Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00353/11.5BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/11/2024
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:IRENE ISABEL GOMES DAS NEVES
Descritores:IRC;
MÉTODOS INDIRECTOS;
PRESSUPOSTOS;
Sumário:
I. Cabe à AT o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiciários e, nesta medida, demonstrar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto.

II. Se em sede de impugnação judicial não forem alegados e provados factos de que resulte a dúvida ou a prova do contrário daqueles outros factos – nos quais assentavam os sobreditos fundados indícios, não logrou o contribuinte o ónus de que aqueles pressupostos não se verificam.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. A [SCom01...], S.A. (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, datada de 19.09.2014, que julgando improcedente a impugnação judicial por si intentada contra as liquidações adicionais de IRC, referente aos exercícios de 2006, 2007 e 2008, no valor de 23.635,96 C, 8.026,51€ e de 10.657,33 €, respectivamente, acrescidas de juros compensatórios, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«(...)
1ª. A Impugnante e ora recorrente não se conforma com a douta sentença proferida com data de 19-09-2014, que julgou improcedente a impugnação e considerou, como fundamento para o efeito, o pressuposto de que — cfr. fls 8 -"O impugnante não contesta a aplicação dos métodos indiretos. Assume que se encontram reunidos os pressupostos da sua aplicação, contudo discorda da quantificação da matéria coletável pela falta de fundamentação substantiva."
2a. Considerando que (i) a impugnante não havia posto em causa a aplicação dos métodos indiretos e considerando ainda que (ii) a sua discordância residia apenas da quantificação da matéria coletável pela falta de fundamentação substantiva e, portanto, apenas, nos pressupostos de facto dessa quantificação, A DOUTA SENTENÇA CONCLUI que, estando em causa apenas esta ultima matéria, o ónus da prova estava incumbido á impugnante, nos termos do art° 74°, n° 3, LGT, parte final — cfr. fls 8, douta sentença.
3a. Em consequência deste entendimento, a douta sentença declarou a improcedência da impugnação, por considerar que a impugnante não havia feito prova "do excesso na respetiva quantificação" da matéria coletável apurada de forma indireta - cfr. Fls 9.
4ª. Salvo o devido respeito, entende-se que, ao assim expressar, a douta sentença não teve em devida conta o teor da impugnação deduzida e a discordância manifestada pela impugnante quanto à utilização, pela AT, dos métodos indiretos de tributação e quanto à falta de prova, por parte desta, do cumprimento dos pressupostos e requisitos legais que poderiam ter determinado tal forma de tributação.
5a. É QUE, aquele pressuposto enunciado na douta sentença e transcrito na conclusão 1a, não se verifica na impugnação deduzida, na qual resulta expressamente que a impugnante contestou de facto e de forma veemente, considerando totalmente indevida e desprovida dos respetivos requisitos legais necessários, a aplicação dos métodos indiretos por parte da Autoridade Tributária.
6ª. O que fez, designadamente, nos art°s 5°, 34° e 35° da petição de impugnação judicial, em consonância, aliás, com o anteriormente invocado na reunião da comissão de revisão realizada nos termos do art° 92, LGT, no espaço reservado ao perito da reclamante — cfr. doc. 2, com a impugnação - e na Reclamação Graciosa apresentada — cfr. doc. 7, junto com a impugnação, designadamente art°s 1° e 3° (erradamente referenciado como 2°).
. De tal alegação constante da PI - e independentemente de ter refutado também os fundamentos do Relatório de Inspeção, pela falta de respetiva fundamentação substantiva — resulta inequívoco que a impugnante NÃO CONCORDOU E NÃO SE CONFORMOU COM O FACTO — invocado pela AT - de estarem reunidos os pressupostos necessários para a avaliação indireta, tendo expressado, sem qualquer dúvida, que considerou completamente indevido e ilegal o recurso á aplicação dos métodos indiretos para determinação da matéria tributável que originou as liquidações impugnadas.
NESTE PRESSUPOSTO, comprovadamente demostrado, verifica-se que:
8ª. Nos termos do disposto nos art°s 4°, n° 1, 5º e 8º, da Lei Geral Tributária, a tributação deve respeitar, designadamente, os princípios da verdade e justiça material, igualdade e proporcionalidade e da legalidade, princípios donde se extrai, também, que à tributação do contribuinte deve presidir a realidade factual da respetiva situação em concreto, de forma a incidir sobre o efetivo lucro real.
9ª. A tributação resultante da avaliação da matéria tributável por aplicação dos métodos indiretos tem, por imposição legal, natureza excecional e subsidiária — cfr. art° 81°, n° 1 e 85°, n° 1, LGT.
10ª. A impugnante possui contabilidade devidamente organizada de acordo com a legislação comercial e fiscal, sob a responsabilidade de um Técnico Oficial de Contas e sendo sujeita a revisão e certificação legal de contas por intermedio de Revisor Oficial de Contas, a sua contabilidade presume-se verdadeira e organizada de boa-fé, evidenciando de forma apropriada, em todos os aspetos materialmente relevantes, a posição financeira da empresa e o resultado das suas operações, nos termos do art° 75°, n° 1, da LGT.
11ª. Nos termos do art° 74°, n° 3, primeira parte, da LGT, então em vigor, recai sobre a AT o respetivo ónus da prova da verificação dos pressupostos da respetiva avaliação da matéria coletável nestes termos.
12ª. TODAVIA, dos autos não resulta que a administração tributária tenha cumprido o ónus de provar que se verificavam, relativamente á impugnante, os pressupostos da avaliação indireta da matéria coletável nos termos — invocados pela AT / cfr. ponto 3 dos factos provados - dos artigos 52° (atual 57°) do CIRC e 87°, alínea b) e artigo 88° alínea a), LGT.
13ª. Circunstância esta que, considera-se, deveria ter determinado, sem mais, a procedência da impugnação e que, salvo melhor opinião, justificará agora a revogação da douta sentença.
Foram violados os preceitos legais sucessivamente invocados.
Nestes termos e nos demais de direito doutamente supríveis por Vs. Exas, deve ser revogada a douta sentença recorrida e determinada a procedência da impugnação das liquidações em causa, com as legais e devidas consequências, por assim ser de devida, MERECIDA E COSTUMADA JUSTIÇA.»
1.2. A Recorrida (Autoridade Tributária e Aduaneira), notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações.
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 217 e ss. do SITAF, pugnando pela improcedência do recurso, do qual destacamos:
“(...)
Alega a recorrente que a sentença enferma de erro de julgamento, por não ter em consideração o que invocou na petição, relativamente à utilização, pela AT, dos métodos indirectos de tributação e quanto à falta de prova, por parte desta, do cumprimento dos pressupostos e requisitos legais que a poderiam determinar.
Escreveu-se na decisão que " o impugnante não contesta a aplicação dos métodos indirectos. Assume que se encontram reunidos os pressupostos da sua aplicação, contudo discorda da quantificação da matéria colectável pela falta de fundamentação substantiva.
A discordância reside, portanto, nos pressupostos de facto da quantificação."
Como salienta Jorge de Sousa na anotação ao artigo 108° do CPPT in" CPPT anotado II volume, 207" : " A exposição dos factos que fundamentam o pedido, que constituem a causa e pedir, é imprescindível, pois os poderes de cognição do tribunal são, em regra, delimitados pelos factos alegados, salvo quanto a questões de conhecimento oficioso ( artigos 99° n 1° da LGT e 18° n°1 do CPPT)."
Resulta do artigo 660 n° 2 do CPC, aplicável ao processo judicial tributário-artigo 2° alínea e) do CPPT, que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham suscitado, sem prejuízo de algumas ficarem prejudicadas pela solução dada a outras.
Estabelece o artigo 664° do CPC que o tribunal só deve usar os factos articulados pelas partes, em consonância com o disposto no artigo 264°:
1 - Às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções.
2 - O juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 514.° e 665.° e da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa.
No caso em apreço, resulta da petição inicial, que o recorrente não articulou factualidade, em colocasse em crise a utilização de métodos indirectos, antes se limitou de uma forma genérica a efectuar referências à lei e a princípios jurídicos, respectivamente nos articulados n°s 33° e 35°.
A sentença, em face das razões de facto e / ou direito em que assentou e a fundamentação aduzida, é merecedora de confirmação, não se verificando os alegados vícios.
O recurso não merece provimento”
1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir:
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar e decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito ao não considerar o invocado em sede de petição, relativamente à utilização, pela AT, dos métodos indirectos de tributação e quanto à falta de prova, por parte desta, do cumprimento dos pressupostos e requisitos legais que a poderiam determinar.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1 Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«Com interesse para a decisão dão-se por provados os seguintes factos:
1. A Impugnante dedica-se essencialmente à aquisição de amêndoa com casca, procedendo posteriormente à sua transformação, resultando destas o miolo - que é comercializado de diversas formas: inteiro, com pele ou sem pele, etc - Fls. 10 do PA;
2. A contabilidade da Impugnante foi objecto de inspecção tributária que incidiu em IVA e IRS nos exercícios de 2006, 2007 e 2008 - Fls. 9/ V e 10 do PA;
3. A Inspecção considerou " ser impossível a quantificação directa e exacta da matéria tributável, nos termos do artigo 17° CIRC, o que constitui fundamento para a determinação do lucro tributável com recurso a métodos indirectos, nos termos do artigo 52° (actualmente 57°) do CIRC e dos artigos 87°, alínea b) e artigo 88° alínea a), ambos da Lei Geral Tributária, em" virtude dos elementos disponíveis não possibilitarem a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável/imposto para efeitos de IRC dos anos referidos."- Cfr. Relatório junto ao PA, que aqui se dá por reproduzido;
4. Para aplicação dos métodos indirectos de tributação a AT baseou-se no seguinte:
a. "O rácio da rentabilidade fiscal das vendas / volume de negócios que se extrai dos valores declarados apresenta valores reduzidíssimos 0,35%, 0,46% e 0,23% para os anos de 2006 a 2008;
b. O referido rácio em termos nacionais de acordo com a base de dados da DGCI respeitante a todos os sujeitos passivos que exercem esta actividade e apresentaram a declaração anual de informação contabilística e fiscal, apresentam valores superiores e totalmente diferenciados aos do sujeito passivo, ou seja: 2006 (15 sujeitos passivos): 5,21 %; 2007 (14 sujeitos passivos): 2,18% e 2008 (24 sujeitos passivos): 2,04% (valores da mediana);
c. As compras evoluíram de 2006 para 2007 acompanhando as respectivas vendas. De 2007 a -2008 verifica-se uma retracção significativa dos valores das compras ao contrário das vendas que aumentaram de forma significativa;
d. As existências iniciais e finais apresentam valores de grande montante, e com variações muitíssimo significativas ao longo dos anos, fortemente influenciadoras dos resultados apurados pela empresa;
Não se vislumbram razões para que a variação em 2006 fosse na ordem de cerca de €189.000, isto é, um incremento de cerca de 48%, em 2007 e urna nova variação em 2008, neste caso negativa de cerca de 33%. Isto porque a actividade tem vindo a evoluir continuamente da mesma forma.
A disfuncionalidade verificada na evolução ao longo do período ao nível das compras e das existências, faz desde logo questionar a aderência à realidade dos valores declarados, cujas dúvidas se adensaram ao longo da inspecção, pelo seguinte:
i. Grande parte das compras é efectuada a agricultores, que não emitem facturas de venda, sendo estas substituídas por notas internas da empresa que identificam os vendedores e quantidades, sendo que algumas não se encontram assinadas pelo vendedor e outras com assinaturas duvidosas (rubricas idênticas em documentos respeitantes a vendedores diferentes). Esta fragilidade, a que acresce o grande número de vendedores e quantidades reduzidas por vendedor não permite de forma eficaz e eficiente proceder a um cruzamento exaustivo de informação, por forma a um controlo inequívoco das compras.
ii. Os inventários das existências são constituídos por simples relações que indicam as quantidades e preços, sem que tenham ou existam na empresa, quer no sistema contabilístico, quer à margem deste sistema, informação histórica extra contabilística que apoie as quantidades e preços que constam daquelas relações. (...)
Dito de outra forma, os valores constantes das folhas de inventário não se encontram comprovados, quer ao nível de quantidades, com documentos de pesagem, ou outra unidade de medida e quer ao nível dos preços, com os documentos que sirvam de suporte aos valores ali indicados.
Atente-se no facto de nos inventários de 2006 e 2007, nas rubricas de "amêndoa cascadura" e "amêndoa casca molar", as pesagens serem exactamente iguais: 102.000 kg e 126.841,5 kg, facto que indicia não ter havido contagem de um ano para o outro.
iii. Perante estes condicionalismos, numa tentativa de controlar a adesão à realidade das quantidades registadas em existências, procedeu-se ao confronto entre as vendas e respectivas matérias-primas no sentido de aferir a sua concordância. Para o efeito quantificaram-se as compras de amêndoa (com casca) e respectivas existências em cada um dos anos, concluindo-se desta operação os seguintes valores:
Consumos de amêndoa (com casca)
2006826.033,50 kg
20071.280.056,70 kg
20081.447.157,67 kg
(...)
Analisados estes valores, e considerando o processo produtivo, chega-se a conclusões díspares não podendo estas reflectir a realidade factual:
- 2006: Não é possível, com 826.093,50 kg de amêndoa, produzir 1.234.574 kg de casca de amêndoa, apresentando-se estes dados completamente absurdos;
- 2007: Teriam sido produzidos (?) na ordem de 340.136,70 kg de miolo (1.280,056,70 - 939.920), tendo resultado um rendimento de 26,57% relativamente ao produto principal (miolo de amêndoa);
- 2008: Teriam sido produzidos (?) 88.707,67 kg de miolo (1.447.157,67 1.358.450), resultando desta forma um rendimento relativamente ao produto principal de 6,13%, valor este, que comparativamente ao ano de 2007, se torna completamente descabido.
Este controle foi efectuado tendo em conta a casca de amêndoa (encontrando-se a sua produção directamente ligada à produção de miolo de amêndoa), uma vez que o miolo de amêndoa não resulta apenas do processo produtivo mas também é adquirido sob essa forma, tornando-se o seu controle impraticável.
(…)
Em suma, os factos anteriormente descritos designadamente:
a) As incorrecções verificadas nas quantidades inscritas nos inventários cujos montantes não se torna possível apurar de forma directa e exacta, dado a falta de elementos seguros e fiáveis para a sua quantificação e valorização;
b) As reduzidíssimas rentabilidades fiscais das vendas declaradas pelo sujeito passivo em contraposição com os rácios nacionais;
c) Os resultados líquidos declarados insignificantes ao longo do triénio sem que se vislumbrem razões justificativas face à actividade e modo como foram desenvolvidos.
Constituem indícios fundados de que a contabilidade da sociedade não reflecte os resultados efectivamente obtidos nos exercícios de 2006, 2007 e 2008." (...)
CAPITULO V -//Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos// (...) V - 2. Assim, por não ser possível encontrar outros indicadores que se afigurem mais adequados ao apuramento do lucro tributável, vamos aplicar os valores destes rácios (dos sujeitos passivos que exercem a actividade de descasque e transformação de frutos secos de casca rija comestíveis), uma vez que representam o universo presumivelmente reais para os anos em causa"- Cfr. Relatório;
5. Nesta sequência foi corrigido o lucro tributável do exercício de 2006, 2007 e 2008, respectivamente em 81.354.36, 29.011.02 e 39.260.92 €, daí resultando um lucro tributável em IRC, de respectivamente: 87.224.14 €, 36.833.42 €, e 44.319.74 € -Cfr. PA.
6. Discordando das correcções supra referidas o Impugnante solicitou em 15/12/2010 revisão da matéria tributada fixada por métodos indirectos nos termos previstos no art° 91.° da LGT, participando como perito da Impugnante a única testemunha ouvida nos presentes autos - FIs. 28 e ss e 103 dos autos;
7. A AT decidiu manter os valores inicialmente fixados - FIs. 46 dos autos;
8. A Impugnante foi notificada da liquidação adicional de IRC referente aos exercícios de 2006, 2008 e 2009, e para pagar os montantes de 23.653,96 €, 8.026,51 € e 10.653,33 € - Fls. 48, 49 e 50 dos autos;
9. A reclamação graciosa que o Impugnante apresentou em 18/5/2011 foi indeferida - fls. 51 a 61 dos autos;
Com interesse para a decisão não se provou:
· Que nos casos em que a Impugnante presta serviços de britagem de amêndoa ou despelagem, a casca fique para a [SCom01...], independentemente de ser, ou não, adquirido o respectivo miolo;
· Que em 2004 e 2005 tivesse sido vendida uma pequena parte de casca produzida, pelo facto de o combustível (gasóleo e fuel) ter preços aceitáveis;
· Que em 2006 o preço dos combustíveis tivesse tido uma subida assinalável;
· Que a casca de 2004 e 2005 se encontrasse nas traseiras do pavilhão industrial da Impugnante, e que estivesse em condições de ser vendida;
· Que o custo nulo ou lucro nulo da casca de amêndoa dependa da utilização da expectativa de venda e da relação entre o preço do subproduto ou resíduos em relação ao produto principal;
· Que antes de 2006 a probabilidade de realizar rendimentos com a casca de amêndoa fosse reduzida;
· Que a valorização da casca de amêndoa fosse problemática, e que a sua utilização seja exclusiva para caldeiras de aquecimento;
· Que em 2005 o miolo natural estivesse valorizado em 6,20 € e o miolo despelado em 8,15 €;
· Que em 2006 os preços tivessem descido para 4,95 € e para 6,23 €, respectivamente para o miolo natural e para o miolo despelado;
· Que em 2006 os preços eram anormalmente baixos, abaixo do custo de aquisição;
· Que, perante esses factos (preços anormalmente baixos) a Impugnante tivesse esperado pela campanha da Páscoa de 2007;
· Que nos anos em causa a Impugnante tivesse tido essencialmente três fontes de financiamento: a banca, os fornecedores e os sócios;
Motivação:
Consideraram-se não provados estes factos porque a única testemunha que sobre os mesmos depôs é o ROC da Impugnante apenas desde 2009.
A profissão que a testemunha exerce, e a experiência que dela lhe advém, não se apresentou(aram) suficiente(s) para demonstrar que a Impugnante ficava, ou não, com a casca independentemente de ser, ou não, adquirido o respectivo miolo; que em 2004 e 2005 foi ou não vendida uma pequena parte de casca produzida, pelo facto de o combustível (gasóleo e fuel) ter preços aceitáveis; que a casca de 2004 e 2005 se encontrava ou nas traseiras do pavilhão industrial da Impugnante, e se encontrava em condições de ser vendida; que antes de 2006 a probabilidade de realizar rendimentos com a casca de amêndoa era reduzida; que a valorização da casca de amêndoa era problemática, e que a sua utilização fosse exclusiva para caldeiras de aquecimento; que perante os preços alegadamente baixos, a Impugnante tivesse esperado pela campanha da Páscoa de 2007; que em 2005 o miolo natural estivesse valorizado em 6,20 € e o miolo despelado em 8,15 E; que em 2006 os preços tivessem descido para 4,95 E e para 6,23 C, respectivamente para o miolo natural e para o miolo despelado; ou que em 2006 os preços eram anormalmente baixos, abaixo do custo de aquisição;
Relativamente aos outros factos que não se provaram, o depoimento não se pode considerar apto para contradizer o Relatório porque, apesar de genericamente a testemunha demonstrar que conhecia o sector de actividade da Impugnante, apenas se baseou ou na análise da sua contabilidade, no conhecimento que teve do processo aquando a comissão de revisão na qualidade de perito da Impugnante, ou em factos que teriam ocorrido quando a testemunha não lhe prestava serviços e que, portanto, não presenciou.
Para melhor fundamentação ver infra o que se expõe relativamente ao ónus da prova da lmpugnante.”
2.2. De direito
Está em causa no presente recurso a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela Impugnante, contra a liquidação adicional de IRC referente aos exercícios de 2006, 2007 e 2008 e, respectivos, juros compensatórios, no valor global de € 42.319,80.
Na sequência de uma acção de fiscalização, a AT entendeu que a contabilidade da ora Recorrente (sociedade que se dedica essencialmente à aquisição de amêndoa com casca, procedendo à sua transformação e comercialização do respectivo miolo de diversas formas, entre as quais, inteiro, com pele ou sem pele), com referência ao exercício de 2006, 2007 e 2008, não reflecte os resultados efectivamente obtidos naqueles exercícios, mais concluindo que a contabilidade não se encontra organizada de forma a permitir o apuramento e controlo do imposto por se verificarem omissões e inexactidões que inviabilizam a correcta determinação da matéria tributável, razão pela qual procedeu à correcção da matéria tributável, com recurso a métodos indirectos e, após a decisão que viria a recair sobre o pedido de revisão formulado pelo sujeito passivo ao abrigo do disposto no artigo 91.º da Lei Geral Tributária (LGT), às consequentes liquidações adicionais de IRC.
A Recorrente alicerçou a sua Impugnação, invocando, em suma, (i) a sua contabilidade não merece qualquer reparo, até porque a mesma está sujeita a revisão legal de contas, da “falta de fundamentação substantiva” e da ilegalidade da decisão de determinação da matéria tributável através do recurso a métodos indirectos com violação do disposto nos artigos 87º, 88º e 89º da LGT e (ii) do erro de facto na quantificação da matéria tributável de IRC através da aplicação de métodos indirectos.
O Tribunal a quo produziu a prova testemunhal arrolada pela Impugnante (o ROC da Impugnante desde 2009) e, após concessão de prazo para alegações, direito não exercido e emissão de parecer, não consideração de que pelos presentes autos aplicação dos métodos indirectos não era objecto de impugnação, conhecendo da questão enunciada supra em (ii), conclui pela improcedência da impugnação.
A Recorrente (Impugnante) insurge-se contra o assim decidido, limitando o seu inconformismo ao segmento da sentença sob recurso que julgou “O impugnante não contesta a aplicação dos métodos indiretos. Assume que se encontram reunidos os pressupostos da sua aplicação”, invocando nesta sede erro de julgamento de direito, argumentado que o Tribunal a quo “(...) não teve em devida conta o teor da impugnação deduzida e a discordância manifestada pela impugnante quanto à utilização, pela AT, dos métodos indiretos de tributação e quanto à falta de prova, por parte desta, do cumprimento dos pressupostos e requisitos legais que poderiam ter determinado tal forma de tributação.”.
Em sede de exame do recurso, antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cf. artigo 639º, do CPC e artigo 282º, do CPPT).
Cumpre, pois, apreciar e decidir.
2.2.1. Vejamos, pois, o que se nos oferece dizer, começando por efectuar um breve enquadramento jurídico do instituto da tributação com recurso a métodos indirectos, para, após, apreciarmos da verificação, ou não, do erro de julgamento assacado à sentença recorrida.
Assim, para o que interessa decidir, importa reter, que no ordenamento jurídico-português tributário vigora o princípio da declaração no apuramento da matéria tributável, o qual se encontra plasmado no artigo 75°, n.º 1 e n.º 2, al. a) da Lei Geral Tributária (LGT), aí se dispondo que, “presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”, cessando tal presunção quando, entre outras razões, aquelas declarações, contabilidade ou escrita revelem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem a matéria tributável real do sujeito passivo ou se apresente de uma forma que impeçam precisamente o conhecimento dessa mesma realidade tributável.
Acresce que, em conformidade com o preceituado no artigo 81º, n.º 1 da LGT, a matéria tributável deve ser avaliada ou calculada directamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indirecta nos casos e condições expressamente previstos na lei, constituindo, assim, a avaliação directa o princípio regra a seguir pela Administração tributária e a avaliação indirecta um mecanismo de determinação da matéria tributável meramente subsidiário (em conformidade, aliás, com o disposto no art. 85º, n.º 1 da mesma Lei), que o legislador estabeleceu tendo em vista a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis de um determinado sujeito passivo, a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha e a que recorra para aquele concreto fim (cf. art. 83º, n.º 2 da mesma Lei citada).
Ora, foi precisamente tendo em conta a natureza subsidiária do instituto e os pressupostos de facto de que há, necessariamente, que partir, que o legislador entendeu impor à Administração Tributária um especial dever de fundamentação sempre que a mesma lance mão desse mecanismo, dispondo o artigo 77º, n.º 4 da LGT que “a decisão da tributação pelos métodos indirectos nos casos e com os fundamentos previstos na presente lei especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exacta da matéria tributável”. Por isso a Administração Tributária, em todos os casos em que recorra à tributação por métodos indirectos, está obrigada a demonstrar que estão verificados os pressupostos legitimadores dessa forma de determinação da matéria tributável, ou seja, que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se apresenta como a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a essa conclusão.
Feita essa prova, recai, então, sobre o sujeito passivo, a obrigação ou ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou manifesto excesso na quantificação da matéria tributável (cfr. artigo 74°, n.º 3 da LGT).
De entre as situações em que a Administração Tributária pode proceder à avaliação indirecta, encontra-se expressamente prevista no artigo 87º da LGT a situação de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto, importando ainda salientar - porque estritamente conexionado com o caso em apreço - que essa impossibilidade de comprovação e quantificação pode resultar da inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais; (cfr. indicação exemplificativa da al. a) do artigo 88°do mencionado diploma legal).
Por último, no que concerne à quantificação da matéria tributável apurada através de métodos indirectos, é sobre a Administração que recai o ónus não só de indicar, como também de fundamentar os critérios utilizados na determinação da matéria tributável por métodos indirectos, tendo o volume da matéria colectável presumida, obrigatoriamente, de assentar em dados objectivos, racionais e fundamentados, ou seja, em dados aptos a inferir os factos tributários, e não meras hipóteses abstractas, suspeitas ou suposições.
Em jeito de sinopse, do quadro legal descrito, resulta que, «No caso de tributação por métodos indiciários, a lei impõe especial fundamentação, devendo a AT especificar os motivos por que a contabilidade não merece crédito, por que não pode quantificar directa e exactamente a matéria tributável e qual o critério utilizado na determinação da matéria tributável» sendo que «A essas exigências de fundamentação formal acrescem as da fundamentação material, ou seja, não basta à AT a mera indicação dos motivos por que entendeu proceder à avaliação da matéria tributável por métodos indirectos e do critério que utilizou na respectiva quantificação, exige-se-lhe também que demonstre o bem fundado das suas conclusões, isto é, a veracidade dos factos e a adequação entre os mesmos e as valorações em que diz suportar a sua actuação.» (in acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 28.02.2008, proferido no âmbito do processo n.º 4634/04).
Delimitadas e apresentadas as normas legais que regem a situação dos autos, o seu campo de aplicação e as regras de distribuição do ónus da prova daquelas emergentes, cumpre analisar os factos apurados nos autos, mormente do erro de julgamento em que ocorre na tese da Recorrente o Tribunal a quo ao considerar que in casu não cumpria proferir julgamento sobre se se mostravam verificados os pressupostos de aplicação dos métodos indirectos, o que a existir impõem o seu conhecimento nesta sede recursória.
E, em ordem a uma percepção total dessa realidade factual, comecemos por relembrar que a liquidação que nos autos vem impugnada é o acto consequente da Comissão de Revisão, que remete para os elementos e fundamentos do relatório de inspecção tributária (RIT) decorrente de acção inspectiva realizada pela Administração Tributária (Serviços de Inspecção Tributária) e constitui o resultado da aplicação dos métodos indirectos para determinação da matéria tributável da Recorrente em sede de IRC e relativa ao ano de 2006, 2007 e 2008, resultando daqueles que a necessidade de recurso aos métodos indirectos para determinação da matéria tributável, prende-se com a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria colectável, pelos erros e omissões praticadas na organização e execução da contabilidade da Impugnante.
E, desde já se diga, que a razão está do lado do Recorrente quando invoca o erro de julgamento de direito da sentença sob recurso, pois que, contrariamente a tese que desta emerge, uma coisa é a questão colocada em sede de petição, outra, completamente diferente é se na mesma são esgrimidos factos e/ou argumentos susceptiveis de sustentar a mesma.
Concretizando a Recorrente em sede de petição se bem que não ataque a fundamentação formal do acto, certo é que em “bruto” ataca a sua fundamentação substancial (vide artigos 5º, 32º a 35º da petição).
E, assim sendo, independentemente de o julgador perante a escassez ou insuficiências de factos ou argumentos considerar manifesta a sua improcedência, não pode deixar de conhecer do alegado, invocando anuência expressa da verificação dos pressupostos aos métodos indirectos. Razão pela qual, se julga procedente o erro de julgamento invocado e aqui se determina a revogação da sentença nessa exacta medida, ou seja, exclusivamente no segmento em que considerou que “(a) Impugnante não contesta a aplicação dos métodos indirectos”.
Assim sendo, cabe aqui proceder ao seu conhecimento em substituição, uma vez que todos os elementos necessários para o efeito estão disponíveis, tal como se dispõe no art. 665.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi art.281.º do CPPT.
Vejamos então.
2.2.2. Revisitando todo o exposto em sede de enquadramento jurídico , temos que a decisão de tributação por métodos indirectos tem de especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável competindo à AT demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por métodos indirectos, atestando que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àqueles métodos se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido (art. 74º, nº 3 e 77º, nº 4 da LGT).
Em suma, o recurso a presunções ou métodos indirectos só é legitimado quando não existirem elementos que permitam apurar directamente o imposto, sendo patente a preocupação do legislador em objectivar as situações em que a matéria colectável pode ser fixada através dos denominados métodos indirectos e, portanto, o recurso a estes métodos depende da verificação dos respectivos pressupostos legais.
Sendo que, compete à administração tributária demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por métodos indirectos, demonstrando nomeadamente que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido e, feita essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que aqueles pressupostos não se verificam ou que, verificando-se, houve erro ou excesso na quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT). – Cfr. nestes precisos termos, o Acórdão deste TCAN, de 27/11/2014, proferido no âmbito do processo n.º 255/05.4 BEBRG.
Baixando ao caso em apreço, vejamos se a Administração Tributária cumpriu com o ónus da prova quando pôs em crise a contabilidade e escrita da Recorrente, desacreditando-a.
In casu, a AT em sede inspectiva considerou “ser impossível a quantificação directa e exacta da matéria tributável, nos termos do artigo 17° CIRC, o que constitui fundamento para a determinação do lucro tributável com recurso a métodos indirectos, nos termos do artigo 52° (actualmente 57°) do CIRC e dos artigos 87°, alínea b) e artigo 88° alínea a), ambos da Lei Geral Tributária, em" virtude dos elementos disponíveis não possibilitarem a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável/imposto para efeitos de IRC dos anos referidos.”
Ou seja, sustentou.se no artigo 87º, nº 1, al. b), ou seja, na “impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação tributável de qualquer imposto” e no artigo 88º, al. a) que refere: “A impossibilidade de comprovação ou quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorrecções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável: a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidade na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais”.
Mais, resulta da factualidade apurada, mormente do ponto 4, que reproduz em parte o relatórios inspectivo aos anos de 2006 a 2008, os fundamentos que sustentaram o recurso à aplicação de métodos indirectos por parte da AT, pois foi com base nesses fundamentos que esta considerou que a contabilidade da Recorrente/impugnante não merecia credibilidade e por tal facto os resultados nela evidenciados não reflectiam a realidade da actividade desenvolvida.
Atentemos, pois, aos fundamentos vertidos no RIT e que espelham do ponto 4 do probatório.
A título meramente exemplificativo, chamamos-mos atenção da discrepância que ressalta da análise da contabilidade dos três anos em referência que denota a verificação de uma disfuncionalidade ao nível das compras (compras efectuadas a agricultores que não emitem facturas) e das existências (não comprovadas). A falta de elementos seguros e fiáveis (referência de preços e pesagens) para a valorização e quantificação de inventários que tornou impossível a determinação exacta dos custos dos exercícios em referência.
Assim, resulta do probatório em suma que das a) As incorrecções verificadas nas quantidades inscritas nos inventários cujos montantes não se torna possível apurar de forma directa e exacta, dado a falta de elementos seguros e fiáveis para a sua quantificação e valorização; b) As reduzidíssimas rentabilidades fiscais das vendas declaradas pelo sujeito passivo em contraposição com os rácios nacionais; c) Os resultados líquidos declarados insignificantes ao longo do triénio sem que se vislumbrem razões justificativas face à actividade e modo como foram desenvolvidos, constituem indícios fundados de que a contabilidade da sociedade não reflecte os resultados efectivamente obtidos nos exercícios de 2006, 2007 e 2008.
O único argumento com o qual a Recorrente pretende abalar a fundamentação em que assenta o recurso aos métodos indirectos pela AT, prende-se com o por si aludido no artigo 32º da petição inicial, de que a sua contabilidade é transparente e não merece qualquer reparo, alegando que a mesma está sujeita a revisão legal de contas o que só por si “(...) evidencia de forma verdadeira apropriada, em todos os aspectos materialmente relevantes, a posição financeira da empresa e o resultado das suas operações” (transcrição parcial do artigo 34º da petição).
Olvida por certo a Recorrente, que a transformação da Impugnante em S.A. apenas ocorreu em 2009, conforme discorre do capitulo II do RIT, ponto 2 (fls. 10), ou seja, nos exercícios em referência a sociedade impugnante encontrava-se constituída sob a forma de uma sociedade por quotas, o que por si abala a argumentação de que à época dos factos a Impugnante estava sujeita à revisão legal de contas.
Ora, em face da factualidade que foi dada como assente pelo Tribunal recorrido, somos de considerar estar demonstrada a impossibilidade de quantificação directa e exacta da matéria tributável em resultado da natureza das irregularidades verificadas na contabilidade (ou seja, tendo considerado afastada a presunção de veracidade da contabilidade e comprovada a impossibilidade de determinar a matéria tributável com base nela ou por outra forma directa), bem como, considerado, por outro lado, que a impugnante não logrou infirmar estes pressupostos com que a AT operou a determinação e quantificação da dita matéria tributável, somos de concluir, pela legalidade das liquidações impugnadas, dado que a AT actuou ao abrigo do disposto nos arts. 75º, n.º 2, alínea a), 87.º b) e 88.º alínea a), todos da LGT.
Com efeito, como consta do sumário do acórdão do STA, de 16.11.2011, proc. n.º 247/11, , «IV - Afastada que fique a presunção de veracidade da contabilidade e verificada a impossibilidade de determinar a matéria tributável com base nela ou por outra forma directa (juízos que este STA, como tribunal de revista, que carece de poderes de cognição em sede de facto, não pode sindicar na parte em que se refere à formação da convicção), fica a AT legitimada para lançar mão dos métodos indirectos.» e «V - De acordo com as regras de distribuição do ónus da prova, para pôr em causa a quantificação da matéria tributável a que a AT chegou com recurso a métodos indirectos não basta ao sujeito passivo suscitar dúvidas quanto ao resultado obtido, antes se lhe impondo que demonstre a inadequação ou errada aplicação dos critérios de quantificação utilizados (cfr. art. 74.º, n.º 3, da LGT).»
Por todo o exposto, apesar de o recurso ter sucesso, a impugnação está condenada ao fracasso, sendo de manter o sentido decisório da decisão recorrida de improcedência da impugnação, o que se determinará a final.

2.3 Conclusões
I. Cabe à AT o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiciários e, nesta medida, demonstrar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto.
II. Se em sede de impugnação judicial não forem alegados e provados factos de que resulte a dúvida ou a prova do contrário daqueles outros factos – nos quais assentavam os sobreditos fundados indícios, não logrou o contribuinte o ónus de que aqueles pressupostos não se verificam.

3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar no segmento recorrido a sentença de 1ª instância e, conhecendo em substituição, manter o julgamento de improcedência da impugnação a que acresce a presente fundamentação.
Custas a cargo da Recorrida nesta instância, que não incluem a taxa de justiça, por não ter contra-alegado.

Porto, 11 de abril de 2024


Irene Isabel das Neves
Paulo Moura
Carlos Fernandes