Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 01026/22.9BEPRT |
| Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
| Data do Acordão: | 09/30/2022 |
| Tribunal: | TAF do Porto |
| Relator: | Helena Ribeiro |
| Descritores: | COMUNICAÇÃO - ATO INIMPUGNÁVEL- FALTA DE OBJETO DO RECURSO |
| Sumário: | I- Não constitui ato administrativo mas uma mera comunicação a notificação de um despacho que determinou a desocupação e entrega de uma habitação, livre de pessoas e bens, sob pena de não o fazendo a situação prosseguir a via judicial em ordem à recuperação do imóvel. II- Não se mostra preenchido o requisito do fumus boni iuris, necessário ao decretamento de uma providência cautelar de suspensão de eficácia, quando se conclui que o ato suspendendo não configura um ato administrativo mas uma mera comunicação, que não é judicialmente impugnável. III- Os recursos jurisdicionais destinam-se a apreciar, por uma instância hierarquicamente superior, decisões judiciais com vista à sua anulação, revogação ou confirmação, e não a apreciar questões novas, não suscitadas pelas partes junto do tribunal recorrido ou, tendo sido suscitadas, o seu conhecimento ficou prejudicado pela decisão proferida, salvo, naturalmente, quando se esteja perante questão que seja do conhecimento oficioso do tribunal. IV- Não tendo sido atacados os fundamentos da decisão recorrida, impõe-se rejeitar o recurso por falta de objeto. Sumário (elaborado pela relatora – artigo 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil). |
| Decisão: | Rejeitar o recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: | Foi emitido parecer, pugnando pelo não conhecimento do objeto de recurso por falta de impugnação dos fundamentos da decisão recorrida, e, para o caso de assim se não entender, pela improcedência da apelação, por se impor a confirmação da decisão recorrida. |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo: I.RELATÓRIO 1.1. AA (doravante Requerente ou A.), residente na Praceta..., instaurou providência cautelar, contra o IHRU – Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana, sito na Rua ... Porto, peticionando a suspensão de eficácia da decisão, que lhe foi notificada pelo oficio de 20/01/2022 do Coordenador do Departamento de Gestão do Património Arrendado do Norte, que determinou a desocupação e entrega da habitação correspondente à casa ...1, da entrada ...20, do ..., da Praceta ... àquele IHRU, livre de pessoas e bens. Alega, para tanto, que, o despejo da requerente e do seu agregado familiar, constituído pela própria e pelos seus 3 filhos, irá causar-lhes prejuízo de difícil reparação, pois não têm onde morar nem salário fixo, vivendo do Rendimento Social de Inserção; Mais alega ser falso que a requerente esteja a usar o imóvel em causa de forma ilegítima e abusiva, sem autorização do requerido, sendo tal uso legítimo, uma vez que paga as despesas; A suspensão da eficácia requerida não determinará grave lesão do interesse público, acontecendo até o inverso, porquanto a permanência da requerente na habitação corresponde ao seu direito enquanto cidadã, sendo, inclusivamente, o direito à habitação ... direito constitucionalmente consagrado no artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o qual só pode ser posto em causa por motivo válido e legal, o que não acontece in casu, pois a requerente usa a habitação de forma legítima; O ato suspendendo é inválido por não esclarecer, concretamente, a sua motivação, desconhecendo-se as razões de facto e de direito que a ele conduziram, pelo que, estando o ato insuficientemente fundamentado, tal equivale à falta de fundamentação de acordo com o artigo 125.º, n.ºs 1 e 2, do CPA, gerando, por isso, vício de forma; A execução do ato suspendendo representa para o requerente uma violência, ofendendo o princípio da justiça, pois a requerente encontra-se em situação de insuficiência económica, tem três filhos, vivendo a família com algumas dificuldades. 1.2. Citado, o Requerido deduziu oposição, pugnando pela improcedência do pedido, sustentando, que é proprietário e possuidor da fração autónoma identificada pela letra ... correspondente à habitação n.º ...1 do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal com entrada pelo nº ...20 (Edifício 4) da Travessa ... (atualmente designada por Praceta ...), freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...85 e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ..., sob o n.º ...02, fogo que é utilizado pelo Requerido para atribuição a famílias carenciadas no regime de arrendamento apoiado; Não celebrou com a Requerente nenhum contrato de arrendamento, sendo que a Requerente tem utilizado o local em virtude de esbulho praticado com violência; Instaurou contra a requerente providência cautelar de restituição provisória de posse, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Cível, Juiz ..., sob o processo n.º 4936/22...., tendo sido proferida sentença em 28/03/2022, provando-se que o ali R. (aqui requerido) não celebrou com a aqui Requerente qualquer contrato de arrendamento nem estabeleceu qualquer relação jurídica administrativa, tendo sido ordenada a restituição da posse do imóvel ao ora Requerido e dispensado este do ónus de propositura da ação principal, sentença esta transitada em julgado; No decurso das diligências de entrega a Requerente peticionou a suspensão do ato, a qual tendo sido deferida foi objeto de recurso; Tendo tomado conhecimento da ocupação ilícita da habitação propriedade do Requerido por parte da Requerente, limitou-se a notificá-la para proceder à desocupação do fogo e à sua entrega sem que tal notificação constitua qualquer ato administrativo, pelo que não é impugnável; Ademais, a Requerente não tem qualquer direito à utilização do fogo. 1.4. Proferiu-se despacho que considerou desnecessária a produção de prova testemunhal aduzida pela Requerente e que indeferiu o requerimento de prova testemunhal, nos termos do art. 118.º, n.º 2 e 5 do CPTA. 1.5. Fixou-se o valor da causa em € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo). 1.6. O TAF do Porto proferiu decisão que julgou improcedente a providência cautelar, constando o seu dispositivo do seguinte teor: «Pelo exposto, julga-se improcedente a presente providência cautelar e, em consequência, absolve-se o requerido do pedido. Custas pela requerente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie (cfr. artigo 527.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil ex vi artigo 1.º do CPTA, artigo 7.º, n.º 4 e tabela II-A do RCP). Registe e notifique.» 1.7. Inconformada com a decisão proferida, a Autora interpôs o presente recurso de apelação, formulando as seguintes Conclusões: «1º - A Douta Sentença não faz a correcta aplicação do direito aos factos. 2º - Com relevância para a boa decisão da causa, estão provados, os seguintes factos: 1. Pela ap. ...80 de 29.11.2010, da descrição predial ...13, mostra-se registada a favor do requerido, na Conservatória do Registo Predial ..., a transmissão por transferência de património das frações ... a ..., do prédio urbano situado na Travessa ..., composto por edifício de 4 pavimentos, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...85 da freguesia ... – cfr. doc. 1 junto com a oposição. 2. A fração autónoma designada pela letra ... do prédio referido no ponto anterior é utilizada pelo requerido para atribuição a famílias carenciadas no âmbito do regime de arrendamento apoiado. – cfr. doc. ... junto com a oposição. 3. Com data de 20.01.2022, o requerido remeteu à requerente ofício sob o assunto “Entrega voluntária do fogo n.º ...55”, com o seguinte teor: “(...) Verificou-se que V. Exa. ocupa, sem contrato ou documento de autorização ou atribuição que a legitime, a habitação de que este Instituto é proprietário, correspondente à fração autónoma destinada a habitação designada pela letra ... situada no Bairro ..., ... (Bloco ...), casa ...1, no Porto. Neste sentido, e após análise da situação, ao abrigo dos artigos 28.º e 35.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, na sua atual redação, solicita-se a V. Exa. a desocupação e entrega da habitação ao IHRU, livre de pessoas e bens e nos exatos termos em que a encontrou aquando a ocupação, no prazo de 3 dias úteis, sob pena da situação prosseguir a via judicial em ordem à recuperação do imóvel sem outro aviso. Mais se informa que, deverá, no prazo indicado, comunicar a concretização da desocupação do fogo nos termos previstos. (...)” – cfr. doc. 1 junto ao requerimento inicial. 4. Em 28.03.2022, o Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Cível do Porto – Juiz ... proferiu sentença no âmbito do procedimento cautelar que correu termos sob o n.º de processo 4936/22...., que deferiu a providência cautelar de restituição provisória e determinou a restituição ao requerido pela requerente da posse da fração autónoma designada pela letra ..., correspondente à habitação n.º ...1, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal com entrada pelo n.º ...20 (edifício 4) da Travessa ... (atualmente designada por Praceta ...), freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...25 e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ..., sob o n.º ...02 – cfr. docs. ... e ... juntos com a oposição. 3º - A Recorrente não tem que provar por forma cabal os factos concretos alegados, integrantes do requisito da alínea b) do n. 1 do art. 120º do CPTA, bastando que eles sejam credíveis e susceptiveis de formarem a convicção de que a execução do acto causará, provavelmente, prejuízos de difícil reparação. 4º - Esse juízo de verosimilhança partirá desses factos, que devem ser credíveis, e, inclusivamente, de dados da experiencia comum, importando para o efeito que eles não sofram contestação relevante pelos requeridos. 5º - Determina a alínea a) do n.º 1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que uma providência cautelar é decretada quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal. 6º - O que é evidente não precisa de ser explicado, para um destinatário mediano, bem entendido. O que precisa de explicação já não é evidente. 7º - Só nos casos em que procedência da pretensão se mostre indiscutível, patente e, por isso, a decisão final do processo principal, salvo circunstâncias anormais e imprevisíveis, se mostre como algo certo, inexorável, se pode dizer que a procedência é evidente (neste sentido ver os acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19.1.2006, recurso 01295/05, e de 28-06-2007, recurso 02225/07). 8º - Pois apenas nestes casos se justifica a desnecessidade de demonstrar os requisitos exigidos por lei para o decretamento das providências cautelares, em concreto os que são exigidos nas restantes alíneas do mesmo n.º1, e no n.º 2, do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. 9º - São, portanto, raros os casos em que esta previsão se pode dar por preenchida. 10º - Como dizem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, no Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ed. 2005, p. 120, “Os próprios exemplos que o legislador indica no preceito sugerem, porém, que este preceito deve ser objecto de uma aplicação restritiva: a evidência a que o preceito se refere deve ser palmar, sem necessidade de quaisquer indagações”. 11º - Ou, como se refere, entre outros, no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 29.04.2010, processo 02484/09....: “Só em relação aos vícios graves, aqueles que concretizam uma lesão insuportável dos valores protegidos pelo direito administrativo e que por isso implicam a nulidade do acto, é que é possível verificar o requisito previsto no artigo 120º, alínea a) do CPTA porque em relação à violação de preceitos de forma em sentido amplo, o que inclui a forma e o próprio procedimento, incluindo vícios cominados com a anulabilidade, nem sempre a preterição da forma conduz à anulação.” 12º - Fora das situações em que a solução jurídica se imponha sem necessidade de qualquer indagação ou explicação para além da simples indicação da evidência, e das situações de vícios graves, impõe-se demonstrar os requisitos para o deferimento da providência, mencionados nas aludidas alíneas b) e c). 13º - Ora, no caso em apreço, não é, por ora, evidente nem a procedência nem a improcedência da acção principal pelo impõe-se, verificar se estão reunidos os requisitos a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos: 14º - O non malus fumus iuris. Determina este preceito: “Quando, estando em causa a adopção de uma providência conservatória, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito”. 15º - Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.10.2009, Proc. n.º ...9, reiterando entendimento jurisprudencial que ali invoca, face “... ao art. 120.º, n.º 1 b) e n.º 2 do CPTA, são três os requisitos de que depende a concessão de uma providência conservatória (como é o caso da suspensão de eficácia do acto) e cuja verificação é cumulativa: - o fumus boni iuris, na sua formulação negativa; - o periculum in mora; - a superioridade dos danos resultantes da sua concessão, relativamente aos que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências”. 16º - No que diz respeito, desde logo, ao fumus non malus iuris, sustentou-se, impressivamente, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13.05.2009, proc. n.º ...9, que o «tribunal apenas se deve basear, para a formulação dos juízos a que se refere o art. 120.º, numa apreciação perfunctória, que é própria da tutela cautelar, sobre a (in)existência de circunstâncias que possam obstar ao conhecimento do mérito da causa e sobre a probabilidade de êxito que o requerente poderá ter no processo principal. Trata-se, pois, de juízos formulados sob reserva de, no processo principal, se poder chegar a uma conclusão diferente». 17 º - Reportando-nos ao caso concreto está em causa saber se é válido o motivo essencial para fazer cessar o arrendamento. 18º - Como já se referiu anteriormente, tal motivo não é válido, uma vez que o art.º 6º n.º 1 alín. a) in fine da Lei 81/2014 de 19 de Dezembro, consagra uma exceção, inteiramente aplicável ao caso em apreço, e tal nem sequer foi tido e consideração pelo Digno tribunal «a quo». 19º - Mostra-se portanto muito provável ou manifesta a procedência da acção principal, embora não evidente. 20º- Relativamente a este perigo, O Digno tribunal a quo entende de facto estar preenchido. 21º - O acto recorrido causa prejuízo de difícil reparação aos requerentes, que extravasa o prejuízo avaliado ou quantificado pecuniáriamente, já que estão em causa interesses de maior relevo, nomeadamente valores morais e familiares. 22º - Por outro lado, a suspensão em causa, não determina a grave lesão do interesse público. No caso em apreço, acontece até o inverso. 23º - O interesse público foi e está defendido, uma vez que, a permanência do requerente e seu agregado naquele local, corresponde ao seu direito enquanto cidadão, não podendo ser posto em causa sem qualquer motivo plausível e legal. 24º - Por outro lado é também um direito consagrado constitucionalmente – Direito à Habitação e Urbanismo – art. 65º da C.R.P.. 25º - Pelo que deve decretar-se a suspensão da eficácia do despacho recorrido. 26º - A douta decisão violou, por erro de interpretação e de aplicação nomeadamente, o disposto nos artigos 6º Lei 81/2014 de 19 de Dezembro; 2º e), 120º e 125º n.º1 do CPPT, bem como art.º 62º CRP. Nestes Termos, deve ser dado provimento ao recurso e revogada a Douta Sentença recorrida.» 1.8. O Apelado não apresentou contra-alegações. 1.9. O Ministério Público junto deste TCA Norte, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer, pugnando pelo não conhecimento do objeto de recurso por falta de impugnação dos fundamentos da decisão recorrida, e, para o caso de assim se não entender, pela improcedência da apelação, por se impor a confirmação da decisão recorrida. 1.10. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento. * II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO. 2.1.Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT. Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”. 2.2. Assentes nas mencionadas premissas, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste TCAN resumem-se a saber se a decisão recorrida não procedeu a uma correta subsunção jurídica dos factos ao julgar improcedente a providência cautelar, quando na perspetiva da Apelante estão preenchidos os requisitos de que depende o decretamento da mesma. No entanto, como bem ponderou a Senhora Procuradora Geral Adjunta no parecer que emitiu ao abrigo o artigo 146.º, n.º1 do CPTA, e que foi regularmente notificado à Apelante, suscita-se a questão prévia de saber se Apelante, pese embora tenha invocado erro de julgamento, não atacou o fundamento da sentença, que determinou o não decretamento da providencia cautelar, que assentou na consideração do ato suspendendo como não impugnável, por configurar uma mera comunicação, e que, por isso, a ação principal estava devotada ao insucesso, terminando necessariamente com absolvição da instância proferida no âmbito do processo principal. A confirmar-se que a Apelante não imputou nenhuma nulidade ou erro de julgamento ao assim decidido, tal importará a rejeição do recurso por falta de objeto, sabendo-se que os recursos jurisdicionais se destinam a apreciar, por uma instância hierarquicamente superior, decisões judiciais com vista à sua anulação, revogação ou confirmação, e não a apreciar questões novas, não suscitadas pelas partes junto do tribunal recorrido ou, tendo sido suscitadas, o seu conhecimento ficou prejudicado pela decisão proferida, salvo, naturalmente, quando se esteja perante questão que seja do conhecimento oficioso do tribunal, o que, sem qualquer hesitação ou ambiguidade, não é o caso. ** III. FUNDAMENTAÇÃO A. DE FACTO 3.1. A 1.ª Instância julgou provada a seguinte facticidade: «1. Pela ap. ...80 de 29.11.2010, da descrição predial ...13, mostra-se registada a favor do requerido, na Conservatória do Registo Predial ..., a transmissão por transferência de património das frações ... a ..., do prédio urbano situado na Travessa ..., composto por edifício de 4 pavimentos, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...85 da freguesia ... – cfr. doc. 1 junto com a oposição. 2. A fração autónoma designada pela letra ... do prédio referido no ponto anterior é utilizada pelo requerido para atribuição a famílias carenciadas no âmbito do regime de arrendamento apoiado. – cfr. doc. ... junto com a oposição. 3. Com data de 20.01.2022, o requerido remeteu à requerente ofício sob o assunto “Entrega voluntária do fogo n.º ...55”, com o seguinte teor: “(...) Verificou-se que V. Exa. ocupa, sem contrato ou documento de autorização ou atribuição que a legitime, a habitação de que este Instituto é proprietário, correspondente à fração autónoma destinada a habitação designada pela letra ... situada no Bairro ..., ... (Bloco ...), casa ...1, no Porto. Neste sentido, e após análise da situação, ao abrigo dos artigos 28.º e 35.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, na sua atual redação, solicita-se a V. Exa. a desocupação e entrega da habitação ao IHRU, livre de pessoas e bens e nos exatos termos em que a encontrou aquando a ocupação, no prazo de 3 dias úteis, sob pena da situação prosseguir a via judicial em ordem à recuperação do imóvel sem outro aviso. Mais se informa que, deverá, no prazo indicado, comunicar a concretização da desocupação do fogo nos termos previstos. (...)” – cfr. doc. 1 junto ao requerimento inicial. 4. Em 28.03.2022, o Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Cível do Porto – Juiz ... proferiu sentença no âmbito do procedimento cautelar que correu termos sob o n.º de processo 4936/22...., que deferiu a providência cautelar de restituição provisória e determinou a restituição ao requerido pela requerente da posse da fração autónoma designada pela letra ..., correspondente à habitação n.º ...1 do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal com entrada pelo n.º ...20 (edifício 4) da Travessa ... (atualmente designada por Praceta ...), freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...25 e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ..., sob o n.º ...02 – cfr. docs. ... e ... juntos com a oposição. III.2. Factos não provados Não se provaram indiciariamente quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa. ** III.B.DE DIREITO b.1. da questão previa da falta de objeto do presente recurso 3.2. O presente recurso de apelação vem interposto da decisão proferida pelo TAF do Porto, em 22/07/2022 que julgou improcedente a providência cautelar de suspensão de eficácia de ato administrativo que a Apelante moveu contra o Apelado, no qual a mesma pedia a anulação do despacho notificado pelo oficio de 20/01/2022 do Coordenador do Departamento de Gestão do Património Arrendado do Norte, que determinou a desocupação e entrega da habitação correspondente à casa ...1, da entrada ...20, do ..., da Praceta ... àquele IHRU, livre de pessoas e bens, sob pena de não o fazendo a situação prosseguir a via judicial em ordem à recuperação do imóvel, sem outro aviso. A 1.ª Instância, começou por elencar os pressupostos de que depende o decretamento de uma providência cautelar de suspensão de eficácia de ato administrativo, consagrados no artigo 120.º do CPTA, na versão aplicável aos autos, que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02 de outubro- que lhe introduziu profundas alterações, eliminando as alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 120.º na versão até então vigente, passando o conteúdo da então alínea c) a constar do atual n.º 1 do artigo 120.º,- cuja aplicação ao caso a Apelante ignora, uma vez que, nas conclusões de recurso que apresentou, invocou a disciplina que constava daquele preceito antes da revisão de 2015. Seguidamente, o Tribunal a quo, considerou, que não se mostrava preenchido o fumus boni iuris, por o ato suspendendo não configurar um ato administrativo mas uma mera comunicação, e como tal, não ser impugnável, o que, em sede de ação principal, levaria à absolvição da instância no processo principal, relativamente ao qual esta providencia tem uma relação de dependência, julgando improcedente a providência cautelar. A decisão que a 1.ª Instância proferiu a este respeito tem concretamente o seguinte teor, que consideramos útil transcrever para a melhor compreensão da questão prévia acima elencada e que ora nos cumpre decidir: «A propósito de situação idêntica à dos autos e com total aplicação aos presentes escreveu-se na decisão proferida no processo 702/22...., “Volvendo ao caso em apreço, importa, antes de mais, apreciar a questão prévia da inimpugnabilidade do acto impugnado por não consubstanciar um acto administrativo, invocada pelo requerido, pois que, a proceder, estará inevitavelmente afastada a verificação do pressuposto do fumus boni iuris na medida em que a sua procedência, enquanto excepção dilatória cuja procedência obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa – cfr. artigo 89.º do CPTA, n.ºs 1, 2 e 4, alínea i) -, determina a absolvição da instância no processo principal. Quanto à inimpugnabilidade do acto suspendendo, como vimos, alega o requerido que, não existindo uma relação jurídica administrativa (ou outra) entre o requerente e o requerido, o acto suspendendo não produziu efeitos jurídicos externos, não tendo criado, modificado ou extinguido uma relação jurídica. O conceito de “acto administrativo” encontra-se legalmente plasmado no artigo 148.º do CPA, onde se lê que “[p]ara efeitos do disposto no presente Código, consideram-se atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta”. Por sua vez, relativamente ao conceito de “acto impugnável”, estabelece o artigo 51.º, n.º 1, do CPTA, a esse respeito, que “[a]inda que não ponham termo a um procedimento, são impugnáveis todas as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta, incluindo as proferidas por autoridades não integradas na Administração Pública e por entidades privadas que atuem no exercício de poderes jurídico-administrativos”, de sorte que, havendo um acto administrativo, temos um acto impugnável, para efeitos do preceituado no artigo 51.º, n.º 1, do CPTA. Do exposto resulta, em suma, que o conceito de acto administrativo impugnável previsto no artigo 51.º, n.º 1, do CPTA corresponde ao conceito de acto administrativo delineado no artigo 148.º do CPA, enquanto decisão que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visa produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta. Revertendo aos autos, o acto cuja suspensão da eficácia é requerida está documentado no ofício que o requerido remeteu ao requerente, datado de (...), sob o assunto “Entrega voluntária do fogo n.º (...)”, nos termos do qual o requerido solicita ao requerente a desocupação e entrega da habitação propriedade do requerido, livre de pessoas e bens e nos exactos termos em que a encontrou aquando a ocupação, no prazo de 3 dias úteis, considerando que a ocupa sem contrato ou documento de autorização ou atribuição que legitime a ocupação. Assim, tal como afirma o requerido, não está em causa um acto administrativo, desde logo porque o acto em causa não tem carácter regulador, não modifica nem extingue – muito menos constitui – uma qualquer relação jurídica administrativa entre requerente e requerido, aliás inexistente. Trata-se de uma mera comunicação de um proprietário dirigida ao ocupante de prédio seu para que o desocupe, precisamente porque não tem título que legitime a ocupação, sendo certo que, com tal comunicação, o requerido não está pôr fim nem a modificar qualquer relação jurídica com o requerente, a qual nunca existiu. Neste contexto, o requerido é proprietário - não senhorio -, pois que, anteriormente à comunicação em análise, inexistia qualquer relação jurídica de arrendamento entre ambos. Ainda que se trate de uma ordem de desocupação emitida por uma entidade pública e dirigida a um particular, isso não faz da mesma um acto administrativo na medida em que, ao fazê-lo, o requerido não está investido nos seus poderes de autoridade, não está a exercer poderes jurídico-administrativos; está apenas a solicitar a desocupação da sua propriedade, como o faria qualquer outro proprietário, na tentativa de evitar o recurso a meios judiciais para reivindicar a propriedade. Não estando em causa um acto administrativo, concluímos pela inimpugnabilidade do acto suspendendo, circunstância que afasta a verificação do pressuposto do fumus boni iuris na medida em que a sua procedência, enquanto excepção dilatória cuja procedência obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa – cfr. artigo 89.º do CPTA -, determina a absolvição da instância no processo principal e, consequentemente, a providência requerida deixa de ter qualquer efeito útil para assegurar a tutela principal. Não estando preenchido in casu o requisito do fumus boni iuris, improcede o presente processo cautelar, na medida em que os requisitos são de verificação cumulativa.” Aderindo integralmente à decisão citada e considerando que também nestes autos está em causa o ofício que o requerido remeteu à requerente, datado de 20.1.2022, sob o assunto “Entrega voluntária do fogo n.º ...55”, nos termos do qual o requerido solicita à requerente a desocupação e entrega da habitação propriedade do requerido, livre de pessoas e bens e nos exatos termos em que a encontrou aquando a ocupação, no prazo de 3 dias úteis, considerando que a ocupa sem contrato ou documento de autorização ou atribuição que legitime a ocupação, entendemos que não está em causa um ato administrativo, mas de uma mera comunicação de um proprietário dirigida ao ocupante de prédio seu para que o desocupe, precisamente porque não tem título que legitime a ocupação, sendo certo que, com tal comunicação, o requerido não está pôr fim nem a modificar qualquer relação jurídica com o requerente, a qual nunca existiu.» Perscrutadas as conclusões de recurso apresentadas pela Apelante, em parte alguma aquela invocou erro de julgamento relativamente à qualificação do ato impugnado como mera declaração, e à consideração de que, por essa razão, o mesmo não configura um ato administrativo impugnável. Ou seja, a Apelante não atacou, em sede de recurso, a questão essencial que levou à improcedência da providência cautelar, limitando-se a tecer considerações sobre a verificação dos pressupostos da providência requerida, à luz de critérios para o respetivo decretamento que constavam da versão do artigo 120.º anterior á que lhe foi conferida pela revisão de 2015 e sem contrapor ao julgamento efetuado pela 1.ª Instância sobre a inimpugnabildade do ato suspendendo qualquer objeção, deixando intocada a decisão recorrida nos seus fundamentos, que assim, transitou em julgado. Como tal, subscrevemos integralmente o parecer subscrito pela Senhora Procuradora Geral Adjunta, que passamos a transcrever: «Questão Prévia- Da admissibilidade do recurso Os recursos, são dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido e respetivos fundamentos, têm, como vimos, o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso, a qual apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal «a quo» ou, no adequado contexto impugnatório, que aí devessem ser oficiosamente conhecidas. O objecto do recurso jurisdicional é a sentença recorrida (artigo 627º do CPC) e não o acto administrativo sobre o qual esta se pronunciou, o que obriga o recorrente, na alegação de erro de julgamento, a demonstrá-lo nas alegações e conclusões do recurso, atacando os seus fundamentos com indicação das razões que levam a concluir pela sua alteração ou revogação, observando o disposto, designadamente, nos artigos 639º e 640º do CPC. Se o não fizer e se se limitar a repetir os argumentos impugnatórios do acto recorrido, não se pode, nessa medida, tomar conhecimento do recurso, precisamente pela ignorância das razões pelas quais devem os fundamentos da decisão recorrida ser afastados. Feita, esta consideração prévia, e volvendo agora aos presentes autos, afigura-se-nos, que a recorrente tendo invocado erro de julgamento, não atacou o fundamento da sentença, que determinou o não decretamento da providencia cautelar, a saber: O pedido cautelar foi julgado improcedente, por não se mostrar preenchido o fumus boni iuris, uma vez que o tribunal “A Quo considerou que o ato suspendendo era inimpugnável, e que o mesmo configurava uma mera comunicação, e assim sendo a ação principal estava devotada ao insucesso, terminando necessariamente com absolvição da instância proferida no âmbito do processo principal. Face, ao exposto, afigura-se-nos que o presente recurso não deve ser conhecido, pois no mesmo não foi atacado os fundamentos da sentença». Confirmando-se que a Apelante não imputou nenhuma nulidade ou erro de julgamento ao fundamento em que assentou a não verificação do fumus boni iuris – a inimpugnabilidade do ato suspendendo- e tendo esse fundamento transitado em julgado, impõe-se rejeitar o presente recurso por falta de objeto na medida em que os erros de julgamento que aquela invoca não se destinam a colocar em crise o fundamento que presidiu à improcedência da presente providência cautelar, ou seja, a natureza meramente declarativa do ato suspendendo. **** IV- DECISÃO Nesta conformidade, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte em rejeitar o presente recurso de apelação, por falta de objeto na medida em que o fundamento que presidiu ao indeferimento da providência cautelar em sede de decisão recorrida não vem impugnado pela Apelante. * Custas pela Apelante ( artigo 527.º, n.ºs e 1 e 2). Notifique. * Porto, 30 de setembro de 2022 Helena Ribeiro Nuno Coutinho Ricardo de Oliveira e Sousa |