Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:1796/10.7BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/15/2022
Relator:Tiago Miranda
Descritores:OPOSIÇÃO,
EXTINÇÃO POR IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Sumário:I – Quando o órgão de execução fiscal, uma vez arguida, pelo revertido, a nulidade da sua citação para a execução, pratica um novo acto de citação, conferindo novo prazo para a dedução de oposição à execução, extingue-se, por impossibilidade superveniente da lide, a oposição que fora apresentada na sequência da primeira citação, arguida de nula.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:AA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Execução Fiscal - Oposição - 1ª espécie - Recursos jurisdicionais [Desp. 11/2016]
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Foi emitido parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:I. Relatório
A Autoridade Tributária e Aduaneira inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou extinta, por inutilidade superveniente, a oposição intentada pelo revertido AA, NIF 10..., em 4/6/2010, relativamente à execução nº 31...6 e apensos, instaurada inicialmente contra o “SC....”, NIPC 5..., no serviço de finanças do Porto 5, por dívidas respeitantes a IRS e IRC de 2003, no montante global de € 802 098,29 €, veio dela interpor o presente recurso de apelação.

Termina as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES
A. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou extinta a instância da presente oposição, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art. 277º, al. e), do CPC, condenando em custas a Fazenda Pública, por imputáveis ao abrigo do art. 536º, nº 3, do CPC,
B. afirmando que “o despacho de 04.06.2010 [pelo qual o órgão da execução fiscal deferiu a anulação da citação efectuada em 30.04.2010 que perante aquele tinha sido arguida pelo aqui oponente, ordenando nova citação pessoal, realizada em 19.07.2010], tem como consequência a anulação da primeira citação anteriormente efectuada e actos posteriormente praticados na sua sequência”, importando “a perda de utilidade da presente lide, pois a nova citação torna inútil o seu prosseguimento”,
C. e, porque o oponente deduziu nova oposição após a citação de 19.07.2010, “perdeu o interesse na manutenção da pretensão formulada nestes autos, uma vez que a mesma constituirá objecto de outro processo a correr os seus demais termos”, sendo indiferente que, atendendo ao princípio pro actione, a oposição em apreço pudesse prosseguir.
D. Com o assim decidido, e salvo o devido respeito, não pode a Fazenda Pública, conformar-se, porquanto a douta sentença recorrida mostra-se afectada por erro sobre os pressupostos de facto, já que a douta sentença recorrida seleccionou e valorou de modo deficiente a matéria de facto comprovada nos autos, comprometendo a correcta aplicação do direito, em termos que afectam irremediavelmente a validade substancial da sentença, pelas razões que passa a explanar.
E. Ora, a Fazenda Pública entende que, porque o julgamento de facto se mostra afectado por insuficiência de base factual, por não fazer a devida enunciação e apreciação de todos os factos devem ser dados como provados na oposição em apreço, segundo os meios de prova documentais presentes nos autos, com relevo para a decisão da causa, esse Douto Tribunal ad quem, com base nesses meios e no uso da faculdade prevista no actual art. 662º, nº1, do CPC, alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos melhor expostos no desenvolvimento destas alegações.
F. Sintetizando, (d)a anulação da citação na sequência da qual foi deduzida a oposição não decorre a impossibilidade ou inutilidade da lide, que só poderia ser constatada por força da extinção da execução, ficando desprovida o objecto, sob pena de infracção do regime do art. 277º, al. e), do CPC, na redacção actual.
G. A oposição funciona na dependência do processo de execução fiscal como uma contestação à pretensão do exequente, com a finalidade de apurar se a execução deve ou não prosseguir contra o oponente, extinguindo-se a execução quanto a este se for de concluir que não.
H. A instrumentalidade da oposição em relação ao processo de execução fiscal decorre dessa finalidade, pois a extinção deste, fazendo com que deixe de prosseguir contra o oponente, determina necessariamente a extinção da instância da oposição.
I. No caso em apreço, não se pode afirmar que foi atingida a finalidade da oposição, pois o processo de execução fiscal não foi declarado extinto, mas apenas anulado um acto praticado na execução, anulação que, por si só, não torna impossível ou inútil a oposição deduzida contra o processo em que foi praticado.
J. Significativamente, a dívida exequenda continuou e continua a ser exigida nos mesmos termos ao oponente, após a repetição do acto anulado.
K. Numa situação de contornos próximos à dos autos, o TCA Sul (acórdão de 10.04.2014, proc. 07433/14), observa que a impossibilidade ou inutilidade da lide só tem lugar por impossibilidade de atingir o resultado visado ou por ele já ter sido atingido por outros meios, resultado que, no tipo processual em apreço, é a anulação da reversão ou a extinção da execução promovida contra o revertido, pelo que só deve ser declarada quando se conclua que o seu prosseguimento não poderá ter consequências vantajosas para o autor ou oponente.
L. Ainda que se tenha verificado uma falha processual (a nulidade da citação), a presente oposição, até por força de certidão prestada nos termos do art. 37º do CPPT, notificada em 07.04.2010, foi deduzida com pleno conhecimento da instauração e pendência da execução revertida.
M. As diferenças entre as petições iniciais da oposição em causa e daquela deduzida na sequência da nova citação realizada em 19.07.2010, instaurada sob o nº ...5/10.3BEPRT, como se pode constatar da mera comparação por consulta na plataforma SITAF, não são nenhumas, em substância, o que é sintomático da inexistência da possibilidade de prejuízo que a citação de 30.04.2010 tenha acarretado para a defesa do oponente.
N. O facto de a sentença recorrida declarar tempestiva a presente oposição ponderando a citação realizada em 30.04.2010, que o órgão da execução fiscal entretanto anulou, concedendo-lhe relevância para efeitos de abertura do prazo para deduzir oposição, e considerando tempestiva a oposição deduzida, é representativo do efeito produzido por aquele acto de citação no que concerne à defesa contra a pretensão executiva por meio desta oposição, e do erro de julgamento de facto que afecta a sentença recorrida.
O. Assim, sempre respeitosamente, a afirmação feita na sentença recorrida de que “a nova citação do oponente importou a perda de utilidade da presente lide” faz depender a sorte do meio processual de oposição da execução, com a finalidade que este tem, não da exigibilidade da dívida, mas da legalidade de um acto de trâmite da execução, subvertendo a adequação das formas processuais aos fins e, portanto, o princípio da tutela jurisdicional efectiva.
P. Afigura-se à Fazenda Pública que não é a escolha do meio mais adequado à defesa do direito que está em causa, mas se o meio empregue podia ou não ser aproveitado para a defesa do oponente contra a execução contra ele revertida, ie, se se tornou inútil por mero efeito da anulação do acto que comunicou a execução movida contra o seu Autor.
Q. Ressalvado o respeito tido, que é muito, e salvo melhor opinião, a Fazenda Pública reitera que tinha cabimento fazer valer o princípio do favorecimento da instância ou pro actione, e, favorecendo a manutenção da instância, cumpria prosseguir com a oposição sub judice, conhecendo do seu mérito.
R. Do exposto decorrem, no entender da Fazenda Pública, motivos suficientes para a oposição prosseguir a sua normal tramitação, não parecendo existir fundamento legal para que seja declarada a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.
Sem prescindir nem conceder,
S. A Fazenda Pública não se conforma com a condenação em custas proferida na sentença em apreço na vertente em que, de modo implícito, e ao abrigo do nº 7 do art. 6º do Regulamento das Custas Processuais (RCP, daqui em diante) considera não haver fundamento bastante para dispensar a Fazenda Pública do pagamento do remanescente da taxa de justiça correspondente ao valor da causa superior a € 275.000,00.
T. Com respeito por diversa opinião, entende a Fazenda Pública que se encontram preenchidas todas as condições previstas no art. 6º, nº7, do RCP, a considerar na dispensa do pagamento do remanescente: a especificidade da causa, a complexidade da causa e a conduta processual das partes, pois, a causa não foi é de complexa decisão, não houve incidentes, nem má conduta processual das partes.
U. Como tal, a Fazenda Pública pugna, com o maior respeito, que a decisão deve ser reformada quanto às custas, dispensando o pagamento do remanescente da taxa de justiça na parte devida pelo valor da causa superior a € 275.000,00, nos termos do nº7 do art. 6º do RCP.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que mantenha pendente a oposição, prosseguindo esta o seu normal trâmite, tudo com as devidas consequências legais.
JUSTIÇA!
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O Recorrido não apresentou contra-alegações.
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Por despacho de 6 de Junho de 2016 o Mº Juiz a quo reformou a sentença recorrida em matéria de custas, dispensando, desta feita, as partes do remanescente do pagamento da taxa de justiça, nos termos do artigo 6º nº 7 do RCP.
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Neste Tribunal, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido da procedência do Recurso, redutível ao seguinte trecho:
(…)
Alega a Fazenda Pública que sentença enferma de erro sobre os pressupostos de facto, dado que seleccionou e valorou de modo diferente a matéria de facto comprovada nos autos e de direito, ao julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, quando deveria antes fazer valer o princípio do favorecimento da instância ou pro actione e prosseguindo com a oposição, a fim de conhecer do seu mérito.
Ou seja, questão a decidir é a de saber se, no caso, ocorre a inutilidade superveniente da presente lide, como decidiu a Mma Juiz, ou se, ou se, como sustenta a recorrente, deve, antes, conhecer-se do mérito da oposição quanto aos outros fundamentos invocados na petição inicial.
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É jurisprudência uniforme que a nulidade da citação em processo de execução fiscal não constitui fundamento de oposição à execução. Conforme se escreveu no Ac. do Pleno da Secção do CT do STA de 28/2/04, no recurso n° 0803/04 “a nulidade da citação consubstancia uma nulidade do processo executivo, e as nulidades devem ser invocadas e apreciadas no processo em que ocorreram, tendo em vista a sua sanação e o prosseguimento do processo. Ao passo que a oposição à execução persegue a extinção do processo ou, pelo menos - em casos restritos - a sua suspensão”.
“Só se verifica a inutilidade superveniente da lide quando essa inutilidade for uma inutilidade jurídica. A utilidade da lide correlaciona-se, assim, com a possibilidade da obtenção de efeitos úteis da mesma pelo que a sua extinção só deve ser declarada quando se conclua que o seu prosseguimento não poderá trazer quaisquer consequências vantajosas para o autor/recorrente.
Especificamente quanto à acção executiva, tendo esta como escopo a cobrança coerciva de um crédito, através da busca e apreensão de bens, para posterior venda, somente fará sentido falar em inutilidade superveniente da instância executiva quando esta fica desprovida de qualquer objecto, ficando inutilizada porque não é capaz de prosseguir com o seu fim primordial, a realização coactiva da prestação. Fica, assim, o processo executivo despido do seu objecto e do seu fim (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código do Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, III Volume, Áreas Editora, 2011, pág.304 e seg.).
No que diz respeito à oposição a execução fiscal a respectiva inutilidade superveniente da lide deve estar umbilicalmente ligada à prévia extinção da execução fiscal de que constitui apenso (v.g. devido ao pagamento da dívida exequenda e acrescidos). Porém, nem sempre será assim, pois, em certas situações, a oposição à execução fiscal pode ter por objecto a impugnação do acto de liquidação, designadamente, nos casos em que o oponente pretende imputar àquele acto uma ilegalidade abstracta, ou quando a lei não assegura meio judicial de impugnação ou recurso contra o mesmo acto de liquidação (cfr.art°.204, n°. 1, als.a) e h), do C.P.P.T.; Jorge Lopes de Sousa, Código do Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, III Volume, Áreas Editora, 2011, pág. 114 e seg.).” Ac. do TCA Sul de 10/4/2014 no processo 07433/14 in www.dgsi.pt.
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No caso em apreço, entendeu o julgador julgar extinta a instância devido a inutilidade superveniente da lide, nos termos do art°. 277, al. e), do C. P. Civil, aplicável "ex vi" do art°.2, al. e), do C.P.P.T. porque se anulou a citação, no processo executivo, na sequência da qual foi deduzida a presente oposição.
Só em face da extinção da execução fiscal, o que não se verificou, é que poderia ocorrer a julgada inutilidade superveniente da presente lide de oposição. Conforme sustenta a recorrente, devia, antes, conhecer-se do mérito da oposição, devendo esta prosseguir para esse efeito.
Pelo exposto, em nosso entendimento, merece provimento o recurso da Fazenda»
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Dispensados os vistos legais, importa apreciar e decidir.
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II. Questão prévia
Por despacho do relator de então, de 22/7/2016, foi suscitada a questão da legitimidade da AT para recorrer, uma vez que não se podia considerar vencida.
A AT pronunciou-se no sentido afirmativo, por a decisão lhe ser prejudicial desde logo em matéria de custas.
O MP opinou no sentido da legitimidade.
O Recorrido secundou o despacho do Relator, alegando, por sua conta, que a recorrente, ao praticar nova citação, deixa de ter interesse na sorte da primeira oposição.
Efectivamente, assim é, mas permanece o interesse da AT em não sofrer a condenação nas custas da oposição extinta por impossibilidade superveniente, condenação que resulta dos termos do artigo 536º nº 2 do CPC. Com efeito:
Nos termos do artigo 631º nº 1 CPC:
“Quem pode recorrer
1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido”.
Não se pode dizer que a AT tenha fica vencida na decisão recorrida, no sentido de o mérito da causa ter sido julgado em seu desfavor.
Porém, o número 2 do mesmo artigo também dispõe que:
“2 - As pessoas directa e efectivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias”.
A conjunção concessiva “ainda que”, concede na legitimidade para recorrer por banda de terceiros prejudicados pela sentença, mas, precisamente porque concede, inclui à partida, expressamente, como regra, a parte na causa, posto que prejudicada directa ou indirectamente por uma decisão.
Assim, pelo menos ao abrigo do nº 2 do artigo 631º do CPC, a AT, na medida em que é condenada nas custas em consequência da extinção da instância decretada pela sentença, tem legitimidade para recorrer desta.
III
Questões a apreciar e decidir:
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pela Recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
No nosso caso ocorre a peculiaridade de o Tribunal Recorrido ter vindo a reformar a sentença quanto a custas, precisamente no sentido pretendido pela Recorrente.
Deste modo o recurso extinguiu-se na parte do dispositivo relativa à não dispensa do pagamento do remanescente da taxa de Justiça. Assim;
A única questão que cumpre apreciar consiste em julgar se a sentença não seleccionou toda a factualidade provada e relevante para a apreciação da questão da inutilidade superveniente da Lide, designadamente os factos descritos no parágrafo 12 das alegações, e por isso errou de direito ao julgar extinta a instância por inutilidade superveniente.
IV
Apreciação do Recurso
Fundamentação
Para a discussão desta questão relevam os segmentos da decisão recorrida que se passa a transcrever:
“(…)
A Fazenda Pública contestou defendendo a improcedência.
Entretanto, veio o Oponente requerer a extinção da instância, inutilidade superveniente da lide, por motivo imputável à Fazenda Pública, uma vez que a sua citação, levada a cabo nos autos de execução fiscal em apreço (31...6 e apensos), foi anulada pelo órgão de execução fiscal que levou a efeito nova citação naqueles autos de execução - cf. fls 135ss.
A Fazenda pública pronunciou-se alegando não haver fundamento legal para a declaração de inutilidade superveniente da lide, uma vez que da anulação da citação não decorreu a extinção da execução, que prosseguiu com nova citação do oponente a 1.10.2010, na sequência do que este deduziu nova oposição, com argumentos idênticos, a que coube, neste tribunal, o n° 3..10.3, pelo que em nome do princípio pro action (SIC) a oposição poderia prosseguir, e se assim não se entender, que tendo a oposição sido deduzida após a arguição pelo oponente da nulidade da citação, as custas cabem ao oponente, por imputáveis, e caso assim não se entenda, a extemporaneidade da oposição, por deduzida fora de prazo.
O Oponente respondeu nos termos de fls 162ss, contrariando a alegada extemporaneidade, e que face á anulação e nova citação, com novo prazo para deduzir oposição e o fato de a ter apresentado, resulta evidente a manifesta inutilidade superveniente da lide.
Considerando-se ser possível decidir, desde logo, sobre a sorte da presente oposição, deu-se vista ao Digno Magistrado do Ministério Público, que emitiu o douto parecer, inserto a fis. 164, no sentido da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277 c) do CP.C..
Importa decidir da alegada extemporaneidade da oposição.
Factos assentes, com interesse e apoio nos autos:
1. Em 30.04.2010, em pessoa diversa, o oponente foi citado como revertido para a execução fiscal n° 31...6 e apensos- cf. fls 73 e 92 e 93 dos autos.
2. A presente oposição deu entrada nos Serviços de Finanças em 04.06.2010- fls 5 e 73.
3. Em 31.05.2010 o ora oponente argui junto do órgão de execução fiscal a nulidade da citação levada a cabo no processo de execução identificado em 1.
4. Por despacho de 04.06.2010 e seus fundamentos foi ordenada a citação do ora oponente através de mandado de citação pessoal - cf. fls 157/158.
5. Na sequência daquele despacho, o oponente foi citado para a execução fiscal n° 31...6 e apensos em 19.07.2010, a que o oponente deduziu nova oposição, em 1.10.2010, instaurada sob o n° 3..10.3 - cf. fls 158 e 120.
O Direito:
Nos termos do disposto no art 203° do C.P.P.T, o prazo para deduzir oposição à execução fiscal é de 30 dias a contar da citação pessoal ou, não a tendo havido, da primeira penhora, sendo inequívoco que se trata de um prazo judicial e, como tal se suspende em férias - art.° 20, n° 2 do CPPT e 138 e 139 do CPC (anteriores artigos 144° e 145 do CPC).
À citação efectuada em pessoa diversa do citando acresce uma dilação de cinco dias- cf. art.°s 225, 228, n° 2 e 245 n° 1 al a) do CPC (anteriores artigos 233, 236 e 252-A).
O oponente foi citado para a execução, em pessoa diversa a 30.04.2010, pelo que o prazo de 35 dias para deduzir a oposição terminava a 7.04.2010, pelo que tendo a mesma sido interposta a 04.06.2010, mostra-se tempestiva.
Improceder assim a excepção de extemporaneidade suscitada pela Fazenda Púbica.
Importa decidir da viabilidade do prosseguimento dos presentes autos.
Nos termos do art. 277 al e) do CPC ex vi art. 2.° al. e) do CPPT, a instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.
"A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, ocorrida na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência requerida. Num e noutro caso a solução do litígio deixa de interessar - além por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio" (cf. J. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, p. 512).
A oposição à execução fiscal tem por objecto, em regra, a cessação do prosseguimento da execução contra o oponente, sendo o meio processual que, primacialmente visa a extinção da execução fiscal, por verificação de algum dos fundamentos do artigo 204.° do CPPT.
No caso dos autos, no processo de execução fiscal objecto da presente oposição, foi efectuada nova citação do oponente, e concedido novo prazo para dedução de oposição, decorrendo de tal acto a anulação da primeira citação efectuada a 30.04.2010 e sua substituição pela citação de 19.07.2010.
Ora o despacho de 04.06.2010 tem como consequência a anulação da citação anteriormente efectuada e actos posteriormente praticados na sua sequência.
E a nova citação do oponente importa a perda de utilidade da presente lide, pois a nova citação torna inútil o seu prosseguimento.
Tanto assim que o oponente, com base na nova citação, deduziu nova oposição judicial à execução fiscal em causa nos presentes autos, pelo que perdeu o interesse na manutenção da pretensão formulada nestes autos, uma vez que a mesma constituirá objecto de outro processo a correr os seus demais termos,
A alegação da Fazenda Púbica de a execução não se extinguiu e de que face ao princípio “pro action” (SIC) a oposição poderia prosseguir é indiferente para o que aqui está em causa, pois que é ao oponente que compete escolher o meio mais adequado á defesa do seu direito e não á Fazenda Púbica ou ao Tribunal. O oponente optou por intentar nova oposição, nada a tal obstando, o que de resto vai de encontro aos termos da nova citação, com a concessão de novo prazo para deduzir Oposição.
Decisão:
Face ao exposto e normas legais citadas, julgo extinta a presente instância, por inutilidade superveniente da lide - art. 277 al. e) do CPC.
Custas pela Fazenda Púbica, por imputáveis - art. 536, n° 3 do CPC.”.
*
Visto o essencial da decisão objecto do recurso, apreciemos a questão acima enunciada.
Cumpre-nos julgar se a sentença recorrida omitiu indevidamente a referência dos factos descritos no ponto 12 das alegações, fazendo assim uma insuficiente selecção dos factos provados e relevantes para a apreciação da questão da possibilidade versus impossibilidade e inutilidade versus utilidade da lide e, consequentemente, se daí resultou o erro de julgamento da resposta afirmativa a tal questão.
Nos termos do artigo 123º nº 2 do CPPT, a sentença deve conter uma discriminação da matéria de facto provada e não provada, fundamentando as decisões.
Subentende-se que os factos provados e não provados a discriminar são os que interessam à discussão e à decisão da causa em alguma das soluções plausíveis de direito e que são atendíveis por terem sido alegados pelas partes.
Contudo, in casu tratava-se de apreciar positivamente uma questão logicamente prévia, prejudicial da apreciação do mérito da causa. Portanto convir-se-á em que não tinha sentido seleccionar mais factos do que esses que relevavam para a apreciação dessa questão prejudicial.
No caso, como vimos, o Mº Juiz a quo discriminou, como relevantes, os seguintes factos:
1. Em 30.04.2010, em pessoa diversa, o oponente foi citado como revertido para a execução fiscal n° 31...6 e apensos- cf. fls 73 e 92 e 93 dos autos.
2. A presente oposição deu entrada nos Serviços de Finanças em 04.06.2010 - fls 5 e 73.
3. Em 31.05.2010 o ora oponente arguiu junto do órgão de execução fiscal a nulidade da citação levada a cabo no processo de execução identificado em 1.
4. Por despacho de 04.06.2010 e seus fundamentos foi ordenada a citação do ora oponente através de mandado de citação pessoal - cf. fls. 157/158.
5. Na sequência daquele despacho, o oponente foi citado para a execução fiscal n° 31...6 e apensos em 19.07.2010, a que o oponente deduziu nova oposição, em 1.10.2010, instaurada sob o n° 3..10.3 - cf. fls. 158 e 120.
Foi ante estes factos que o Mº Juiz a quo julgou ser impossível o prosseguimento da presente oposição apresentada em 4/6/2010, num raciocínio redutível ao seguinte:
Ordenada, pelo OEF, nova citação do revertido – para os termos da mesma execução – a primeira citação resulta anulada, pelo que não há, agora, objecto para a (primeira) oposição. Por sua vez, a efectuação de nova citação e apresentação e admissão de nova Oposição, com o mesmo pedido e mesma causa de pedir, torna inútil a anterior. Daí a extinção da instância por impossibilidade e inutilidade.
Os factos que a Recorrente pretende estarem provados, omissos na sentença e relevantes para uma decisão contrária àquela vêm descritos no parágrafo 12 do corpo das alegações de recurso. Segundo a Recorrente, seriam dois os “factos” a descrever, como provados, na sentença recorrida (e a introduzir desta feita, neste aresto, nos termos do artigo 662º nº 1 do CPC. Um acresceria e seguir-se-ia à descrição do artigo 1º da matéria de facto. O outro deveria ser mencionado em substituição do facto provado 5. Assim:
“1.1: Em 09.03.2010 o oponente requereu, ao abrigo do art. 37º do CPPT, que lhe fossem fornecidos vários elementos que eram essenciais para o exercício do direito de audição, certidão que foi passada em 31.03.2010, contendo os elementos pretendidos pelo oponente, da qual foi notificado em 07.04.2010 – cfr. ponto 10 da informação prestada pelo órgão da execução fiscal nos termos do art. 208º do CPPT e fls. 84 a 86 juntas a essa informação, a págs 129 a 133 do ficheiro nº 005...07 -Petição inicial (1-166) consultável na plataforma SITAF;
(…)
5. Na sequência daquele despacho o oponente foi citado para a execução fiscal nº 31...6 e apensos em 19.07.2010, tendo deduzido nova oposição em 01.10.2010, instaurada sob o nº ...5/10.3BEPRT, em cuja petição inicial foram aduzidos os mesmos pedido e causa de pedir que na petição inicial na oposição sub judice – cfr. digitalização da petição inicial da oposição nº ...5/10.3BEPRT consultável na plataforma SITAF.”
Confrontados estes “projectos de artigo” com o articulado da descrição da matéria de facto provada feita na sentença recorrida, verifica-se o seguinte:
O “projecto de artigo” 1.1., na parte em que constitui matéria de facto, não está abrangido substancialmente no articulado da sentença e pode dar-se por provado, atenta a prova documental invocada. Já o “projecto de artigo” 5º não se afigura ser mais do que uma descrição, por outras palavras, da matéria de facto do artigo 5º dos factos provados, constante da sentença. Com efeito, ao remeter tacitamente para os documentos a sentença acaba por referir todo o conteúdo concreto das novas citação e petição de oposição.
Sucede, de todo o modo, que a Recorrente não expressa, seja no corpo das alegações, seja nas conclusões, as razões por que entende que os factos descritos nos seus preconizados artigos em 1.1 e 5, por si ou conjugados com os demais, implicavam – diversamente dos seleccionados pelo Juiz a quo – manterem-se o sentido e a utilidade da instância da (primeira) oposição.
Tão pouco este Tribunal encontra, no acrescentar e substituir de tais factos à discriminação de factos provados feita na sentença, o que quer que seja que revele erro no raciocínio do Juiz recorrido, acima sintetizado.

Sempre cumprirá apreciar se, ainda que sem qualquer deficit na selecção de factos provados, é errado o julgamento da extinção da lide por inutilidade superveniente.
No entender deste Tribunal as posições da recorrente e do MP relevam de uma confusão acerca da instância sobre que incidiu o juízo de extinção e acerca da causa da impossibilidade/inutilidade superveniente da lide, considerada na sentença recorrida. Com efeito, ambos sustentam que se a execução fiscal se mantém intacta nos seus objecto e utilidade, e se o objecto da oposição consiste na extinção da execução relativamente ao oponente, então continua a haver utilidade para uma oposição, pois a execução continua aí, pendendo contra o revertido.
Porém parecem esquecer que a instância tornada impossível e inútil e julgada extinta na sentença recorrida não é a da execução fiscal, nem a de uma qualquer oposição à execução, abstractamente considerada, mas sim a de um processo de oposição concreto e definido, que foi iniciado em função e na sequência processual de uma concreta citação do revertido para a execução, citação que o próprio órgão de execução anulou e repetiu, conferindo um novo prazo para o revertido deduzir oposição.
Na verdade, o que deixou de poder prosseguir não foi, em geral, um processo de oposição à execução, mas sim esse concreto primeiro processo de oposição. Este pendia regularmente, mas deixou supervenientemente de poder prosseguir por ter deixado de subsistir na ordem jurídica, quanto a ele, o pressuposto processual da sua instauração e da sua pendência, que era a citação do revertido, enquanto responsável subsidiário, para a execução. Por outro lado, a nova citação do revertido e a subsequente apresentação da oposição, com os mesmos pedido e causa de pedir, tornaram efectivamente inútil o prosseguimento da instância da (primeira) oposição.
Não se pense que se justifica a apreciação do mérito da primeira oposição apenas como critério para a definição da responsabilidade pelas custas.
Em primeiro lugar, se uma oposição por um revertido que não foi citado como tal é impossível lógica e juridicamente, ela não passa a ser possível, daqueles mesmos pontos de vista, só por se pretender apurar a responsabilidade pelas custas. Em segundo, e sobretudo, a responsabilidade de custas sobre a qual a sentença decidiu tem por facto tributário, não uma decisão de mérito, mas sim uma decisão que declara extinta a instância por impossibilidade inutilidade da lide, abstendo-se, portanto, de apreciar o mérito da oposição. Ora, quanto à responsabilidade pelas custas em caso de extinção da instância por impossibilidade/inutilidade superveniente da lide rege o artigo 536º nº 3 do CPC [1], aliás, invocado na decisão recorrida, em termos que não dependem de uma qualquer prognose do que seria o julgamento do mérito da causa, sendo certo que, ao anular a primeira citação e repetir este acto processual, foi indiscutivelmente a AT quem deu causa à impossibilidade e à inutilidade superveniente da instância, pelo que é sua a responsabilidade pelas custas.
Como assim, não é possível nem tem sentido útil fazer prosseguir a presente oposição tão só para apuramento da responsabilidade das custas em função do que seria o mérito da causa.
Em suma, é teoricamente impossível e praticamente inútil prosseguir com a oposição instaurada em 4/6/2010; e quem deu azo a tal impossibilidade foi a AT, pelo que o recurso não merece provimento e as custas da acção são da responsabilidade da AT.
V
Custas
Nos termos do artigo 527º do CPC as cistas do recurso são da responsabilidade da Recorrente.
Considerando a singeleza da questão apreciada no recurso e elevado valor do mesmo, por um lado, e a conduta adequada das partes ao longo da tramitação, por outro, haver-se-á de dispensar o pagamento do remanescente da taxa de Justiça nos termos do artigo 6º nº 7 do RCP.

VI
Decisão
Termos em que acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Norte em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça.

Porto, 15 de Setembro de 2022.
Tiago Afonso Lopes de Miranda
Cristina Santos da Nova
Cristina Travassos Bento
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[1] Nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.