, violou o Tribunal a quo o disposto nos arts. 115.º n.º 3 e 278.º n.º 5, ambos do CPPT, e arts. 3.º n.º 3 e 415.º, ambos do C.P.C.. nos arts. 411.º, 266.º n.º 4, ambos do C.P.C., os princípios de cooperação e de boa fé processual ínsitos nos arts. 7.º e 8.º do C.P.C., bem como o princípio da proporcionalidade previsto no art. 266.º n0 2 e de participação previsto no art. 2670, n0 5, ambos da CRP e, ainda o princípio constitucional da proibição da indefesa (art. 200, n0 1 da CRP) n.º 4 do art. 52.º da L.G.T..
XXVI) Consequentemente, deve ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo e substituída por outra que julgue procedente por provada a Reclamação apresentada e, consequentemente, decida que o despacho reclamado padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pois que se encontram verificados os pressupostos previstos no n.° 4 do art. 52.° da LGT para que deferido o pedido de isenção de prestação de garantia por parte da Reclamante nos autos do PEF ...89, o que se Requer a V. Exas..
Nestes termos, e nos demais de Direito aplicável, que V. Ex.ªs doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente Recurso de Apelação, sendo julgado procedente, por provado, e, consequentemente,
deve ser declarado que o efeito devolutivo ao presente recurso afetará o efeito útil do presente recurso e, nessa sequência, deve ser atribuído efeito suspensivo ao presente recurso, o que se Requer a V. Exas.,
deve ser admitida a junção com o presente recurso do e-mail enviado pela Reclamada à Reclamante em 20/11/2024, o qual era instruído com o balancete e balanço geral reportado a 31/10/2024, bem como documentos atualizados comprovativos da impossibilidade de obter garantia bancária em todas as instituições bancárias em que a Reclamante possuía conta bancária, e que se anexa à presente como Doc.1, o que se Requer a V. Ex.ª,
deve ser declarada nula a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, devendo ser revogada e, subsequentemente, ser ordenada a notificação da entidade Reclamada para, considerando o ora exposto, remeter o processo executivo na íntegra por forma a permitir uma decisão que tenha em consideração todos os elementos de facto e todos os elementos probatórios a cuja apreciação se encontra obrigada, ou, em alternativa, considerando o ora exposto, que profira Sentença que tenha em consideração o documento ora junto, o que se Requer a V. Exas.,
ou, se assim se não entender,
deve a douta Sentença recorrida ser Revogada e ser substituída por outra que julgue procedente por provada a Reclamação apresentada e, consequentemente, decida que o despacho reclamado padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pois que se encontram verificados os pressupostos previstos no n.° 4 do art. 52.° da LGT para que deferido o pedido de isenção de prestação de garantia por parte da Reclamante nos autos do PEF ...89, o que se Requer a V. Exas..
no que farão V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, a vossa habitual
JUSTIÇA!
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Dada a natureza urgente do processo, há dispensa de vistos prévios (artigo 36.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ex vi artigo 2.º, n.º 2, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a sentença recorrida incorreu em nulidade, se se mostra afectada pela violação do princípio do contraditório, se enferma de erro de julgamento da matéria de facto e, consequentemente, de direito, ao ter mantido na ordem jurídica o acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Factos Provados
Com interesse e relevo para a decisão a proferir, em ordem cronológica, julgam-se provados os seguintes factos:
1. Em 08.10.2024, o Serviço de Finanças ... instaurou o processo de execução fiscal n.º ...89, em que é executada a Reclamante para cobrança coerciva de imposto sobre o valor acrescentado, referente a junho de 2024, com a quantia exequenda de €113.629,94 (cf. certidão de dívida anexa à petição inicial, p. 250 da numeração SITAF);
2. Em 06.11.2024, a Reclamante apresentou pedido de pagamento em 36 prestações da divida exequenda arguindo, além do mais, que como resulta do balancete de 30 de setembro de 2024, não tem condições de solver a dívida de uma só vez, por não ter disponibilidades de tesouraria, sem vender ativos; mais concretamente, as disponibilidades de tesouraria a 30 de junho de 2014, eram de € 11.987, 63 , inferior ao montante em pagamento e, ainda que a repercussão do imposto ainda não ocorreu efetivamente, por ter quantias a receber dos clientes (cf. documento 1 anexo à petição inicial, p. 132 da numeração SITAF);
3. Na mesma data do ponto que antecede, a Reclamante requereu a dispensa de garantia, invocando, além do mais, o seguinte: (...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

(cf. documento 1 anexo à petição inicial p. 132 da numeração SITAF);
4. O pedido de isenção de garantia foi acompanhado pelo Balancete de 30.06.2024, documento que atesta que a entidade bancária - Agência do Banco 3... de ... - se recusou a emitir garantia bancária e certidão permanente dos imóveis pertencentes à Reclamante (cf. documento 1 anexo à petição inicial p. 132 da numeração SITAF);
5. No seguimento do pedido de pagamento em prestações, referenciado no ponto 2 que antecede, foi elaborado o plano ...46, para o pagamento da quantia exequenda em 24 prestações (cf. documento 1 anexo à petição inicial, p.132 da numeração SITAF);
6. Em 03.12.2024, sobre o pedido de isenção de garantia referenciado no ponto 4, o técnico da Divisão de Justiça Tributária elaborou informação, de onde se extrai, designadamente, o seguinte “Para efeitos de decisão sobre a dispensa de prestação de garantia, o Órgão de Execução Fiscal enviou o requerimento n.º ...89, apresentado pela executada [SCom01...] SOCIEDADE UNIPESSOAL LDA com o NIPC ...03, no âmbito do processo executivo n.º ...89, solicitando a dispensa de garantia, ao abrigo do disposto no n.º 4 do art.º 52.º da Lei Geral Tributária (LGT).
I - DA LEGITIMIDADE O requerimento vem assinado pela sócia-gerente da executada, pelo que, nos termos do artigo 65.º da Lei Geral Tributária (LGT) e do n.º 1 do artigo 9.º do Código de procedimento e de Processo Tributário (CPPT), se encontra provido de legitimidade.
II - DA TEMPESTIVIDADE O pedido de dispensa de prestação de garantia foi apresentado em 06-11-2024, no mesmo documento onde requereu o pagamento em prestações, pelo que se conclui pela sua tempestividade.
III- DOS FACTOS
1. O plano prestacional é composto pelo processo executivo ...89,
instaurado para cobrança de IVA do mês de junho de 2024, no valor de € 113.629,94;

2. Em 06-11-2024 solicitou o pagamento em prestações e a isenção da prestação de garantia;
3. No seguimento do pedido de pagamento em prestações, foi elaborado o plano ...46, com 24 prestações;
4. Para efeitos de suspensão dos referidos processos de execução fiscal requereu a isenção de prestação de garantia, ao abrigo do disposto no art.° 52.° n.° 4 da LGT;
5. O valor para efeitos de garantia, calculado nos termos do n.° 6 do art.° 199.° do CPPT, cifra-se em € 143.769,90;
6. Por consulta aos sistemas informáticos ao dispor da AT, verifica-se que a executada possui quatro bens imóveis e é proprietária de treze veículos automóveis;
IV - DO PEDIDO
No requerimento em análise, a executada solicita a dispensa de prestação de garantia, invocando, de modo a legitimar o pedido, a situação financeira e patrimonial débil que não lhe permite prestar uma garantia que suspenda os processos executivos.
V - ANÁLISE DO PEDIDO
A Direção de Finanças ... é o Órgão de Execução fiscal competente para a apreciação do pedido, conforme estipulado no n.° 9 do art.° 199.° e do n.° 1 do art.° 197.° do CPPT, conjugado Consultadas as certidões permanentes destes prédios verifica-se que se encontram sobejamente onerados com hipotecas voluntárias a favor da Segurança Social, registadas através da AP ...60 de 20-07-..., AP ...41 de 08-04-..., AP ...45 de 07-03-... e AP ...38 de 21-12-..., com um montante máximo assegurado que ascende a € 2.076.19,70. Tem, também, no seu ativo fixo tangível, treze veículos automóveis dos quais seis se encontram onerados com reserva de propriedade ou com contrato de locação financeira. Os restantes sete veículos encontram-se desonerados, mas têm um valor residual resultante do ano de fabrico e o natural desgaste a que estes tipos de bens estão sujeitos. Para fundamentar o pedido de dispensa de prestação de garantia, a executada remeteu o balancete reportado a 30-06-2024 e documento de uma entidade bancaria comprovativo da impossibilidade de obtenção de garantia, com data de janeiro de 2024. Através de correio eletrónico com o n.º ...77, de 08/11/2024, foi solicitado à executada o Balancete Geral e Balanço reportados a 31 de outubro de 2024 bem como comprovativo da impossibilidade de obtenção de garantia bancária atualizada das diversas entidades bancárias que constam das demonstrações financeiras. Por análise ao balanço, documento este que evidencia a situação financeira e patrimonial de uma organização num determinado momento temporal é possível verificar que a executada dispõe de montante suficiente na conta de disponibilidades (caixa e depósitos bancários) bem como existem rubricas do ativo corrente que após convertidas em meios financeiros líquidos resultam de valor suficiente para pagamento da quantia em dívida, logo geradores de prestar garantia a título de caução, seguro-caução ou mesmo garantia bancária. A título de exemplo, as rúbricas de maior liquidez do ativo corrente tais como clientes (€ 209.716,58), outros créditos a receber (€ 432.909,39), outros ativos correntes (€275.790,73) e caixa e depósitos bancários (€ 215.312,36) totalizam € 1.136.729,06. Embora também incluídas no Ativo corrente, excluíram-se desta análise as rubricas de inventários (€ 435.909,39) e diferimentos (€ 2.524.742,21). Resumindo, pela análise às demonstrações financeiras é possível concluir que a mesma possui uma situação patrimonial e financeira que lhe permite prestar a garantia exigida.
VI - CONCLUSÃO
Pelo exposto, conclui-se que não se encontram reunidos os pressupostos legais para que possa ser concedida a isenção de prestação de garantia, para efeitos de suspensão dos processos executivos, conforme previsto no art.º 52.º da LGT. À consideração superior.” (cf. documento 2 anexo à petição inicial, p.234 da numeração SITAF);
7. Em 05.12.2024, o Chefe da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças ..., por delegação de competências da Diretora de Finanças, exarou o seguinte despacho: “Concordo com o entendimento vertido na informação e tendo em conta os termos e fundamentos invocados, indefiro o pedido de dispensa de prestação de garantia, tendo em atenção as regras e pressupostos plasmados no artigo 52.º da LGT. Procedam-se às diligências subsequentes. Por delegação da senhora Diretora de Finanças.” (cf. documento 2 anexo à petição inicial, p.234 da numeração SITAF);
8. Em 09.12.2024, os serviços da Divisão de Justiça Tributária notificaram pessoalmente a Reclamante da decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, por não se encontrarem reunidos os pressupostos plasmados no artigo 52.º da Lei Geral Tributária (cf. documento 2 anexo à petição inicial, p.234 da numeração SITAF);
9. No balanço de 31.10.2024, os saldos de caixa e de depósitos à ordem contabilizados pela Reclamante totalizavam €215.312,36, os créditos sobre clientes computam o valor de € 209.716,58, outros créditos a receber de € 432.909,39, e outros ativas correntes €275.790,73 (cf. documento 2 anexo à contestação, p. 312 da numeração SITAF);
10. No balanço de 31.10.2024, o ativo corrente cifrava-se em € 4.138.103,65 e o passivo corrente em €4.428.113,74 (cf. documento 2 anexo à contestação, p. 312 da numeração SITAF);
11. A presente Reclamação foi remetida ao Serviço de Finanças ... em 19.12.2024 (cf. documento 3 anexo à petição inicial, p.243).
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Factos não provados
Inexistem factos que cumpra julgar não provados com interesse para a decisão da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito.

Motivação
A matéria de facto dada como provada nos presentes autos foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito. A formação da nossa convicção, resulta das posições assumidas pelas partes nos seus articulados e, ainda, da análise dos documentos identificados, constantes dos autos, nos termos expressamente referidos no final de cada ponto.
Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados em virtude de constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito e não terem relevância para a decisão da causa.”
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2. O Direito

Apenas uma nota preliminar para esclarecer que o presente recurso foi admitido com efeito suspensivo, pelo que fica prejudicado o conhecimento do pedido formulado nas duas primeiras conclusões, referente à atribuição de tal efeito ao recurso.

Está em causa sindicar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar que a decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia não enferma do vício de violação do disposto no artigo 52.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária (LGT).
Na actual redacção, introduzida pela Lei n.º 42/2016, de 28/12, estabelece o artigo 52.º, n.º 4 da LGT que “a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado.”
Deste preceito normativo resulta que a competência para conhecer do pedido de dispensa de prestação de garantia é da Administração Tributária. O tribunal não pode praticar actos que são da competência da Administração Tributária, como resulta do disposto no n.º 4 do artigo 52.º da LGT.
Não pode, por isso, o tribunal conhecer do pedido de dispensa de prestação da garantia, pelo que apenas lhe compete apreciar a legalidade da decisão, neste âmbito, proferida pela Administração Tributária. Compete-lhe apenas aferir da legalidade/ilegalidade das decisões proferidas pela administração, verificando da ofensa/não ofensa dos princípios jurídicos que condicionam toda a actividade administrativa, e, anular/não anular o acto reclamado, sem qualquer possibilidade legal de, em substituição da Administração Tributária, definir se a Recorrente fica ou não dispensada de prestar garantia – cfr. Acórdão do STA, de 15/10/2014, proferido no âmbito do processo n.º 0918/14.
A apreciação da legalidade do acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia só pode fazer-se tendo em conta os elementos de facto e de direito que condicionaram a respectiva prolação.
A mencionada norma estabelece que, a par de dois requisitos de verificação alternativa — (i) o caso de a prestação de garantia causar prejuízo irreparável ou (ii) a verificação de manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, existe um outro critério, de verificação cumulativa com os anteriores, com vista ao deferimento do pedido de isenção de garantia - (iii) a inexistência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado.
A sentença recorrida começou por equacionou devidamente a situação e parecia estar firme na impossibilidade de o tribunal se substituir à Administração Tributária, tanto mais que afastou expressamente a apreciação e decisão do pedido de reconhecimento da dispensa de prestação de garantia.
No entanto, não deixou de julgar o seguinte:
“(…) A questão a decidir nos presentes autos consiste em saber se o despacho impugnado padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
A presente reclamação tem por objeto o despacho do Chefe da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças ..., por delegação de competências da Diretora de Finanças, exarado em 05.12.2024 que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado.
Alega a Reclamante que a análise do balanço não revela a realidade da situação patrimonial e financeira, devendo, por um lado, considerar-se para o efeito não a data de 31.10.2024, mas sim a data do pedido efetuado, isto é, 06.11.2024, o que revela de forma preponderante, a situação das rubricas caixa e depósitos bancários, devendo tais rubricas ser analisadas à luz da factualidade subjacente à sua inserção nos respetivos documentos contabilísticos. A Reclamante alega que a rubrica dos clientes não foi devidamente analisada, porquanto existem créditos litigiosos (Instituto Politécnico ... e [SCom02...], Unipessoal, Lda.) e créditos associados a contratos de factoring, que não são passíveis de conversão em meios financeiros líquidos para pagamento da quantia em dívida.
Argumenta, ainda, que relativamente a outros devedores, as contas n.ºs 2781131003 e 2781131017 refletem cauções depositadas, respetivamente no montante de €56.716,94, e de €4.275,00, exigidas no âmbito dos procedimentos concursais públicos e, por sua vez, a conta n.º 2781131022, revela um adiantamento a fornecedor. A conta n.º 2781131004, referente ao PROGRAMA +CO3SO Emprego Interior, com o valor de €48.273,21, respeita à diferença entre o montante inicialmente reconhecido contabilisticamente por ter sido aprovado, no valor de €171.517,75 [conta 2782131004] e o valor efetivamente recebido de €123.244,54, e a conta n.º 2781131015, respeita ao reconhecimento no montante de €70.881,24, referente a subsídios concedidos no âmbito do projeto Activar do IEFP, do qual procedeu à devolução de €14.901,99. Para comprovar as mencionadas alegações a Reclamante juntou diversos documentos.
Argumenta que deve ainda ser considerado o facto de que, na mesma data, a Reclamada indeferiu um pedido semelhante para dispensa de prestação de garantia, no âmbito do processo de execução fiscal ...87, em que está em causa o montante de €110.818,90, sendo exigida a prestação de garantia para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal, no montante global de €140.254,40, pelo que, ainda que subsidiariamente, este montante teria que ser considerado para efeitos de cálculo da disponibilidade financeira.
Em relação à rubrica "diferimentos", não considerada pela Reclamada, corresponde às obrigações vencidas aquando da vigência da anterior empresa contratada para prestar os serviços à Cliente da Reclamante, EMPRESA E.P.E. em face da transmissão de empresa operada com a adjudicação do serviço através dos respetivos Concursos Públicos, ao abrigo de acordo coletivo. E em relação à rubrica "inventários", atenta a atividade desenvolvida pela Reclamante, relacionada essencialmente com serviços de limpeza, o valor respeita a totalidade dos bens adquiridos durante o período de janeiro a outubro de 2024 com vista à prossecução e execução dos serviços para os quais foi contratada.
Aduz, por fim que o ativo corrente de €1.179.000,00 é muito inferior ao passivo corrente de €4.428.000,00. O confronto do valor da dívida tributária em causa com o valor do património da Reclamante evidencia, de modo notório e inequívoco, a irreparabilidade do prejuízo que lhe poderá causar a prossecução da execução coerciva daquela. Ademais argumenta que caso não seja suspensa a execução com dispensa de garantia, tal situação determinará a sua asfixia financeira e, consequentemente, o decretamento da sua insolvência, demonstrada que está a sua natural impossibilidade para proceder a liquidação do elevadíssimo valor em questão, ficando impossibilitada de cumprir adequadamente quaisquer dos compromissos assumidos no âmbito da sua atividade, mormente perante os seus fornecedores, clientes e trabalhadores, concluindo que a prestação de garantia se traduz num prejuízo irreparável, pelo que se demonstra verificado o pressuposto para a sua dispensa.
Por fim, alega que a insuficiência de meios económicos para a prestação da garantia experienciada pela Reclamante não advém de uma qualquer dissipação dos bens existentes no seu património.
A Fazenda Pública, por sua vez, contrapõe que a Reclamante não demonstrou, como lhe competia, a verificação dos pressupostos legais para a dispensa de prestação de garantia pois, além do saldo da rubrica caixa e depósitos bancários, existiam outras rubricas do ativo corrente que, após convertidas em meios financeiros líquidos, apresentam valor suficiente para pagamento da quantia em dívida, possibilitando a garantia a título de caução, seguro caução ou mesmo garantia bancária. Alega que o balanço de 31.10.2024 é o mais atualizado para a data do pedido. Ademais, resulta do balancete que o prazo médio de recebimento do imposto sobre o valor acrescentado é curto e não o tendo entregue, apenas pode significar que privilegia o cumprimento de determinadas obrigações em detrimento de outras.
Pois bem.
Nos termos do n.º 1 do artigo 52.º da Lei Geral Tributária, “a cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda (...)”.
E o seu n.º 2 determina que a suspensão da execução nos termos do número anterior depende da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias.
Por outro lado, o n.º 1 do artigo 199.º do Código de Procedimento e Processo Tributário estabelece que “(...) caso não se encontre já constituída garantia, com o pedido deverá o executado oferecer garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente”.
Dispondo o n.º 3 do mesmo preceito que “(...) o executado considerar existirem os pressupostos da isenção da prestação da garantia, deverá invocá-los e prová-los na petição”.
Em conformidade com o disposto no artigo 170.º, n.ºs 1 a 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário “1 - Quando a garantia possa ser dispensada nos termos previstos na lei, deve o executado requerer a dispensa ao órgão da execução fiscal no prazo de 15 dias a contar da apresentação de meio de reacção previsto no artigo anterior.
2 - Caso o fundamento da dispensa da garantia seja superveniente ao termo daquele prazo, deve a dispensa ser requerida no prazo de 30 dias após a sua ocorrência.
3 - O pedido a dirigir ao órgão da execução fiscal deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária.
O n.º 4 do artigo 52.º da Lei Geral Tributária enuncia os pressupostos necessários para que a dispensa da garantia seja concedida, estabelecendo que “a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado”.
Como resulta do enquadramento normativo transcrito, a dispensa de prestação de garantia exige que se verifiquem os seguintes requisitos: (i) prestação de garantia causar prejuízo irreparável ou a verificação de manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido; (ii) inexistência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.
Assim, a isenção de prestação de garantia pode assentar na ocorrência de prejuízo irreparável ou, alternativamente, na manifesta falta de meios económicos do executado, embora a lei exija, cumulativamente, que não existam fortes indícios de que essa insuficiência ou inexistência de bens decorra da responsabilidade do executado, evitando a dissipação de bens para diminuir a garantia.
Cumpre ao executado demonstrar o prejuízo irreparável ou, alternativamente, a manifesta falta de meios económicos, que se revela pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda, desde que inexistam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa.
Como é entendimento jurisprudencial assente, o ónus da prova dos requisitos para a dispensa da prestação de garantia recai sobre o executado, que deve alegar e demonstrar factos concretos (artigo 342.º do Código Civil e 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária).
Como se consignou no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 05.07.2012, proferido no processo 0286/12, disponível em www.dgsi.pt “o ónus da prova do preenchimento dos requisitos de que depende o deferimento do pedido de dispensa de garantia recai sobre o requerente, que invoca o respectivo direito à dispensa da prestação de garantia, como decorre das regras gerais (cfr. os artigos 342.º e 344.º do Código Civil) e se consignou no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal no de 17 de Dezembro de 2008, proferido no rec. n.º 327/08, ao qual aderimos sem reservas”.
Caberá, no entanto, à Administração Tributária o ónus da prova quanto à circunstância de existirem fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado. Veja-se, neste sentido, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 24.09.2020, proferido no âmbito do processo 00580/20.4BEBRG e do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 16.09.2019, proferido no processo 254/19.9BELRS, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
Considerando o teor da fundamentação da decisão reclamada e da alegação da Reclamante, a primeira questão a decidir aqui traduz-se em saber se a Reclamante provou a alegada manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida em execução.
Importa, por isso, desde já esclarecer que não compete ao Tribunal verificar, através de prova a produzir nos presentes autos e sobre a qual o órgão de execução fiscal não se debruçou, se realmente se verificam os requisitos legais que permitiriam à Requerente gozar da pretendida isenção de prestação de garantia. O Tribunal apenas pode julgar a eventual ilegalidade cometida no procedimento reclamado, anulando-o se tal se verificar, ficando prejudicada a prova documental produzida pelo reclamante sobre a qual o órgão de execução fiscal não se debruçou aquando da emissão da decisão de indeferimento da dispensa de garantia. Tais circunstâncias resultam da natureza objetivista da reclamação prevista no artigo 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que visa a sua anulação e não a substituição do juízo feito pelo órgão competente para decidir. O Tribunal fica, assim, limitado na sua apreciação da legalidade da decisão às questões que tenham sido levadas à apreciação deste. Veja-se a este título o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 03.09.2014, proferido no processo n.º 0718/14, consultável em www.dgsi.com.
Ora, tal como flui do requerimento apresentado junto do órgão de execução fiscal para peticionar a dispensa de prestação de garantia, a Reclamante invocou, fundamentalmente, a insuficiência do seu património para garantir as dívidas exequendas e o prejuízo irreparável, tendo junto três documentos para comprovar o alegado, um Balancete reportado a 30.06.2024, uma comunicação da Agência de ... do Banco 3..., datado de 11.01.2024, na qual se refere “Com base nos elementos contabilísticos de que dispomos, atendendo também ao montante do pedido e aos parâmetros solicitados, informamos que não nos é possível emitir a Garantia Bancária” e certidões permanentes, da Conservatória do Registo Predial, relativas a quatro bens imóveis (pontos 3 e 4 do probatório).
Desta forma, na informação que sustenta o despacho reclamado, o órgão de execução fiscal salienta que os prédios se encontram onerados com hipotecas voluntárias a favor da Segurança Social, e os treze veículos encontram-se onerados com reserva de propriedade ou com contrato de locação financeira e os demais apresentam um valor meramente residual.
Concluem, ainda, atenta a informação que sustenta o despacho impugnado, que existe montante suficiente na conta de disponibilidades (caixa e depósitos bancários), assim como, rubricas do ativo corrente que após convertidas em meios financeiros líquidos resultam de valor suficiente para pagamento da quantia em dívida, tais como, clientes (€ 209.716,58), outros créditos a receber (€432.909,39), outros ativos correntes (€275.790,73) e caixa e depósitos bancários (€ 215.312,36) totalizam € 1.136.729,06. Embora também incluídas no Ativo corrente, excluíram-se desta análise as rubricas de inventários (€ 435.909,39) e diferimentos (€ 2.524.742,21) (ponto 6 do probatório).
A decisão de indeferimento de dispensa da garantia assenta, essencialmente, no balanço apresentado pela Reclamante, após solicitação do órgão de execução fiscal, reportado a 31.10.2024.
Ora, o balanço é a comparação estática entre o ativo e o passivo dum património, que evidencia a respetiva situação líquida e serve para apuramento da situação patrimonial em certo momento que, no presente caso, é 31.10.2024.
Sendo que, como se deixou assente na factualidade provada (ponto 9 do probatório) encontram-se registados na contabilidade créditos sobre clientes no valor de € 209.716,58, bem como, depósitos e caixa com o valor contabilístico de € 215.312,36.
Atendendo ao valor da dívida exequenda, os meios líquidos financeiros, diga-se depósitos e caixa, com o valor contabilístico de € 215.312,36, seriam, por si só suficientes para a prestação de garantia, por serem superiores àquele valor, sendo bastante para o pagamento da dívida exequenda e acrescido em apreço (de 25% nos termos do artigo 199.º, n.º 6 do Código de Procedimento e de Processo Tributário), que perfazem um total de €143.769,90.
Sendo certo que, como vimos, existindo vicissitudes que determinassem a alteração da interpretação dos documentos contabilísticos deveriam ter sido alegados e provados no requerimento do pedido de dispensa de garantia. O Tribunal apenas poderá atender às alegações e prova que foram feitas perante o órgão de execução fiscal e com base nas quais foi proferida a decisão relativa ao pedido de dispensa de prestação de garantia, não relevando a prova que tenha sido produzida pelo executado após a prática daquele ato, na medida em que já não tem a possibilidade de influenciar o seu conteúdo.
Note-se, ainda, que a prestação de garantia em processo tributário não se se cinge à garantia bancária, caução, seguro-caução, mas a qualquer meio suscetível de assegurar os créditos do exequente (artigo 199.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário). Deste modo, visando a prestação de garantia assegurar a cobrança da dívida pela possibilidade de penhora e venda dos bens dados em garantia, pode ser constituída penhora de créditos sobre clientes (artigos 735.º, n.º 1, 773.º e 775.º n.º 2, todos do Código de Processo Civil).
Por outro lado, quanto a esta matéria, ao contrário do que é alegado pela Reclamante o passivo corrente não é muito superior ao ativo corrente, decorrendo do balanço de 31.10.2024 que o ativo corrente corresponde ao valor de € 4.138.103,65 e o passivo corrente a €4.428.113,74 (ponto 10 do probatório).
Não assiste, ainda, razão à Reclamante quando alega que a análise do balanço não revela a realidade da situação patrimonial e financeira, devendo, por um lado, considerar-se para o efeito não a data de 31.10.2024, mas sim a data do pedido efetuado, isto é, 06.11.2024.
O órgão de execução fiscal ao abrigo do princípio do inquisitório e do dever de colaboração e de cooperação recíproca com o contribuinte, solicitou elementos de prova adicionais ou complementares a seu ver necessários para poder formular uma decisão devidamente fundada sobre a alegada situação de insuficiência. Deste modo, ao invés de fundar a sua decisão no balanço desatualizado relativo a 30.06.2024, apresentado pela Reclamante, solicitou outro, atualizado a 31.10.2024, sendo este o mês mais próximo da data do pedido de dispensa de garantia.
Como se consignou no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 24.1.2020, proferido no processo n.º 460/19.6BEALM, disponível www.dgsi.pt, no qual, para além do mais, foi sumariado que: (...) No entanto, se os elementos probatórios em que o executado funda o pedido estão na posse da AT, mas apresentam-se insuficientes (por desactualizados), deve a AT notificar o executado para produzir a prova complementar ou adicional, a seu ver, necessária a uma apreciação esclarecida do pedido”.
Não é, no entanto, exigível que o órgão de execução fiscal solicitasse, especificamente, o balanço à data do pedido, sendo que o período que medeia entre o balanço solicitado e o pedido de dispensa de prestação de garantia é de apenas de 6 dias e a decisão se fundou naquele balanço por ser o que mais se aproxima da data de emissão da decisão.
Acrescendo que é atualmente pacífico que no âmbito do procedimento de dispensa de prestação de garantia não há lugar a audição prévia do interessado (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26.9.2012, proferido no processo n.º 708/12, disponível em www.dgsi.pt), sendo certo que o documento em que se baseou a decisão foi entregue pela Reclamante e pertencia à sua contabilidade, não era, por ela desconhecido.
Face a todo o exposto, terá que se concluir, sem necessidade de mais considerações, que não ficou provada a manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido.
Vejamos, então, se a Reclamante demonstrou o requisito alternativo para a concessão da dispensa de prestação de garantia, ou seja, que esta lhe cause prejuízo irreparável.
Como foi concluído no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 28.11.2013, proferido no processo n.º 07060/13, disponível em www.dgsi.com: “Dano irreparável não é o mesmo que dano de difícil reparação (cfr.artº.120, nº.1, alªs.b) e c), do C.P.T.A.), e muito menos o mesmo que prejuízo considerável ( cfr. artº. 692, nº.4, do C.P.Civil), ou seja, não basta, pois, que o reclamante alegue e prove o risco de lesão considerável, ou até de lesão de difícil reparação. Antes é necessário que o dano invocado e objecto de prova tenha a característica de irreparável, que não seja susceptível de reparação. Prejuízo esse a analisar de acordo com as regras da experiência comum e segundo um juízo de probabilidade (teoria da causalidade adequada), mais sendo o carácter irreparável do mesmo derivado, desde logo, de uma conjuntura de impossível reparação ou reconstituição da situação existente.”
A Reclamante alegou laconicamente, no requerimento em que solicitou o pedido de dispensa de garantia, que a garantia bancária foi negada pela instituição bancária e que o seu património se encontra onerado, enunciando, que a prestação de garantia financeira pode envolver a cessação de atividade.
Sobre o prejuízo irreparável, sublinhe-se que o órgão de execução fiscal solicitou documentos que atestassem a impossibilidade de prestação de garantia bancária em todas as entidades nas quais possui rendimentos, o que a Reclamante não logrou fazer, apresentando apenas um documento que reflete a impossibilidade de prestação de garantia bancária atestada pela Agência do Banco 3... de ... (ponto 4 do probatório).
Como se assinala no Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 29.03.2012, proferido no processo n.º 00502/10.0BEVIS “não releva para a lei o grau de dificuldade na obtenção da garantia desde que ela seja possível, nem que ela se mostre muito onerosa, ou excessivamente onerosa. Tem de causar um prejuízo irreparável, sem retorno ao status quo ante”. Impunha-se, pois, que a reclamante alegasse e demonstrasse ter diligenciado no sentido de obter qualquer garantia idónea a garantir o pagamento da dívida exequenda e acrescido, que nenhuma instituição bancária ou seguradora acedeu a emitir em seu nome uma garantia, os custos previsíveis da emissão dessa garantia, o real impacto que a prestação da garantia teria na sua situação económica, o que não fez.”.
Deste modo, a Reclamante não cumpriu com o ónus de especificar como a prestação de garantia colocaria em causa o cumprimento das obrigações relativas aos serviços essenciais para a manutenção da atividade desta, conduzindo a uma situação de cessação da atividade.
Considerando o exposto, julgamos não ter a Reclamante cumprido o mencionado ónus de alegação e prova específica sobre os custos de emissão da garantia e impacto sobre a situação financeira, pois a alegação, para além de conclusiva, careceu de demonstração.
Em suma, o Tribunal não pode considerar que a Reclamante tenha cumprido o ónus de alegação e prova, não demonstrando que a prestação de garantia lhe irá causar um prejuízo irreparável.
Face ao exposto não ficou demonstrado nos autos estarem reunidos os pressupostos da dispensa de prestação de garantia previstos no artigo 52.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária e improcedendo o alegado pela Reclamante, mantém-se o despacho reclamado na ordem jurídica. (…)”
Observamos, assim, que, no que tange ao requisito da verificação de manifesta falta de meios económicos, o tribunal “a quo” apreciou os fundamentos vertidos no acto reclamado, tendo em conta os elementos considerados pela Administração Tributária; mas, no que concerne ao requisito de a prestação de garantia causar prejuízo irreparável, o tribunal recorrido, claramente, se substituiu ao órgão competente, uma vez que a Administração Tributária nada ponderou a esse respeito.
Recordamos que os dois requisitos previstos na primeira parte da norma do artigo 52.º, n.º 4 da LGT são alternativos, o que significa que a lei se basta com a verificação de um deles. Sendo notório que o acto reclamado considerou não verificado o requisito relativo à manifesta falta de meios económicos. Sendo, igualmente, evidente que a requerente, aqui Recorrente, entendeu que a prestação da garantia que lhe foi solicitada se insere em ambas as situações.
Ora, compulsando o requerimento apresentado pela requerente, que subjaz ao acto reclamado, apesar de estar dividido em duas partes, uma relativa ao pedido de pagamento da dívida exequenda em prestações (que foi deferido) e a outra referente ao pedido de dispensa de prestação de garantia, sobressai uma ideia única de transmitir a debilidade económico-financeira da sociedade e das previsíveis consequências económicas gravosas para a prossecução da sua actividade decorrentes do pagamento da dívida e da prestação da garantia solicitada. Efectivamente, a requerente faz um paralelismo entre a sua situação financeira e patrimonial débil para fazer face à dívida exequenda e para efeito de prestação da garantia. Daí detectarmos a remissão, na parte final do requerimento, quanto ao pedido de isenção de prestação de garantia, para o exposto anteriormente.
Ressalta do requerimento em análise que ainda que se equacionasse a venda dos activos da empresa, tal não seria possível num curto espaço de tempo, a fim de proceder ao pagamento da dívida em fase de execução, de forma imediata, sendo certo que a requerente ficaria sem equipamento para o exercício da sua própria actividade. Acrescentando possuir apenas o valor suficiente para os fluxos de caixa, necessários ao exercício da actividade operacional da empresa. Acentuando verificar-se o prejuízo irreparável que decorreria da prestação de uma garantia de natureza financeira, a qual poderia envolver, inclusivamente, a cessação da actividade desenvolvida pela requerente.
Isto significa que a Recorrente relacionou a cessação da actividade com a venda dos activos da empresa. Lembramos que o acto reclamado equaciona a transformação dos activos em liquidez: “(…) bem como existem rubricas do ativo corrente que após convertidas em meios financeiros líquidos resultam de valor suficiente para pagamento da quantia em dívida, logo geradores de prestar garantia a título de caução, seguro-caução ou mesmo garantia bancária. (…)”
Porém, o acto reclamado nada ponderou acerca do alegado prejuízo irreparável, nem quanto aos elementos actualizados que solicitou sobre a inviabilidade de prestação de garantia bancária, por recusa das diversas instituições de crédito.
Sobre este requisito alternativo, foi o tribunal recorrido, como vimos, que apreciou e ponderou a sua eventual verificação, em substituição ao órgão competente. Além do mais, porque não foi dado cumprimento integral ao disposto no artigo 278.º, n.º 5 do CPPT, o tribunal “a quo” convenceu-se que os elementos actualizados, sobre a recusa das instituições de crédito, não haviam sido apresentados à AT: “sobre o prejuízo irreparável, sublinhe-se que o órgão de execução fiscal solicitou documentos que atestassem a impossibilidade de prestação de garantia bancária em todas as entidades nas quais possui rendimentos, o que a Reclamante não logrou fazer, apresentando apenas um documento que reflete a impossibilidade de prestação de garantia bancária atestada pela Agência do Banco 3... de ....
Na sequência do que já afirmámos, a aferição destes requisitos não pode alhear-se dos elementos de facto e de direito considerados no acto de indeferimento em apreço e, por isso, necessariamente, haverá que partir da fundamentação do acto para a nossa análise.
Na medida em que estão vertidos nos pontos 6 e 7 do probatório os fundamentos que sustentaram o indeferimento do pedido de dispensa, é sobre a sua suficiência para tal decisão que se deverá debruçar este tribunal, sem cair na tentação de se apoiar em outros factos que não se mostrem vertidos na decisão reclamada.
Inequivocamente, o acto em crise, fundando-se no que espelha o balanço geral e o balancete mais recentes, até Outubro de 2024, considerou que a Recorrente tinha meios económicos para prestar a garantia. Assim sendo, deveria ter avançado para a análise do alegado requisito de que tal prestação causaria um prejuízo irreparável, o que não logrou realizar – cfr. pontos 6 e 7 da decisão da matéria de facto.
A ponderação deste eventual prejuízo deveria ter sido realizada pela AT, no contexto invocado e ainda considerando todas as quantias em execução, dado ser do conhecimento da AT a existência de outros processos de execução fiscal instaurados contra a Recorrente, onde foi indeferida a dispensa de prestação de garantia (obtendo uma visão global do esforço que acarretará para a executada a prestação das garantias solicitadas), bem como a eventual necessidade de optar por uma garantia que não seja bancária.
Na medida em que no acto reclamado apenas se equacionou a suficiência de meios económicos para prestar garantia, tais fundamentos não se mostram bastantes para indeferir, desde logo, a dispensa de prestação da mesma.
Nestes termos, observa-se que a AT não apreciou integralmente o pedido formulado no requerimento pela Recorrente, abstraindo-se do invocado prejuízo irreparável.
Assim, as razões aventadas pela AT no acto em crise, por si só, não são idóneas para inviabilizar a dispensa de prestação de garantia, pelo que o acto reclamado, com a presente fundamentação, não poderá manter-se no ordenamento jurídico.
Reiteramos a importância fulcral da fundamentação do acto reclamado, dado que é com base nessa motivação que o tribunal aprecia a legalidade desse acto. O contencioso de estrita legalidade subjacente ao presente meio processual determinará a eventual mera anulação do acto impugnado, daí a relevância de atender aos termos da prolação do mesmo, tale quale foi praticado.
A reclamação judicial de acto praticado na execução fiscal constitui uma verdadeira acção impugnatória incidental da execução fiscal, formulada no curso de execução pendente, tendo por objecto determinado acto que nela foi praticado pelo órgão da execução fiscal e por finalidade a apreciação da validade desse acto.
Esse processo de reclamação, previsto no artigo 276.º e seguintes do CPPT, visa a apreciação da legalidade de actuação do órgão da execução fiscal à luz da fundamentação do acto que ele praticou.
Tal controlo judicial tem de ser feito pelo tribunal no contexto do pedido e da causa de pedir gizados na petição de reclamação, tendo em conta o teor do requerimento apresentado pela Recorrente que lhe subjaz, não podendo o tribunal apreciar se o acto deve ser validado ou censurado à luz de questões que não foram colocadas a esse órgão ou que nunca foram por ele equacionadas e decididas, já que o tribunal não pode substituir-se a tal órgão e sancionar o acto com a argumentação jurídica que julgue mais adequada.
Os poderes de cognição do tribunal não podem ir além dos fundamentos (factuais e jurídicos) de que o acto reclamado explicitamente partiu e das questões que nele foram apreciadas e decididas, cabendo-lhe unicamente uma função fiscalizadora da legalidade dos actos praticados pelo órgão administrativo incumbido de tramitar a execução, pelo que, no caso, o tribunal de 1.ª instância só podia aferir da legalidade do acto reclamado à luz da sua motivação factual e jurídica e à luz dos vícios invalidantes que o reclamante lhe imputa – cfr., entre outros, o Acórdão do STA, de 15/03/2017, proferido no âmbito do processo n.º 0135/17.
Por isso, insistimos que o tribunal recorrido acabou por se afastar do teor do acto reclamado, tal como foi praticado, pelo que a sentença recorrida será revogada, devendo a reclamação ser julgada procedente e eliminado o acto reclamado da ordem jurídica, por não se poder manter somente com essa fundamentação; ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas no recurso.

Conclusões/Sumário

I - Nos termos do artigo 52.º, n.º 4 da LGT, na actual redacção, introduzida pela Lei n.º 42/2016, de 28/12, a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada por insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que, em qualquer dos casos, não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado.
II - O benefício da isenção fica, assim, dependente de dois pressupostos, a provar pelo Requerente, em alternativa: (i) existência de prejuízo irreparável decorrente da prestação da garantia ou (ii) falta de bens económicos para a prestar.
III - Demonstrado um dos pressupostos enunciados, a AT pode deferir o pedido “desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado.”
IV - A apreciação da legalidade do acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia só pode fazer-se tendo em conta os elementos de facto e de direito que condicionaram a respectiva prolação.
V - A reclamação judicial de acto praticado na execução fiscal constitui uma verdadeira acção impugnatória incidental da execução fiscal, formulada no curso de execução pendente, tendo por objecto determinado acto que nela foi praticado pelo órgão da execução fiscal e por finalidade a apreciação da validade desse acto.
VI - Esse processo de reclamação previsto no artigo 276.º e seguintes do CPPT visa a apreciação da legalidade de actuação do órgão da execução fiscal à luz da fundamentação do acto que ele praticou.
VII - Tal controlo judicial tem de ser feito pelo tribunal no contexto do pedido e da causa de pedir gizados na petição de reclamação, não podendo o tribunal apreciar se o acto deve ser validado ou censurado à luz de questões que não foram colocadas a esse órgão ou que nunca foram por ele equacionadas e decididas, já que o tribunal não pode substituir-se a tal órgão e sancionar o acto com a argumentação jurídica que julgue mais adequada.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a reclamação procedente, anulando o acto reclamado.

Custas a cargo da Recorrida em ambas as instâncias; nesta instância, as custas não incluem a taxa de justiça, uma vez que a Fazenda Pública não contra-alegou.


Porto, 26 de Junho de 2025

Ana Patrocínio
Vítor Salazar Unas
Cláudia Almeida