Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00690/15.0BEAVR |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 04/04/2025 |
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Tribunal: | TAF de Aveiro |
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Relator: | TIAGO MIRANDA |
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Descritores: | ERRO NA FORMA DE PROCESSO; LEGITIMIDADE ACTIVA PARA ACTOS INTEGRANTES DO PROCEDIMENTO PRÉ-CONTRATUAL; |
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Sumário: | I – Da falta de legitimidade activa de quem não seja potencial nem actual oponente no procedimento pré-contratual, para a acção urgente de contencioso pré contratual (doravante: “terceiro”) não se pode concluir a necessidade de lhe ser reconhecido o direito a impugnar os actos administrativos pré-contratuais em acção administrativa especial, porque tão pouco nesta forma de processo lhe assistiria legitimidade activa para tal, por isso que tais actos administrativos não têm a virtualidade de lesar quaisquer direitos do terceiro. II – Daqui não resulta qualquer lesão do direito fundamental à tutela jurisdicional de direitos e interesses legalmente protegidos de terceiro, inclusive interesses difusos da Comunidade, porque nem esse terceiro, nem mesmo os interesses difusos podem ser lesados pelos actos pré-contratuais, desde a decisão de contratar até à adjudicação, já que estes actos se limitam a executar uma deliberação, prévia e exterior ao procedimento, de levar a efeito determinada obra ou adquirir determinado serviço, ou, não tendo sido emitido tal acto administrativo – esse, sim, o lesivo de terceiros ou dos interesses difusos – a execução do contrato adjudicado surgirá, para o terceiro, como uma voie de fait da Administração, contra o que aquele sempre poderá mover a correspondente acção especial ou comum consoante tiver havido, ou não, aquele prévio acto administrativo.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I - Relatório HERANÇA ILÍQUIDA E INDIVISA ABERTA POR ÓBITO DE «AA», AQUI REPRESENTADA PELA CABEÇA DE CASAL «BB», e esta última, em seu próprio nome, Autoras nos autos da acção administrativa especial identificado em epígrafe, em que é Réu o MUNICÍPIO ..., interpuseram o presente RECURSO DE APELAÇÃO da sentença de 04/10/2022, que julgou verificada a excepção de impropriedade do meio processual/erro na forma de processo, com impossibilidade de convolação para o meio adequado, por caducidade do direito de acção e ilegitimidade activa, e, consequentemente, absolveu o Réu da Instância. Na acção, as Autoras pedem o seguinte, nos seguintes termos: “1 – Ser reconhecido e declarado a nulidade dos actos administrativos identificados nos artigos 1.º e 2.º da p.i., e por via disso: 2 – Ser o R. condenado a demolir, a expensas suas, e em prazo não superior a 90 dias, toda a obra que edificou na Rua ... e 3 – A deixar este arruamento integralmente desembaraçado para o trânsito automóvel e de peões ou, subsidiariamente, condenar-se o R. a, em igual prazo, repor o mercado da barra e a Rua ... no estado em que se encontravam antes do início da obra”. Os actos administrativos a que a Autora se refere no ponto 1. do seu petitório são os seguintes, conforme identificados nos tais artigos 1.º e 2.º da petição inicial, que se transcrevem: “1.º As AA. suscitam a nulidade e/ou anulabilidade do seguinte acto administrativo: Deliberação da Câmara Municipal ..., de 4/03/2015, que delibera por unanimidade ratificar a decisão do Presidente da Câmara de proceder à adjudicação definitiva à empresa [SCom01...], Lda., da empreitada de requalificação do mercado da barra (cfr. DOC. 5, junto com o requerimento inicial nos autos de providência cautelar cuja apensação se irá requerer a final), 2.º Bem como dos actos administrativos que, anteriores ou posteriores, se prendam ou dependam daquele, nomeadamente: a) Deliberação de autorização pela CÂMARA MUNICIPAL ..., de 7/01/2015, da proposta do Sr. Presidente da Câmara de: “Proponho que a Câmara delibere autorizar a despesa inerente ao contrato a celebrar, bem como a realização do procedimento de contratação, de acordo com a informação para a execução da presente obra, assim como a aprovação do Júri do Procedimento, Projecto, Programa de Concurso e Caderno de Encargos (DOC. 1, que se junta e que, como os demais que se irão juntar, se dá por integralmente reproduzido). b) Deliberação da Câmara Municipal ..., de 18/03/2015, que delibera por unanimidade ratificar o despacho do Sr. Presidente da Câmara de aprovação da minuta do contrato de empreitada de requalificação do Mercado da Barra a celebrar com a firma [SCom01...], Lda. (DOC. 2)”. As recorrentes remataram a sua alegação com as seguintes conclusões: «CONCLUSÕES 1- Andou mal a sentença recorrida ao julgar verificada a excepção da impropriedade do meio processual/erro na forma do processo. 2- Aplica-se à presente acção o CPTA na versão anterior às alterações introduzidas pelo DL n.° 214-G/2015, de 2 de Outubro. 3- Ora, o prazo de 1 mês a que se refere o artigo 101.° do CPTA é apenas aplicável àqueles a quem se atribua legitimidade activa para o processo de contencioso pré-contratual. 4- E é a própria sentença recorrida que afirma que «as Autoras não dispõem de legitimidade processual para intentar uma acção de contencioso pré-contratual» (pág. 12), a qual está restrita aos titulares da relação material controvertida, i.e. aos participantes no procedimento visado pelo acto impugnado, ou aos interessados nessa participação que, de algum modo, tenha resultado inviabilizada. 5- Não dispondo as Autoras de legitimidade processual para a acção de contencioso pré-contratual, mas gozando as mesmas do direito à tutela jurisdicional efectiva, em obediência, de resto, ao princípio da promoção do acesso à justiça resultante do artigo 7.° do CPTA, o mecanismo processual ao seu alcance era, à época, a acção administrativa especial. 6- E, para esse efeito, dispunham as mesmas dos prazos de impugnação constantes do artigo 58.° do CPTA, que respeitaram escrupulosamente. 7- Para a hipótese de assim não se entender, importa dizer que as Autoras na PI propugnam pela nulidade dos actos administrativos, o que nos conduz à questão de saber se a eventual caducidade do direito de acção ao contencioso pré-contratual é aplicável às impugnações fundadas em nulidade. 8- Note-se que para a análise dessa questão não podemos recorrer nem ao actual CPTA (que, como vimos, não se aplica aos autos) nem ao artigo 162.°, n.° 2, do actual CPA (Decreto-Lei n.° 4/2015, de 7 de Janeiro), pois ao caso aplica-se o anterior CPA. 9- E, assim sendo, entendemos que a especificidade do contencioso pré-contratual não pode sobrepor-se ao regime geral da invalidade dos actos administrativos resultante do artigo 133.° do anterior CPA. 10- Os actos nulos proferidos em procedimento pré-contratual mantêm a sua intrínseca característica de inaptidão para a produção de quaisquer efeitos jurídicos, com as consequências que lhe são próprias, designadamente a invocabilidade a todo o tempo da nulidade por qualquer interessado nos termos do artigo 134.°, n.° 2, do CPA. 11- O artigo 101.° do CPTA limita-se a reduzir, no caso especial dos actos pré- contratuais, o prazo geral de três meses para a impugnação de actos anuláveis que resulta do artigo 58.°, n.° 1, alínea b), daquele diploma legal, sem pretender destruir o desvalor de resultado, que decorre, segundo a lei substantiva, da emissão de actos administrativos nulos. 12- Como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.a edição revista, 2010, pág. 678, «mesmo a entender-se que o decurso do prazo do artigo 101.° impediria o interessado de impugnar o acto pré-contratual nulo através do processo de contencioso pré-contratual urgente, parece-nos, no entanto, que sempre se justificaria que a impugnação desse acto pudesse ser efectivada, sem dependência de prazo, através da forma da acção administrativa especial». 13- Termos em que a sentença recorrida enferma de erros de direito, devendo ser revogada, ordenando-se a baixa do processo à 1.a instância para normal tramitação. Termos em que o recurso deve ser julgado procedente, revogando-se a sentença e ordenando-se a baixa do processo à 1.a instância para normal tramitação». Notificado, o MUNICÍPIO ... não respondeu à alegação. Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir. II - Do objecto do recurso Conforme jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações, interpretadas em função daquilo que se pretende sintetizar, isto é, o corpo das alegações. Assim, as questões que a Recorrente pretende ver apreciadas em apelação são as seguintes: 1ª Questão A sentença recorrida errou no julgamento de direito ao concluir haver erro na forma de processo, porque a forma da acção administrativa especial era, ao tempo da apresentação da Petição Inicial, o meio processual a que podia recorrer quem, como as Autoras, não tivesse legitimidade para propor a acção especial de contencioso pré contratual, mas precisasse de exercer a tutela jurisdicional plena e efectiva dos seus direitos lesados por um acto administrativo integrante de um procedimento pré-contratual? 2ª Questão Sem conceder, a sentença errou ao julgar que era impossível a convolação em acção de contencioso pré-contratual por já ter corrido o prazo de trinta dias de caducidade da acção, tido por aplicável ao próprio vício de nulidade, já que este, tal como concebido no artigo 134º CPA de 1991 (o aplicável), implica a inaptidão do acto para produzir quaisquer efeitos, pelo que o artigo 103º do CPTA só pode ser interpretado no sentido de apenas reduzir para 30 dias o prazo de três meses previsto como regra para a impugnação de actos administrativos anuláveis (artigo 58º nº 2 alª b) do CPTA na versão original (a aplicável), não nesse outro de sujeitar a caducidade a própria acção para declaração de nulidade de um acto administrativo pré-contratual, a qual, mesmo que não pudesse, porventura, seguir a forma especial e urgente do contencioso pré contratual, sempre teria de poder ser instaurada na forma de acção administrativa especial, sem o que os Autores se veriam privados do seu direito fundamental à tutela judicial? III – Apreciação do objecto do recurso A sentença recorrida operou a seguinte selecção de factos provados relevantes: «Com interesse para a decisão da matéria de excepção, considera-se provada a seguinte factualidade: A) — O prédio urbano, constituído por lote de terreno destinado a construção urbana, com a área de 497 m2, sito na Avenida ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 5430, da dita freguesia, descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóvel ..., encontra-se registado em comum e sem determinação de parte ou direito a favor de «CC» (viúva) e «CC» (casada), por meação e sucessão hereditária de «AA» - cf. documentos n.°s 1 e 2, juntos com o requerimento inicial da Providência Cautelar; B) Em reunião ordinária da CÂMARA MUNICIPAL ... realizada no dia 07-01-2015, foi deliberado autorizar a abertura do procedimento de contratação pública relativo ao procedimento pré-contratual da execução da empreitada de “Requalificação do Mercado da Barra”, a despesa inerente ao contrato a celebrar, bem como aprovar as respectivas peças concursais, Programa de Concurso e Caderno de Encargos (2.° acto impugnado) - cf. documento n.° 1 junto com a petição inicial; C) — Promovido pela CÂMARA MUNICIPAL ... o procedimento concursal para a execução da empreitada identificada na alínea antecedente, com publicação em Diário da República, II Série, n.° 8, de 13-01-2015, em reunião ordinária da CÂMARA MUNICIPAL ... realizada em 04-03-2015, foi deliberado ratificar o despacho do PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL ..., datado de 18-02-2015, de adjudicação da empreitada designada por “Requalificação do Mercado da Barra” à firma adjudicatária [SCom01...], LDA., pelo valor de € 192.636,56 (1.° acto impugnado) - cf. documentos n.°s 4 e 5, junto com o requerimento inicial da Providência Cautelar; D) Em 16-03-2015, a CÂMARA MUNICIPAL ... e a firma adjudicatária [SCom01...], LDA., celebraram o Contrato relativo à Empreitada de “Requalificação do Mercado da Barra”, cujo teor se dá por integralmente reproduzido - cf. fls. 116 e seguintes, do processo físico apenso à Providência Cautelar; E) Em reunião ordinária da CÂMARA MUNICIPAL ... realizada no dia 18- 03-2015, foi deliberado ratificar o despacho do PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL ..., datado de 05-03-2015, de aprovação da minuta do Contrato da Empreitada de “Requalificação do Mercado da Barra”, que deu origem ao Contrato identificado na alínea antecedente (3.° acto impugnado) - cf. documento n.° 2 junto com a petição inicial; F) Em data não concretamente apurada, mas que se situa num dia não posterior ao dia 08-04-2015, as Autoras tomaram conhecimento do procedimento concursal Promovido pela CÂMARA MUNICIPAL ... para a realização da empreitada de “Requalificação do Mercado da Barra” e da deliberação de adjudicação identificada na alínea C) - art.° 18.° da petição inicial (confissão); G) A presente acção foi instaurada em 06-07-2015 - cf. fls. 1 dos autos. Não se provaram outros factos com interesse para esta decisão. * MOTIVAÇAO: como decorre de cada alínea do elenco dos factos constante do probatório, a decisão sobre a matéria de facto assentou, no essencial, na análise dos documentos juntos aos autos e à Providência Cautelar preliminarmente instaurada à presente acção administrativa especial e, bem assim, na confissão, quanto ao facto elencado sob a alínea F).» Os recorrentes não criticam esta selecção da matéria de facto relevante. Posto isto, é com base nela que enfrentaremos as questões acima expostas. 1ª Questão A sentença recorrida errou no julgamento de direito ao concluir haver erro na forma de processo, porque a forma da acção administrativa especial era, ao tempo da apresentação da Petição Inicial, o meio processual a que podia recorrer quem, como as Autoras, não tivesse legitimidade para propor a acção especial de contencioso pré contratual, mas precisasse de exercer a tutela jurisdicional plena e efectiva dos seus direitos lesados por um acto administrativo integrante de um procedimento pré-contratual? O segmento da fundamentação de direito da sentença recorrida susceptível de relevar para esta questão é redutível aos seguintes trechos: «(…) Em suma, os actos impugnados nesta acção administrativa especial são actos pré- contratuais relativos à formação de um contrato de empreitada de obra pública. E a sindicância dos actos pré-contratuais, quer sejam preliminares/preparatórios do procedimento e/ou actos finais, como o acto de adjudicação de um procedimento pré- contratual e o acto de aprovação da minuta do contrato, dele consequente, relativos à formação de um contrato de empreitada de obra pública, processa-se estritamente através de uma acção de contencioso pré-contratual, regulada, à data dos factos, nos artigos 100.° a 103.° do CPTA. E nos termos do disposto no artigo 101.° do CPTA, aplicável ao contencioso pré- contratual, "Os processos do contencioso pré-contratual têm carácter urgente e devem ser intentados no prazo de um mês a contar da notificação dos interessados ou, não havendo lugar a notificação, da data do conhecimento do acto”. Prazo este de um mês (a contar da notificação dos interessados ou, não havendo lugar a notificação, da data do conhecimento do acto) que abrange tanto a impugnação de actos com fundamento em nulidade como com fundamento em anulabilidade [no sentido da aplicação do prazo do artigo 101° do CPTA aos casos de nulidade e para maior desenvolvimento pode ver-se o Acórdão do Pleno do STA, de 12.12.2006, P. 0528/06, www.dgsi.pt].» A alegação que subjaz à sobredita questão labora num pressuposto que devia ser submetido a escrutínio, mas não foi. Na verdade, ao alegarem que, se não têm legitimidade para mover a acção especial e urgente de contencioso pré-contratual, então tem de lhes ser dada possibilidade de, mediante a acção administrativa especial tout court, exercerem a tutela jurídica dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, as Recorrentes estão a supor que os actos administrativos integrantes do procedimento tendente à celebração de um contrato público, desde a decisão de contratar até à adjudicação, são susceptíveis de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos de quaisquer pessoas que não sejam potenciais ou actuais candidatos à contratação objecto do procedimento, como foi o caso dos actos aqui impugnados. Contudo, nem em abstracto e em princípio, tais actos são susceptíveis de tal, nem no caso presente se pode dizer que, em concreto, por qualquer inédito motivo, os actos impugnados tenham alguma componente com essa eficácia. Vejamos: Os Autores consideram-se lesados, enquanto donos de um prédio urbano, por umas determinadas obras feitas no mercado da Barra, pelo Réu, que diminuíram drasticamente a potencialidade construtiva e o valor do seu prédio, obras por eles tidas por ilícitas. Têm, por isso, legitimidade activa, nos termos do artigo 9º nº 1 do CPTA (versão de 2002) para pedir em juízo a condenação do Réu a demolir o resultado de tais obras, invocando como causa de pedir, precisamente, o facto de as obras afectarem o valor construtivo do seu prédio. Não lhes falta tão pouco o meio processual para exigirem a demolição das obras, enquanto “via de facto”: a acção administrativa comum, conforme artigo 37º nº 1 do CPTA aplicável. Se o objecto das obras resultava, em seu entender, numa ilícita contracção do domínio púbico municipal constituído pela “Rua ...”, tinham, os Autores, a legitimidade activa consagrada no artigo 9º nº 2 do CPTA (in fine) e o meio processual da acção administrativa especial ou da acção administrativa comum, consoante fosse ou não necessário impugnar actos administrativos. Se, porventura, fora emitido acto administrativo no sentido de proceder a estas obras, os Autores tinham legitimidade para impugnarem esse acto, alheio e prévio ao procedimento pré contratual, conforme artigo 55º nº 1 alª a) do CPTA aplicável, pois desse acto administrativo, sim, é que seria efeito a execução das obras supostamente lesivas dos seus direitos de proprietários ou do domínio público municipal ou do interesse difuso do urbanismo e ou do ordenamento do território. Porém, em face do citado artigo 55 º nº 1 do CPTA – recorde-se que a redacção aplicável do artigo 101º nada dispunha nesta matéria da legitimidade activa – já não vemos que legitimidade possam ter os autores, para, seja por que meio processual for, impugnarem quaisquer actos integrantes do procedimento de formação do contrato de empreitada para execução das obras vindas a referir. Não vemos, com efeito, em que podem ter sido lesados, os Autores, enquanto proprietários do seu prédio, por actos administrativos exclusivamente destinados à formação do contrato mediante cuja execução a Administração pretendeu levar a efeito essas obras, que serão sempre as mesmas e terão o mesmo efeito sobre a valia económica do seu prédio, sobre o domínio público municipal ou sobre os interesses difusos sobreditos, independentemente da quem vier a ser contratado e de como ou por que preço vierem a ser executadas. Já a aprovação de uma despesa não nos parece que seja, sequer, um acto administrativo “lesivo”, i.e. impugnável. Mesmo que o seja em abstracto, não é a aprovação da despesa, necessária à legalidade financeira da mesma, que contende com quaisquer direitos ou interesses legalmente protegidos dos Autores, enquanto donos do seu prédio, ou com a dominialidade pública da Rua ..., mas sim a prévia deliberação municipal que tiver sido tomada no sentido da realização das obras ou, não a havendo, os concretos trabalhos realizados, como “voie de fait”. Se assim é, quer dizer, se para garantir aos Autores o exercício da tutela jurisdicional do seu direito de proprietários ou do seu direito à tutela dos interesses difusos da Comunidade, alegadamente lesados, não lhes é necessário impugnarem os actos pré contratuais e financeiros acima identificados, então falece todo o fundamento para uma resposta positiva à questão em discussão, pelo que a resposta à mesma é negativa. 2ª Questão Sem conceder, a sentença errou ao julgar que era impossível a convolação em acção de contencioso pré-contratual por já ter corrido o prazo de trinta dias de caducidade da acção, tido por aplicável ao próprio vício de nulidade, já que este, tal como concebido no artigo 134º CPA de 1991 (o aplicável), implica a inaptidão do acto para produzir quaisquer efeitos, pelo que o artigo 103º do CPTA só pode ser interpretado no sentido de apenas reduzir para 30 dias o prazo de três meses previsto como regra para a impugnação de actos administrativos anuláveis (artigo 58º nº 2 alª b) do CPTA na versão original (a aplicável), não nesse outro de sujeitar a caducidade a própria acção para declaração de nulidade de um acto administrativo pré-contratual, a qual, mesmo que não pudesse, porventura, seguir a forma especial e urgente do contencioso pré contratual, sempre teria de poder ser instaurada na forma de acção administrativa especial, sem o que os Autores se veriam privados do seu direito fundamental à tutela judicial? A utilidade da discussão desta questão, no que toca à sua fundamentação do ponto de vista dos recorrentes, está prejudicada pelo que se disse supra sobre a falta de legitimidade activa das Autoras para impugnarem os actos pré-contratual e financeiro acima descritos. Com efeito, a ilegitimidade activa dos Autores, excepção dilatória, de conhecimento oficioso, portanto, que se manteria na forma de processo de acção de contencioso pré-contratual, inviabilizaria o prosseguimento desta e prejudica qualquer discussão sobre a caducidade da acção para declaração de nulidade dos actos pré-contratuais. Resta dizer que os pedidos não impugnatórios só teriam cabimento em acção administrativa comum, se a causa de pedir não fosse constituída pela invalidade dos actos impugnados. Uma vez que assim é, tão pouco podem remanescer como objecto da acção especial, a convolar em comum. Conclusão Do veredicto negativo quanto a ambas as questões supra, só pode resultar a improcedência do recurso. Custas Vencidas, os recorrentes arcarão com as custas do recurso: artigo 527º do CPC. Dispositivo Assim, acordam em conferência os juízes da subsecção de contratos públicos da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso. Custas pelas Recorrentes, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça. Porto, 4/4/2025 Tiago Afonso Lopes de Miranda Maria Clara Alves Ambrósio Ricardo Jorge Pinho Mourinho de Oliveira e Sousa |