Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02248/10.0BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/25/2019
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:VIA MUNICIPAL.
Sumário:
) – Se classificação ou afectação não ditarem essa pertença, uma via pública não pode ser tida como via municipal. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:MANCB
Recorrido 1:Município de Vila Verde
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de não provimento do recurso
1
Decisão Texto Integral:MANCB (Avª B…, Porto), interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Braga, que julgou improcedente acção administrativa comum por si intentada contra Município de Vila Verde e União de Freguesias de Vila Verde e Barbudo e contra-interessado VJAM.
*
A recorrente conclui:
A. O presente recurso tem como objeto a matéria de direito da douta Sentença proferida nos presentes autos, especificamente prende-se com o facto de saber se o Regime Geral de Caminhos e Estradas Municipais tem aplicação ao muro edificado perto da propriedade da Autora/Recorrente.
B. A aqui Recorrente não se conforrna também com a douta Sentença recorrida atentos os factos dados como assentes / provados pois, como veremos, sendo o muro confinante com a via pública, e contrariamente ao decidido, a decisão do Tribunal a quo faz, no humilde entendimento da Recorrente, uma aplicação e interpretação errada do artigo 60º do Regime Geral de Caminhos e Estradas Municipais.
C. Com relevo para a discussão da causa, deu-se como provado na Sentença de que ora se recorre, para além do mais, o seguinte: (...) O referido muro é confinante com a via pública (..).
D. Ora, resulta da matéria assente que o muro confina com a via pública.
E. Mais resulta dos factos dados como provados que a edificação, do muro foi objeto de processo de fiscalização e vistoria junto do Município de Vila Verde - processo 2859/2010.
F. Resulta da informação do Município (fls. 264 e ss dos autos), datada de 12-07-2010, que o reclamado promoveu a legalização das obras, conforme consta do processo 2859/2010. Na presente data “o processo encontra-se a aguardar pela apresentação dos projetos das especialidades, tendo em conta que a arquitetura está aprovada".
G. Ora, se a construção do muro foi alvo de fiscalização e legalização pelo Município significa que este é o organismo publico com competência para o efeito sendo, dessa forma, aplicável o Regulamento Geral das Estradas e Caminhos Municipais (R.G.E.C.M.) em matéria de alinhamento das vedações a implantar à margem das vias públicas.
H. Parece-nos assim, ressalvado melhor entendimento, que a douta Sentença padece de erro ao impor o afastamento da aplicação do R.G.E.C.M.
I. De acordo com o parecer da Junta de Freguesia junto aos autos (fie. 22 do PA 2/2 apenso) "a referida edificação do muro de suporte foi da total responsabilidade desta aularquia, tendo em conta que no referido local a rua só tinha 2.50 mts de largura passando a ter atualmente depois de edificado o referido muro 4.20 mts, obra essa efectuada pela junta do Freguesia".
J. Ora, se o alinhamento do muro em apreço teve por base os alinhamentos pré-existentes dos muros adjacentes e a necessidade do alargamento do caminho público, a verdade é que não respeitou minimamente as distancias a que se refere a art.° 60.° do R.G.E.C.M.
K. Se o Município interveio na legalização da obra, fê-lo no exercício da competência em matéria de definição do alinhamento da construção a edificar (muro) em terreno confinante com arrurnento público, de harmonia com os preceitos normativos e os condicionamentos legais regulamentares aplicáveis ao assunto, mormente o RG.EC.M.
L. Assim, com o devido respeito - que é muito, parece-nos que a douta Sentença ora recorrida é, pelo menos, precipitada e não andou bem na interpretação dos preceitos legais em causa, padecendo, nalguns aspetos, de vicio de ilegalidade.
M. Os serviços técnicos do Réu Município defenderam que a Lei 2110, que aprovou o R.G.E.C.M., não se aplica a todas as vias públicas municipais, mas apenas às classificadas no respetivo cadastro, sendo que a Sentença ora recorrida enveredou pela mesma posição.
N. Ora, qualquer lei tem que ser interpretada tendo em conta o contexto histórico em que é elaborada, pelo que há que aferir se as “estradas” e "caminhos” municipais, objeto de regulamentação pela Lei 2110, compreendiam o universo das vias públicas municipais, ou, pelo contrário, se existiriam outras vias não incluídas nessa classificação e, consequentemente, não abrangidas pelo diploma em causa.
O. Nessa medida importa chamar à colação o Decreto-lei n.° 34 593, de 11 de maio de 1945 que fixou os critérios materiais para a classificação das vias públicas, diploma esse que estava em vigor à data da elaboração da Lei 2110, já que só viria a ser revogado pelo Plano Rodoviário aprovado pelo DL. 380/85, de 25 de setembro.
P. Nos termos do citado decreto-lei as comunicações publica rodoviárias classificavam-se em estradas nacionais de 1.ª, 2.ª e 3.ª classes, estradas municipais e caminhos públicos, dividindo-se estes em caminhos públicos municipais e caminhos vicinais (cf. art.° 1.º).
Q. Neste contexto, pode-se retirar, como primeira conclusão, que as vias públicas municipais existentes à data da aprovação do plano provisório, terão, em princípio, a classificação que lhe foi atribuida pela Comissão de Classificação.
R. A partir de 1985, e na falta de critérios legais, a classificação das vias públicas municipais há-de efetuar-se tendo em conta a classificação que consta do cadastro das vias municipais ou, inexistindo esse cadastro, atendendo à classificação que lhe foi atribuída pela câmara municipal quando aprovou a sua execução.
S. Porém, estando-se perante uma via pública, e presumindo-se que tal via era ou uma estrada nacional ou um caminho vicinal a cargo da freguesia, não se pode olvidar a hipótese de, mais tarde, essa via pública ter passado a integrar o domínio municipal; situação esta que nos parece patente nos presentes autos.
T. Isto porque, o muro edificado, cuja construção está aqui em pleito, confina, conforme matéria que resulta assente na douta Sentença, com a via pública,
U. Sendo que, o Município, no exercício da competência em matéria de definição do alinhamento da construção a edificar m terreno confinante com arruamento público, interveio em sede de fiscalização e legalização - processo 2859/2010.
V. Ora, parece-nos, com todo o respeito, que o Réu Município, até à apresentação da queixa da autora/recorrente, entendeu ter a competência para a “condução” da obra, respondendo, inclusive, no seu oficio de 12-07-2010 (fis. 264 e ss dos autos), que “O reclamado promoveu a legalização das obras, conforme consta do processo 2859/2010. Na presente data o processo encontra-se a aguardar pela apresentação dos projetos das especialidades, tendo em conta que a arquitetura está aprovada".
W. Após a denúncia da autora/recorrente parece-nos, com todo o respeito, que o Município decidiu enveredar por outra posição, mormente a de que o caminho em causa não é municipal.
X. E foi esta também a linha seguida pela Sentença ora recorrida, ancorando-se única e exclusivamente na informação do Município e concluíndo pela não aplicação do RG.E.C.M., em cabal desconsideração do facto de a via pública em questão ter passado a integrar o domínio municipal.
Y. A interpretação que a Sentença recorrida faz do R.G.E.C.M., mormente do seu art.° 60º, viola o contexto histórico e, bem assim, o comprovado domínio municipal sobre a via pública pelo menos desde a altura da edificação do muro aqui em apreço.
Z. Assim sendo, a Sentença recorrida faz uma aplicação e interpretação restrita e errada do referido R.GE.C.M., o qual é aplicável à situação em concreto, dado que o muro confina com a via pública, via pública essa que, pese embora a classificação que consta do cadastro atribuído pela camara municipal, passou a integrar o domínio municipal se não antes, com o processo de fiscalização e legalização - processo 2859/2010.
AA. Sendo aplicável o R.G.E.C.M. porque o caminho integra o domínio municipal, o mesmo não cumpre os requisitos minímos exigidos pelo regulamento e pelo próprio Regulamento do Plano Diret.or.MunicipaI de Vila Verde.
BB. Isto porque, nos termos do art.° 60.° do RG.E.C.M. nas vedaçôes à margem das vias municipais, os alinhamentos a adotar serão paralelos ao eixo dessas vias e deverão distar dele 5 metros e 4 metros, respetivamente, para as estradas e caminhos municipais.
CC. Ora, no caso em apreço, do eixo da via até ao limite do muro não distam mais do um metro e meio, sendo, portanto, a sua construção ilegal.
DD. Assim, e atento o supra exposto, deverá ser revogada a Sentença proferida, por estar assente que a via publica que confina com o muro passou a integrar o domínio municipal, com vista a ser apreciada a nulidade do despacho do Vereador da edilidade, datado de 20-08-2010, conhecido por oficio da edilidade em 21-09-2010, bem como demais decisões precedentes e que lhe sirvam de fundamento, substituindo-se a decisão recorrida por decisão que prossiga com a demanda da autora, com todos os demais e ulteriores termos,
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Sem contra-alegações.
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O Exmº Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art.º 146º, nº 1, do CPTA, emitiu parecer no sentido de não provimento do recurso.
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Cumpre decidir, dispensando vistos.
Os factos, elencados como provados na decisão recorrida:
1. A Autora é dona e legítima possuidora de um prédio urbano destinado a habitação e de um prédio rústico, sitos na Rua B…, freguesia de B…, concelho de Vila Verde;
2. Junto à referida propriedade, em março ou abril de 2010, foram efetuadas obras de construção de um muro em pedra;
3. O referido muro é confinante com a via pública, junto aos caminhos que cruzam a Rua F… e a Rua B…, freguesia de B…, concelho de Vila Verde;
4. A Autora requereu junto do Réu Município informação quanto à construção do muro acima referido, vindo informado como segue – cfr. fls. 264 e seguintes dos autos em suporte físico:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

5. A Ré Freguesia informou o seguinte, em 29.06.2010 – cfr. fls. 22 do PA 2/2 apenso:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

6. Em 05.03.2013, o Réu Município emitiu a seguinte certidão – cfr. fls. 110 dos autos em suporte físico:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]


7. A petição inicial que motiva os presentes autos deu entrada neste Tribunal em 22.12.2010 – cfr. fls. 2 dos autos em suporte físico.
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De direito:
O tribunal “a quo” julgou improcedente a acção, absolvendo réus e contra-interessado dos pedidos, a saber:
A) Ser declarada a ilegalidade da construção do muro de suporte/vedação confinante com a via pública, mais concretamente junto aos caminhos que a Rua da F… e a rua da B…, na freguesia de B… do concelho de Vila Verde, por violação de regras urbanísticas, artigo 60º do Regulamento Municipal de Estradas e Caminhos Municipais e artigo 6º do Regulamento de Urbanização e Edificação da Câmara Municipal de Vila Verde.
B) Ser ordenada a demolição do muro de suporte/vedação em pedra ao abrigo do nº 1 do artigo 106º do D.L. nº 55/99 de 4 de Setembro.
Fundamentou nos seguintes termos:
«(…)
No presente processo, a questão principal prende-se com a aplicação do artigo 60º do Regime Geral de Caminhos e Estradas Municipais ao muro edificado perto da propriedade da Autora.
Dispõe o referido artigo o seguinte:
“Nas vedações à margem das vias municipais, os alinhamentos a adoptar serão paralelos ao eixo dessas vias e deverão distar dele 5 m e 4 m, respectivamente para as estradas e caminhos municipais.”.
Ora, o caminho em causa não é municipal – cfr. documento constante do ponto 6 da matéria de facto assente supra – pelo que não lhe é aplicável o referido regime.
Na verdade, toda a ação da Autora assenta no pressuposto de que este normativo foi violado, vindo sustentada, com isso, a nulidade de todos os despachos que terão deferido a pretensão do Contrainteressado (autor do pedido de licenciamento).
Sucede que, não sendo aquela norma aplicável, porquanto o caminho não é municipal (não sendo caminho nem estrada), não se impõe o cumprimento dos distanciamentos mínimos do muro de delimitação face à via pública, como a Autora alega.
Contudo, ainda que assim não fosse, sempre se deverá dizer que o caminho em causa beneficiou de um alargamento com a construção, tal qual se efetuou (cfr. facto 5).
Por ser assim, julgo a presente ação improcedente, ficando prejudicadas as demais questões suscitadas (artigo 608º, n.º 2 do C.P.C.), e absolvo os Réus e o Contrainteressado dos pedidos.
(…)».
O cerne da questão jurídica requer determinação duma premissa: estamos perante via municipal?
A resposta dada repercute no conhecimento quanto ao respeito de distâncias no alinhamento do muro falado nos autos; é no desrespeito da distância que se funda a causa.
Ora, julgou-se não poder afirmar presença de uma via municipal.
A recorrente, longe de negar que no caso não há uma “classificação-verificativa” nem uma “classificação-construtiva (Freitas do Amaral, “Dicionário Jurídico da Administração Pública”, Volume II, 2ª edição, pp. 439 e ss.) da via em causa nos autos [segundo afirma, desde 1985 a “classificação” haveria de resultar “do cadastro das vias municipais ou, inexistindo esse cadastro, atendendo à classificação que lhe foi atribuída pela câmara municipal quando aprovou a sua execução”], apela que, ainda assim, “não se pode olvidar a hipótese de, mais tarde, essa via pública ter passado a integrar o domínio municipal; situação esta que nos parece patente nos presentes autos.”
Situação que assim dá “patente nos presentes autos” pelo que narra quanto à intervenção do Município, “com o processo de fiscalização e legalização” n.º 2859/2010 (junto aos autos com a contestação do Município), na “competência para o efeito”.
Mas nesse procedimento apenas se vê tradução do que é um comum exercício dos poderes urbanísticos que a lei confere ao Município, sem mais leve traço de uma afectação (alicerçada em actos ou práticas de apropriação ou manutenção) que possa imputar ingresso da coisa na “pertença municipal”!
Manifestamente sem razão, sem necessidade de maior pronúncia, o recurso não tem provimento.
***
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas: pela recorrente.
Porto, 25 de Janeiro de 2019.
Ass. Luís Migueis Garcia
Ass. Conceição Silvestre
Ass. Alexandra Alendouro