Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01569/09.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/11/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:CARLOS DE CASTRO FERNANDES
Descritores:RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO; IVA;
CONTRATO DE ASSOCIAÇÃO EM PARTICIPAÇÃO;
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS;
Sumário:
I – Sobre o recorrente que impugne a matéria de facto constante da sentença recorrida, impõe-se que dê cumprimento às regras previstas no artigo 640º do CPC.

II – O objeto do contrato de associação em participação detém dois elementos essenciais: a contribuição patrimonial (art. 24.º) e a participação nos lucros e perdas (art. 25.º) por parte do associado. O elemento constitutivo da figura contratual é a obrigação de contribuição de natureza patrimonial assumida pelo associado. Tal contribuição – que é normal mas não essencial (podendo ser afastada pelos contraentes no caso de o associado participar nas perdas: cf. art. 24.º, nº 2) – pode consistir em qualquer tipo de prestação pecuniariamente avaliável, seja a dinheiro (a contado ou fiduciário), em espécie (v.g., direitos de propriedade ou usufruto de bens móveis ou imóveis, créditos, assunção de dívidas) ou em serviços (“máxime”, trabalho).

III – Não constitui uma prestação de serviços para efeitos de IVA, a prestada pela contribuinte como resultante da mera contribuição de natureza patrimonial que se obrigou dentro dos termos dos contratos de associação em participação celebrados.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Maioria
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Proc. n.º 1569/09.0BEPRT

Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – A Representação da Fazenda Pública (RFP) (Recorrente) veio interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Porto, pela qual se julgou totalmente procedente a impugnação intentada por [SCom01...], Lda. (Recorrida), direcionada contra as liquidações adicionais de IVA dos exercícios 2005, 2006 e 2007 e correspetivas liquidações de juros compensatórios.

No presente recurso, a Apelante (RFP) formula as seguintes conclusões:
A. A Impugnante foi sujeita procedimento inspetivo de âmbito externo, aos exercícios de 2005, 2006 e 2007 ao abrigo da Ordem de Serviço com o número ...31, dos quais resultaram correções de natureza meramente aritmética em sede de IRC e IVA.
B. O presente recurso vem apresentado da douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra as liquidações de Imposto adicionais de IVA e respetivos juros compensatórios atinentes aos exercícios de 2005, 2006 e 2007, na parte atinente às correções efetuadas pela inspeção tributária, relacionadas com a não faturação de 20% da obra "remodelação do Edifício A ..." e 25% da obra realizada no empreendimento "....K....".
C. A decisão em recurso fixou como questão a dirimir "(…) apurar se mediante os contratos celebrados entre as empresas identificadas, Impugnante, "[SCom02...]" e "Banco 1...", se estamos perante uma prestação de serviços de empreitada à "[SCom02...]" de valor igual a, respectivamente 20% e 25% do valor global dos serviços de empreitada prestados no âmbito do contrato de empreitada celebrado. Sendo certo que, a Impugnante entende que não foram prestados quaisquer serviços à "[SCom02...]", mas tão somente prestada a contribuição de natureza patrimonial a que a Impugnante se obrigou nos termos dos contratos de associação em participação celebrados."
D. Consta da factualidade provada o seguinte:
(início de transcrição da sentença recorrida):
1. A Impugnante tem como actividade a "Compra e Venda de Bens Imobiliários" - CAE 041200 Construção de Edifícios (Residenciais e não residenciais) - facto não controvertido:
2. No cumprimento da Ordem de Serviço n.º ...31, os Serviços da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças ..., com o seguinte motivo: "(…) Esta acção foi despoletada por informação elaborada pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças ..., na sequência de acção inspectiva realizada ao sujeito passivo [SCom03...], Lda (adiante apenas [SCom03...]), contribuinte n.º ...63. Na base desta informação encontra-se o imóvel inscrito na matrzi predial urbana com o número ...08, da freguesia ..., concelho ..., e descrito na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o número ...59... visista ao imóvel, foi constatado que o mesmo estava a ser sujeito a obras de adaptação para fins comerciais, licenciado pelo Alvará de construção n.º ....3/06, emitido em 20/12/2006 à [SCom02...], SA (adiante apenas [SCom02...]) contribuinte n.º ...56, com prazo de conclusão até 20-06-2007. Em relação a essa obra, a [SCom02...] identificou como empreiteiro geral a empresa [SCom01...] (empresa em situação de "relações especiais" com a [SCom02...], nos termos do art.º 58.º do código do IRC), tendo esta subcontratado as firmas [SCom04..., LDA], contribuinte ...85, e [SCom05...], SA, contribuinte n.º ...99. Em acção desenvolvida à empresa [SCom01...] foi recolhido contrato de empreitada realizado entre a [SCom01...] e a o Banco 1..., com data de 31-07-2006 (prazo de execução: 450 dias), que define o montante da empreitada em €3.900.000,00, estando previstas penalidades em caso de incumprimento. A [SCom01...] emitiu as facturas n.º 187, de 2006, n.º 195, n.º 196 e n.º 199 de 2007, que ascenderam no total a €2.255.817,38, isto é, 57,84% do valor total da empreitada. Da observação ao local da obra, os técnicos da Direcção de Finanças ... foram da opinião que o grau de acabamento seria substancialmente superior ao facturado. Solicitados os autos de medição apenas foram exibidos os autos correspondentes à facturas emitidas contrariando o disposto no contrato de empreitada que previa a sua emissão com periodicidade mensal.
Acrescentaram ainda que a facturação tem sido emitida apenas ao Banco 1... e não à [SCom02...], detentora de 25% da Associação em Participação.", de fls. 46 e ss do Processo Administrativo apenso aos autos;
3. Em 14/05/2008, na sequência do procedimento inspetivo referido no ponto 2. supra, foi elaborado pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças ..., relatório de inspecção tributária, onde é efectuada correcção técnica aos exercícios de 2005, 2006 e 2007 (até ao final do 3.º trimestre) em sede de IVA, fundamentadas nos seguintes termos: "(…)
"III - A) Contrato de Associação em Participação referente ao Edifício A ... - Caracterização dos negócios
Em 28-06-2005, a [SCom02...] celebrou um contrato de Associação em Participação com o fundo de investimento Banco 1... (adiante apenas Banco 1...), contribuinte n.º...82.
De acordo com este contrato, o Banco 1... adquiriu 218 das 238 fracções do Edifício A ..., situado na Rua ... e Rua ..., inscrito na matriz sob o n.º...60 (freguesia ..., concelho ...), associando-se à [SCom02...] com o intuito de remodelar as fracções para posterior arrendamento.
À [SCom02...] cabiam as funções de supervisão e gestão das obras de melhoramento e adaptação, gestão de condomínio e angariação e negociação de futuros arrendamentos.
As obras a realizar no edifício foram orçadas em €1.551.360,00 devendo as mesmas ser suportadas em 80% pelo Banco 1... e 20% pela [SCom02...].
A mais-valia associada à execução do projecto resulta da diferença entre a avaliação imobiliária realizada por peritos independentes e os respectivos custos, sendo repartida na proporção de 70% para o Banco 1... e 30% para a [SCom02...], sendo apurada e paga aquando da conclusão do projecto.
Ficou igualmente acordado entre as partes que no termo do terceiro ano de vigência do contrato de Associação em Participação a [SCom02...] poderá alienar ao Banco 1... ¾ do capital investido, ou seja 15% do total do projecto, acrescido da respectiva mais-valia imobiliária.
No termo do quinto ano de vigência da Associação em Participação, a [SCom02...] poderá alienar os restantes 25%, ou seja 5% do total do investimento acrescida da respectiva mais-valia imobiliária.
Em 28-06-2005, foi celebrado um contrato de empreitada entre o Banco 1... e a [SCom01...] para a reformulação do interior do Edifício A ... pelo preço global fixo de €1.551.360,00 a proceder no prazo máximo de 90 dias, sendo concedido nessa data um adiantamento de €625.000,00 (ao qual acresceu €118.750,00 de IVA).
Contudo, verificou-se que a empreitada global apenas ascendeu a €1.235.216,40 sendo elaborados trabalhos complementares no valor de €355.183,33.
Em 28-06-2005, foi também celebrado entre a [SCom02...] e a [SCom01...] um contrato de associação em participação em que a [SCom01...] se compromete a suportar de forma directa e integral os custos que seriam da responsabilidade da [SCom02...] no contrato de empreitada, isto é, 20%, recebendo em contrapartida 50% de todas as mais valias imobiliárias que a [SCom02...] venha a ter direito nos termos do Contrato de Associação em Participação que celebrou com o Banco 1....
Nota: A [SCom01...] emitiu ainda a factura n.º...85, de €125.000,00 (ao qual acresceu IVA), de 20-02-2006, e factura n.º...88, de €55.166,78 (ao qual acresceu IVA), de 04-08-2006, referentes a trabalhos executados igualmente no Edifício A ... mas cuja responsabilidade era integralmente do Banco 1....
III - A1) Omissão de Facturação – IRC
Com base no enquadramento anterior, a [SCom01...] realizou durante os exercícios de 2005 e 2006 a remodelação do edifício em questão, emitindo na sequência dessas obras as seguintes facturas ao Banco 1...:

Fact
n.º
Data da FacturaDescriçãoValor das ObrasAdiantamento deduzidoValor TributávelTotal Facturado ao Banco 1...IVA
17828-06-05Adiantamento por Conta da Empreitada de Tratamento Exterior do Edifício A ... na Rua ... ….Porto€ 625.000,00€ 118.750,00
17929-06-05Trabalhos Realizados no Edifício A ..., até esta data, de acordo com o mapa de medições e orçamento, em anexo€ 577.661,69€ 231.064,68€ 346.597,01€ 277.277,61€ 52.682,75
18013-09-05Trabalhos Realizados no Edifício A ..., até esta data, de acordo com o 2.º Auto de Medições, em anexo€ 330.442,44€ 132.176,98€ 198.265,46€ 158.612,37€ 33.308,60
18115-11-05Trabalhos Realizados no Edifício A ..., até esta data, de acordo com o 3.º Auto de Medições, em anexo€ 6.566,75€ 2.626,70€ 3.940,05€ 3.152,04€ 661,93
18215-11-05Trabalhos Complementares no Edifício A ..., até esta data, de acordo com o Auto de Medições, em anexo€ 278.153,23€ 0,00€ 278.153,23€ 222.522,58€ 46.729,74
18306-01-06Trabalhos Realizados no Edifício A ..., até esta data, de acordo com o mapa de medições e orçamento, em anexo€ 102.356,45€ 40.942,58€ 61.413,87€ 49.131,10€ 10.317,53
18406-01-06Trabalhos Complementares no Edifício A ..., até esta data, de acordo com o Auto de Medições, em anexo€ 77.030,00€ 0,00€ 77.030,00€ 61.624,00€ 12.941,04

As facturas emitidas pela [SCom01...] dizem respeito a 80% do valor das medições efectuadas, deduzidas de adiantamento, percentagem do custo das obras que seria suportado pelo Banco 1..., conforme se confirma da análise aos autos de medição anexos às facturas emitidas.
Como se constata, a [SCom01...] não emitiu facturas referentes a 20% do Valor Tributável após dedução dos adiantamentos.
Com base nesta omissão estará o facto de a [SCom01...], de acordo com o contrato de associação em participação celebrado com a [SCom02...], em 28-06-2005, se ter comprometido a suportar de forma directa e integral os custos que seriam da responsabilidade da [SCom02...] no contrato de empreitada, isto é, 20%, recebendo em contrapartida 50% de todas as mais valias imobiliárias que a [SCom02...] venha a ter direito nos termos do Contrato de Associação em Participação que celebrou com o Banco 1....
Contudo, nos termos da al. a) do n.º1 do art.º20.º do código do IRC, os serviços prestados pela [SCom01...] são considerados proveitos do exercício, de facto:
"1 - Consideram-se proveitos ou ganhos os derivados de operações de qualquer natureza, em consequência de uma acção normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, designadamente as resultantes de:
a) Vendas ou prestações de serviços, descontos, bónus e abatimentos, comissões e corretagens;"
Apesar de essa prestação de serviços ser alegadamente a contribuição da [SCom01...] no âmbito de um contrato de associação em participação, na realidade o sujeito passivo abdicou de receber o valor correspondente à prestação de serviços efectuada e optou por investir o mesmo com o intuito de auferir uma mais-valia.
Este facto não anula o proveito da empresa, mas sim adia o recebimento referente aos serviços prestados com o intuito, que se confirmará, ou não, de potenciar os seus Proveitos.
Assim, a [SCom01...] deveria ter facturado os 20% do valor total dos serviços prestados que se encontram por facturar, conforme quadro seguinte:
Fact
n.º
Data da FacturaDescriçãoValor Tributável *20% do Valor da
Obras não facturado
17929-06-05Trabalhos Realizados no Edifício A ..., até esta data, de acordo com o mapa de medições e orçamento, em anexo€ 346.597,01€ 69.319,40
18013-09-05Trabalhos Realizados no Edifício A ..., até esta data, de acordo com o 2.º Auto de Medições, em anexo€ 198.265,46€ 39.653,09
18115-11-05Trabalhos Realizados no Edifício A ..., até esta data, de acordo com o 3.º Auto de Medições, em anexo€ 3.940,05€ 788,01
18215-11-05Trabalhos Complementares no Edifício A ..., até esta data, de acordo com o Auto de Medições, em anexo€ 278.153,23€ 55.630,65
Total 2005€ 165.391,15
18306-01-06Trabalhos Complementares no Edifício A ..., até esta data, de acordo com o Auto de Medições, em anexo€ 61.413,87€ 12.282,77
18406-01-06Trabalhos Complementares no Edifício A ..., até esta data, de acordo com o Auto de Medições, em anexo€ 77.030,00€ 15.406,00
Total 2006€ 27.688,77

Acrescenta-se ainda que a [SCom01...] registou como Custo das Mercadorias e Matérias Consumidas todas as despesas inerentes às obras efectuadas, não constando no inventário final de 2006 (em "stock") qualquer valor imputável à obra de remodelação do Edifício A ....
*NOTA: Confrontando o valor dos trabalhos constantes nos Autos de Medição referentes à empreitada inicial (não inclui as facturas n.º182 e n.º184) com o valor do adiantamento inicial e com o montante dos adiantamentos que foram deduzidos à facturação posterior, verificaram-se discrepâncias.
O próprio sujeito passivo em análise registou na sua contabilidade o adiantamento inicial como Proveito.
Contudo, o Banco 1... valorizou a empreitada, para efeitos de pagamento, no montante de €1.235.216,4, situação confirmada na contabilidade da [SCom01...], de acordo com o quadro seguinte:

Comparticipação Banco 1...Comparticipação [SCom02...]Total
Factura n.º178 - Adiantamento€ 500.000,00€ 125.000,00€ 625.000,00
Factura n.º179€ 277.277,61€ 69.319,40€ 346.597,01
Factura n.º180€ 158.612,37€ 39.653,09€ 198.265,46
Factura n.º181€ 3.152,04€ 788,01€ 3.940,05
Factura n.º183€ 49.131,10€ 12.282,77€ 61.413,87
€ 122.043,28€ 1.235.216,52

O valor não facturado pela [SCom01...] corresponde à parte da obra que deveria ser imputada à [SCom02...], segundo o contrato de associação em participação celebrado entre a [SCom02...] e a [SCom01...], que corresponde à comparticipação de 20% da [SCom02...] indicado nas facturas n.º179, n.º180, n.º181 e n.º183, no montante de €122.043,28.
Quanto ao adiantamento, o mesmo foi integralmente facturado ao Banco 1..., tendo a [SCom02...] procedido à entrega de 20% do mesmo directamente a esse fundo de investimento.
III - A2) Omissão de Facturação - IVA
A prestação de serviços da [SCom01...], independentemente se o destinatário das mesmas fosse a [SCom02...] ou o Banco 1..., está sujeita IVA nos termos da al. a) do n.º1 do art.º1 e al. a) do n.º1 do art.º2 do código do IVA.
Face ao exposto, está por liquidar o IVA referente a prestações de serviços referentes à remodelação do Edifício A ..., que deveria ter sido liquidado nas mesmas datas e em percentagem de 20% do total da base tributável apurada nos anexos às facturas emitidas ao Banco 1... no âmbito dessa obra.
Para o apuramento da Base Tributável, tem que ser abatido ao valor da obra o adiantamento total efectuado (sobre o qual foi liquidado IVA), dado que este diz respeito à totalidade do adiantamento e não apenas sobre a parte que seria devido pelo Banco 1... (80%).
Face ao exposto, encontra-se por liquidar IVA, conforme quadro seguinte:
Fact
n.º
Data da FacturaValor Tributável20% do Valor TributávelTaxa IVAIVA em Falta
17929-06-05€ 346.597,01€ 69.319,4019%€ 13.170,69
Total 2.º Trimestre de 2005€ 13.170,69
18013-09-05€ 198.265,46€ 39.653,0921%€ 8.327,15
Total 3.º Trimestre de 2005€ 8.327,15
18115-11-05€ 3.940,05€ 788,0121%€ 165,48
18215-11-05€ 278.153,23€ 55.630,6521%€ 11.682,44
4.º Trimestre de 2005€ 11.847,92
18306-01-06€ 61.413,87€ 12.282,7721%€ 2.579,38
18406-01-06€ 77.030,00€ 15.406,0021%€ 3.235,26
1.º Trimestre de 2006€ 5.814,64

III - B) Contrato de Associação em Participação referente ao empreendimento denominado de "....K...." - Caracterização do negócio
Em 31-01-2006, foi celebrado um contrato de associação em participação entre a [SCom02...] e o Banco 1... com o intuito de proceder à construção de um espaço comercial a ser edificado no lugar de ..., freguesia ..., concelho ... destinado a ser utilizado para comércio e serviços, com 7.500M2 de área de construção acima do solo.
Este espaço composto por diversas fracções (denominado actualmente por "....K....") destinava-se ao arrendamento.
De acordo com este contrato, a [SCom02...] ficou responsável pela obtenção da licença de construção, execução da empreitada, constituição da propriedade horizontal, obtenção da licença de utilização e comercialização do imóvel.
Ao Banco 1... coube essencialmente a aquisição do prédio onde foi construído o empreendimento.
No contrato é estabelecido que os trabalhos de empreitada seriam executados pelo preço global fixo de €3.900.000,00, ao qual acresceria IVA, sendo que todos os custos do projecto seriam suportados em 75% pelo Banco 1... e 25% pela [SCom02...].
Depois do projecto concluído, isto é, quando estivesse arrendada 95% da área locável, seria apurado a mais-valia do projecto.
Esse cálculo resultará da diferença entre o valor de avaliação do empreendimento, realizado por peritos independentes, ao qual se deduzirá a totalidade dos custos suportados, sendo a remuneração repartida na proporção de 25% para o Banco 1... e 75% para a [SCom02...]. O Banco 1... terá ainda a remuneração do seu capital investido à taxa de 8% anual até à data de conclusão do projecto.
Em 31-07-2006, foi celebrado um contrato de empreitada entre o Banco 1... e a [SCom01...] para a realização da empreitada em questão, preço global fixo de €3.900.000,00 (acrescido de IVA à taxa legal).
Também em 31-07-2006, foi outorgado um contrato de associação em participação entre a [SCom01...] e a [SCom02...] em que é acordado que a [SCom01...] se compromete a suportar 25% do valor da empreitada de construção do empreendimento e como contrapartida a [SCom02...] compromete-se a ceder 50% da mais valia que auferir do projecto.
III - B1) Omissão de Facturação - IRC
Com base no referido no ponto anterior, a [SCom01...] realizou durante os exercícios de 2006 e 2007 a construção do empreendimento comercial, emitindo na sequência dessas obras as seguintes facturas ao Banco 1....
Fact.
n.º
DataDescriçãoValor das
Obras realizadas
Base Tributável
(75% do valor das obras realizadas)

IVA
18701-08-061ª Factura dos trabalhos realizados no "....K...." de acordo com o auto de medições em anexo€ 811.750,00 *€ 608.820,00127.852,20
19519-01-072ª Factura dos trabalhos realizados no "....K...." de acordo com o auto de medições em anexo€ 350.130,00€ 262.597,50€ 55.145,48
19602-04-073ª Factura dos trabalhos realizados no "....K...." de acordo com o auto de medições em anexo€ 671.494,00€ 503.620,50IVA devido pelo adquirente
19902-07-074ª Factura dos trabalhos realizados no "....K...." de acordo com o auto de medições em anexo€ 1.174.372,50€ 880.779,38IVA devido pelo adquirente
20206-11-074ª Factura dos trabalhos realizados no "....K...." de acordo com o auto de medições em anexo€ 1.079.614,64€ 669.182,63IVA devido pelo adquirente
* valor retirado do 2.º auto de medição
Estas facturas dizem respeito a 75% do valor das medições efectuadas, percentagem das obras que seria suportada pelo Banco 1..., conforme resulta da análise aos autos de medição anexos às facturas emitidas.
Deste modo, a [SCom01...] não emitiu facturas referentes a 25% das obras efectuadas, alegadamente por se ter comprometido no contrato de associação em participação celebrado com a [SCom02...] a suportar de forma directa e integral os custos que seriam da responsabilidade dessa empresa no contrato de empreitada, isto é, 25%.
Em contrapartida a [SCom01...] auferiria 50% de todas as mais valias imobiliárias que a [SCom02...] viesse a ter direito nos termos do Contrato de Associação em Participação que celebrou com o Banco 1....
Contudo, conforme já descrito no ponto III - A), nos termos da alínea a) do n.º1 do art.º20.º do código do IRC, os serviços prestados pela [SCom01...] à [SCom02...] são considerados proveitos do exercício.
Deste modo, no exercício de 2006 (o exercício de 2007 ainda não está encerrado) encontram-se proveitos por facturar no montante de €202.937,50, conforme quadro seguinte:
Fact.
n.º
DataDescriçãoValor das Obras realizadas25% do Valor das obras por facturar
à [SCom02...]
18701-08-061ª Factura dos trabalhos realizados no "....K...." de acordo com o auto de medições em anexo€ 811.750,00€ 202.937,50

Acrescenta-se ainda que tal como nas obras de remodelação do Edifício A ..., a [SCom01...] registou com Custo das Mercadorias e Matérias Consumidas todas as despesas inerentes à construção do empreendimento referentes ao exercício de 2006.
III - B2) Omissão de Facturação - IVA
A prestação de serviços da [SCom01...], respeitante a 25% da obra de construção do empreendimento comercial denominado de "....K....", está sujeita a IVA nos termos da alínea a) do n.º1 do art.º1 e alínea a) do n.º1 do art.º2.
Face ao exposto, está por liquidar o IVA referente a prestações de serviços referentes a essa obra, que deveria ter sido liquidado nas mesmas datas, como base tributável equivalente a 25% do total das medições dos trabalhos executados pela [SCom01...] no âmbito dessa obra, conforme quando seguinte:
Fact.
n.º
DataPeríodoDescriçãoValor das
Obras realizadas
25% das Obras realizadas não facturas à [SCom02...]IVA em Falta
18701-08-063.º Trim.
2006
1ª Factura dos trabalhos realizados no "....K...." de acordo com o auto de medições em anexo€ 811.750,00€ 202.937,50€ 42.616,88
19519-01-07Jan-072ª Factura dos trabalhos realizados no "....K...." de acordo com o auto de medições em anexo€ 350.130,00€ 87.532,50€ 18.381,83

Dado que nas facturas posteriores a 01-04-2007 se verifica a inversão do sujeito passivo, o IVA seria devido pelo adquirente: [SCom02...] - logo é a este sujeito passivo que é exigível o IVA
(…).
4.(…)
5. A 28/06/2005, entre a sociedade designada "[SCom02...], S.A" na qualidade de primeira outorgante e a Impugnante na qualidade de segunda outorgante foi celebrado documento escrito particular designado de "CONTRATO DE ASSOCIAÇÃO EM PARTICIPAÇÃO", cfr.fls. 117/122 do SITAF, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e se transcreve parcialmente: "(…)
6. Em 28/06/2005, entre a sociedade "Banco 1..., S.A" na qualidade de primeira outorgante e a sociedade "[SCom02...], S.A." na qualidade de segunda outorgante, foi celebrado documento escrito particular designado de "CONTRATO DE ASSOCIAÇÃO EM PARTICIPAÇÃO", cfr. fls. 26/170 do SITAF, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e se transcreve parcialmente: "(…) Considerando que: (…)
7. A 28/06/2005, foi celebrado entre Banco 1..., S.A. na qualidade de primeira outorgante e a Impugnante na qualidade de segunda outorgante foi celebrado documento escrito particular um contrato designado de "CONTRATO DE EMPREITADA", cfr. fls. 123/144 do SITAF, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido e se transcreve parcialmente: "(…)
8.9.10.11.12. (…)
13. A "Banco 1..." não efectuou qualquer pagamento à Impugnante correspondente aos 20% do valor total dos trabalhos efetuados no "Edifício A ..." (cfr. depoimento das testemunhas);
14. Não foi, até à data da propositura da presente ação, efetuada a distribuição de qualquer mais-valia à "[SCom02...]" ou à Impugnante (cfr. depoimento das testemunhas).
(fim de transcrição dos factos do probatório)
Dos factos provados:
Da omissão e dos erros cometidos na seleção da matéria de facto:
E. No que respeita à matéria de facto dada como provada a douta sentença em recurso não considerou, no probatório, factos que se encontram no relatório, que a impugnante não pôs em causa e que deverão ter-se por assentes, porquanto se mostram relevantes para a boa decisão da causa.
F. Devendo ser alterados os factos provados de modo a ser acrescentada a seguinte matéria, o que expressamente se requer:
"15. No período decorrido entre 28/06/2005 e 06/01/2006, a Impugnante emitiu ao Banco 1... as faturas nºs ...78, ...79, ...80, ...81, ...82, ...83 e ...84, que ascenderam a € 1.235.216,40, montante equivalente a 80% do custo total da empreitada;
16. A Impugnante emitiu ainda a fatura nº ...85, de 20/02/2006, e nº 188, de 04/08/2006, no montante global de € 180.166,78, acrescido de IVA, à Banco 1..., faturas relativas a trabalhos executados no Edifício A ...;
17. Foram ainda elaborados trabalhos complementares no valor de € 355.183,33;
18. A Impugnante não faturou os montantes correspondentes a 20% do valor total dos trabalhos efetuados quanto ao Edifício A ...;
19. A Impugnante registou como Custo das Mercadorias e Matérias Consumidas todas as despesas inerentes às obras efetuadas, não constando no inventário final de 2006 qualquer valor imputável à obra de remodelação do Edifício A ... - facto constante do RIT, não impugnado.
20. Quanto à fatura nº ...78 emitida pela Impugnante, e relativa ao adiantamento entregue, foi tal montante integralmente faturado à "Banco 1...", tendo a "[SCom02...]" procedido à entrega de 20% do mesmo diretamente a esse fundo de investimento;
21. A Impugnante deduziu o IVA suportado para a realização dos serviços que não foram sujeitos a faturação ao Banco 1...;
22. No período decorrido entre 01-08-2006 e 06-11-2007, a Impugnante emitiu ao Banco 1... as faturas nºs ...87, ...95, ...96, ...99 e ...02, que ascenderam a € 4.087.361,14, que constituem 75% do valor das medições efetuadas.
23. A [SCom01...] não faturou ao Banco 1..., a quantia de € 202.937,50, que corresponde a 25% do valor dos trabalhos efetuados no edifício Guimarães In Retail Park.
24. A [SCom01...] registou com Custo das Mercadorias e Matérias Consumidas todas as despesas inerentes à construção do empreendimento referentes ao exercício de 2006."
G. A decisão recorrida considera que o montante que a impugnante não faturou à sociedade [SCom02...] corresponde "à contribuição assumida nos contratos de associação em participação referenciados (obrigação de suportar uma percentagem do valor da respectiva empreitada mediante a contrapartida do direito a 50% das mais-valias auferidas), não constitui uma prestação e serviços efectuada a título oneroso, conforme previsto na alínea a) do artº 1º do CIVA e, por conseguinte trata-se de uma operação fora do âmbito de aplicação do imposto."
H. Aderindo à tese da impugnante, a douta sentença recorrida refere "Porquanto como bem refere a Impugnante não foram prestados quaisquer serviços à "[SCom02...]", mas tão só prestada a contribuição com natureza patrimonial a que a ora Impugnante se obrigou nos termos dos contratos de associação em participação celebrados. Na verdade, trata-se somente de uma contribuição em espécie e com valor patrimonial, que, não obstante, não se traduz na realização de uma prestação de serviços a título oneroso, mas tão somente na realização da contribuição que a Impugnante estava obrigada a prestar nos termos e na exacta medida dos contratos de associação em prestação celebrados com a [SCom02...]."
I. Ora, com todo o respeito que nos merece o Douto Tribunal a Fazenda Pública discorda deste entendimento.
J. No respetivo relatório fundamentador das liquidações impugnadas a AT defendeu o entendimento de que existindo um proveito/rendimento da atividade da agora recorrida, ainda que por esta não recebido, esse proveito deriva diretamente das prestações de serviços realizadas na reformulação do interior do "Edifício A ..." e na construção de um espaço comercial em ....
K. Ainda que não registadas, essas prestações de serviços estão sujeitas a IVA nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 1º, e da alínea a) do n.º 1 do art.º 2º, ambos do Código do IVA.
L. Assim, salvo melhor opinião, o enquadramento da percentagem da prestação de serviços omitida aos proveitos do exercício, como sendo a contribuição da associada/impugnante nos respetivos Contratos de Associação em Participação com a "[SCom02...]", do ponto de vista estritamente técnico-contabilístico, conflitua com procedimentos princípios da contabilidade.
M. No caso, mediante a verificação dos diferentes contratos dos autos, dois de associação em participação e um de empreitada, relativamente a cada uma das obras, não nos parece correto e fidedigno, atentos os princípios e características que norteiam a Contabilidade, enquadrá-los da mesma forma.
N. Os contratos de Associação em Participação consubstanciam a concretização de um investimento financeiro, com reflexo nas contas de Balanço (Ativo, no caso), sem alteração da Situação Líquida, a qual só ocorrerá aquando da distribuição de lucros (ou perdas), dividendos ou juros, subsequentes ao verificado investimento.
O. Um contrato de Empreitada resulta da atividade normal da empresa, gerando fluxos económicos que se consubstanciam em proveitos/rendimentos e custos/gastos, estes sim a influenciar a Situação Líquida, logo, o valor do Património da empresa.
P. Sendo atividade da impugnante, à data, a "Construção de Edifícios (residenciais e não residenciais)", os factos patrimoniais associados à mesma atividade terão de ser modificativos, ou seja, terão de provocar alterações no valor do património da empresa, porque se trata do escopo da sociedade, do seu objeto social, ou seja, do motor da realização de lucros, os quais constituem o motivo primordial da existência das atividades económicas.
Q. Conforme determinam as regras contabilísticas, movimentam-se contas de proveitos/rendimentos (classe 7 do POC) e de custos/gastos (classe 6 do POC), pelo que, ao não faturar os montantes em discussão, tendo terminado a obra e, consequentemente, cumprido com os outorgados contratos de Empreitada, a impugnante subtraiu proveitos aos Resultados Líquidos do Exercício, diminuindo os lucros da empresa;
R. Com a agravante de, ao registar a totalidade dos custos que suportou para a realização das empreitadas, ainda mais diminuiu aquela parcela de resultados, pois o valor das prestações de serviços foi inferior ao que deveria ser e o custo das obras (custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas) foi o real, isto é, 100%.
S. Já no tocante à comparticipação da impugnante/associada, nos contratos de Associação em Participação, outorgados com a "[SCom02...]", ela pode consistir num qualquer tipo de prestação, desde que pecuniariamente avaliável, tendo-o sido, no caso, com base numa percentagem do valor das empreitadas (20% e 25%) de construção do empreendimento, tendo como contrapartida auferir 50% das mais valias obtidas pela "[SCom02...]" com a realização dos projetos.
T. Trata-se de investimentos financeiros, da impugnante, tanto mais que os rendimentos deles derivados constituem rendimentos de capitais [art.º 6º, n.º 1, alínea l), em vigor à data, do Código do IRS], e, como tal, de factos patrimoniais permutativos, entre contas do Ativo (classe 4 - Imobilizações, do POC, e classe 1 - Disponibilidades, do POC), na esfera da [SCom01...].
U. O Tribunal recorrido fundamenta a decisão defendendo que "a contribuição assumida nos contratos de associação em participação referenciados (obrigação de suportar uma percentagem do valor da respectiva empreitada mediante a contrapartida do direito a 50% das mais-valias auferidas), não constitui uma prestação e serviços efectuada a título oneroso, conforme previsto na alínea a) do artº 1º do CIVA e, por conseguinte trata-se de uma operação fora do âmbito de aplicação do imposto."
V. Ressalvado o respeito devido pelo Tribunal, não podemos concordar com esta apreciação: resulta dos autos que a Impugnante, no âmbito da sua atividade prestou serviços de construção civil, apoiados em dois contratos de empreitada.
W. Em direito tributário, um contrato de empreitada de construção civil é considerado uma prestação de serviços e como tal operação sujeita a IVA (cfr. artº 4º do CIVA).
X. Como resulta dos factos provados, a impugnante em vez de cobrar os serviços de empreitada que assumidamente prestou, optou por não faturar parte do preço da empreitada, contudo, contabilisticamente, deduziu aos seus proveitos todos os custos atinentes à empreitada, e deste modo, pagou menos imposto sobre o rendimento (IRC).
Y. Acresce que a impugnante tratou a empreitada como outra qualquer prestação de serviço, liquidando o IVA nas faturas emitidas à Banco 1... (80% e 75% do valor total das empreitadas) mas deduziu todo o IVA que suportou para realização dos serviços, mesmo os que não foram faturados.
Z. Aliás, a [SCom01...] deduziu o IVA suportado para a realização desses serviços, direito que só é legítimo, nos termos do preceituado no artº 19 do CIVA se esse imposto for destinado a uma atividade sujeita a imposto (prestação de serviços de construção civil) e não à operação financeira em questão.
AA. A decisão recorrida classificou a percentagem não faturada pela Impugnante como uma "contribuição em espécie e com valor patrimonial” decorrente da sua participação no contrato celebrado com a [SCom02...], classificação essa que, com o devido respeito, afigura-se errada, porquanto, o negócio celebrado entre a Recorrida e a sociedade [SCom02...], deve ser encarado e tratado como um investimento financeiro (instrumentos de capital em outras entidades).
BB. Um investimento nunca é Custo, mas antes, uma transferência de bens, do ativo disponível para o ativo imobilizado, podendo vir a materializar-se num custo apenas e se houver perdas financeiras.
CC. No caso, uma coisa são os custos em que incorreu na prossecução do contrato de empreitada, de acordo com as clausulas que constam do mesmo;
DD. Outra, bem diferente, o investimento financeiro que realizou através da associação em participação à sociedade.
EE. Daí que se entenda que o douto Tribunal partindo do erro na análise da matéria de facto, cometeu errada aplicação das normas aplicáveis, designadamente dos artº 20º e 23º do CIRC e artº 4º e 19º do CIVA.
Finaliza a Recorrente pedindo que ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional, sendo revogada a sentença recorrida, por erro de julgamento de facto e de direito por violação designadamente dos artº 20º e 23º do CIRC e artº 4º e 19º do CIVA.
A Recorrida apresentou contra-alegações, nestas concluindo que:
A. A FAZENDA PÚBLICA NÃO SE CONFORMOU COM A SENTENÇA PROFERIDA NOS AUTOS E RECORREU DA MESMA, ALEGANDO QUE A SENTENÇA PROFERIDA ENFERMA DO VÍCIO DE ERRADO JULGAMENTO DE FACTO E DE DIREITO.
B. NO QUE CONCERNE AO VÍCIO DE ERRADO JULGAMENTO DE FACTO, DEFENDE A RECORRENTE QUE SE VERIFICA ESSE VÍCIO NA MEDIDA EM QUE O TRIBUNAL A QUO ERROU NA SELECÇÃO E VALORAÇÃO DA PROVA E NÃO LEVOU AO PROBATÓRIO TODOS OS FACTOS QUE RESULTAM DOS ELEMENTOS TIPOS NOS AUTOS.
C. POR ESSE MOTIVO, A RECORRENTE QUE DEVEM SER ACRESCENTADOS AOS FACTOS PROVADOS OS FACTOS QUE ELENCA DE 15 A 24.
D. SUCEDE QUE A RECORRENTE NÃO IDENTIFICA O MEIO PROBATÓRIO QUE PERMITE DAR COMO PROVADO QUE FORAM EFECTUADOS TRABALHOS COMPLEMENTARES (FACTO IDENTIFICADO NO PONTO 17 QUE A RECORRENTE PRETENDE QUE SEJA DADO COMO PROVADO),
E. E O MESMO RELATIVAMENTE AO FACTO QUE IDENTIFICA NO PONTO 20. DO ROL QUE PRETENDE QUE SEJA ADICIONADO AO ROL DOS FACTOS PROVADOS.
F. PELO QUE, POR VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 640º DO CPC EX-VI O ARTIGO 2º DO CPPT, O RECURSO DEVE SER, NESTA PARTE, REJEITADO SEM MAIS.
G. NO QUE CONCERNE AO ERRADO JULGAMENTO DE DIREITO, ALICERÇA A RECORRENTE O SEU RECURSO NA DEFESA DE QUE O CONTRATO DE ASSOCIAÇÃO EM PARTICIPAÇÃO É UM INVESTIMENTO FINANCEIRO, PELO QUE ESTE FACTO TEM IMPACTO NAS CONTAS DE BALANÇO, AO PASSO QUE O CONTRATO DE EMPREITADA TEM IMPACTO NA CONTA DE RESULTADOS E, ASSIM NO CAPITAL PRÓPRIO (OU SITUAÇÃO LÍQUIDA),
H. DEFENDENDO QUE É UM INVESTIMENTO FINANCEIRO, PORQUANTO, EM SEDE DE IRS, OS RENDIMENTOS DERIVADOS CONSTITUEM RENDIMENTOS DE CAPITAIS.
I. A RECORRIDA NÃO PODE CONCORDAR COM A TESE DA RECORRENTE, ALICERÇANDO O SEU
ENTENDIMENTO QUER NA MELHOR DOUTRINA QUE SOBRE ESTE ASSUNTO SE ESCREVEU, NOS ACÓRDÃOS QUE SE DEBRUÇARAM SOBRE A FIGURA DA ASSOCIAÇÃO EM PARTICIPAÇÃO, NO REGIME LEGAL DA FIGURA E, MAIS AINDA, NAS DIVERSAS INFORMAÇÕES VINCULATIVAS PUBLICADAS PELA AT E DISPONIBILIZADAS NO SEU SITE.
J. O CONTRATO DE ASSOCIAÇÃO EM PARTICIPAÇÃO É UM CONTRATO ATRAVÉS DO QUAL UMA
PESSOA – O ASSOCIADO - SE ASSOCIA A UMA ACTIVIDADE ECONÓMICA EXERCIDA POR OUTRA – A ASSOCIANTE -, FICANDO A PRIMEIRA A PARTICIPAR NOS LUCROS (COMO REGRA) QUE DESSE EXERCÍCIO DECORREREM PARA A ASSOCIANTE, NÃO ESTANDO SUJEITO A FORMA ESPECIAL À EXCEPÇÃO DO QUE FOR EXIGIDO PELA NATUREZA DOS BENS COM QUE O ASSOCIADO CONTRIBUIR.
K. ASSIM, A PARTICIPAÇÃO NUMA ASSOCIAÇÃO EM PARTICIPAÇÃO NÃO EQUIVALE AO EXERCÍCIO DE UMA ACTIVIDADE ECONÓMICA, PELO QUE É UMA OPERAÇÃO QUE CAI FORA DO ÂMBITO DO IVA, NOS TERMOS DO ARTIGO 1º, Nº 1, ALÍNEA A) E ARTIGO 2º, Nº 5, A CONTRARIO DO CIVA. ACOMPANHA, ASSIM, A DECISÃO DO TRIBUNAL A QUO, DAQUI RESULTANDO A ILEGALIDADE DAS LIQUIDAÇÕES ADICIONAIS EM CRISE NOS AUTOS.
L. AS LIQUIDAÇÕES EM CRISE NOS AUTOS FORAM FUNDAMENTADAS, DE FACTO E DE DIREITO, NO RELATÓRIO DE INSPECÇÃO POR ESTAR PERANTE UMA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EFECTUADA AO ABRIGO DO ARTIGO 1º, Nº 1, ALÍNEA A) E ARTIGO 2º, Nº 1, ALÍNEA A), AMBOS DO CÓDIGO DO IVA, PELO QUE SE TEM DE LIQUIDAR O IVA NA PERCENTAGEM DE 20% E 25%, RESPECTIVAMENTE, DO TOTAL DA BASE TRIBUTÁVEL APURADA NOS ANEXOS ÀS FACTURAS EMITIDAS AO Banco 1... NO ÂMBITO DAS OBRAS EM CAUSA, SENDO QUE A RECORRIDA DEDUZIU O IVA DA TOTALIDADE DOS INPUTS E NÃO RECEBEU QUALQUER VALOR EQUIVALENTE A ESSAS DUAS PERCENTAGENS DO Banco 1..., ENTENDENDO A ATQUE NÃO É RELEVANTE PARA EFEITOS DESSAS LIQUIDAÇÕES DE IVA EM NOME DE QUEM A FACTURA IRIA SER CONCRETAMENTE EMITIDA
M. O VALOR TRIBUTÁVEL DE CADA UMA DAS PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS CONSIDERADAS PELA AT COMO TENDO SIDO PRESTADAS CORRESPONDEU À APLICAÇÃO DESSAS PERCENTAGENS SOBRE O VALOR DA EMPREITADA RESPECTIVA.
N. O IVA É UM IMPOSTO PLURIFÁSICO, QUE ASSENTA NUMA ESTRUTURA DE ENTREGA E RESPETIVA DEDUÇÃO, PELOS VÁRIOS INTERVENIENTES NA CADEIA, ATÉ AO CONSUMIDOR FINAL, QUE O SUPORTA, SEM O PODER DEDUZIR, NO EXERCÍCIO DE UMA ACTIVIDADE ECONÓMICA E NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS (NA SITUAÇÃO EM APRECIAÇÃO) A TÍTULO ONEROSO (OU DE SITUAÇÕES QUE SEJAM LEGALMENTE EQUIPARADAS A OPERAÇÕES REALIZADAS A TÍTULO ONEROSO).
O. QUANTO À ONEROSIDADE DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DERIVA (A) DO RECEBIMENTO (OU
NÃO) DE UMA CONTRAPRESTAÇÃO, NA MEDIDA EM QUE A SUJEIÇÃO EM IVA PRESSUPÕE, COMO DECORRE DO ARTIGO 1º, Nº 1, ALÍNEA A), DO CIVA OU (B) ESTAR-SE PERANTE UMA SITUAÇÃO QUE O CIVA EQUIPARA A UMA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EFECTUADA A TÍTULO ONEROSO (A ONEROSIDADE DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS, REMETE-SE, ENTRE OUTROS, PARA O ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM 22-01-2018, PROC. Nº C-295/17, DISPONÍVEL EM HTTP://CURIA.EUROPA.EU/JURIS/DOCUMENT/DOCUMENT.JSF?TEXT=&DOCID=207965&PAGEINDEX=0&DOCLANG=PT&MODE=REQ&DIR=&OCC=FIRST&PART=1&CID=2416747, E ACÓRDÃO DO TCA SUL, DE 25-06-2019, PROC. 117/16.0BELRA, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT);
P. RELATIVAMENTE À CONTRAPARTIDA ECONÓMICA DO SERVIÇO PRESTADO, O RELATÓRIO DA ACÇÃO INSPECTIVA SOMENTE REFERE QUE O DONO DA OBRA – Banco 1... – NÃO PAGOU O VALOR DOS 20% E 25%, RESPECTIVAMENTE, DO VALOR DA EMPREITADA. E NADA MAIS CONSTA DO RELATÓRIO DA ACÇÃO INSPECTIVA SOBRE ESTE ASSUNTO.
Q. INEXISTE – OU A RECORRIDA DESCONHECE QUAL FOI ENTENDIDA PELA AT, PORQUE NÃO LHE FOI NOTIFICADA - A CONTRAPRESTAÇÃO EFECTIVA QUE FOI CONSIDERADA PELA AT PELO SERVIÇO QUE A RECORRIDA PRESTOU, E QUE TERIA DE SUPORTAR AS LIQUIDAÇÕES DE IVA (E ESSA CONTRAPRESTAÇÃO PODE SER CONSTITUÍDA PELO DIREITO QUE A RECORRIDA EXTRAI DE BENEFICIAR DO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES DECORRENTES DO CONTRATO DE ASSOCIAÇÃO EM PARTICIPAÇÃO, COMO SUCEDE, DEVIDAMENTE ADAPTADO, NO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ACIMA CITADO), SE BEM QUE NÃO PAGA PELO Banco 1..., NEM QUEM É QUE REALIZA ESSA CONTRAPRESTAÇÃO PELOS SERVIÇOS (ALEGADAMENTE) REALIZADOS.
R. A FUNDAMENTAÇÃO DAS LIQUIDAÇÕES ADICIONAIS TEM DE SER CONTEMPORÂNEA DAS MESMAS, OU CONSIDERANDO-SE QUE ESTA FUNDAMENTAÇÃO EXISTE, A MESMA TEM DE ESTAR DE ACORDO COM A LEI, SOB A PENA DE SE VERIFICAR O ERRADO ENQUADRAMENTO DA OPERAÇÃO EM TERMOS TRIBUTÁRIOS, O QUE DETERMINA A ILEGALIDADE DAS LIQUIDAÇÕES, COMO É O CASO DAS LIQUIDAÇÕES ORA EM CRISE.
S. DE FACTO, SE SE ENTENDER QUE AS LIQUIDAÇÕES SE ENCONTRAM FUNDAMENTADAS, VERIFICA-SE O VÍCIO DE ERRADA APLICAÇÃO DE DIREITO, POIS É CLARA A VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO CIVA, ARTIGO 1º, Nº 1, ALÍNEA A), E ARTIGO 4º, Nº 1 E SEGUINTES, TODOS DO CIVA, COMO ACIMA ALEGADO, TORNANDO ILEGAIS AS LIQUIDAÇÕES DE IVA, PELO QUE BEM DECIDIU O TRIBUNAL A QUO.
T. SÃO TAMBÉM ILEGAIS AS LIQUIDAÇÕES ORA EM CRISE NO QUE DIZ RESPEITO À DETERMINAÇÃO DO VALOR TRIBUTÁVEL DAS OPERAÇÕES QUE A AT CONSIDERA PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS, LEMBRANDO-SE QUE SOBRE 20% E 25% DO VALOR DO CONTRATO DE EMPREITADA RESPECTIVO NÃO FOI RECEBIDO PELA RECORRIDA QUALQUER VALOR EM DINHEIRO, PELO QUE SE IMPUNHA ENQUADRAR A OPERAÇÃO NOS TERMOS DO DISPOSTO NO ARTIGO 16º DO CIVA, O QUE NÃO SUCEDEU, TORNANDO ASSIM ILEGAIS TODAS AS LIQUIDAÇÕES DE IVA, COM AS INERENTES CONSEQUÊNCIAS EM TERMOS DE JUROS COMPENSATÓRIOS E SER DEVIDOS OS JUROS INDEMNIZATÓRIOS.
Termina a Recorrida pedindo que seja julgado improcedente o presente recurso, sendo mantida a decisão recorrida.
*
Os autos foram com vista ao digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, tendo este emitido parecer no sentido da procedência do presente recurso (cf. fls. 399 e segs. dos autos – paginação do SITAF).
*
Com a concordância dos MMs. Juízes Desembargadores Adjuntos, dispensam-se os vistos nos termos do art.º 657.º, n. º 4, do Código de Processo Civil ex vi art.º 281.º do CPPT, sendo o processo submetido à Conferência para julgamento.

-/-



II - Matéria de facto indicada em 1.ª instância:
1. A Impugnante tem como actividade a “Compra e Venda de Bens Imobiliários” – CAE 041200 Construção de Edifícios (Residenciais e não residenciais) – facto não controvertido:
2. No cumprimento da Ordem de Serviço n.º ...31, os Serviços da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças ..., com o seguinte motivo: «(…) Esta acção foi despoletada por informação elaborada pelos Serviços de Inspecção..., na sequência de acção inspectiva realizada ao sujeito passivo [SCom03...], Lda (adiante apenas [SCom03...]), contribuinte n.º ...63. Na base desta informação encontra-se o imóvel inscrito na matrzi predial urbana com o número ...08, da freguesia ..., concelho ..., e descrito na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o número ...59... visista ao imóvel, foi constatado que o mesmo estava a ser sujeito a obras de adaptação para fins comerciais, licenciado pelo Alvará de construção n.º ....3/06, emitido em 20/12/2006 à [SCom02], SA (adiante apenas [SCom02...]) contribuinte n.º ...56, com prazo de conclusão até 20-06-2007. Em relação a essa obra, a [SCom02...] identificou como empreiteiro geral a empresa [SCom01...] (empresa em situação de “relações especiais” com a [SCom02...], nos termos do art.º 58.º do código do IRC), tendo esta subcontratado as firmas [SCom06...,LDA], contribuinte ...85, e [SCom05...], SA, contribuinte n.º ...99. Em acção desenvolvida à empresa [SCom01...] foi recolhido contrato de empreitada realizado entre a [SCom01...] e a o Banco 1..., com data de 31-07-2006 (prazo de execução: 450 dias), que define o montante da empreitada em €3.900.000,00, estando previstas penalidades em caso de incumprimento. A [SCom01...] emitiu as facturas n.º 187, de 2006, n.º 195, n.º 196 e n.º 199 de 2007, que ascenderam no total a €2.255.817,38, isto é, 57,84% do valor total da empreitada. Da observação ao local da obra, os técnicos da Direcção de Finanças ... foram da opinião que o grau de acabamento seria substancialmente superior ao facturado. Solicitados os autos de medição apenas foram exibidos os autos correspondentes à facturas emitidas contrariando o disposto no contrato de empreitada que previa a sua emissão com periodicidade mensal. Acrescentaram ainda que a facturação tem sido emitida apenas ao Banco 1... e não à [SCom02...], detentora de 25% da Associação em Participação.», de fls. 31/76 do Processo Administrativo apenso aos autos.
3. Em 14/05/2008, na sequência do procedimento inspetivo referido no ponto 2) supra, foi elaborado pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças ..., relatório de inspecção tributária, onde é efectuada correcção técnica aos exercícios de 2005, 2006 e 2007 (até ao final do 3.º trimestre) em sede de IVA, fundamentadas nos seguintes termos: «(…)
III- DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENMTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL
III – A) Contrato de Associação em Participação referente ao Edifícios Edifício A ... – Caracterização dos negócios

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

III-B) Contrato de Associação em Participação referente ao empreendimento denominado de “IN Guimarães” – Caracterização do negócio
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]


(…)»;
4. O relatório de inspecção tributária foi notificado ao Impugnante – facto não controvertido;
5. A 28/06/2005, entre a sociedade designada “[SCom02...], S.A” na qualidade de primeira outorgante e a Impugnante na qualidade de segunda outorgante foi celebrado documento escrito particular designado de “CONTRATO DE ASSOCIAÇÃO EM PARTICIPAÇÃO”, cfr. fls. 117/122 do SITAF, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e se transcreve parcialmente: «(…)

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)»;
6. Em 28/06/2005, entre a sociedade “Banco 1..., S.A” na qualidade de primeira outorgante e a sociedade “[SCom02...], S.A.” na qualidade de segunda outorgante, foi celebrado documento escrito particular designado de “CONTRATO DE ASSOCIAÇÃO EM PARTICIPAÇÃO”, cfr. fls. 26/170 do SITAF, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e se transcreve parcialmente: «(…) Considerando que: (…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

É celebrado e reciprocamente aceite o presente CONTRATO DE ASSOCIAÇÃO EM PARTICIPAÇÃO, nos termos das cláusulas seguintes, de que os precedentes considerandos fazem parte integrante:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)»;
7. A 28/06/2005, foi celebrado entre Banco 1..., S.A. na qualidade de primeira outorgante e a Impugnante na qualidade de segunda outorgante foi celebrado documento escrito particular um contrato designado de “CONTRATO DE EMPREITADA”, cfr. fls. 123/144 do SITAF, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido e se transcreve parcialmente: «(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)»;
8. Pela AT foram emitidas as liquidações adicionais de IVA com os n.ºs ...49, ...51, ...53, ...55, ...57, ...58, ...60, ...61, ...50, ...52, ...54, ...56, ...59 e ...62, correspondente aos exercícios de 2005, 2006 e 2007, no valor de €33.345,76, €66.295,96 e €18.381,83 respectivament, e respectivos juros compensatórios (cfr. fls. 19/20 e 38/51 do PA-RG);
9. A 29/12/2008, a Impugnante apresentou reclamação graciosa contra as liquidações adicionais de IVA do exercício de 2005, 2006 e 2007 e respetivos juros compensatórios (conforme fls. 2 e seguintes do PRG);
10. Em 30/04/2009, foi proferido Projecto de despacho relativamente à Reclamação Graciosa referida em 10., cfr. fls. 193/202 do PA-RG, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e se transcreve parcialmente: «(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)
(…)»;
11. Em 25/05/2009, foi proferida decisão de indeferimento da reclamação graciosa referida em 9., cfr. fls. 205 do PA-RG, cujo teor se transcreve: «(…)

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)»;
12. A presente impugnação judicial foi intentada em 15/06/2009 (cfr. fls. 1 do SITAF);
13. A “Banco 1...” não efectuou qualquer pagamento à Impugnante correspondente aos 20% do valor total dos trabalhos efetuados no “Edifício A ...” (cfr. depoimento das testemunhas);
14. Não foi, até à data da propositura da presente acção, efectuada a distribuição de qualquer mais-valia à “[SCom02...]” ou à Impugnante (cfr. depoimento das testemunhas).
*
No que diz respeito aos factos considerados como não provados, exarou-se na sentença apelada que:
«Da que era relevante para a discussão da causa não há matéria de facto que importe registar como não provada.»
*
Relativamente à motivação da decisão da matéria de facto, decidiu-se na sentença recorrida que:
«O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao PA, que não foram impugnados, e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados – art. 74º da LGT - também são corroborados pelos documentos juntos aos autos art. 76º nº 1 da LGT e arts. 362º e ss do Código Civil (CC) – identificados em cada um dos factos provados. E, ainda, no depoimento das testemunhas apresentadas pela Impugnante e Fazenda Pública conjugado com as regras da experiência comum.
Das testemunhas arroladas cumpre ressaltar o seguinte:
A testemunha «AA» revelou conhecimento directo do objecto do processo por ter exercido as funções de Revisor Oficial de Contas junto da empresa “[SCom02...]” e ter conhecimento de todos os contratos celebrados entre aquela empresa, a Impugnante e o Banco 1..., e que consubstanciam o objecto dos presentes autos.
A testemunha «BB» revelou conhecimento directo da matéria em discussão na lide por ser o Inspetor Tributário que elaborou o relatório de inspeção tributário na sequência da acção de fiscalização levada a cabo e que culminou com a liquidação adicional ora posta em crise.
Não revelaram interesse directo quanto ao desfecho dos autos, por serem terceiros relativamente à relação jurídico-tributária em discussão, o que reforçou a convicção formada por este Tribunal quanto à decisão sobre a matéria de facto.
A factualidade vertida no ponto 13. resulta provada atento o descrito no RIT, bem como, do depoimento das testemunhas, em especial da testemunha «BB», ao afirmar peremptoriamente que o Banco 1... efetivou o pagamento de apenas 80% do valor da empreitada. Esta testemunha logrou formar convicção junto do Tribunal quanto à veracidade da factualidade descrita por se tratar do Inspetor Tributário que realizou a inspecção e redigiu o respetivo relatório final, tendo conhecimento da realidade contabilística da Impugnante assim como dos contornos do contrato em causa, e que consubstanciou o objecto daquela inspeção.
Por fim, a factualidade vertida no ponto 14. supra foi dada como provada atento o depoimento de ambas as testemunhas.
Com efeito, foi a análise crítica e conjugada de todos os meios de prova conjugados que à luz da experiência, sedimentaram a convicção do Tribunal.
Os depoimentos foram livremente apreciados pelo Tribunal, nos termos do que dispõe o artigo 396º do Código Civil atendendo, para tal efeito, à razão de ciência apresentada por cada uma das testemunhas inquiridas.
Quanto ao ponto 3. do probatório apraz referenciar o seguinte:
Nos termos do artigo 76º da LGT “as informações prestadas pela inspecção tributária fazem fé quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos, nos termos da lei”.
Ora, conforme decorre do artigo 371.º n.º 1 do Código Civil, aqui aplicável por força do que estatui o n.º 2 do artigo 11.º da LGT, que determina as regras gerais vigentes para a força probatória dos documentos autênticos, estas informações “fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade, ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora (…).
“Quanto aos factos afirmados com base em juízos formulados pela administração tributária a partir dos factos materiais apurados que não sejam determinados com base em critérios objectivos não existe aquela especial força probatória, valendo as informações como elementos sujeitos à livre apreciação da entidade competente para a decisão” (cfr. Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado e comentado, 6ª edição, 2011, pag. 259).
Assim, e no que respeita aos factos inclusos no relatório emanado pelos SIT, estes respeitam a factos decorrentes da percepção do inspector no âmbito do procedimento inspectivo.»


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III – Questões a decidir.

No presente recurso, cabe analisar e decidir as questões suscitadas, nomeadamente quanto aos erros de julgamento de facto e de direito apontados à sentença recorrida. Assim, impõe-se designadamente aferir se a sentença apelada fez uma errónea interpretação e aplicação do disposto nos artigos 20º e 23º do CIRC e artº 4º e 19º do CIVA.

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IV – Da apreciação do presente recurso.
Constitui objeto dos presentes recursos a sentença proferida nestes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em sede de processo de impugnação, pela qual se concedeu provimento à impugnação deduzida pela ora Recorrente intentada contra as liquidações adicionais de IVA dos exercícios 2005, 2006 e 2007 e correspetivas liquidações de juros compensatórios.
As liquidações de IVA acima referidas, resultaram de uma ação inspetiva promovida pelos serviços da AT, na qual se considerou, em suma, que a Impugnante (Recorrida) teria omitido faturação relativa a duas obras de construção, por referência à parte relativa a determinadas obrigações decorrentes de dois contratos de associação em participação.
Cumpre apreciar e decidir.
IV.1 – Do erro de julgamento da matéria de facto.
A Recorrente começa por alegar que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto.
Ora, o presente recurso, neste segmento, é idêntico ao que a ora Apelante apresentou no processo n.º 1576/09.2BEPRT, que foi objeto de acórdão desta instância datado de 21.03.2024. Assim, no dito processo estava em causa a mesma ação inspetiva, sendo que nesta se aferiram os mesmos factos, quer sob a ótica do IRC, quer sob a perspetiva aqui em causa por referência ao IVA.
Assim, dando-se cumprimento do ditame que resulta do n.º 3 do art.º 8.º do CC, cremos ser aqui de transpor o que foi decidido nos sobreditos autos. Desta forma, no aresto desta instância supra citado, relatou-se que:
“[…]
4.1. A recorrente começa por dissentir quanto ao julgamento de facto, pretendendo que sejam aditados factos que constam do relatório, que a impugnante não pôs em causa e que deverão ter-se como assentes.
É consabido que no julgamento de facto constitui o principal objetivo do processo tendo em conta que dele depende o resultado da ação, mas, também é consensual, que apenas devem relevar factos, enquanto recortes da vida real, das relações jurídico factuais que se debatem no processo, atendendo às várias soluções plausíveis de direito.
Contudo, a recorrente não cumpre minimamente o ónus da impugnação a que alude o art. 640.º do CPC [anterior 685.º-B]
Embora indique os factos que considera deverem ser aditados ao julgamento de facto não explica a razão de tal dever acontecer, na verdade, não basta que tais factos constem do relatório e não tenham sido contraditados pela recorrida, importa, como se já disse, que relevem para o julgamento da questão, que no caso está conexionada com o facto de se saber se o contrato de associação em participação configura rendimento acréscimo ou antes um custo [como entendeu a sentença] nos termos em que ficou clausulado, ou seja, na ótica da recorrente os contratos de associação em participação consubstanciam a concretização de um investimento financeiro, com reflexo nas contas Balanço (ativo) sem alteração da situação líquida, a qual ocorrerá aquando da distribuição de lucros (ou perdas), dividendos, juros, subsequentes ao verificado investimento; mostrando-se de todo diferente do que resulta de um contrato de empreitada, em que dele emerge a atividade normal da empresa, gerando fluxos económicos que se consubstanciam em proveitos/rendimentos e custos/gastos, estes sim a influenciar a situação líquida, logo o valor patrimonial da empresa, sendo considerado pela lei uma prestação de serviços. (sublinhado nosso)
Por conseguinte, além de alguns dos factos estarem retratados no julgamento de facto, não se compreende esta autonomização e a recorrente não indica a sua racionalidade nem cumpre o ónus da impugnação da matéria de facto.
Na esteira da jurisprudência deste tribunal «A alteração da matéria de facto – ou a correcta fixação da matéria de facto como a Recorrente reclama – pressupõe o erro no seu julgamento. O que ocorre quando se conclua, da confrontação entre os meios de prova produzidos e os factos dados por provados ou não provados, que o juízo feito está em desconformidade com a prova produzida, independentemente da convicção pessoal do juiz acerca de cada facto (…)
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).
Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos – cfr.artº. 371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (…)
Erro que deve ser demonstrado pelo recorrente através do exercício de um duplo ónus: delimitar o âmbito do recurso indicando claramente os segmentos da decisão que considera padecerem desse erro; e fundamentar as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa.
Por conseguinte, acionando as provas documentais, as regras da experiência, as circunstâncias de tempo e lugar, os factos históricos que resultaram evidenciados são exatamente o que emergem do relatório compaginados com os demais documentos e prova testemunhal, não se descortinando a relevância do requerido aditamento.
Assim indefere-se o presente segmento do recurso.

1 Acórdão deste tribunal, no qual a presente relatora foi adjunta, de 09-06-2016 no processo n.º 303/2001, ainda inédito.
2 Teixeira de Sousa, Manual do Processo Civil Vol. I, Ed. FDL, páginas 520 e seguintes. “Como a verdade de qualquer afirmação depende da sua correspondência com a realidade, a prova de uma afirmação de facto pressupõe a formação da convicção do julgador sobre essa correspondência” e Alberto Vicente Ruço in Prova e Formação da Convicção do Juiz, Almedina, CJ, páginas 113-115 e 289-293.
[…]”
Ora, julgamos que os fundamentos e as conclusões expressas no aludido acórdão desta instância, são também integralmente transponíveis para o presente recurso. Assim sendo, na esteira do ali decidido, também entendemos que deverá improceder o presente recurso.
IV.2 – Dos erros de julgamento invocados.
A Apelante alega que a decisão jurisdicional ora em apreço enferma de erros de julgamento vários.
Ora, também aqui, dada a similitude das questões suscitadas neste recurso e no apresentado no aludido processo n.º 1576/09.2BEPRT, seguimos a orientação deste TCA no acórdão proferido neste último, suja orientação é transponível para os presentes autos, ainda que com as devidas e necessárias adaptações. Deste modo, no aresto proferido no processo supra indicado, decidiu-se que:
“[…]
A recorrente, enfatiza que não concorda com a sentença na medida em não se coaduna com os princípios e características que norteiam a contabilidade, enquadrar os contratos de Associação em Participação e de Empreitada do mesmo modo.
Diga-se, desde já, que não foi este o fundamento das correções razão pela qual não iremos cuidar desde balanceamento da recorrente em termos de enquadramento contabilístico e bem assim se estamos perante um contrato de empreitada uma vez que a razão das correções também não equacionou esta figura, mas, antes, tratou a questão mais genericamente como prestação de serviços.
Na verdade, o contrato de empreitada é o contrato que o Banco 1... celebra com a impugnante, cujo contrato tem a epígrafe “Contrato de Empreitada”, outra, diferente, são os contratos de Associação em Participação celebrados entre a impugnante e a [SCom02...] em 28-06-2005 e 31-07-2006, respetivamente para cada uma das obras, bem como o Contrato de Associação em Participação entre Banco 1... e [SCom02...].
[…]”
Por seu turno, na sentença recorrida, considerou-se sobre a imputada violação das normas do CIVA, aqui as únicas verdadeiramente relevantes, que:
“[…]
Na verdade, a questão basilar resume-se a apurar se mediante os contratos celebrados entre as empresas identificadas, Impugnante, “[SCom02...]” e “Banco 1...”, se estamos perante uma prestação de serviços de empreitada à “[SCom02...]” de valor igual a, respectivamente 20% e 25% do valor global dos serviços de empreitada prestados no âmbito do contrato de empreitada celebrado. Sendo certo que, a Impugnante entende que não foram prestados quaisquer serviços à “[SCom02...]”, mas tão somente prestada a contribuição de natureza patrimonial a que a Impugnante se obrigou nos termos dos contratos de associação em participação celebrados.
Todavia, e atendendo à complexidade da questão em causa, procederá o Tribunal à explanação do regime jurídico do contrato de associação em participação, bem como ao respetivo tratamento fiscal em sede de IVA, antes de se pronunciar especificamente sobre a concreta situação em discussão.
O contrato de associação em participação é um contrato comercial típico, com o seu regime geral definido no Decreto-Lei nº 231/81, de 28 de Julho, em especial no seu Capítulo II. Nos termos do artigo 21º deste diploma legal, este contrato assenta na associação de uma pessoa a uma actividade económica exercida por outra, ficando a primeira a participar nos lucros, ou nos lucros e perdas, que desse exercício resultarem para a segunda. É elemento essencial do contrato a participação nos lucros, podendo a participação nas perdas ser dispensada. Ainda nos termos do nº 1 do artigo 24º do referido diploma, o associado deve prestar ou obrigar-se a prestar uma contribuição de natureza patrimonial que, quando consista na constituição de um direito ou na sua transmissão, deve ingressar no património do associante. Já o nº 3 do mesmo normativo dispõe que tal contribuição pode ser substituída pela contribuição recíproca em associação entre as mesmas pessoas, simultaneamente contratada. Com pertinência para a presente questão, mencione-se ainda o artigo 31º deste diploma, que estabelece que o associante deve prestar contas nas épocas legal ou contratualmente fixadas para a exigibilidade da participação do associado nos lucros e nas perdas e ainda relativamente a cada ano civil de duração da associação.
Consequentemente, a associação em participação não configura uma pessoa colectiva civil ou comercial, por não lhe ser atribuída personalidade jurídica e faltar o requisito de exercício em comum de uma certa actividade económica (neste sentido, e a título de mero exemplo, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/03/2010, P. 682/05.7TBOHP.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
Como refere José A. Engrácia Antunes, Direito dos contratos comerciais, Almedina, Coimbra, 2009 (pág. 406 e seguintes), “Relativamente ao objecto da associação em participação, encontramos dois elementos essenciais: a contribuição patrimonial (art. 24.º) e a participação nos lucros e perdas (art. 25.º) por parte do associado. Desde logo, elemento constitutivo da figura contratual é a obrigação de contribuição de natureza patrimonial assumida pelo associado. Tal contribuição – que é normal mas não essencial (podendo ser afastada pelos contraentes no caso de o associado participar nas perdas: cf. art. 24.º, nº 2) – pode consistir em qualquer tipo de prestação pecuniariamente avaliável, seja a dinheiro (a contado ou fiduciário), em espécie (v.g., direitos de propriedade ou usufruto de bens móveis ou imóveis, créditos, assunção de dívidas) ou em serviços (“máxime”, trabalho). Em qualquer caso, sempre que tal prestação consista na constituição ou transmissão de um direito (real ou creditício), o contrato tem por efeito a sua transmissão para o património do associante (art. 24.º, n.º 1, “in fine”). Absolutamente nodal, na economia da figura em apreço, é a participação do associado na esfera de risco da empresa do associante, traduzida na sua comunhão nos lucros e perdas. O âmbito, conteúdo e limites dessa partilha do risco empresarial podem variar, todavia, em função da vontade das partes: conquanto a partilha dos lucros seja elemento imperativo do contrato (art. 21.º, n.º 2), já pode ser convencionada a dispensa do associado comungar nas perdas (art. 25.º, n.º 2); o cômputo da participação nos lucros e perdas toma por base os resultados líquidos do exercício da empresa do associante (art. 25.º, n.º 6), sem prejuízo da relevância das perdas transitadas (art. 27.º, n.º 7) e das operações pendentes à data do início ou termo do contrato (art. 25.º, n.º 5); e o montante concreto dessa participação supletivamente fixado será proporcional à contribuição efectuada ou de metade dos lucros e perdas, consoante tenha ou não havido avaliação da mesma (art. 25.º, n.º 3), sem prejuízo das partes poderem convencionar critérios diversos (art. 25.º, n.º 2) e de a participação nas perdas ter como limite máximo o valor da contribuição do associado (art. 25.º, n.º 4).”
Há, assim e desde logo, duas características relevantes para efeitos de determinação do tratamento fiscal da associação em participação: (i) a realização pelo associado e nos termos do contrato de associação em participação de uma contribuição de natureza patrimonial que ingressará, regra geral, no património do associante, e (ii) a participação do associado nos lucros, pelo menos, que resultarão para a associante do exercício da actividade económica objecto do contrato de associação em participação.
A AT considerou estar-se perante uma prestação de serviços de empreitada à [SCom02...] de valor igual a, respectivamente, 20% e 25% do valor global dos serviços de empreitada prestados no âmbito do contrato de empreitada celebrado.
Consequentemente, cumpre apurar se a actuação da Impugnante está em conformidade com o CIVA e, consequentemente, da legalidade das liquidações adicionais de IVA ora em “crise”.
Conforme escreve SÉRGIO VASQUES, “Enquanto imposto geral sobre o consumo, o IVA onera por princípio todas as operações com conteúdo económico, quaisquer que sejam os respectivos contornos.” Por conseguinte, o IVA abrange não só as transmissões de bens mas também as prestações de serviços, conceitos estes que surgem fixados na Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (Directiva IVA).
Nos termos do n.º 1 do seu artigo 24.º, “Entende-se por «prestação de serviços» qualquer operação que não constitua uma entrega de bens.” Por sua vez, dispõe o n.º 1 do artigo 4.º do Código do IVA, na redacção aplicável ao caso, que “São consideradas como prestações de serviços as operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens.”
Do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA, decorre que são sujeitos passivos do imposto “As pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas actividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos da incidência real de IRS e de IRC.”
Quer dizer, regra geral, o prestador de serviços é o sujeito passivo de IVA.
Efectivamente, em regra, o IVA é liquidado pelos operadores económicos, sendo transmitido ao consumidor através da sua inclusão nos preços dos bens e serviços, aparecendo o vendedor como sujeito passivo e o adquirente suporta o imposto por repercussão.
Todavia, como escreve CLOTILDE PALMA, há situações em que “o adquirente dos serviços ou dos bens se torna sujeito passivo do imposto pela respectiva aquisição. São as denominadas situações de reverse charge, reversão da dívida tributária ou inversão da sujeição ou do sujeito passivo, ou seja, nestes casos, a dívida reverte do prestador de serviços para o adquirente. Sendo o adquirente o sujeito do imposto, deverá proceder em conformidade, à liquidação do imposto, sendo-lhe atribuído o direito à dedução do IVA pago pela aquisição dos serviços, nos termos do disposto no artigo 19º, nº 1, alíneas c) e d).”
Revertendo estes considerandos para o caso em apreço, temos para nós que a contribuição assumida nos contratos de associação em participação referenciados (obrigação de suportar uma percentagem do valor da respectiva empreitada mediante a contrapartida do direito a 50% das mais-valias auferidas), não constitui uma prestação e serviços efectuada a título oneroso, conforme previsto na alínea a) do artº 1º do CIVA e, por conseguinte trata-se de uma operação fora do âmbito de aplicação do imposto.
Porquanto como bem refere a Impugnante não foram prestados quaisquer serviços à “[SCom02...]”, mas tão só prestada a contribuição com natureza patrimonial a que a ora Impugnante se obrigou nos termos dos contratos de associação em participação celebrados. Na verdade, trata-se somente de uma contribuição em espécie e com valor patrimonial, que, não obstante, não se traduz na realização de uma prestação de serviços a título oneroso, mas tão somente na realização da contribuição que a Impugnante estava obrigada a prestar nos termos e na exacta medida dos contratos de associação em prestação celebrados com a [SCom02...].
Aliás, tal matéria já se encontra decidida pela jurisprudência da União Europeia, na qual em vários acórdãos vem reflectida a ideia de que o valor tributável na prestação de um serviço é a contrapartida realmente recebida para esse efeito, constituindo o valor subjectivo, ou seja, o realmente recebido e não um valor calculado segundo critérios objectivos (neste sentido, pode ler-se os acórdãos de 23/11/1988 – C-230/87; de 02/06/1994 – C-33/93; e de 24/10/1996 – C- 288/94, todos disponíveis em www.curia.europa.eu). Aliás, a jurisprudência vai mais longe, em sede de IVA, ao afirmar que a associação em participação é uma cooperação económica circunscrita à realização de um fim específico integrado no âmbito da actividade desenvolvida pela associante (no caso da presente lide, e atendendo à existência de associações recíprocas, o Banco 1...), não conexo, normalmente, com a actividade desenvolvida pelo associado. Como é um meio para a concretização de um negócio não configura em si mesma uma actividade económica na acepção do artigo 2º do CIVA (neste sentido, pode ler-se o Acórdão de 11/06/2009, C-572/07, disponível em www.curia.europa.eu).
[…]
Ora, ao invés do defendido pela Recorrente, entendemos que a sentença recorrida não enferma de erro de julgamento, quando à luz das normas invocadas por aquela, considerou que, concretamente, não constituíam prestações de serviços sujeitas a IVA as contribuições em serviços prestados pela Recorrida no âmbito dos contratos de associação em participação aqui em causa. Aliás, como se referiu no acórdão desta instância já aqui citado:
“[…]
Por fim, a sentença trás à colação relevante jurisprudência do TJUE a nível do conceito de prestação de serviços a título oneroso ainda que naturalmente no âmbito do IVA, no quadro do qual se afirma que deve existir entre prestador e beneficiários uma relação jurídica durante a qual são transacionadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efetivo do serviço fornecido ao beneficiário [cfr. além dos mencionados na sentença, o Acórdão TOLSMA de 3-03-1994, processo n.º C-16/93].
Numa outra formulação do TJUE, há-de existir “um nexo direto entre serviço prestado e o contravalor recebido” [Acórdão APPLE and PEAR, de 8-03-1988, processo n.º C-102/86]
A este título refere-se no acórdão do TJUE, no caso das batatas holandesas, a contraprestação deve ser real e efetiva, suscetível de avaliação pecuniária e de apreciação subjetiva, a expressão “contrapartida” implica a necessidade de um nexo direto que vincule a prestação e a contraprestação efetuada, que é contrapartida da existência de um benefício que deve ser igualmente direto
e a expressão subjetiva, tem o significado de que é necessário partir dos dados reais da operação em causa.
Mais recentemente, a respeito da conexão entre prestação de serviço e contravalor veja-se o Ac. do TJUE de 11-03-2020, no processo C-94/19, caso San Domenico Vetraria SpA, no qual se afirma que:
A este respeito, é jurisprudência constante que, no âmbito do sistema do IVA, as operações tributáveis pressupõem a existência de uma transação entre as partes, com a estipulação de um preço ou de uma contrapartida. Assim, quando a atividade de um prestador consiste em fornecer exclusivamente prestações sem contrapartida direta, não existe matéria coletável, não estando, portanto, estas prestações sujeitas ao IVA (Acórdão de 22 de junho de 2016, Èeský rozhlas, C-11/15, EU:C:2016:470, n.º 20 e jurisprudência referida). 21 Daqui resulta que uma prestação de serviços só é efetuada «a título oneroso», na aceção do artigo 2.º, ponto 1, da Sexta Diretiva, e só é, portanto, tributável, se entre o prestador e o beneficiário existir uma relação jurídica no âmbito da qual são realizadas prestações recíprocas, sendo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efetivo de um serviço prestado ao beneficiário. É isso que se verifica se existir um nexo direto entre o serviço prestado e o contravalor recebido.
Estando em causa um Contrato de Associação em Participação, com o objetivo de executar os projetos de remodelação e de construção, para os quais, a associante [impugnante] assume de forma direta e integral os custos que seriam da responsabilidade da associada [[SCom02...]] no Contrato de Associação e Participação celebrado com o Banco 1..., adquire o direito a participar dos lucros futuros por força desse contrato, ou seja, no caso a receber 50% das mais valias imobiliárias a que venha a ter direito a associada no âmbito do Contrato de Associação e Participação realizado com o Banco 1..., o que naquele aceção não pode configurar uma prestação de serviços.
Na verdade, releva para o efeito o que dispõe o art. 21.º do diploma que define o regime jurídico do Contrato de Associação em Participação em conjugação com o art. 21.º, n. º1, al. c) do CIRC: [em vigor à data]
1 - A associação de uma pessoa a uma actividade económica exercida por outra, ficando a primeira a participar nos lucros ou nos lucros e perdas que desse exercício resultarem para a segunda, regular-se-á pelo disposto nos artigos seguintes.
2 -
É elemento essencial do contrato a participação nos lucros; a participação nas perdas pode ser dispensada.
3 - As matérias não reguladas nos artigos seguintes serão disciplinadas pelas convenções das partes e pelas disposições reguladoras de outros contratos, conforme a analogia das situações. (sublinhado nosso)
1- Consideram-se ainda para a formação do lucro tributável (…) excepto: as contribuições, incluindo a participação nas perdas, do associado ao associante, no âmbito da associação em participação e da associação à quota.
Por sua vez, o n. º1, do art. 24.º, dispõe que,
O associado deve prestar ou obrigar-se a prestar uma contribuição de natureza patrimonial que, quando consista na constituição de um direito ou na sua transmissão, deve ingressar no património do associante.
1 - O montante e a exigibilidade da participação do associado nos lucros ou nas perdas são determinados pelas regras constantes dos números seguintes, salvo se regime diferente resultar de convenção expressa ou das circunstâncias do contrato.
2 - Estando convencionado apenas o critério de determinação da participação do associado nos lucros ou nas perdas, aplicar-se-á o mesmo critério à determinação da participação do associado nas perdas ou nos lucros. [art. 25.º, n.ºs 1 e 2].

Do que vem de se expor, conclui-se que a sentença que decidiu pela ilegalidade das correções não incorreu em erro de julgamento e como tal tem de ser confirmada.

3 Neste sentido Patrícia Noiret Cunha, Imposto sobre o Valor Acrescentado, Instituto Superior de Gestão, páginas 132-133.
[…]”
Por isso, concluímos que a sentença recorrida não enferma dos erros de julgamento aqui invocados pela Recorrente, pelo que terá que improceder o presente recurso.
*
Assim, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC, apresenta-se o seguinte sumário:
I – Sobre o recorrente que impugne a matéria de facto constante da sentença recorrida, impõe-se que dê cumprimento às regras previstas no artigo 640º do CPC.
II – O objeto do contrato de associação em participação detém dois elementos essenciais: a contribuição patrimonial (art. 24.º) e a participação nos lucros e perdas (art. 25.º) por parte do associado. O elemento constitutivo da figura contratual é a obrigação de contribuição de natureza patrimonial assumida pelo associado. Tal contribuição – que é normal mas não essencial (podendo ser afastada pelos contraentes no caso de o associado participar nas perdas: cf. art. 24.º, nº 2) – pode consistir em qualquer tipo de prestação pecuniariamente avaliável, seja a dinheiro (a contado ou fiduciário), em espécie (v.g., direitos de propriedade ou usufruto de bens móveis ou imóveis, créditos, assunção de dívidas) ou em serviços (“máxime”, trabalho).
III – Não constitui uma prestação de serviços para efeitos de IVA, a prestada pela contribuinte como resultante da mera contribuição de natureza patrimonial que se obrigou dentro dos termos dos contratos de associação em participação celebrados.

-/-

V – Dispositivo
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao presente recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente (por vencida).


Porto, 11 de abril de 2024

Carlos A. M. de Castro Fernandes
Cristina da Nova
Serafim José da Silva Fernandes Carneiro
com voto de vencido:

Voto de vencido: Entendo que a Recorrente tem razão e, em consequência, julgaria procedente o recurso, revogaria a sentença e julgaria o processo de impugnação judicial improcedente, porque as liquidações impugnadas têm origem na contabilização dos contratos de empreitada celebrados entre a [SCom01...] e o Banco 1... e não no contrato de associação em participação entre aquela e a [SCom02...]. Acresce que os contratos de empreitada da totalidade das obras (e não de 80% ou 75% delas correspondentes aos contratos de associação em participação) foram celebrados apenas com o Banco 1..., pelo que não sendo a [SCom02...] outorgante nos contratos de empreitada, a Apelante não pode invocar os contratos de associação com ela para não faturar a empreitada ao Banco 1....