Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00248/11.2BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/03/2016
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Joaquim Cruzeiro
Descritores:AJUDAS COMUNITÁRIAS; AUDIÊNCIA PRÉVIA
Sumário:I- No âmbito da audiência prévia, os interessados podem pronunciar-se sobre as questões que constituem objecto do procedimento, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos.
II- Se resultado da reposta à audiência prévia, e relativamente a cada despesa considerada não elegível foi feita a apreciação dos argumentos invocados, tem de se concluir que ocorreu a audiência prévia.
III- No caso dos autos para se concretizar a audiência prévia não se tornava necessário proceder à audição das testemunhas invocadas, uma vez que essa prova não seria idónea a afastar a prova dos factos invocados pela entidade demandada, ora recorrente. A concretização dessa audição tornar-se-ia inútil. *
*Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas IP
Recorrido 1:PNBP
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1 – RELATÓRIO
Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas IP vem interpor recurso do Acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, datado de 6 de Dezembro de 2012, e que julgou parcialmente procedente a acção administrativa especial que intentada por PNBP, e onde era solicitado que:
a) Se digne conhecer e declarar a prescrição do presente procedimento, e, em consequência, declarar extinto o procedimento contra o Autor. //b) Se digne anular o referido acto pelo mesmo não estar devidamente fundamentado.”

Em alegações o recorrente concluiu assim:
A. Através de acórdão proferido pelo Tribunal a quo, foi julgada procedente a acção administrativa especial de pretensão conexa com actos administrativos apresentada pelo Recorrido, anulando-se a decisão final do IFAP, IP que determinou a modificação unilateral do contrato de atribuição de ajudas e o reembolso do montante de 86.879,19 €, por incumprimento do projecto de investimento n.º 2003230010690.

B. Com efeito, entendeu o Tribunal a quo verificar-se o “vício formal de falta de audiência prévia, na parte em que, precisamente, a diligência complementar a que corresponde a inquirição de testemunhas não foi aceite pela entidade demandada”.

C. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito quanto ao alegado vício formal de falta de audiência prévia do acto administrativo impugnado.

D. Nenhuma dúvida se coloca relativamente ao cumprimento pelo ora Recorrente do cumprimento do artigo 100.º do CPA.

E. Disso deu conta o acórdão sentença que registou tal facto sob o n.º 12.

F. Tendo igualmente sido dado como provado que o Recorrido exerceu o seu direito de audiência prévia.

G. Disso deu conta o acórdão sentença que registou tal facto sob o n.º 13.

H. O acórdão considerou como violado o artigo 100.º do CPA ao considerar que tendo o Recorrido, em cumprimento desse preceito legal, indicado testemunhas para sustentar a posição que defendiam, não se procedeu à sua inquirição.

I. O cumprimento do dever de audiência prévia previsto no artigo 100.º do CPA não obriga que fossem ouvidas as testemunhas arroladas.

J. A inquirição de testemunhas inclui-se no âmbito das diligências complementares a que se refere o artigo 104.º do CPA,

K. Sendo que a realização de diligências complementares requeridas não constitui um direito do interessado e antes cabe na regra da livre apreciação das provas por parte da Administração, apenas sindicável em caso de erro grosseiro ou de utilização de critério claramente inadequado.

L. O que não aconteceu no caso dos autos.


M. E sobre a alegada omissão de diligências complementares a que alude o artigo 104.º do CPA, já se pronunciou o STA, entre outros, no acórdão de 2006-03-02, no processo n.º 0984/06, segundo o qual: “a realização de diligências complementares, mesmo as que tenham sido solicitadas, cabe na regra da livre apreciação das provas por parte da Administração sujeita ao regime próprio aplicável em tal matéria. Ou seja, uma tal faculdade do instrutor, no exercício da qual goza de ampla margem de apreciação, apenas sindicável, em princípio, em caso de erro grosseiro ou de utilização de critério claramente inadequado” (vd. também acórdão do STA de 2000.02.01, recurso n.º 45290; acórdão do STA de 2008.05.21, processo n.º 084/08),

N. Segundo o acórdão do Tribunal a quo, o depoimento das testemunhas poderia ser fundamental para o Recorrido demonstrar a veracidade do alegado na resposta ao ofício de audiência prévia.

O. Contudo, também aqui o Tribunal a quo incorre em erro de julgamento ao entender que a inquirição das testemunhas podia alterar o conteúdo da decisão final.

P. De facto, o fundamento legal do acto que determinou a modificação unilateral do contrato e consequente reposição do montante indevidamente atribuído foi o incumprimento da Regra de Elegibilidade n.º 1 relativa à elegibilidade das despesas no âmbito das operações co-financiadas pelos fundos estruturais que se refere aos documentos comprovativos das despesas, do Regulamento (CE) n.º 1685/2000, da Comissão, de 28-07, com última redacção dada pelo Regulamento (CE) n.º 448-A/2004 da Comissão, de 10-03, que estabelece que: “os pagamentos executados pelos beneficiários finais devem ser comprovados pelas respectivas facturas pagas. Se tal não for possível os pagamentos devem ser comprovados por documentos contabilísticos de valor probatório equivalente”. (sublinhado nosso).

Q. Não tendo o Recorrido apresentado os documentos a que estava obrigado, no sentido de não poderem ser consideradas as despesas não tituladas por documentos que observassem a Regra de Elegibilidade n.º 1, era manifesto que a diligência de inquirição das testemunhas arroladas seria sempre inútil, pois que qualquer que fosse o seu resultado, não existindo os documentos que cumprissem a Regra de Elegibilidade, sempre estaria afastada a possibilidade de se considerarem as referidas despesas como elegíveis.

R. Não merece qualquer censura o procedimento adoptado pelo Recorrido, pois que nenhuma prova testemunhal se impunha para a realidade descrita pela Recorrido, e tanto assim é, que, este último nem sequer soube concretizar qual a factualidade relativamente à qual devia ser produzida prova testemunhal.

S. O Recorrente fundamentou o indeferimento da inquirição de testemunhas referindo que o ora Recorrido “já tomou conhecimento de todos os factos que importam à tomada de decisão, e se pronunciou sobre os mesmos (…) ”.

T. No exercício do direito de audiência prévia, em que se suscitam apenas questões de direito, não se descortinando a invocação de factos novos, sendo que as questões suscitadas foram apreciadas pela Administração, não merece qualquer censura a não audição das testemunhas arroladas neste âmbito, pois que nenhuma prova testemunhal se impunha para a realidade descrita.

U. Sem conceder, a entender-se que a não audição das testemunhas indicadas pelo Recorrido em sede de audiência prévia constitui vício formal de falta de audiência prévia, deveria tal preterição de audiência prévia, no caso concreto, degradar -se em formalidade não essencial, havendo aplicação do princípio do aproveitamento dos actos.
V. Resultando dos vários elementos documentais/contabilístico analisados em sede de controlo, o incumprimento por parte do Recorrido, de requisitos legais de carácter formal, pelo que não poderia uma testemunha ou respectiva audição consubstanciar um elemento probatório determinante para a alteração da fundamentação da decisão final.

W. A decisão do procedimento administrativo seria sempre idêntica à decisão que foi impugnada em primeira instância, pelo que o incumprimento julgado pelo Tribunal a quo teria de se degradar em mera irregularidade procedimental, devendo concretizar-se o princípio do aproveitamento do acto.

O recorrido apresentou as suas contra-alegações tendo apresentado as seguintes conclusões:

1. Inconformado com a douta sentença proferida pela Mmª Juiz nos autos, dela recorre o réu.

2. Contudo, não parece assistir razão ao recorrente e basta uma leitura atenta da douta decisão recorrida, para tanto se concluir.

3. Da falta de fundamentação e da falta de audiência prévia.

4. A deliberação de modificação unilateral do contrato celebrado entre com o Réu, com a consequente devolução da quantia € 86.879,19, carece de fundamentação porque: Não ouviu nenhuma das cinco testemunhas arroladas; não teve em conta a pronúncia do A. em sede de audiência prévia; adopta fundamentos obscuros, contraditórios e claramente insuficientes que não esclarecem a motivação do acto.

5. Relativamente ao facto do R. não ter procedido à audição de testemunhas arroladas e não se ter pronunciado quanto aos argumentos aduzidos em audiência prévia estamos perante o vicio formal de falta de audiência prévia, na parte em que, precisamente, a diligência complementar a que corresponde a inquirição de testemunhas não foi aceite pela entidade demandada e na parte em que o R. não teria explicitado as razões pelas quais não atendeu às alegações do interessado – cfr. art.º 101.º, n.º 3 e 104.º do CPA – Neste sentido, que se acompanha, cfr. Freitas do Amaral e outros, in CPA anotado, 3ª edição, pág. 198.

6. A Administração não está obrigada a realizar todas as diligências de prova que o interessado requeira na fase de audiência prévia, transformando esta numa reabertura da instrução. Contudo, não as poderá omitir sem se pronunciar sobre o pedido que aquele formule nesse sentido, justificando sumariamente o seu indeferimento.

7. Ora apesar do Réu ter explicitado as razões pelas quais não atendeu ao invocado pelo A. em sede de audiência prévia, o certo é que não se pode considerar que a expressão “ Assim, e considerando que já tomou conhecimento de todos os factos que importam à tomada de decisão, e se pronunciou sobre os mesmos (…)‖ cumpra a justificação sumaria do indeferimento de audição de testemunhas.

8. O cumprimento do disposto no art.º 100.º do CPA é visto como uma importante garantia de defesa dos direitos do administrado e, porque assim é, constitui uma formalidade essencial.

9. Todavia a mesma pode, em certos casos, degradar-se em formalidade não essencial e, portanto, ser omitida sem que daí resulte qualquer ilegalidade invalidante.

10. Esses casos serão aqueles em que estando em causa uma actividade vinculada da administração, se conclui que a decisão administrativa não poderá ser outra que não a decisão efectivamente tomada.

11. O que significa que a degradação daquela formalidade em formalidade não essencial só ocorrerá quando, atentas as circunstâncias, a intervenção do interessado se torna inútil.

12. Porém, esta inutilidade só ocorrerá “se for possível garantir que o acto seria sempre prolatado, e com a mesma configuração decisória, quaisquer que fossem as vicissitudes do procedimento, ou, como refere o Ac. do Pleno de 08.02.2001 – Rec. 46.660, ¯quando se possa afirmar, com inteira segurança, que o novo acto a praticar pela Administração em execução do julgado anulatório, teria forçosamente conteúdo decisório idêntico ao acto anulado‖ AC. STA Proc. 046482 de 17-01-2002 in www.dgsi.pt. Também neste sentido cfr. Ac. do STA n.º 048334 de 16-10-2002 in www.dgsi.pt (sublinhado nosso)

13. Do exposto decorre que, embora se possa defender, em abstracto, a possibilidade de também aqui ser possível ocorrer a sua degradação em formalidade não essencial, ter-se-á, porém, de ter particular cuidado ao proceder a tal juízo. De qualquer maneira, temos para nós que a questão dos efeitos não invalidantes da preterição do princípio da audiência, designadamente, por apelo ao princípio do aproveitamento dos actos administrativos só é invocável quando seja possível afirmar que a decisão tomada é a única concretamente possível, o que passa, desde logo, pela possibilidade de se poder apreciar a legalidade do acto, não bastando que se trate de acto vinculado.‖ Cf. o Ac. do STA n.º 0123 de 19-02-2003 in www.dgsi.pt

14. O preceito no qual o Réu se fundamentou para modificar unilateralmente o contrato, implicando o reembolso da quantia de €86.879,19 (art.º 11.º do DL Decreto-Lei n.º 163-A/2000 de 27 de Julho), dispõe o seguinte: ¯Rescisão ou modificação unilateral do contrato pelo IFADAP” //1 — O IFADAP pode rescindir unilateralmente os contratos em caso de incumprimento pelo beneficiário de qualquer das suas obrigações ou da inexistência ou desaparecimento, que lhe seja imputável, de qualquer dos requisitos de concessão da ajuda. // 2 — O IFADAP pode, também, em caso de incumprimento modificar unilateralmente o contrato, nomeadamente quanto ao montante das ajudas, desde que tal se justifique face às condições concretamente verificadas na execução do projecto, ou à falta ou insuficiência de documentos comprovativos‖. Perante esta previsão normativa só podemos concluir que, embora a Administração tenha de modificar unilateralmente o contrato, as condições para que tal aconteça terão de ser verificadas caso a caso.

15. Assim, se, por exemplo, a A. alegou aquando o exercício do direito de audiência prévia que ¯No que respeita ao fornecedor Fm..., Lda o beneficiário efectuou a totalidade do pagamento em numerário (...) na data constante do recibo (...) 9/7/2004 (...) não sabe que destino que o fornecedor deu ao dinheiro‖; e se ¯No que diz respeito ao fornecedor Ff..., Lda. o beneficiário efectuou o pagamento de €3.050,00 em numerário, (...) na data constante do recibo (…)‖, não podia a Administração responder, sem mais, que ¯No entanto, não há demonstração em como o pagamento foi efectivamente realizado‖ (relativamente ao fornecedor Fm...); e que ¯o pagamento em numerário não se encontra comprovado (relativamente ao fornecedor Ff…).

16. Ou seja, o depoimento de testemunhas poderia ser fundamental para o A. demonstrar a veracidade do alegado. Portanto, é impossível determinar com rigor qual seria o conteúdo do acto impugnado caso as testemunhas arroladas tivessem sido inquiridas.

17. Daqui se retira que, sendo esta formalidade essencial, terá que proceder o pedido relativamente a esta causa de pedir.

18. O direito à fundamentação dos actos administrativos que afectem direitos e interesses legalmente protegidos é um princípio constitucional consagrado no art.º 268.º da CRP.

19. Nos termos do art.º 125.º do CPA, a fundamentação deve ser expressa através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto, não sendo de admitir, porém, a fundamentação à posteriori.

20. De acordo com o n.º 2 deste mesmo preceito legal equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.

21. Exige-se, pois, em geral, a fundamentação dos actos administrativos – cfr. art.º 124° do CPA.

22. Perante o supra exposto, temos de concluir que a fundamentação, na nossa opinião, não foi expressa; não foi clara; e não foi suficiente, porque não lhe possibilitou um conhecimento concreto da motivação do acto, ou seja, as razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a actuar como actuou; e não foi congruente, de modo que a decisão não constituiu conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação.

O Ministério Público, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, pronunciou-se nos autos tendo concluído que deve ser dado provimento ao recurso.

As questões suscitadas e a decidir resumem-se em determinar:

— se ocorre erro de julgamento de direito, pelo Tribunal a quo por referir ocorrer vício de forma por falta de audiência prévia.

Cumpre decidir.

2– FUNDAMENTAÇÃO

2.1 – DE FACTO

Na decisão sob recurso ficou assente o seguinte quadro factual:

1. Em 1 de Abril de 2003 o A. apresentou um projecto de investimento, que recebeu o número 2003230010690 (vide fls. 403 a 412 do PA), e que foi aprovado na Reunião da Unidade de Gestão do Programa AGRO n.º 125 de 31 de Março de 2004. (fls. 321 e 322 do PA);

2. Em 23 de Junho de 2004, entre o A. e o então IFADAP, foi celebrado “CONTRATO DE ATRIBUIÇÃO DE AJUDA AO ABRIGO DO PROGRAMA AGRO — MEDIDA 1: Modernização, Reconversão e Diversificação das Explorações Agrícolas// Reg. (CE) n.º 1257/99” (conforme fls. 285 a 291 do PA);

3. Mediante a assinatura do contrato, o A. assumiu o compromisso de realizar o projecto de investimento, executando os investimentos nele projectados, nos termos e condições aprovados, cabendo à R., designadamente, o pagamento de um subsídio, cujo valor correspondia a uma percentagem do investimento efectivamente executado e comprovado quer formal quer materialmente;

4. O referido projecto visava a instalação de um jovem agricultor na actividade pecuária com a aquisição de 60 avestruzes, construção de infra-estruturas, aquisição de equipamentos e de prédio rústico (fls. 404 do PA);

5. O investimento considerado elegível foi de € 398.446,05 ao qual correspondeu um subsídio de € 169.317,29, sendo € 229.128,76 de auto-financiamento, e um prémio à primeira instalação de € 25.000,00 (fls. 339 do PA);

6. Do contrato de atribuição de ajudas constante de fls. 285 a 291, resulta que foi constituída como fiadora do A., ZBSP, sua mãe, que garantia a execução do projecto no valor de € 97.160,00, tendo também sido constituída uma garantia bancária da Caixa de Crédito Mútuo do Alto Corgo e Tâmega, CRL em 12.04.2004, pelo mesmo montante (fls. 292 a 296 do PA);

7. Em 19.07.2005, o A. solicitou a substituição da garantia bancária por fiador, fundamentando tal pedido nos elevados encargos (fls. 114 do PA);

8. O A. foi informado que a formulação de tal pedido deveria ser efectuada no momento da apresentação do último pedido de pagamento das ajudas, o que foi cumprido por carta em 06.12.2005 (fls. 110);
9. O pedido do A. foi deferido e foi este notificado através do ofício com a referência n.º 2032/AA-Chaves 1/2006 de 12.12.2006, constante de fls 94 do PA.;

10. Na decorrência do contratualmente estabelecido, e após apresentação por parte do Autor dos pedidos de pagamento e documentos, o IFADAP pagou ao Autor as seguintes quantias (fls. 41 do PA):
- € 25.000,00, em 13.07.2004;
- € 119.694,93, em 09.11.2004;
- € 20.506,28, em 07.10.2005;
-€29.116,08, em 23.02.2007;

11. O projecto foi objecto de uma acção de controlo de 1.º Nível realizada ao abrigo do artigo 10 do Regulamento (CE) n. 438/2001, da Comissão, de 2 de Março, referente ao Plano Anual de Controlo de 2008, o qual deu origem ao relatório de controlo n.º 033/2008, que se encontra junto ao PA de fls 608 a 648, que aqui se dá por reproduzido, com o seguinte destaque: “2. Conclusões sobre a execução física do projecto// a) Da visita física efectuada à exploração conclui-se o seguinte: • Os 3 silos de ração e 4 semfins não existem na exploração. Segundo o beneficiário foram entregues como jóia à Cooperativa Bz.. (Valverde — Almeida) Considera-se esta rubrica em situação irregular.//• 1 moinho / misturadora / balança não existem na exploração. Segundo o beneficiário foram entregues como jóia à Cooperativa Bz.. (Valverde — Almeida). Considera-se esta rubrica em situação irregular.//• Cobertura e estrutura metálica em 200 m2 Verificados em 2 armazéns c/ 5m x 4m e 12m x 4m perfazendo um total de 68m2. Considera-se esta rubrica em situação irregular.// Valor aprovado (…) 20.711,70 // Valor não elegível // 19.011,70 €(…)//b) Da análise à execução financeira concluiu-se o seguinte:// (…)Assim não são elegíveis, do ponto de vista financeiro, 182.806,76 €:// • 131.116,28 € por não ser cumprida a Regra n° 1 - Despesas efectivamente pagas - do Regulamento (CE) n° 1685/2000 da Comissão de 28 de Julho de 2000, com a última redacção pelo Reg. (CE) n° 448/2004, da Comissão de 10 de Março//• 51.690,48 € por não ser cumprido o disposto no ponto 3 do art. 14° do regulamento aprovado pela portaria 533-13/2000”. 12. O A. foi notificado da intenção do Instituto de determinar a devolução do montante de ajudas correspondente ao valor de 201.818,46 € (19.011,70 € + 182.806,76 €) – Fls. 596 a 599;

13. O A. exerceu o seu direito de audiência prévia – fls. 571 a 594 do PA, que aqui se dão por reproduzidas;
14. Com base na decisão do Gestor do Programa AGRO e no decurso do procedimento administrativo instaurado, o IFAP proferiu decisão final, consubstanciada no ofício com a referência 6055/2011 e registo de saída n.º 4960/2011 de 21 de Fevereiro de 2011 que se encontra junto a fls 5 a 10 do PA, que aqui se dá por reproduzido, com o seguinte destaque: ¯1. De acordo com as conclusões da acção de controlo de 1° nível, realizado ao abrigo do artigo 10° do Regulamento (CE) n° 438/2001, da Comissão, de 2 de Março, apurou-se uma situação de incumprimento da legislação aplicável à Medida 1 do Programa AGRO.
2. Em resposta ao referido ofício, veio o seu representante legal alegar que:
2.1. Em relação à execução física:
2.1.1. A «(...) cobertura e estrutura metálica de 200m2 encontrava-se presente na exploração, na sua totalidade(...)";
2.1.2. Os «(...) três silos de ração e quatro senfins, um moinho e uma misturadora (..) foram colocados na Cooperativa Bz.. (...) em troca fornece a ração para os pintos(..
2.1.3. ¯A balança encontrasse na exploração (…)”;
2.2. Em relação à execução financeira:
2.2.1. “No que respeita ao fornecedor Fm..., Lda. o beneficiário efectuou a totalidade do pagamento em numerário (...) na data constante do recibo (...) 9/7/2004 (...) não sabe que destino que o fornecedor deu ao dinheiro (…)”;
2.2.2 “Relativamente ao fornecedor JRF (...) não é verdade que a data de desconto do cheque no valor de €17.000,00 tenha sido 1/10/2002 (...) o cheque seguramente foi descontado em data posterior (...)”. Ainda relativamente a este fornecedor “ (...) o pagamento do valor de €33.000,00 foi efectuado através do cheque n° 2148321390 (...) pelo pai do beneficiário em 611/2004 (...) e descontado (...) no dia 29/11/2004 (...) é falso que o pagamento (...) tenha sido efectuado em numerário (...) ”
2.2.3 “No que diz respeito ao fornecedor Ff..., Lda. o beneficiário efectuou o pagamento de €3.050,00 em numerário, (...) na data constante do recibo (...) em 7/7/2004 e, na mesma data emitiu o cheque nº 5648321343 (...) com o valor de €3. 700,00, que foi efectivamente levantado pelo fornecedor no dia 20/11/2004 (...);
2.2.4. “Relativamente ao fornecedor Tâmega Flor, Lda. o pagamento de €37. 765,00 (...) foi efectuado através do cheque nº 6648321385 (...) no dia 22107/2004 (...) e levantado pelo fornecedor no dia 19/11/2004 (...) é falso que o pagamento (...) tenha sido efectuado em numerário (…)
2.2.5. “No que respeita à letra de câmbio, (...) emitida uma letra em branco (...) entregue ao fornecedor no mês de Julho de 2004 (...) o que o beneficiário extrai do entendimento do OLAF é que o facto relevante será a data de emissão e não a data de pagamento efectivo (...) houve um pagamento em numerário de €5.000,00 efectuado na data constante do recibo (...) em 22/0 7/2004 (…) ”
2.2.6. “Relativamente ao fornecedor RS, Lda. (...) o cheque foi entregue ao fornecedor em branco (apenas com a assinatura do beneficiário) no dia 6/12/2004 tendo havido um pacto de preenchimento verbal (...) a partir da data que fosse indicado pelo beneficiário (...) em Janeiro de 2005 (...) autorizou (...) só foi preenchido em 31/05/2005 (…) antes da data do pagamento (...) ”
2.2.7. “Relativamente ao fornecedor JMM e ASC e Outros, vendedores do terreno, a quando da apresentação da candidatura, em 01/04/2003, juntando (...) contrato promessa de compra e venda (...) diz que o pagamento (...) será realizado na totalidade no acto da assinatura do presente contrato promessa (…) com data de 21/09/2002 (...) de facto anterior à apresentação da candidatura. (...) O IPADAP não só aprovou o projecto (...) como também considerou elegível a rubrica de investimento (…);
3. Face aos argumentos apresentados e da nova visita à exploração, veio o Gestor do Programa AGRO proferir a seguinte decisão:
3.1. Em relação à execução física:
3.1.1. Foi considerado regular o valor total do investimento com os armazéns;
3.1.2. Foi considerado inelegível o valor aceite respeitante a 3 silos de ração, 4 senfins, 1 moinho/misturador/balança, por contrariar a cláusula B.6 do contrato de atribuição de ajudas, uma vez que o proponente indicou que aqueles foram entregues à Cooperativa Bz.., como jóia.
O facto dos equipamentos se encontrarem nas instalações da Cooperativa comprovam que aqueles não se destinam à produção mas sim à prestação de um serviço (pago através do fornecimento da ração), contrariando assim o disposto na alínea a) do artigo n°2 do Regulamento aprovado pela Portaria 533-B/2000, de 1 de Agosto, que indica que as ajudas previstas visam a melhoria dos rendimentos agrícolas e das condições de produção, contrariando ainda a cláusula B.6 do contrato de atribuição de ajudas (não deve ceder, alienar ou por qualquer forma onerar os bens co-financiados). Assim, considera-se de manter a inelegibilidade do correspondente valor aceite de €15.431,70.
3.1.3. No que se refere à balança, considerou-se elegível o correspondente montante de €280,00 (sem IVA).
3.2. Em relação à execução financeira:
3.2.1. Foi considerado inelegível o valor aceite de € 3.550,00 (sem IVA), uma vez que não foi comprovado o pagamento da factura nº 123691F, de Fm..., Lda. violando deste modo a Regra de elegibilidade nº 1, do Regulamento (CE) nº 1685/2000, de 28 de Julho, com a última redacção dada pelo Regulamento (CE) nº 448/2004, da Comissão, de 10 de Março.
Em sede de audiência prévia referiam que o documento de despesa tinha sido liquidado em numerário, na data de emissão do recibo (09/07/05), não sabendo que destino deu o fornecedor ao dinheiro entregue, nem tal vos era exigido. No entanto, não há demonstração em como o pagamento foi efectivamente realizado.
3.2.2. Foi considerado inelegível o valor aceite de € 6.750,00 (sem IVA), por violação da Regra de elegibilidade nº 1, do Regulamento (CE) n° 1685/2000, de 28 de Julho, com a última redacção dada pelo Regulamento (CE) n° 44812004,.. da Comissão, de 10 de Março, uma vez que a liquidação da factura nº 241, da Ff..., de acordo com elementos facultados pelo fornecedor, foi efectuada em momento posterior (19/11/2004) à entrega do respectivo pedido de pagamento no IFADAP (05/08/2004).
Em sede de audiência prévia referiam que o pagamento tinha sido regularizado através do pagamento em numerário da importância de €3.050,00, em 7/7/2004, e da emissão de um cheque pelo seu pai e descontado a 22/11/2004, no valor de €3.700,00.
Apesar do alegado, considera-se de manter a inelegibilidade uma vez que os elementos apresentados não justificam a totalidade do documento de despesa, o pagamento em numerário não se encontra comprovado e o pagamento efectuado pelo seu pai, através de cheque, não corresponde à informação prestada pelo fornecedor de que o pagamento tenha sido realizado totalmente em numerário, tendo remetido talão de depósito, com o valor exacto da factura, datado de 19/11/2004.
3.2.3. Foi considerado não elegível o montante aceite de €4.464,29 (sem IVA) por violação da regra de elegibilidade atrás mencionada, uma vez que o pagamento parcial da factura nº 7805 de RS, Lda., foi efectuado através da emissão de cheque no valor de €5.000,00 em momento posterior (31/05/2005) à entrega da documentação comprovativa no Instituto (20/01/2005).
Face ao mencionado em sede de audiência prévia, conforme ponto 2.2.6, considera-se que não foi afastada a inelegibilidade detectada, uma vez que, como é reconhecido, o cheque possui data de emissão posterior à entrega da documentação comprovativa no IFADAP, mais reconhecendo ainda a existência de um acordo com o fornecedor no sentido de posterizar o pagamento.
3.2.4. No que se refere à liquidação das facturas nºs 350 e 351, de 06/07/2004, do fornecedor JRF, relativas à aquisição dos bebedouros e das avestruzes respectivamente, no valor global de €120.700,00 (sem IVA), foi constatado, através dos elementos remetidos pelo fornecedor, o seguinte:
3.2.4.1. Realizado o pagamento de €17.000,00 em momento anterior (01/10/2002) à entrada da candidatura (01/04/2003), pelo que é considerado inelegível por contrariar o disposto no ponto no 3 do artigo 14° do Regulamento aprovado pela Portaria 533-B/2000, de 1 de Agosto;
3.2.4.2. Foram realizados dois pagamentos em numerário em momento posterior (€33.000,00 em 29/11/2004 e €15.602,00 em 17/05/2005) à entrega da documentação comprovativa no instituto (5/8/2004), contrariando assim a Regra de elegibilidade n° 1, do Regulamento (CE) no 1685/2000, de 28 de Julho, com a última redacção dada pelo Regulamento (CE) n° 448/2004, da Comissão, de 10 de Março;
Assim, foi considerado não elegível o valor aceite de €61.731,42 (sem IVA), apesar da contestação apresentada, dado que:
• Não foi apresentado comprovativo de que o cheque de €17.000,00 tenha sido descontado em data diferente;
• Não é apresentada cópia do meio do pagamento indicado;
• Os elementos indicados não coincidem com os remetidos pelo fornecedor.
3.2.5. No que se refere à aquisição do prédio rústico no valor de €44.642,00, apesar do exposto em sede de audiência prévia, o pagamento foi efectuado em 01/10/2002, ou seja, 6 meses antes de a candidatura ter sido apresentada no Organismo Intermédio (01/04/2003), contrariando assim o disposto no ponto no 3, do artigo 14°, do Regulamento aprovado pela Portaria 533-B/2000, de 1 de Agosto, pelo que foi considerado não elegível o correspondente valor aceite €35.500,00.
3.2.6. Foi considerado inelegível o valor aceite de €70.811,05, uma vez que foi constatado que as facturas nºs 2456 e 2457, do fornecedor Tâmega Flor, foram liquidadas através de entregas de numerário realizadas entre 19/11/2004 e 29/07/2005 e de letra emitida em 27/03/2006 no valor de €29.000,00, ou seja, os pagamentos foram realizados em momento posterior à entrega da documentação comprovativa no Instituto (05/08/2004), contrariando a Regra de elegibilidade nº 1, do Regulamento (CE) nº 1685/2000, de 28 de Julho, com a última redacção dada pelo Regulamento (CE) nº 448/2004, da Comissão, de 10 de Março e, apesar das alegações, em sede de audiência prévia, não foram apresentados elementos comprovativos dos meios de pagamento.
4. Assim, e considerando que já tomou conhecimento de todos os factos que importam à tomada de decisão, e se pronunciou sobre os mesmos, e em conformidade com o disposto nos art. 11.º e 12° do Decreto-Lei nº 163 – A/2000 de 27 de Julho, determina-se a modificação unilateral do contrato, implicando o reembolso da quantia de €86.879,19 considerada como indevidamente recebida, acrescida de juros contabilizados à taxa legal em vigor, desde que as ajudas foram colocadas à sua disposição, 04/05/2006 até à elaboração do presente ofício, perfazendo o capital e juros em dívida o montante de 106.937,88€.
5. Pelo exposto e para efeitos de reposição voluntária da quantia em dívida supra, no montante de 106.937,88€ (86.879,19€ de capital e 20.058,69€ de juros), fica notificado que a mesma poderá ser efectuada por meio de cheque ou vale postal a entregar na Tesouraria deste Instituto na Rua Castilho n.º 45-51 em Lisboa, fazendo referência ao número do projecto e processo indicado neste ofício, no prazo de trinta dias a contar da data de recepção do mesmo” ;

15. Tal decisão determinou a modificação unilateral do contrato celebrado entre o Autor e o Réu, com a consequente devolução da quantia € 86.879,19, acrescida de juros previstos nos artigos 11.º e 12.º do Decreto-Lei n.º 163-A/2000, de 27 de Julho;

2.2 – DE DIREITO

Cumpre apreciar as questões suscitadas pela ora Recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas para tal efeito pela lei processual aplicável - ver artigos 5.º, 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redacção conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi art.º 1.º do C.P.T.A, e ainda conforme o disposto no artigo 149º do CPTA.

I- O recorrente vem sustentar que ocorreu erro de julgamento pelo Tribunal a quo quando considerou que não tinha ocorrido audiência prévia quando, de facto, esta ocorreu. Por seu lado, mesmo que se considerasse que esta não tinha ocorrido, estamos perante um vício formal que se teria degradado em formalidade não essencial.
Na decisão recorrida conclui-se que procede o vício de forma por falta de audiência prévia uma vez que não foram ouvidas as testemunhas arroladas quando da resposta à audiência prévia. Por seu lado não se sabe se estas fossem ouvidas qual seria a decisão tomada.

A audiência dos interessados é uma manifestação do princípio da participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas, conforme vem sendo referido pela doutrina e pela jurisprudência, sendo este considerado (como refere o ac. do STA de 03-03-2004, proc. 01240/02) “um princípio estruturante do processamento da actividade administrativa, pois que através dele se possibilita o confronto dos pontos de vista da Administração com os do administrado”. A referida disposição visa, assim dar cumprimento à directiva constitucional de “participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito” (art. 267º n.º 5 da CRP).
O princípio da participação tem consagração expressa no artigo 8º do CPA, que impõe à Administração o dever de "assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito, designadamente através da respectiva audiência nos termos deste Código".
Esse princípio vem concretizado no artigo 100º e sgs. do CPA (antigo) que tem como finalidade proporcionar aos interessados a possibilidade de se pronunciarem sobre o objecto do procedimento, chamando a atenção do órgão competente para a decisão relativamente aos pontos de vista que pretende seja analisados no procedimento.
Estamos perante uma formalidade essencial cuja violação tem como consequência jurídica a ilegalidade do próprio acto normalmente sancionada com a sua anulabilidade já que é a sanção prevista para “os actos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção (art. 135º do CPA).
No âmbito da concretização deste princípio dispõe o art. 101º, nº 3 do CPA, que “Na resposta, os interessados podem pronunciar-se sobre as questões que constituem objecto do procedimento, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos”.
E o art.º 104º dispõe a tal propósito, que “após a audiência, podem ser efectuadas, oficiosamente ou a pedido dos interessados, as diligências complementares que se mostrem convenientes”.
Como se refere no Acórdão do STA, proc. n.º 0650 (06, de 06-02-2007, “Dos citados preceitos deverá inferir-se que, não se configurando embora um poder discricionário de efectuar ou não as diligências requeridas, é, naturalmente, ao órgão administrativo decisor que cabe o juízo sobre a utilidade ou conveniência das diligências complementares requeridas pelo interessado, ou seja, sobre a relevância para o procedimento, na perspectiva, obviamente, de que a complementaridade se reporta às necessidades da instrução.
Como sublinham Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim, in, Código do Procedimento Administrativo, Comentado, 2ª edição, pág. 459, “O órgão instrutor é, porém – salvo violação de vínculos legais formais e recurso do acto final –, o único a quem compete «julgar» da necessidade dessas diligências em termos de instrução do procedimento administrativo e da consistência da comprovação já existente sobre as questões (de facto e de direito) relevantes”.
Ou seja, ocorrendo a solicitação de diligências complementares, nomeadamente prova testemunhal sobre determinados factos, torna-se necessário saber se a não realização dessas diligências pode ou não inquinar o acto final do procedimento de irregularidade formal. Dito de outro modo, torna-se necessário saber se o instrutor do procedimento ao não proceder à realização das diligências complementares leva a que o acto possa ser considerado como não tendo ocorrido a audiência dos interessados.
Esta conclusão apenas pode ser analisada tendo em atenção cada caso concreto uma vez que caberá ao instrutor decidir da utilidade ou pertinência das diligências em causa para a decisão final. Depois, saber se a decisão final se encontra correctamente proferida, essa já é outra questão que terá a ver, não com a falta de audiência prévia, mas sim com eventual vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto ou de direito.
Como referem os AA. anteriormente citados, CPA anotado, agora a pág. 467 “ O juízo sobre a utilidade de tais diligências complementares, para a correcta decisão do procedimento, é do órgão instrutor (sob orientação ou supervisão do órgão administrativo com competência decisória) e abrange tanto as que se deve à sua iniciativa, como aquelas que tenham sido solicitadas na resposta (ou defesa) dos interessados ao abrigo do n.º 3 do artigo 101º- não havendo, portanto, um direito destes à realização das mesmas ou de impugnação autónoma da decisão que denegou a sua realização. É uma questão de “ liberdade probatória”, sujeita a o regime próprio aplicável nessa matéria”.
Feitas estas considerações vamos ao caso concreto.
O recorrente procedeu a uma acção de controlo de 1º nível relativamente a um Contrato de Atribuição de ajuda ao abrigo do programa Agro- Medida 1, contrato este outorgado com o recorrido.
Resultado dessa acção de fiscalização foram detectadas diversas irregularidades, tendo o recorrido sido ouvido em audiência prévia.
O recorrido respondeu a essa audiência, tendo no final dessa resposta elencado testemunhas (n.º 13 da matéria de facto dada como provada – ver também fls. 37-48 dos autos).
O recorrente proferiu decisão final tendo relativamente a cada irregularidade detectada analisado o conteúdo referido pelo recorrente em sede de audiência prévia e depois decidiu sobre cada item.
A conclusão final foi a de que: “ e considerando que já tomou conhecimento de todos os factos que importam à tomada de decisão, e se pronunciou sobre os mesmos, e em conformidade com o disposto nos art.ºs 11.º e 12° do Decreto-Lei nº 163- A/2000, de 27 de Julho, determina-se a modificação unilateral do contrato, implicando o reembolso da quantia de € 86.879,19 considerada como indevidamente recebida, acrescida de juros contabilizados à taxa legal em vigor, desde que as ajudas foram colocadas à sua disposição, 04/05/2006 até à elaboração do presente ofício, perfazendo o capital e juros em dívida o montante de 106.937,88€.
Como verificamos o recorrente não procedeu à audição das testemunhas referidas no final do requerimento, nem indeferiu de forma expressa a audição das mesmas. No entanto relativamente a cada item analisou o referido pelo recorrido na audiência prévia e concluiu como considerava mais correcto.
Não vemos como se pode considerar que ocorreu falta de audiência prévia como se refere na decisão recorrida.
Aliás, esta questão nem vinha levantada pelo Autor ora recorrido. Na sua petição inicial o Autor veio solicitar extinto o procedimento por prescrição e veio solicitar a anulação do acto por falta de fundamentação.
A questão da prescrição foi decidida pela 1ª instância não tendo ocorrido recurso dessa decisão, que assim transitou em julgado.
Quanto à falta de fundamentação, na decisão recorrida enquadraram-se os factos invocados mas na falta de audiência prévia, e mesmo sem se terem ouvido as partes, decidiu-se que a mesma procedia.
De notar que quanto ao vício de forma por falta de fundamentação concluiu-se que o mesmo não procedia, não tendo ocorrido também recurso desta decisão.
No entanto, quanto ao vício de forma por falta audiência préviatemos que concluir que o mesmo também não procede. O recorrido foi ouvido, e a entidade recorrente pronunciou-se sobre cada irregularidade referindo que a mesma não podia proceder. Ou seja, não procedeu à audição das testemunhas referidas por considerar desnecessário. Aliás, é de referir que no final do seu requerimento de resposta à audiência prévia o recorrido menciona um determinado número de testemunhas, mas não requer a sua audição relativamente a determinados factos invocados. Menciona um determinado número de testemunhas, como se estivesse em causa um aspecto formal, ou uma obrigatoriedade de após um requerimento ou um articulado dever ser apresentado um rol de testemunhas. Não referiu os factos sobre os quais pretendia que incidisse a prova testemunhal.
E isto ainda porque, como veremos, as questões referidas pelo recorrido careciam de prova documental, não se vendo como a prova sobre tais factos poderia ser feita através do depoimento testemunhal.
Concretizemos.
Na decisão impugnada e relativamente à execução financeira vem referido, no ponto 3.2.1: Foi considerado inelegível o valor aceite de € 3.550,00 (sem IVA), uma vez que não foi comprovado o pagamento da factura nº 123691F, de Fm..., Lda. violando deste modo a Regra de elegibilidade nº 1, do Regulamento (CE) nº 1685/2000, de 28 de Julho, com a última redacção dada pelo Regulamento (CE) nº 448/2004, da Comissão, de 10 de Março.
Em sede de audiência prévia referiam que o documento de despesa tinha sido liquidado em numerário, na data de emissão do recibo (09/07/05), não sabendo que destino deu o fornecedor ao dinheiro entregue, nem tal vos era exigido. No entanto, não há demonstração em como o pagamento foi efectivamente realizado.
Esta questão que é uma das referidas pelo recorrido nas suas conclusões (15), foi analisada tendo em atenção o referido em sede de audiência prévia, tendo-se concluindo que não se encontra demonstrado como o pagamento foi efectivamente realizado. Ora este pagamento não é passível de ser feito por depoimento testemunhal. A prova tem de ser feita através de documento idóneo para o efeito.
Sobre este assunto refere o Regulamento (CE) n.º 1685/2000, de 28 de Julho (com as redacções dadas pelos Regulamentos (CE) 1145/2003, de 27 de Junho e 448/2004, de 10 de Março), quanto aos documentos comprovativos das despesas: Em regra geral, os pagamentos executados pelos beneficiários finais, declarados como pagamentos intermédios e pagamento do saldo final, devem ser comprovados pelas respectivas facturas pagas. Se tal não for possível, os pagamentos devem ser comprovados por documentos contabilísticos de valor probatório equivalente.
Para se provar as despesas em causa teria o recorrido que apresentar documento idóneo apara o efeito. Não tendo apresentado, não se pode concluir que pudesse recorrer à audição de testemunhas para efectuar tal prova.
O mesmo se passa com os outros pontos do acto impugnado.
Referem os outros pontos o seguinte:
Foi considerado inelegível o valor aceite de € 6.750,00 (sem IVA), por violação da Regra de elegibilidade nº 1, do Regulamento (CE) n° 1685/2000, de 28 de Julho, com a última redacção dada pelo Regulamento (CE) n° 44812004,.. da Comissão, de 10 de Março, uma vez que a liquidação da factura nº 241, da Ff..., de acordo com elementos facultados pelo fornecedor, foi efectuada em momento posterior (19/11/2004) à entrega do respectivo pedido de pagamento no IFADAP (05/08/2004).
Em sede de audiência prévia referiam que o pagamento tinha sido regularizado através do pagamento em numerário da importância de €3.050,00, em 7/7/2004, e da emissão de um cheque pelo seu pai e descontado a 22/11/2004, no valor de €3.700,00.
Apesar do alegado, considera-se de manter a inelegibilidade uma vez que os elementos apresentados não justificam a totalidade do documento de despesa, o pagamento em numerário não se encontra comprovado e o pagamento efectuado pelo seu pai, através de cheque, não corresponde à informação prestada pelo fornecedor de que o pagamento tenha sido realizado totalmente em numerário, tendo remetido talão de depósito, com o valor exacto da factura, datado de 19/11/2004.
3.2.3. Foi considerado não elegível o montante aceite de €4.464,29 (sem IVA) por violação da regra de elegibilidade atrás mencionada, uma vez que o pagamento parcial da factura nº 7805 de RS, Lda., foi efectuado através da emissão de cheque no valor de €5.000,00 em momento posterior (31/05/2005) à entrega da documentação comprovativa no Instituto (20/01/2005).
Face ao mencionado em sede de audiência prévia, conforme ponto 2.2.6, considera-se que não foi afastada a inelegibilidade detectada, uma vez que, como é reconhecido, o cheque possui data de emissão posterior à entrega da documentação comprovativa no IFADAP, mais reconhecendo ainda a existência de um acordo com o fornecedor no sentido de posterizar o pagamento.
3.2.4. No que se refere à liquidação das facturas nºs 350 e 351, de 06/07/2004, do fornecedor JRF, relativas à aquisição dos bebedouros e das avestruzes respectivamente, no valor global de €120.700,00 (sem IVA), foi constatado, através dos elementos remetidos pelo fornecedor, o seguinte:
3.2.4.1. Realizado o pagamento de €17.000,00 em momento anterior (01/10/2002) à entrada da candidatura (01/04/2003), pelo que é considerado inelegível por contrariar o disposto no ponto no 3 do artigo 14° do Regulamento aprovado pela Portaria 533-B/2000, de 1 de Agosto;
3.2.4.2. Foram realizados dois pagamentos em numerário em momento posterior (€33.000,00 em 29/11/2004 e €15.602,00 em 17/05/2005) à entrega da documentação comprovativa no instituto (5/8/2004), contrariando assim a Regra de elegibilidade n° 1, do Regulamento (CE) no 1685/2000, de 28 de Julho, com a última redacção dada pelo Regulamento (CE) n° 448/2004, da Comissão, de 10 de Março;
Assim, foi considerado não elegível o valor aceite de €61.731,42 (sem IVA), apesar da contestação apresentada, dado que:
• Não foi apresentado comprovativo de que o cheque de €17.000,00 tenha sido descontado em data diferente;
• Não é apresentada cópia do meio do pagamento indicado;
• Os elementos indicados não coincidem com os remetidos pelo fornecedor.
3.2.5. No que se refere à aquisição do prédio rústico no valor de €44.642,00, apesar do exposto em sede de audiência prévia, o pagamento foi efectuado em 01/10/2002, ou seja, 6 meses antes de a candidatura ter sido apresentada no Organismo Intermédio (01/04/2003), contrariando assim o disposto no ponto no 3, do artigo 14°, do Regulamento aprovado pela Portaria 533-B/2000, de 1 de Agosto, pelo que foi considerado não elegível o correspondente valor aceite €35.500,00.
3.2.6. Foi considerado inelegível o valor aceite de €70.811,05, uma vez que foi constatado que as facturas nºs 2456 e 2457, do fornecedor Tâmega Flor, foram liquidadas através de entregas de numerário realizadas entre 19/11/2004 e 29/07/2005 e de letra emitida em 27/03/2006 no valor de €29.000,00, ou seja, os pagamentos foram realizados em momento posterior à entrega da documentação comprovativa no Instituto (05/08/2004), contrariando a Regra de elegibilidade nº 1, do Regulamento (CE) nº 1685/2000, de 28 de Julho, com a última redacção dada pelo Regulamento (CE) nº 448/2004, da Comissão, de 10 de Março e, apesar das alegações, em sede de audiência prévia, não foram apresentados elementos comprovativos dos meios de pagamento.
4. Assim, e considerando que já tomou conhecimento de todos os factos que importam à tomada de decisão, e se pronunciou sobre os mesmos, e em conformidade com o disposto nos art. 11.º e 12° do Decreto-Lei nº 163 – A/2000 de 27 de Julho, determina-se a modificação unilateral do contrato, implicando o reembolso da quantia de €86.879,19 considerada como indevidamente recebida, acrescida de juros contabilizados à taxa legal em vigor, desde que as ajudas foram colocadas à sua disposição, 04/05/2006 até à elaboração do presente ofício, perfazendo o capital e juros em dívida o montante de 106.937,88€.
Como se verifica, relativamente a cada despesa considerada não elegível foi feita a apreciação da audiência prévia e concluiu-se que os argumentos invocados não procediam. Estávamos perante matéria que teria de ser comprovada documentalmente, pelo que mesmo tivesse sido realizada prova testemunhal, teria que se chegar à mesma conclusão.
Ou seja, do exposto, tem de se concluir que para concretizar a audiência prévia não se tornava necessário proceder à audição das testemunhas invocadas, uma vez que essa prova não era idónea a afastar a prova ou não prova dos factos invocados pela entidade demandada ora recorrente. Assim sendo, mesmo que essa audição fosse obrigatória, a sua execução, como vimos, seria inútil. É, aliás, nesta linha que se situa o conhecido brocardo jurídico «utile per inutile non vitiatur». Neste caso deve dar-se prevalência ao princípio do aproveitamento do ato administrativo em detrimento da violação de um preceito de ordem formal. No sentido do aproveitamento do acto administrativo de cariz vinculado em que se omitiu a formalidade da audiência prévia, veja-se a jurisprudência constante dos acórdãos do STA, de 18/5/2000 e de 1/2/2001, proferidos, respectivamente, nos recursos n.º. 45.736 e 46.825, que aqui se citam como exemplo, como se refere no Acórdão deste Tribunal tirado no processo n.º 00634/09.8BEVIS, tendo do sido sumariado o seguinte:
I- O direito de audiência prévia, consagrado nos artigos 100.º e ss do CPA e no artigo 267.º, n.º 5 da CRP impõe à Administração a obrigação de criar as condições fáticas necessárias à garantia de uma efetiva audição dos destinatários de decisão administrativa desfavorável aos seus interesses.
II- Tendo o interessado, na resposta apresentada em sede de audiência prévia, requerido a inquirição de testemunhas, impendia sobre a Administração o dever legal de, entendendo ser desnecessária essa diligência, proferir decisão sumária justificativa das razões em que se estribou.
III- A preterição dessa formalidade, não tem qualquer consequência invalidante da decisão final proferida no procedimento, se por apelo à teoria do aproveitamento dos atos administrativos se concluir, com toda a segurança, que a realização da diligência instrutória requerida não teria qualquer aptidão para abalar os fundamentos em que assenta a decisão final.
IV- Em tais casos impõe-se preservar o ato administrativo em detrimento do cumprimento de um preceito de forma.
De todo o exposto tem de se concluir que não ocorreu vício de forma por falta de audiência prévia, quanto ao acto impugnado pelo que não se pode manter a decisão recorrida nesta matéria.

Devendo ser revogada a decisão recorrida deverá, o presente Tribunal, conhecer dos restantes vícios invocados, nos termos do artigo 149º do CPTA, uma vez que se encontram presentes todos os dados para esse conhecimento.
O recorrido nas suas alegações vem referir que o acto impugnado estaria prescrito e que ocorreria ainda vícios de forma por falta de fundamentação.
Quanto a estas questões, como já referimos, a decisão recorrida tomou posição sobre as mesmas tendo concluído que estas não se verificavam.
O recorrido não apresentou recurso subordinado nem solicitou a ampliação do objecto do recurso, pelo que tais questões não podem ser apreciadas em sede de recurso, por terem transitado.
Tem de se concluir assim que não procedendo os vícios invocados ao acto impugnado não pode proceder a presente acção.

3. DECISÃO

Nestes termos, decidem os Juízes deste Tribunal Central, em conferência, em conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogar o acórdão recorrido e julgar improcedente a acção administrativa especial, absolvendo a entidade demandada dos pedidos.

Custas pelo recorrente

Notifique

Porto, 3 de Junho de 2016
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco