Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 02379/12.2BEPRT |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 09/13/2013 |
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Tribunal: | TAF do Porto |
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Relator: | José Augusto Araújo Veloso |
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Descritores: | PROCEDIMENTO CAUTELAR ARTIGO 118º Nº3 DO CPTA VERDADE MATERIAL ILEGALIDADE MANIFESTA DANO RELEVANTE |
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Sumário: | I. O artigo 118º, nº3, do CPTA, concede ao julgador cautelar um «poder-dever», isto é, um poder discricionário que tem, todavia, como segmento vinculado, a exigência da «busca da verdade material» e o respeito pelo «princípio da tutela jurisdicional efectiva»; II. Tal «busca da verdade material» impõe-se, porém, apenas dentro dos limites próprios da tutela cautelar, que é uma tutela urgente, e que, por o ser, vive de uma apreciação sumária ou perfunctória, que não visa substituir o processo principal, nem sequer ser um ensaio do mesmo, mas antes acautelar a utilidade da decisão final que nele vier a ser proferida; III. Quando os «fundamentos de ilegalidade» em que o requerente cautelar assenta a sua pretensão são controvertidos, discutidos de forma juridicamente razoável, e a sua verificação não se impõe ao julgador de modo inequívoco, não podem as ilegalidades invocadas ser tidas como «manifestas»; IV. O «dano» configurado na perda do montante correspondente ao valor da proposta do concorrente é um dano inerente ao risco próprio da candidatura a qualquer concurso público, e, por princípio, irrelevante para a ponderação de interesses e danos prevista no nº6 do artigo 132º do CPTA.* *Sumário elaborado pelo Relator. |
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Recorrente: | VP-Comunicações Pessoais, S.A. |
Recorrido 1: | Município do Porto e Outro(s)... |
Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Não emitiu parecer. |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: Relatório V... PORTUGAL – COMUNICAÇÕES PESSOAIS, S. A. [V...] – com sede na Avenida…, Lisboa – interpõe recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [TAF] – em 12.06.2013 – que lhe indeferiu pedido de tomada de providências relativas ao procedimento de concurso público com publicidade internacional nº4/12/DMC, lançado pelo MUNICÍPIO DO PORTO [MP] com vista à celebração de contrato público de aquisição de serviços de comunicações móveis terrestres, de voz e dados em local fixo, de TV por cabo e de envio massivo de SMS – o processo cautelar em causa foi intentado pela ora recorrente V... contra o MP, AP, EEM, a APOR – AM do Porto, SA , a ASSOCIAÇÃO PORTO D…, a CMPH – D. SOCIAL – Empresa de Habitação e Manutenção DO Município do Porto, EEM, a FDC – FC e D, a FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO S DO PORTO, a GESTÃO DE OBRAS PÚBLICAS DA CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO, EEM, a PL…, EEM, e ainda as contra-interessadas O..., SA, e PT C…, SA, pedindo ao TAF o seguinte: 1- Suspensão de eficácia do acto de 31.07.2012 da Câmara Municipal do Porto que adjudicou a prestação de serviços à concorrente O...; 2- Abstenção do MP de celebrar o contrato com a O..., no caso do mesmo ainda não ter sido celebrado; 3- Suspensão de eficácia dos efeitos do contrato até à decisão final a proferir na acção principal sobre a validade do acto de adjudicação. Conclui assim as suas alegações: 1- Na sentença recorrida, o TAF entendeu que [1] as ilegalidades apontadas ao acto suspendendo não são evidentes, nem manifestas, e [2] a recorrente falhou na demonstração da verificação de danos relevantes para efeitos da ponderação descrita no artigo 132º, nº6, do CPTA, o que conduziu ao indeferimento das medidas cautelares requeridas; 2- Todavia, o TAF não considerou necessária e conveniente a realização de qualquer diligência de prova, designadamente a produção de prova testemunhal oferecida pela recorrente; 3- Ora, uma coisa é não lograr provar porque não lhe foi dada oportunidade para isso, através da abertura da fase de produção de prova, outra, bem diversa é permitir a produção de prova, mas mesmo assim não ser passível de comprovar o que foi alegado pela recorrente; 3- Com respeito, afigura-se à recorrente que o TAF não podia julgar não verificados os requisitos de que depende a concessão da providência cautelar, imputando à recorrente falta de prova, quando esta arrolou testemunhas que pretendia que fossem ouvidas, o que nunca veio a suceder! 4- Na verdade, o tribunal pode indeferir requerimentos dirigidos à produção de prova sobre certos factos, recusar a utilização de certos meios de prova quando o considere claramente desnecessário [artigo 118º, nº3, do CPTA], mas, decidindo sobre a égide do «princípio de inquisitoriedade na averiguação da verdade material», já não pode ignorar a intenção da recorrente de produzir prova e depois, imputando-lhe essa mesma falta de prova, indeferir as medidas cautelares requeridas por falta de demonstração dos requisitos fixados na lei; 5- Nesta conformidade, afigura-se à recorrente que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, porquanto os autos não dispõem de factos que permitam a conclusão de que, no caso vertente, não se encontram verificados os requisitos previstos no nº6 do artigo 132º do CPTA; 6- Na verdade, não se mostra logicamente admissível formular um juízo de ponderação de interesses, público e privado [como impõe o nº6 do artigo 136º do CPTA], sem esgotar a prova que foi oferecida pelas partes; 7- Por outro lado, a sentença recorrida desvaloriza manifestamente a lesão para os interesses da recorrente e que resultam da não adopção da providência cautelar, sem ouvir as testemunhas arroladas pela recorrente, as quais certamente permitiriam esclarecer quais os prejuízos advenientes para a recorrente da adjudicação ilegal do contrato à «O...», aqui recorrida, contrato esse em plena execução! 8- Assim, a recorrente entende que era essencial ao TAF avaliar se a concessão da providência acautela uma situação de facto consumado que se apresenta à recorrente e que vai invalidar o resultado favorável que esta venha a obter no processo principal; 9- A inquirição das testemunhas arroladas pela recorrente revestia-se de extrema relevância para a descoberta da verdade material e consequentemente para a boa decisão da causa, na medida em que os elementos carreados pelas partes para os autos se mostram insuficientes à prolação de uma decisão; 10- Assim, o TAF, ao ter proferido decisão sem permitir à recorrente demonstrar a veracidade das afirmações produzidas em sede de requerimento inicial, violou o direito de à tutela jurisdicional efectiva, previsto no artigo 2º do CPTA; 11- Deste jeito, a recorrente entende que a recusa da inquirição das testemunhas por si arroladas acarreta a violação do disposto no artigo 118º, nº3, do CPTA, e implica a anulação da sentença recorrida, de acordo com o disposto no artigo 712º, nº4, do CPC, ex vi 140º do CPTA [no mesmo sentido, o douto Acórdão do TCA Sul de 15.09.2011, Rº07957/11]; 12- Acresce que as medidas cautelares requeridas deveriam ter sido decretadas, pois os autos evidenciam à saciedade que o acto suspendendo padece de várias ilegalidades, sendo todas elas manifestas! 13- Na verdade, resulta flagrante do requerimento inicial que o Júri e, a final, o recorrido, actuaram ao arrepio das regras previamente fixadas, quer no PC, quer no CE, bem como nos esclarecimentos prestados sobre estas peças; 14- Nesta conformidade, o acto de adjudicação é manifestamente «ilegal, porque viola normas estabelecidas pela Administração, que constituem uma auto-vinculação do seu poder discricionário» [DIOGO FREITAS DO AMARAL, in Curso de Direito Administrativo, II, página 96]. E no mesmo sentido, veja-se o AC TCAS de 25.01.2007, Rº2205/09; 15- Além disso, a inobservância pelo Júri, e pelo recorrido, de aspectos vinculados contidos nas peças do procedimento, a cujo conteúdo aqueles se haviam auto vinculado, implica a violação de princípios fundamentais da contratação pública, como o sejam os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência [nº4 do artigo 1º do CCP], bem como o da imparcialidade [artigo 5º do CPA], mas também o princípio da boa-fé [nº2 do artigo 266º da CRP e artigo 6º-A do CPA]; 16- Torna-se, pois, necessário que o Júri reavalie a proposta da concorrente O..., propondo a exclusão da mesma em conformidade com o acima exposto, por ser essa a única via que permite a observância das regras vinculativas previamente definidas nas peças do concurso, mas também no CCP; 17- Atendendo a que a proposta da recorrente cumpre integralmente os critérios e objectivos definidos nas peças do procedimento, deve a mesma ser classificada em 1º lugar; 18- Face a tudo o que antecede, e atendendo a que o acto suspendendo padece de todos os vícios que lhe são assacados, não podem deixar de proceder os pedidos formulados pela recorrente. Termina pedindo a revogação da sentença recorrida, e o deferimento das providências requeridas em ordem a assegurar a utilidade de eventual decisão favorável à sua pretensão a proferir no processo principal, ou seja, a suspensão de eficácia dos efeitos do acto de adjudicação e do contrato já celebrado. O MUNICÍPIO DO PORTO contra-alegou, concluindo assim: 1- O recurso em apreço carece em absoluto de fundamento, pelo que ao mesmo deve ser negado provimento e, consequentemente, mantida, na íntegra, a sentença recorrida; 2- A recorrente não recorreu autonomamente - como se impunha, atento o que resulta do artigo 142º, nº5, do CPTA - do despacho interlocutório de 12.06.2013; 3- A não impugnação tempestiva do aludido despacho pela recorrente faz com que o mesmo tenha transitado em julgado; 4- O que significa que o recurso quanto ao alegado erro de julgamento da matéria de facto deverá, sem mais, improceder; 5- Ainda que se considere que o despacho interlocutório de 12.06.2013 integra o objecto do recurso - o que não se concede e só se admite por mero dever de patrocínio - a sentença recorrida é irrepreensível no julgamento que faz da matéria de facto e da desnecessidade da abertura de um período de prova; 6- A recorrente incorre em grande confusão nas suas alegações, citando jurisprudência e doutrina que, no caso, não têm qualquer aplicação; 7- A questão é simples e elementar: para existir um período de produção de prova com a inquirição de testemunhas é necessário que, antes disso, as partes tenham cumprido com a sua obrigação de alegar factos concretos e relevantes para a boa decisão da causa; 8- As testemunhas depõem, na verdade, sobre FACTOS, não sobre conjecturas, sobre suposições, teses, opiniões, conclusões ou matéria de direito; 9- Ora, compulsado o requerimento inicial, facilmente se constata que a recorrente não cumpriu, minimamente, o ónus que sobre si impendia de alegar factos susceptíveis de serem objecto de prova testemunhal e de integrar os requisitos do «periculum in mora» e também da «ponderação de interesses»; 10- A recorrente, nas 8 páginas das suas alegações em que se insurge contra a decisão sobre a matéria de facto, não individualiza um único facto sobre o qual deveria ter incidido a prova testemunhal; 11- A recorrente não quis perceber o sentido e alcance da decisão agora recorrida, procurando retirar de citações esparsas da sentença ilações descontextualizadas que não traduzem aquilo que, manifestamente, lá está dito, escrito e decidido; 12- O TAF não imputou, com efeito, à recorrente, como esta erradamente sustenta, «falta de prova» para julgar inverificados os requisitos de que depende a concessão da providência cautelar; 13- No que concerne ao «periculum in mora» e à «ponderação de interesses», aquilo que TAF considerou, e bem, na senda da melhor doutrina e jurisprudência, foi: a) Por um lado, que a alegada perda do montante correspondente ao valor da proposta não constitui um verdadeiro dano para efeitos de ponderação dos danos a que se refere o artigo 132º, nº6, do CPTA, e que o interesse da recorrente em «ganhar o concurso» não se deve sobrepor tanto à avaliação que os recorridos efectuaram relativamente à melhor proposta apresentada, como ao equivalente interesse da contra-interessada em manter a posição de adjudicatária; b) Por outro lado, que a alegação da recorrente foi totalmente conclusiva, e que esta não cumpriu com o ónus que sobre si impendia de alegar factos concretos para credibilizar a ocorrência de danos e a sua consequente demonstração; 14- Improcede, pois, totalmente o recurso no que à «matéria de facto» diz respeito; 15- As críticas dirigidas ao acto de adjudicação e ao procedimento, extensivas, em muitas situações, aos próprios membros do Júri, e que determinariam, na convicção da recorrente, a sua «manifesta» e «evidente» ilegalidade, são injustas e infundadas; 16- A proposta da O..., o acto impugnado, o contrato e o concurso cumprem com todos os requisitos legais e regulamentares que lhes são aplicáveis, tanto sob ponto de vista formal, como substantivo; 17- Os princípios fundamentais que, desde a primeira hora, nortearam a actuação do Júri do Concurso e dos recorridos foram os seguintes: a) A interpretação e aplicação das regras de forma igual para todos os concorrentes; b) A transparência, imparcialidade, isenção e equidistância em relação a todos os concorrentes, sem discriminar ou favorecer nenhum deles, visando unicamente realizar o interesse público in casu; c) A proporcionalidade, objectividade e razoabilidade na análise, avaliação e decisão; d) Em caso de dúvida, a decisão em «favor» do procedimento, dos concorrentes e das propostas, numa palavra, em «favor» do concurso; 18- O Júri do Concurso e os recorridos cumpriram integralmente as regras previamente definidas tanto no Programa de Concurso, como no Caderno de Encargos e esclarecimentos prestados sobre as peças procedimentais; 19- Assim como respeitaram inteiramente os princípios que regulam quer a actividade administrativa, quer os procedimentos concursais, tais como os princípios da transparência, da igualdade, da concorrência, da imparcialidade e da boa fé; 20- Improcedem, deste modo, todos e cada um dos vícios que a recorrente imputa ao acto impugnado, ao contrato, ao procedimento concursal e, por maioria de razão, à decisão recorrida; 21- Os impetrados vícios estão, in casu, longe de poderem integrar, como sustenta a recorrente, o requisito da «manifesta evidência» a que alude o artigo 120º, nº1 alínea a), do CPTA. Termina pedindo a total improcedência do recurso jurisdicional, com a confirmação do decidido pelo TAF. Também a recorrida O... contra-alegou, concluindo assim: 1- A sentença não padece do vício de erro de julgamento invocado pela recorrente; 2- Na verdade, não obrigando o disposto no artigo 118º, nº 3, do CPTA, ao deferimento da produção de prova testemunhal e demonstrando o TAF que a mesma não se apresentou necessária, quer face à complexidade da matéria em causa, quer no seguimento da falta de invocação de factos concretos que pudessem vir a ser demonstrados para a ponderação de interessas necessária ao abrigo do artigo 132º, nº6, do CPTA, resulta claro que não existe qualquer nulidade processual da sentença, por violação daquele normativo; 3- Por outro lado, os vícios alegados pela recorrente em sede do requerimento inicial, como resulta quer da contestação apresentada pela O..., quer da sentença recorrida, não se verificam; 4- Com efeito, a recorrente alicerça o pedido de decretamento da providência cautelar no critério previsto na alínea a) do nº1 do artigo 120º do CPTA, alegando a existência de uma situação de «fumus bonis iuris» na sua máxima intensidade, fundada na prática de um acto administrativo manifestamente ilegal, que permite, sem mais indagações, o decretamento da providência cautelar; 5- Contudo, como decidido na sentença recorrida, não se pode entender desse modo, sendo suficientemente vastas e complexas as questões colocadas como fundamento da ilegalidade do acto suspendendo, para poder formular-se um juízo dessa natureza; 6- Pelo que, com esse motivo, se recusou, e bem, o decretamento da providência cautelar ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 120º do CPTA; 7- Improcedem, assim, as considerações da recorrente no que respeita à alegada manifesta ilegalidade; 8- E improcedem, por todo o exposto, as alegações da recorrente em sede de recurso. Termina pedindo que seja negado provimento ao recurso jurisdicional, e mantida na sua integralidade a sentença recorrida. O Ministério Público não se pronunciou [artigo 146º, nº1, do CPTA]. De Facto Uma vez que a matéria de facto consignada na sentença recorrida, e nela julgada sumariamente provada, não foi impugnada neste recurso jurisdicional, e tão pouco entende este tribunal ad quem que a mesma deva ser objecto de qualquer alteração, limitamo-nos, aqui, a remeter para os termos da decisão do tribunal a quo que a decidiu, fazendo-o ao abrigo do actual artigo 663º, nº6, do CPC [aplicável ex vi artigos 5º nº1, e 7º nº1, da Lei nº41/2013, de 26 de Junho, e 140º do CPTA]. De Direito I. Cumpre apreciar as questões suscitadas pela recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para o efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 5º nº3, 608º nº2, 635º nº3 e nº4, e 639º, todos do CPC [aplicáveis ex vi artigos 5º nº1, e 7º nº1, da Lei nº41/2013, de 26 de Junho, e 140º do CPTA], e ainda artigo 149º do CPTA. II. A requerente cautelar, V..., tendo ficado graduada em 2º lugar no concurso público internacional lançado pelo MP [na qualidade de representante de um agrupamento de entidades adjudicantes] visando seleccionar a melhor contra-parte possível para celebrar um contrato de prestação de serviços de «comunicações móveis terrestres, de voz e dados em local fixo, de TV por cabo e envio massivo de SMS», e procurando assegurar a utilidade de eventual decisão final favorável aos seus intentos a proferir no processo principal, que ela já intentou, pediu ao TAF que suspendesse a eficácia do acto de adjudicação do objecto desse concurso à 1ª classificada, a O..., bem como do contrato de prestação de serviços no caso de ser, entretanto, celebrado. Como causa do seu pedido cautelar, a requerente invoca ser manifesta a ilegalidade do acto de adjudicação do objecto do concurso público à O..., e, por isso mesmo, ser evidente a procedência da pretensão que já formulou no processo principal [artigo 120º, nº1 alínea a), ex vi artigo 132º, nº6, ambos do CPTA]. Além disso, a requerente sublinha que, atentos os interesses em jogo, são muito maiores os prejuízos para ela resultantes do indeferimento da providência que pretende ver decretada pelo tribunal, do que os danos que poderão resultar da sua adopção [artigo 132º, nº6, do CPTA]. Para prova sumária de factos que o TAF considerasse como pertinentes, mas controvertidos, a requerente cautelar arrolou quatro testemunhas. Por despacho preambular da sentença, o TAF dispensou a produção desta prova testemunhal nestes termos: […] «Compulsados os autos, verifica-se que a requerente e requeridos, para além da junção de elementos documentais, requerem a produção de prova testemunhal. Sucede, contudo, que examinados os articulados, e ponderada a factualidade invocada, não se apresenta como necessária e conveniente a produção da citada prova testemunhal, pois que, por um lado, os factos de que depende a apreciação do mérito desta providência já se encontram demonstrados por prova documental, e, por outro lado, os factos que se apresentam eventualmente controvertidos tangem à apreciação das ilegalidades imputadas ao acto em discussão e não à verificação do requisito referente ao periculum in mora. Desta feita, de acordo com o previsto no artigo 118º, nº3, do CPTA, dispensa-se a produção da prova testemunhal». […]. De seguida, fixada a matéria de facto considerada sumariamente provada e pertinente, o TAF efectuou julgamento de direito no qual não só considerou que não eram manifestas as ilegalidades apontadas ao acto de adjudicação no requerimento cautelar, e por isso mesmo não poderia conceder a providência pretendida ao abrigo do artigo 120º, nº1 alínea a), aplicável por via da remissão feita no artigo 132º, nº6, ambos do CPTA, como também entendeu que deveria ser desfavorável à requerente cautelar o «juízo de ponderação de interesses e danos» imposto, por esta última norma legal, como pressuposto alternativo da concessão de uma providência cautelar relativa a procedimento de formação de contratos. Consequentemente, indeferiu o pedido de suspensão de eficácia que lhe foi dirigido. A requerente cautelar, V..., discorda daquele despacho preambular, e, consequentemente, também do mérito da sentença, por carência de matéria de facto que deveria ter sido submetida a prova pessoal e cuja falta desvirtuou por completo a decisão de direito. Ao conhecimento desses alegados erros de julgamento se reduz, assim, o objecto deste recurso jurisdicional. III. A recorrente entende que o tribunal a quo não podia ter julgado como não verificados os requisitos indispensáveis à concessão da providência cautelar que lhe requereu com fundamento em «falta de prova», porquanto ela arrolou as testemunhas que constam da parte final do seu requerimento cautelar, que não foram pura e simplesmente ouvidas! Ao dispensar a produção dessa prova, diz, o TAF violou o «princípio do inquisitório na averiguação da verdade material», e ao não lhe permitir «demonstrar a veracidade das afirmações produzidas em sede de requerimento cautelar violou o direito à tutela jurisdicional efectiva», saindo assim violados os artigos 2º e 118º, nº3, do CPTA, e 712º do CPC [este último aplicável ex vi 140º do CPTA]. Ainda no entender da recorrente, os autos «evidenciam à saciedade que o acto suspendendo padece de várias ilegalidades, sendo todas elas manifestas», e resultando errado, por isso, o julgamento que improcedeu o pressuposto de concessão da providência previsto na alínea a) do nº1 do artigo 120º do CPTA, aplicável a este caso por remissão do nº6 do artigo 132º do mesmo código. Vejamos se lhe assiste razão. Já transcrevemos, acima, o despacho preambular em que o TAF dispensou a produção da prova testemunhal, ao abrigo do artigo 118º, nº3, do CPTA. Auscultemos, agora, o julgamento de direito realizado pelo TAF quanto a cada um dos dois pressupostos, autónomos, exigidos pelo nº6 do artigo 132º do CPTA para a concessão deste tipo de providência cautelar. Relativamente ao julgamento de direito sobre o pressuposto previsto na alínea a) do nº1 do artigo 120º do CPTA [ex vi 132º, nº6, do CPTA], são as seguintes as partes pertinentes da sentença recorrida: […] o requerente não está desobrigado ou desonerado de fazer a prova e demonstração dos factos integradores dos pressupostos ou requisitos em questão, alegando, para o efeito, factos integradores desses pressupostos de modo especificado e concreto, não sendo idónea a alegação de forma meramente conclusiva e de direito ou com utilização de expressões vagas e genéricas. […] […] Assim, no que concerne às ilegalidades apontadas ao acto de adjudicação, e que suportam as pretensões cautelares, avança-se desde já que é entendimento deste tribunal que as mesmas não são manifestas ou inequivocamente evidentes. A este propósito, e em complemento da jurisprudência citada supra, convoca-se a recentíssima jurisprudência emanada pelo Venerando Tribunal Central Administrativo Norte, no acórdão proferido em 17.05.2013 no processo 00552/12.2BEVIS-A. Com efeito, esta instância afirma que «O juízo de evidência inserto na alínea a) do nº1 do artigo 120º do CPTA é tributário duma ideia de clareza e de carácter inequívoco para um qualquer jurista, realidade essa de que são nítido exemplo as três situações enunciadas naquela alínea, ou seja, a existência de acto idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo, a aplicação de norma já anteriormente anulada e o acto manifestamente ilegal». E continua a mesma instância: «Tratam-se, pois, de situações em que o triunfo da pretensão deduzida ou a deduzir na acção administrativa principal se revela ou afirma no caso como patente, notório, visível e com grande grau de previsibilidade de vir a ocorrer, mercê da semelhança ou paralelo com os julgados invalidatórios anteriores e, bem assim, da natureza ostensiva e grosseira da ilegalidade cometida. […] Estamos, nessa medida, em presença de critério excepcional que abrange apenas as situações em que é mais do que provável que a pretensão do requerente venha a ser julgada procedente, situações de nulidade evidente ou de ilegalidade grosseira, em que se impõe e exige, sem a necessidade de aferição de quaisquer outros requisitos, a decretação da tutela cautelar enquanto meio de reposição ainda que provisório da legalidade. […] A evidente procedência da pretensão/acção administrativa principal terá de ser efectuada quando estamos em presença de pretensões impugnatórias à luz das ilegalidades que se mostram assacadas ao[s] acto[s] administrativo[s] em crise tal como se apresenta[m] no requerimento inicial que deu início ao processo cautelar e prova de factualidade que as integre ou preencha. […] Tal carácter manifesto da ilegalidade conducente à evidente procedência não se compadece, assim, com aturados trabalhos de análise e de subsunção jurídica que é trazida a juízo pelas partes, nem pode derivar duma análise aprofundada de várias posições doutrinais ou jurisprudenciais que as partes tragam aos autos para fazer valer a sua pretensão. […]». Ora, examinando o teor das alegações da requerente, concretamente a factualidade que a mesma invoca, o tratamento técnico que elabora e a subsunção jurídica que opera quanto à dita factualidade, é cristalino que nenhuma das ilegalidades que a requerente aponta ao acto adjudicatório possui qualquer pendor de evidência, ou se manifesta de forma clara ou inequívoca, antes exigindo peculiar e minucioso trabalho de apreciação e julgamento. Na verdade, relembre-se que a requerente sustenta ser ilegal a adjudicação de 31.07.2012, em síntese, porque a proposta da contra-interessada O... deveria ter sido excluída em conformidade com o disposto no artigo 70º, nº2, alíneas b) e c) do CCP. Finca a sua tese na existência de desconformidades entre a proposta da dita contra-interessada e o exigido pelo Caderno de Encargos [CE], ou por razões de distorção da concorrência ou impossibilidade de comparabilidade da proposta, e isto no que concerne a aspectos técnicos respeitantes ao fornecimento de serviço telefónico fixo-móvel, preço das chamadas para o Serviço 118, preço das comunicações de voz fixa, preços das comunicações de dados em roaming, preço de dados nacional [sem pacote de dados], preços de outros serviços, serviço de TV Cabo, localização e tipo de acessos à Internet e envio massivo de SMS. No entanto, atentando quer na factualidade que se considerou como provada, quer na natureza das ilegalidades imputadas, e ainda ponderando a jurisprudência citada, importa assumir que não resulta cristalino que o acto de adjudicação padeça das ilegalidades que a requerente lhe aponta. Ou seja, não resulta da factualidade dada como provada que o acto de adjudicação, quanto aos aspectos postos em crise pela requerente, seja manifestamente ilegal. Nesta senda, nos termos expostos antecedentemente, o juízo sobre as invocadas ilegalidades exige uma indagação exaustiva do Caderno de Encargos, mormente quanto às especificações técnicas atinentes aos aspectos supra elencados, bem como o escrutínio da proposta da contra-interessada, indagação que, por essa razão, não se compadece com a evidência imposta pelo artigo 120º, nº1 alínea a), do CPTA. Destarte, não é possível decretar as providências requeridas ao abrigo de tal critério. […] E o «juízo de ponderação de interesses e danos» exigido pelo artigo 132º, nº6, do CPTA, como requisito autónomo e suficiente para a concessão de uma providência cautelar referente a procedimento de formação de contratos, foi, na sentença recorrida, concretizado no seguinte julgamento de direito: […] Ora, a este respeito, e como afirma JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE [in A Justiça Administrativa - Lições), Almedina, Coimbra, 5ª Edição, Fevereiro 2004, páginas 329 a 331] a propósito da ponderação a que alude o nº2 do artigo 120º «Não se trata aqui de ponderar o interesse público com o interesse privado, mesmo que muitas vezes o interesse do requerido seja o interesse público e o interesse do requerente seja o interesse privado: o que está aqui em conflito são os resultados ou os prejuízos que podem resultar para os interesses, da concessão ou da recusa da concessão, para todos os interesses envolvidos, sejam públicos, sejam privados. Na realidade, o que está em causa não é ponderar os valores ou interesses entre si, mas danos ou prejuízos e, portanto, os prejuízos reais, que numa prognose relativa ao tempo previsível da duração da medida, e tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, resultariam da recusa ou da concessão [plena ou limitada] da providência cautelar». Às partes impõe-se a observância, como regra, mais do que a alegação dos pressupostos normativos, a alegação de factos concretos que, uma vez provados, permitam ao tribunal extrair as conclusões de que a lei faz depender a concessão de providências cautelares, devendo o requerimento inicial conter todos os factos integradores dos elementos constitutivos do direito à obtenção da tutela cautelar solicitada ao tribunal. Ora, a requerente apenas alega que a manutenção da decisão de adjudicação e a execução do consequente contrato implica a perda do montante correspondente ao valor da proposta durante o prazo da vigência dos contratos a celebrar no âmbito deste procedimento concursal, em concreto, 375,185,72€. E que a tal perda acrescem os danos correspondentes às vantagens comerciais advenientes da celebração deste contrato com reflexo noutros contratos, e que, dessa forma, deixa de auferir. Sendo certo que o não decretamento das providências requeridas conduzirá à implementação da proposta ilegalmente adjudicada o que, […], tornará impraticável a restituição da situação actual [ver o alegado nos pontos 157, 158, 160 e 161 do requerimento inicial]. No que concerne à perda do montante correspondente ao valor da proposta, cumpre ressaltar que, em bom rigor, tal perda não constitui um verdadeiro dano, para efeitos de ponderação dos danos a que se refere o artigo 132º, nº6, do CPTA, visto que tal corresponde, somente, à circunstância da proposta da requerente não ser a vencedora do concurso em causa. É que, qualquer privado que decida assumir a posição de concorrente num concurso público tem, quando muito, a mera expectativa de que a respectiva proposta seja graduada em primeiro lugar, sendo certo que a eventualidade da proposta ser excluída ou ser graduada em lugar não adjudicável configura um risco empresarial que deve ser imputado e assumido exclusivamente pelo concorrente. Por essa razão, não se vislumbra que o interesse da agora requerente em «ganhar o concurso» se deva ou possa sobrepor à avaliação que os requeridos efectuaram relativamente à melhor proposta que foi apresentada ao mesmo, bem como ao equivalente interesse da contra-interessada O... em manter a posição de adjudicatária. […] A requerente vem ainda reclamar, a título de danos, que a não adjudicação lhe provoca danos correspondentes às vantagens comerciais advenientes da celebração deste contrato com reflexo noutros contratos e que, dessa forma, deixa de auferir. Sendo certo que o não decretamento das providências requeridas conduzirá à implementação da proposta ilegalmente adjudicada o que, […], tornará impraticável a restituição da situação actual. Contudo, como é manifesto, tal alegação assume cariz totalmente conclusivo, pois a requerente não cuidou de explicitar, com enunciação de concretos factos ou exemplos, quais as vantagens comerciais a que se refere e que tipo de reflexos noutros contratos é que está em causa. Ora, a alegação de factualidade concreta tendente a credibilizar a ocorrência de danos, e a demonstração da mesma, constitui ónus de quem a alega, neste caso a requerente, não podendo o tribunal desenvolver qualquer actividade substitutiva neste domínio […]. Quer isto significar, portanto, que a requerente fracassa inteiramente na demonstração da verificação de danos relevantes para efeitos da ponderação descrita no artigo 132º, nº6, do CPTA, pois que, ou está em causa a mera circunstância da sua proposta não ser a vencedora do concurso, ou não alega qualquer facto concreto respeitante à citada perda de vantagens comerciais ou reflexos noutros contratos. […] Ora bem. Antes de mais, cumpre salientar que, no tocante ao requisito do manifesto fumus bonus previsto na alínea a) do nº1 do artigo 120º do CPTA, e para o qual remete o nº6 do artigo 132º do mesmo diploma, não é verdade que o TAF tenha julgado improcedente o mesmo «com fundamento em falta de prova». Para se chegar a esta conclusão bastará ler com atenção o extracto da sentença que a seu respeito deixamos acima consignado. E o mesmo se diga relativamente ao «juízo de ponderação de interesses e danos», que, como se constata do trecho da sentença recorrida, que foi citado por último, se mostra desfavorável à requerente cautelar sobretudo por ela ter apresentado, a tal respeito, uma alegação «totalmente conclusiva», não tendo cumprido o ónus de articular «factos concretos» que permitissem ao respectivo julgador concluir, em juízo de prognose, a forte probabilidade de a não adopção da providência causar mais danos aos interesses em causa do que a respectiva adopção. Temos, pois, que o mérito do despacho preambular da sentença não está verdadeiramente posto em causa pelo conteúdo da mesma, porque em nenhum lugar é dito, directa ou indirectamente, que foram desconsiderados, por «falta de prova», factos pertinentes para apreciar e decidir os requisitos exigidos por lei para a concessão da providência cautelar requerida. Coisa diferente da «falta de prova», é sabido, é a «falta de articulação de factos concretos», e só fará sentido invocar a primeira no pressuposto de não se verificar a segunda. E certo é, como vimos, que a questão, embora reduzida ao segundo requisito do nº6 do artigo 132º do CPTA, apenas se colocará quanto à articulação ou não de pertinentes e indispensáveis «factos concretos», e não quanto à «falta de prova» que justificaria o erro de julgamento que foi alegado pela ora recorrente. De todo o modo, sublinhamos ser verdade que o poder discricionário que é concedido ao julgador cautelar pelo artigo 118º, nº3, do CPTA, não poderá ser um poder discricionário tout court, sendo antes um poder-dever, isto é, um poder que está vinculado à exigência da busca da verdade material e ao respeito pelo princípio da tutela jurisdicional efectiva. Mas, mesmo assim, sempre dentro dos limites próprios da tutela cautelar, que é uma tutela urgente, que por o ser vive de uma apreciação sumária, ou perfunctória, que não visa substituir o processo principal nem sequer ser um ensaio do mesmo, mas antes acautelar a utilidade da decisão final que nele vier a ser proferida, face à inevitável «demora» da sua respectiva tramitação. Por isso mesmo o julgador cautelar deverá ter sempre em conta, aquando do exercício do poder-dever que lhe é concedido por aquele nº3 do artigo 118º, que a apreciação das ilegalidades imputadas ao acto suspendendo apenas visa aferir do fumus bonus, do bom direito, que não vai nem tem que ser declarado na decisão do processo cautelar, apenas funcionando como requisito exigido à tomada de medidas para prevenir a perda total ou parcial de eficácia da decisão declarativa ou condenatória a tomar no processo principal. Ora, ponderada a matéria factual articulada pela requerente cautelar, não poderemos deixar de concluir que, tendo em conta a perspectiva que acabamos de alinhar, e que temos como decorrente da mais correcta interpretação da lei, na sentença recorrida foram elencados como sumariamente provados todos os factos por ela invocados e pertinentes para a apreciação e decisão das questões indispensáveis à concessão da providência pretendida. É certo que no tocante a «danos que resultariam da adopção da providência», bem como a «prejuízos que podem resultar da sua não adopção», não foi exarado na sentença qualquer facto. Questão é que o devesse ter sido… Face às reivindicações da ora recorrente, verificamos e compulsamos com a devida atenção o conteúdo dos artigos 155º a 168º do requerimento cautelar, e a verdade é que se nos impõe concluir pela correcção do julgamento do TAF ao arrazoar que essa matéria ou é «totalmente conclusiva» ou se traduz numa alegação demasiado «genérica», carente, para poder ser credível e convencer o julgador cautelar, da indispensável e devida concretização [ver artigos 114º, nº3 alínea g), 118º e 132º, todos do CPTA, 264º, nº1, do CPC, e 342º do CC]. Quando a ora recorrente se queixa, nas suas «conclusões» que não lhe foi permitido pelo tribunal a quo «demonstrar a veracidade das afirmações produzidas em sede de requerimento cautelar», está a esquecer este seu ónus de articulação e de prova, aqui sumária, dos «factos concretos» que permitam e legitimem o julgador cautelar a realizar o «juízo de ponderação de interesses e danos» que é previsto e exigido, no caso de não ocorrer manifesto fumus bonus, pelo nº6 do artigo 132º do CPTA. No caso em apreço, o requerimento cautelar, nos referidos artigos 155º a 168º, fornece ao tribunal, no fundo, aquilo que o tribunal deveria poder concluir a partir de «factos concretos» que não lhe são fornecidos por aquele que tem o ónus de o fazer: o requerente, neste caso, a requerente [referidos artigos 114º, nº3 alínea g), 118º e 132º, todos do CPTA, 264º, nº1, do CPC, e 342º do CC]. Não vamos ao ponto, porque não é essa a filosofia judiciária vigente, de exigir a articulação de todos os factos pertinentes, incluindo os «instrumentais», o que entendemos é que deviam ter sido articulados e sumariamente provados «factos essenciais», que, complementados, suportados e integrados por factos «instrumentais», eventualmente decorrentes da produção de prova realizada a respeito daqueles, permitissem ao julgador cautelar efectuar de forma eficaz e factualmente suportada aquele «juízo de ponderação de interesses e danos». E porque tal não foi feito, o julgamento da matéria de facto feito pelo TAF mostra-se, para além de pacífico em termos de genuinidade e fidelidade, o que nos permitiu a «remissão» realizada nos termos do nº6 do artigo 663º do CPC, como suficiente, face ao articulado da requerente, para decidir a sua pretensão cautelar, e decidi-la no sentido do indeferimento. IV. Passemos agora a uma breve incursão no mérito da sentença, à luz dos erros que lhe são apontados pela recorrente. Segundo ela, os autos «evidenciam à saciedade que o acto suspendendo padece de várias ilegalidades, sendo todas elas manifestas», donde resulta ser errado o julgamento de direito que lhe improcedeu a concessão da providência ao abrigo do manifesto fumus bonus [artigo 120º, nº1 alínea a), ex vi 132º, nº6, ambos do CPTA]. Entende que a proposta apresentada pela ora recorrida O... deveria ter sido excluída pelo Júri com fundamento nas alíneas b) e c) do nº2 do artigo 70º do CCP, com base num conjunto de razões que estão bem configuradas na sentença recorrida [ver folhas 1016 a 1020 e 1080, do suporte físico dos autos, para as quais remetemos], e que o Júri violou o artigo 72º, nº1, do CCP, ao não ter considerado o preço que faz parte da proposta da O... como «anormalmente baixo» e «inexequível» e não ter convidado tal concorrente, por via disso, a prestar «esclarecimentos». Renovamos aqui a ideia de que o juízo acerca do «bom direito», ou seja, o juízo sobre a «certeza cautelar» de procedência da pretensão deduzida ou a deduzir no processo principal, é abordada neste tipo de processos urgentes a título de pressuposto da concessão da providência requerida. Não visa decidir, nem «ensaiar» a decisão do pedido deduzido no processo principal, mas apenas justificar a decisão cautelar, de concessão ou de indeferimento da providência. Tal juízo sobre o mérito da pretensão deduzida ou a deduzir no processo principal é realizado em processo de natureza «urgente», com uma finalidade eminentemente preventiva da utilidade da decisão final que vier a ser proferida naquele, e justificada na demora do mesmo. Daí que se trate de um juízo que envolve uma abordagem «sumária» das ilegalidades invocadas, sem grandes demonstrações. Aliás, se alguma demonstração houver, ela deverá ser realizada sobretudo pelo requerente cautelar, pois é ele, nestes processos que se querem rápidos e eficazes, que deve mostrar claramente ao julgador cautelar, através dos factos concretos que articula e subsume a normas e princípios jurídicos alegadamente violados, que a pretensão que deduz no processo principal não pode deixar de ser atendida. É ao requerente cautelar, pois, que incumbe alegar e provar, de forma sumária, as ilegalidades «manifestas» e «evidentes», e, não o logrando fazer, certo é que não poderá ver decretada a pretensão cautelar que almeja, pelo menos com base no manifesto fumus bonus exigido na alínea a) do nº1 do artigo 120º do CPTA. Decorre, portanto, que quando os fundamentos de ilegalidade em que o requerente cautelar assenta a sua pretensão são controvertidos, discutidos de forma juridicamente razoável, e a sua verificação não se impõe ao julgador de forma manifesta, inequívoca, mas antes envolve, e depende, do seu juízo de percepção, da sua adesão fundamentada a uma das teses em confronto, não podem as ilegalidades invocadas ser tidas como «manifestas», de forma a tornar «evidente a procedência da pretensão deduzida no processo principal». O critério de decisão cautelar fixado na alínea a) do nº1 do artigo 120º do CPTA traduz-se, deste modo, numa verificação inequívoca, que resulta de uma apreciação geradora da certeza racional e objectiva da ilegalidade. E, como vem entendendo a jurisprudência, coaduna-se sobretudo com situações mais graves de ilegalidade, sancionadas com a nulidade. Remetendo-nos, de novo, ao julgamento de direito efectuado pelo tribunal a quo acerca do manifesto fumus bonus, e que supra reproduzimos na sua parte mais significativa, não poderemos deixar de com ele concordar, isto perante os factos alinhados na sentença recorrida e a doutrina acabada de sintetizar. Por fim, sem prejuízo daquilo que já deixamos dito a respeito da natureza «conclusiva», e genérica, do conteúdo dos artigos 155º a 168º do requerimento cautelar, só por si bastante para, por falta de factos essenciais concretos, fazer naufragar o pressuposto da concessão da providência cautelar consistente na «ponderação de interesses e danos», na medida em que o julgador não dispõe da base factual indispensável a tal ponderação, certo é também que a natureza dos danos invocados pela requerente não se mostra adequada para legitimar a ponderação prevista na lei. O que a requerente articula, fundamentalmente, é que a adjudicação do objecto do concurso público à concorrente O... implica para ela «a perda do montante correspondente ao valor da proposta durante o prazo da vigência dos contratos a celebrar…» e ainda a perda das «vantagens comerciais» que a celebração desses contratos lhe poderia proporcionar. Relativamente a esta última «perda» não é feita pela requerente cautelar qualquer concretização, pelo que é válida in totum a argumentação já deduzida, e no que concerne à primeira certo é que assiste razão ao arrazoado assumido pelo TAF, e vertido em aresto deste tribunal ad quem, que ele a propósito cita - AC TCAN de 17.05.2013, Rº00552/12.2. Efectivamente, o dano configurado na perda do montante correspondente ao valor da proposta apresentada pela ora recorrente é um «dano» inerente ao risco próprio da candidatura a qualquer concurso público. Como, por princípio, a adjudicação é efectuada apenas a um concorrente, o graduado em 1º lugar, naturalmente que todos os outros deixam de poder obter o respectivo retorno da execução de um contrato que não celebraram. Desde o princípio que a esse concorrente preterido assistia mera «expectativa» de vir a obter a adjudicação, e a posterior execução do contrato, e não, obviamente, um «direito subjectivo» à mesma. Assim, logo no plano da ponderação dos «interesses susceptíveis de serem lesados», resulta que não vemos razão para dar preponderância ao interesse da ora recorrente, enquanto graduada em 2º lugar, e por isso inconformada, sobre o interesse quer da 1ª classificada, e parte contratual, e o interesse da entidade adjudicatária em ver normalmente executada o contrato, isto é, a prestação de serviços de que necessita. No plano dos danos invocados no seio desse interesse em contratar, e em auferir dos proventos resultantes da respectiva execução, temos que a «perda» destes se traduzirá no funcionamento da mera lógica concorrencial, inerente ao concurso público, pois todos os concorrentes não graduados em primeiro lugar comungam desse tipo «danos», e deles também sofreria a própria O... se visse suspensa a eficácia do acto que lhe adjudicou o contrato, e deste mesmo. Cremos, pois, que este tipo de danos, sendo assim tão conatural a todas as espécies de concursos públicos, não poderá, por si só, servir de justificação à interrupção cautelar do escopo prosseguido pelos mesmos, isto é, a celebração e execução do contrato. Limitar-nos-emos aqui a sublinhar, porque apenas isso interessa à decisão do recurso em apreço, que os danos a ponderar pelo julgador cautelar, no seio do interesse particular do requerente que quer ver-lhe adjudicado o objecto do concurso público, não podem reduzir-se aos «lucros cessantes» decorrentes da adjudicação feita a outrem. Até porque tais «lucros cessantes» sempre poderão vir a ser objecto de indemnização futura a requerente cautelar que tenha êxito enquanto autor do respectivo processo principal. Mantemos, pois, o julgamento de direito do TAF também quanto ao «juízo de ponderação de interesses e danos» previsto no nº6 do artigo 132º do CPTA, improcedendo totalmente, com isso, as «conclusões» que foram apresentadas pela ora recorrente V.... Nessa conformidade se decidirá. DECISÃO Nestes termos, decidem, em conferência, os Juízes deste Tribunal Central, negar provimento ao recurso jurisdicional, e manter a sentença recorrida. Custas pela recorrente – artigos 527º do CPC, 189º do CPTA e regras do RCP [alterado pela Lei nº7/2012 de 13.02] com Tabela I-B a ele anexa. D.N. Porto, 13.09.2013 Ass.: José Veloso Ass.: Fernanda Brandão Ass.: Isabel Soeiro |