Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01225/17.5BEPRT-S1
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/13/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:CADUCIDADE DA GARANTIA; SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO; REDAÇÃO DO ARTIGO 183º-A DO CPPT
Sumário:I. O prazo de caducidade de quatro anos introduzido pela redacção dada ao artigo 183º-A do CPPT, pela Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro, tem aplicação aos processos de impugnação judicial pendentes, de harmonia com a regra do artigo 12º, n.º 3 da LGT, mas só se conta a partir do dia 27.01.2021, data da entrada em vigor daquele artigo.

II. Pois que, nas situações constituídas na vigência da lei antiga não pode aplicar-se a lei nova aos efeitos do decurso do prazo da pendência do meio impugnatório gracioso sem decisão sobre a subsistência da garantia prestada. A respetiva eficácia retroactiva não é permitida pelo ordenamento jurídico, em particular, pelos princípios constitucionais da segurança jurídica e da igualdade.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:S.SGPS, SA
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. A Recorrente (S., SGPS, S.A.), notificada do despacho de 02.09.2021 do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que lhe indeferiu o pedido de declaração de caducidade da garantia prestado, no valor de € 7.272.569,31, para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal n.º 3514201701059246, instaurado para cobrança coerciva da divida decorrente da liquidação de IRC n.º 2016.8310037727, referente ao exercício de 2013, objecto dos autos de impugnação 1225/17.5BEPRT, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«A. Vem o presente recurso interposto do despacho proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, nos autos de impugnação identificados em epígrafe, no dia 2 de setembro de 2021, que indeferiu a requerida declaração de caducidade da garantia prestada para suspender o processo de execução fiscal instaurado com vista à cobrança coerciva da dívida resultante das liquidações impugnadas nos presentes autos.
B. O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto indeferiu este pedido com base no entendimento de “o novo prazo de quatro anos de caducidade de garantia tem aplicação aos processos de impugnação pendentes”, mas que, quanto a esses, “esse prazo se conta a partir da entrada em vigor da Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro (i.e., a partir de 27-02-2021)”.
C. As normas do Código Civil – como o artigo 297.º – apenas poderão ser chamadas à colação para regular relações jurídico-tributárias quando tal se afigure necessário em virtude da existência de um caso omisso e, mesmo nessa hipótese, apenas quando não sejam contrárias às normas e princípios específicos que regem aquelas relações.
D. No presente caso, impõe-se concluir não só não existir necessidade de convocar a referida norma – por existir uma norma específica no plano da legislação tributária destinada à regulação da aplicação da lei no tempo (o artigo 12.º da LGT) – como não ser a sua aplicação compaginável com a natureza específica da relação jurídico-tributária e com os interesses que a norma cuja aplicação no tempo está em causa visa harmonizar.
E. Acresce que aquela interpretação – ancorada no artigo 297.º do Código Civil –, segundo a qual o novo prazo de 4 anos previsto no artigo 183.º-A do CPPT deve contar-se a partir da entrada em vigor da Lei n.º 7/2021, não poderá deixar de se considerar inconstitucional por manifesta violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.
F. Assim, dever-se-á atentar exclusivamente no disposto no n.º 3 do artigo 12.º da LGT, que determina “as normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes”.
G. Uma vez que a aplicação imediata da nova redação do artigo 183.º-A do CPPT não prejudica quaisquer garantias, direitos ou interesses legítimos dos contribuintes, impõe-se concluir que poderá ser reconhecida a caducidade das garantias associadas a processos que aguardem decisão de primeira instância há pelo menos 4 anos contados desde a data da sua instauração – como é o caso dos presentes autos.
H. Pelo exposto entende a Recorrente que despacho recorrido é ilegal por violação e errónea interpretação do direito aplicável, razão pela qual deverá ser revogado e substituído por outro que reconheça a caducidade da referida garantia prestada para suspender o processo de execução fiscal instaurado com vista à cobrança coerciva da dívida resultante das liquidações impugnadas nos presentes autos.
TERMOS EM QUE SE REQUER A V. EXA. SE DIGNE ORDENAR A ANULAÇÃO DO DESPACHO RECORRIDO, PORQUE ILEGAL, DETERMINANDO A CADUCIDADE DA GARANTIA PRESTADA PARA SUSPENDER O PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL INSTAURADO COM VISTA À COBRANÇA COERCIVA DA DÍVIDA RESULTANTE DAS LIQUIDAÇÕES EM CRISE NOS PRESENTES AUTOS.»

1.2. A Recorrida (Fazenda Pública), notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações.

1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 52 SITAF, no sentido da improcedência do recurso, sustentando que “(…) in casu, não tem aplicação o novo regime legal introduzido pela Lei nº 7/2021, atento o disposto quer no art.º 12.º da LGT quer no artigo 12º do Código Civil, ou seja, conforme cita: “[e]m matéria de aplicação da lei processual tributária no tempo, vale a regra consagrada na teoria geral do direito civil, designadamente, no artigo 12º do Código Civil, de que a lei nova é de aplicação imediata aos processos pendentes, mas não possui eficácia retroactiva» (cfr. José Maria Fernandes Pires, em «Lei Geral Tributária Comentada e Anotada», 2015, Almedina, p. 107).”
1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir:
A questão sob recurso e que importa decidir, suscitada e delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, apreciar se o despacho recorrido incorreu em erro de julgamento quanto ao direito aplicável, mormente na não aplicação do regime da caducidade de garantia constante do artigo 183º - A, n.º 1 alínea b) do Código de Processo e Procedimento Tributário (CPPT), na redacção dada pela Lei n.º 7/2021 de 26 de fevereiro.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Com interesse para a decisão importa elencar as seguintes ocorrências processuais e factuais:
A. Em 12.07.2021 a S., SGPS, S.A., Impugnante nos autos n.º 1225/17.5BEPRT, cujo objecto é apreciação da legalidade da liquidação de IRC n.º 2016.8310037727, referente ao exercício de 2013, apresentou requerimento nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 183º-A do CPPT (na redacção dada pela lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro) – no qual expõe e requer:
“ 2. Para cobrança coerciva da dívida resultante das referidas liquidações foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 35142017010…. (…)
3. Com vista `suspensão do sobredito processo de execução fiscal, a Impugnante constitui, em 7 de abril de 2017, garantia bancária n.º 96230048402…. a favor da Autoridade tributária e Aduaneira, no montante de € 7.272.569,31 (…)
4. Em virtude da entrada em vigor da lei n.º 7-A/2016, de 26 de fevereiro, passou a determinar a alínea b) do n.º 1 do artigo 183º - A que a garantia prestada para suspender a execução caduca, em caso de impugnação, se naquela «não tiver sido, proferida decisão em 1ª instância no prazo de quatro anos a contar da data da sua apresentação e o interessado apresentar requerimento no processo».
5. Assim, uma vez que já decorreram quatro anos desde a data da instauração do presente processo e ainda não foi proferida decisão em 1ª instância, requer-se, respeitosamente, a V. Ex. que se digne determinar a caducidade da garantia bancária constituída para suspender o processo de execução fiscal supra identificado”;
B. Notificada a Fazenda Pública para, querendo, se pronunciar, fê-lo nos termos do requerimento apresentado em 20.07.2021, cujo teor aqui se dá por reproduzido, no sentido do indeferimento do requerido;
C. Em 06.09.2021 foi proferido despacho de indeferimento do requerido;
D. Segmento decisório e de direito do despacho recorrido que se apresenta por extracto:
«A Impugnante veio, nos termos do art.º 183.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), na redação dada pela Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro, requerer a declaração de caducidade da garantia que refere ter prestado em 07/04/2017, no valor de € 7.272.569,31, para suspensão do processo de execução fiscal n.º 351420170105….
A Exma. Representante da Fazenda Pública pugna pelo indeferimento do pedido, sustentando para o efeito que o novo prazo de caducidade de garantia aqui em causa tem aplicação aos processos de impugnação pendentes, de acordo com o n.º 3 do art.º 12.º da Lei Geral Tributária (LGT), mas apenas deverá ser contado a partir da entrada em vigor da lei nova (27-02-2021), como decorre do n.º 1 do art.º 297.º do Código Civil.
Cumpre apreciar.
Com relevância para a decisão desta questão, dão-se como provados os seguintes factos:
1. A Impugnante apresentou, em 23/05/2017, a impugnação judicial que deu origem aos presentes autos, que tem por objeto a apreciação da legalidade da liquidação de IRC n.º 2016.8310037727, referente ao exercício de 2013, e respetivos juros compensatórios – cfr. fls. 1 SITAF.
2. Para cobrança coerciva da dívida resultante das liquidações referidas em 1) foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 351420170105…. – cfr. documento n.º 1 junto com o requerimento de fls. 242 SITAF.
3. Com vista à suspensão do processo de execução fiscal referido em 2), a Impugnante constituiu, em 07/04/2017, garantia bancária n.º 96230048402… a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira, no montante de € 7.272.569,31 – cfr. documento n.º 2 junto com o requerimento de fls. 242 SITAF.
Vejamos.
Discute-se a aplicação do regime de caducidade de garantia constante do art.º 183.º-A do CPPT, na redação dada pelo art.º 4.º da Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro, com entrada em vigor em 27/02/2021, de acordo com o qual a garantia prestada para suspender a execução caduca se, na impugnação judicial, não tiver sido proferida decisão em 1.ª instância no prazo de quatro anos, a contar da data da sua apresentação, e o interessado apresente requerimento no processo [alínea b) do seu n.º 1].
Ora, uma vez que, na Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro, inexiste qualquer disposição transitória a respeito da aplicação da citada norma legal, importa, para efeitos da sua aplicação, recorrer às regras gerais de aplicação da lei no tempo, em especial, ao disposto no art.º 12.º da LGT, onde se prevê, no seu n.º 3, que «[a]s normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes». Ou seja, «[e]m matéria de aplicação da lei processual tributária no tempo, vale a regra consagrada na teoria geral do direito civil, designadamente, no artigo 12º do Código Civil, de que a lei nova é de aplicação imediata aos processos pendentes, mas não possui eficácia retroactiva» (cfr. José Maria Fernandes Pires, em «Lei Geral Tributária Comentada e Anotada», 2015, Almedina, p. 107).
No entanto, importa ainda atender ao disposto no n.º 1 do art.º 297.º do Código Civil, onde se prevê que se «[a] lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar». Isto porque, a este respeito, adota-se o entendimento de Jorge Lopes de Sousa, ainda que a propósito da contagem do prazo de caducidade reintroduzido pela Lei n.º 40/2008, de 11 de agosto, de acordo com o qual a introdução de um prazo para a caducidade da garantia, «para pôr termo a uma situação que anteriormente se mantinha até ao trânsito em julgado da decisão final, independentemente do tempo que demorasse a prolação da decisão (cfr. artigo 183.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário)», é equiparável a uma situação de redução de prazo (em «Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado», 6.ª edição, Áreas Editora, Vol. III, p. 344).
Aqui chegados, temos que da conjugação das disposições acima expostas resulta, por um lado, que o novo prazo de quatro anos de caducidade de garantia tem aplicação aos processos de impugnação pendentes e, por outro, que esse prazo se conta a partir da entrada em vigor da Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro (i.e., a partir de 27-02-2021), razão pela qual, não tendo decorrido esse prazo na situação vertente, deverá ser indeferida a pretensão da Impugnante deduzida a tal respeito, o que se determina.
Custas pelo incidente, que se fixam em 0,5 UC, a cargo da Impugnante.
Notifique.»
2.2. De direito
A recorrente coloca sob censura o veredicto que recaiu sobre o seu requerimento de declaração de caducidade da garantia prestada, imputando-lhe erro de julgamento quanto ao direito aplicável. Alega, para tanto, que: i) O regime contido no art.º 183º-A do CPPT, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 7/2001, de 26 de fevereiro, é aplicável, às garantias prestadas pendentes ii) Não cumpre chamar a colação o disposto no artigo 279º, por estarmos no âmbito de uma relação jurídico-tributária, mas tão só aplicar o disposto no artigo 12º da LGT; iii) Pelo que o prazo de 4 anos configurado pela nova redação do artigo 183º-A do CPPT é de aplicação imediata, assim como o seu computo, sendo reconhecida a caducidade das garantias associadas a processos que aguardem decisão da 1ª instância há pelo menos 4 anos contados desde da data da sua instauração – como é o caso dos autos de Impugnação n.º 1225/17.5BEPRT.
Posto, isto, a questão a apreciar nesta sede recursória consiste em saber se, perante a garantia constituída na vigência do preceito do artigo 183.º-A do CPPT, no que respeita ao seu levantamento, pode ser-lhe aplicada o regime do artigo 183.º-A, do CPPT, introduzido pela Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro (que entrou em vigor em 27.02.2021).
O artigo 183.º-A do CPPT, na versão conferida pela Lei n.º 40/2008, de 11 de agosto (em vigor em 2017, aquando da prestação da garantia e apresentação em juízo da impugnação), sob a epigrafe “Caducidade da garantia em caso de reclamação graciosa” determinava o seguinte:
«1 - A garantia prestada para suspender o processo de execução fiscal caduca se a reclamação graciosa não estiver decidida no prazo de um ano a contar da data da sua interposição.
2 - O regime do número anterior não se aplica se o atraso na decisão resultar de motivo imputável ao reclamante.
3 - A verificação da caducidade cabe ao órgão com competência para decidir a reclamação, mediante requerimento do interessado, devendo a decisão ser proferida no prazo de 30 dias.
4 - Não sendo a decisão proferida no prazo previsto no n.º 3, considera-se o requerimento tacitamente deferido.
5 - Em caso de deferimento expresso ou tácito, o órgão da execução fiscal deverá promover, no prazo de cinco dias, o cancelamento da garantia.».
A Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro (que entrou em vigor em 27.02.2021), no âmbito da reforma intentada de reforço das garantias dos contribuintes e simplificação processual, procedeu a alterações à Lei Geral Tributária, ao Código de Procedimento e de Processo Tributário e à Lei Geral das Infrações Tributárias, entre outros diplomas. No que concerne ao CPPT, entre as alterações operadas, destaca-se a nova redacção do artigo 183º-A, cuja redacção passou a ser a seguinte:
«Caducidade de garantia
1 - A garantia prestada para suspender a execução em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial ou oposição caduca:
a) Automaticamente se a reclamação graciosa não estiver decidida no prazo de um ano a contar da data da sua interposição;
b) Se na impugnação judicial ou na oposição não tiver sido proferida decisão em 1.ª instância no prazo de quatro anos a contar da data da sua apresentação e o interessado apresente requerimento no processo.
2 - As situações previstas no número anterior são independentes de a garantia ter sido prestada pelo contribuinte ou constituída pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
3 - O requerimento mencionado na alínea b) do n.º 1 é submetido à apreciação do tribunal competente, devendo ser determinada em decisão fundamentada, após audição da administração tributária, a caducidade da garantia ou a sua manutenção por um período máximo adicional não renovável até dois anos, caso dos elementos do processo seja possível perceber o risco de prejuízo sério para o Estado.
4 - Os prazos referidos no n.º 1 são acrescidos em seis meses quando houver recurso a prova pericial.
5 - O regime dos números anteriores não se aplica se o atraso na decisão resultar de motivo imputável ao reclamante, impugnante, recorrente ou executado.
6 - A verificação da caducidade cabe:
a) No caso de reclamação graciosa, ao órgão competente para a decidir ou;
b) Ao tribunal tributário de 1.ª instância onde estiver pendente a impugnação, recurso ou oposição.
7 - Para aplicação da alínea a) do número anterior o interessado apresenta requerimento e a decisão é proferida no prazo de 30 dias.
8 - Não sendo a decisão proferida no prazo previsto no n.º 7, considera-se o requerimento tacitamente deferido.
9 - Em caso de deferimento expresso ou tácito, o órgão da execução fiscal deverá promover, no prazo de cinco dias, o cancelamento da garantia.». (sublinhados nossos)
Em suma, a caducidade passa a abranger a garantia prestada no âmbito do processo de impugnação judicial ou oposição à execução, cuja decisão não tenha sido proferida no prazo de quatro anos a contar da data da apresentação da acção (acrescido de 6 meses se houver recurso a prova pericial). No caso de caducidade da garantia prestada em sede de impugnação judicial ou de oposição, a mesma está dependente da apresentação de requerimento pelo interessado junto do Tribunal de 1ª instância onde estiver pendente o processo. Por decisão fundamentada e após o exercício do contraditório pela AT, o Tribunal pode determinar a caducidade da garantia ou a sua manutenção por um período máximo adicional, não renovável, até dois anos, caso entenda, em face dos elementos do processo, que da declaração de caducidade advém um risco de prejuízo sério para o Estado. Fica, ressalvado do presente regime, as situações em que o atraso na decisão resultar de motivo imputável ao impugnado ou executado.
Ora do probatório resulta que a Recorrente deduziu Impugnação em 23/05/2017, que tem por objeto a apreciação da legalidade da liquidação de IRC n.º 2016.831003…, referente ao exercício de 2013, e respetivos juros compensatórios –Para cobrança coerciva da dívida resultante daquelas liquidações foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 351420170105….Com vista à suspensão do processo de execução fiscal a Recorrente constituiu, em 07/04/2017, garantia bancária n.º 96230048402… a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira, no montante de € 7.272.569,31. Em 12/07/2021 requereu a declaração da caducidade da garantia prestada ao abrigo do disposto no artigo 183º -A do CPPT (actual redacção). Tal despacho foi indeferido por despacho de 06/09/2021 – objecto destes autos recursórios.
Ora segundo a sentença, « (…) na Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro, inexiste qualquer disposição transitória a respeito da aplicação da citada norma legal, importa, para efeitos da sua aplicação, recorrer às regras gerais de aplicação da lei no tempo, em especial, ao disposto no art.º 12.º da LGT, onde se prevê, no seu n.º 3, que «[a]s normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes». Ou seja, «[e]m matéria de aplicação da lei processual tributária no tempo, vale a regra consagrada na teoria geral do direito civil, designadamente, no artigo 12º do Código Civil, de que a lei nova é de aplicação imediata aos processos pendentes, mas não possui eficácia retroactiva» (cfr. José Maria Fernandes Pires, em «Lei Geral Tributária Comentada e Anotada», 2015, Almedina, p. 107).
No entanto, importa ainda atender ao disposto no n.º 1 do art.º 297.º do Código Civil, onde se prevê que se «[a] lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar». Isto porque, a este respeito, adota-se o entendimento de Jorge Lopes de Sousa, ainda que a propósito da contagem do prazo de caducidade reintroduzido pela Lei n.º 40/2008, de 11 de agosto, de acordo com o qual a introdução de um prazo para a caducidade da garantia, «para pôr termo a uma situação que anteriormente se mantinha até ao trânsito em julgado da decisão final, independentemente do tempo que demorasse a prolação da decisão (cfr. artigo 183.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário)», é equiparável a uma situação de redução de prazo (em «Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado», 6.ª edição, Áreas Editora, Vol. III, p. 344).
Aqui chegados, temos que da conjugação das disposições acima expostas resulta, por um lado, que o novo prazo de quatro anos de caducidade de garantia tem aplicação aos processos de impugnação pendentes e, por outro, que esse prazo se conta a partir da entrada em vigor da Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro (i.e., a partir de 27-02-2021), razão pela qual, não tendo decorrido esse prazo na situação vertente, deverá ser indeferida a pretensão da Impugnante deduzida a tal respeito, o que se determina.
Esta decisão não merece qualquer censura, pois em face da revogação do citado artigo 183º-A do CPPT, a partir de 27.02.2021, passou a reger em tal matéria a versão dada pelo n.º 4 da Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro, de acordo com a qual a garantia prestada para suspender a execução caduca se, na impugnação judicial, não tiver sido proferida decisão em 1ª instância no prazo de quatro anos, a contar da data da sua apresentação, e o interessado apresente requerimento (alínea b) do seu n.º 1), ainda não decorreram quatro anos a contar do início da sua vigência, o que se ocorrerá a 27.02.2025, se entretanto não ocorrer outra vicissitude que determine o seu levantamento, como o transito em julgado da decisão favorável ao garantido ou haja pagamento da dívida do processo de execução fiscal.
A propósito de situação distinta, mas com contornos semelhantes de sucessão de leis no tempo do regime de caducidade de garantia prestada, e que aqui avocamos, a jurisprudência foi firmando posição, assente em que:
«A garantia prestada em execução fiscal nos termos do artº 183º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário - não caducada à data de 1 de Janeiro de 2007, início de vigência da Lei nº 53-A/2006 de 29 de Dezembro, revogatória daquele artigo 183.º-A, só poderá ser levantada oficiosamente ou a requerimento de quem a haja prestado, logo que no processo que a determinou tenha transitado em julgado decisão favorável ao garantido ou haja pagamento da dívida, nos termos do n.º 2 do artigo 183.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» [acórdão do STA, de 09.06.2010, no âmbito do processo n.º 0345/10 e de 22.04.2009, no processo n.º 0138/09].
A propósito da então revogação do artigo 183º-A pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, «deixaram de caducar as garantias prestadas em que não tivesse sido completado o prazo necessário para ocorrer a caducidade. Com efeito, está-se perante uma situação jurídica em curso de constituição, pelo que, se no momento da entrada em vigor da lei nova não ocorreu ainda a caducidade, os requisitos para a sua ocorrência não são regulados pela lei nova. No entanto, relativamente às situações em que os requisitos para ocorrer a caducidade se preencherem antes da revogação deste artigo, continua a ser possível declarar a caducidade, uma vez que se trata de uma situação constituída à sombra da lei antiga. (…) A caducidade é um efeito automático do decurso dos períodos nele referidos, sem que seja proferida decisão no processo administrativo ou judicial, limitando-se o tribunal a verificar a caducidade.» (acórdão do STA, de 22.04.2009, no processo n.º 0138/09)
«O pedido de declaração de caducidade de garantia afere-se pela lei vigente ao tempo da prática do acto, ou seja, estamos perante o domínio da aplicação do princípio tempus regit actum, por força do qual o art.º 183.º-A do CPPT não se aplica à situação da presente acção uma vez que, no caso vertente, não era norma em vigor à data da reclamação graciosa apresentada pela A. (…) A apresentação do requerimento de prestação de garantia - em 31/08/2007 - e que retroage os seus efeitos à data da entrada da Reclamação Graciosa - em 08/08/2007- determinou o regime aplicável ao caso dos autos, o qual era o regulado pela lei antiga ou seja, o regime constante do artº 183º nº 2 do CPPT, atenta a revogação, pelo artº 94º da Lei nº 53-A/2006, do artº 183º -A do CPPT» (vide acórdão do TCA Sul de 22.10.2020, proferido no processo 1187/10.0BEALM e, neste sentido, ainda o acórdão de 19.11.2020, proferido no processo n.º 1387/11.5BELRS).
Estava então em causa a regulação da situação jurídica associada à prestação de garantia, como mecanismo de suspensão da execução fiscal, associada à tutela judicial efectiva, accionada através da impugnação administrativa (reclamação graciosa) deduzida contra o acto de liquidação. Concretamente, estão em causa os efeitos do decurso do prazo da pendência do meio impugnatório gracioso sem decisão sobre a subsistência da garantia prestada. Seja por via do disposto no artigo 12.º/1, do Código Civil, seja por via do disposto no artigo 12.º/2, primeira parte, do Código Civil, a lei nova não pode aplicar-se às situações constituídas na vigência da lei antiga, sem que assuma eficácia retroactiva, solução que o ordenamento jurídico, em particular, os princípios constitucionais da segurança jurídica e da igualdade não consentiriam.

Concluindo, o novo prazo de caducidade (4 anos) aplica-se aos processos de impugnação pendentes a 27.02.2021 (data da entrada em vigor da nova redacção do artigo 183º-A do CPPT), de harmonia com a regra do artigo 12º n.º 3 da LGT, mas só se conta a partir da entrada em vigor da Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro, a saber dia 27.02.2021.
É este o regime que decorre do n.º 1 do artigo 297º do Código Civil, de aplicação à situação, contrariamente ao alegado pela Recorrente, pois a introdução de um prazo de garantia, para pôr termo a uma situação que anteriormente se mantinha até que no processo que a determinou ocorresse decisão favorável ao garantido com trânsito em julgado (artigo 183º do CPPT – levantamento da garantia), isto independentemente do tempo de demorasse a prolação de sentença, é o actual regime claramente mais favorável ao garantido e como tal equiparável a uma situação de redução do prazo.
Por todo o exposto o Tribunal a quo decidiu bem, improcede, pois, o recurso.
2.3. Conclusões
I. O prazo de caducidade de quatro anos introduzido pela redacção dada ao artigo 183º-A do CPPT, pela Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro, tem aplicação aos processos de impugnação judicial pendentes, de harmonia com a regra do artigo 12º, n.º 3 da LGT, mas só se conta a partir do dia 27.01.2021, data da entrada em vigor daquele artigo.
II. Pois que, nas situações constituídas na vigência da lei antiga não pode aplicar-se a lei nova aos efeitos do decurso do prazo da pendência do meio impugnatório gracioso sem decisão sobre a subsistência da garantia prestada. A respetiva eficácia retroactiva não é permitida pelo ordenamento jurídico, em particular, pelos princípios constitucionais da segurança jurídica e da igualdade.

3. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar na ordem jurídica o despacho recorrido.

Custas pela Recorrente.

Porto, 13 de janeiro de 2022


Irene Isabel das Neves
Ana Paula Santos
Maria Celeste Oliveira