Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02127/22.9BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/24/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:VITOR SALAZAR UNAS
Descritores:PRESCRIÇÃO;
DEFICIT INSTRUTÓRIO;
Sumário:
I - Na falta de ataque ao decidido em primeira instância relativamente à questão da caducidade do direito à liquidação, o recurso carece de objeto, tendo a sentença, quanto a esta questão, transitado em julgado, pelo que o tribunal ad quem encontra-se impedido de conhecer o recurso nessa parte.

II - O tribunal só deve realizar ou ordenar oficiosamente diligências tendentes à descoberta da verdade material relativamente a factos que tenham sido alegados ou que sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigo 99.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.

III - Revelando os autos insuficiência factual para a boa decisão do conhecimento da prescrição, impõe-se a anulação da sentença nessa parte e a baixa do processo ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, em harmonia com o disposto no artigo 712.º, n.º 4 do Código de Processo Civil ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:




Acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos de Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO:
«AA», contribuinte fiscal n.º ...89, com os demais sinais nos autos, interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou totalmente improcedente a Reclamação de Atos do Órgão de Execução fiscal, por si apresentada no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...27 e apensos, a correr termos no Serviço de Finanças ..., onde consta como revertido.
A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
«(…).
1. A DATA DE INSTAURAÇÃO DOS PROCESSOS ORA IDENTIFICADOS SÃO DOS ANOS DE 2010, 2011 E 2014.
2. FACE À REDACÇÃO DO ALUDIDO ARTIGO 45º DA L.G.T., É CLARO QUE, QUER O EXERCÍCIO DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO, QUER A NOTIFICAÇÃO DO SEU CONTEÚDO AO CONTRIBUINTE, E NÃO APENAS AQUELE PRIMEIRO ACTO, TÊM QUE OCORRER DENTRO DO MENCIONADO PRAZO DE QUATRO ANOS CONTADOS DO FACTO TRIBUTÁRIO, SOB PENA DE OPERAR A CADUCIDADE DE TAL DIREITO.
3. NO CASO DOS AUTOS, O PRAZO DE CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO SE CONTA A PARTIR DO TERMO DO ANO EM QUE SE VERIFICOU O FACTO TRIBUTÁRIO, DE ACORDO COM O ARTIGO 45º NÚMERO 4 DA LEI GERAL TRIBUTÁRIA, PELO QUE, OS PRAZOS INICIAM-SE EM 2010, 2011 E 2014, TENDO O SEU TERMO FINAL EM 31-12-2014, 31-12-2015, 31-12-2018, 31-12-2018 EXCEPÇÃO QUE SE INVOCA PARA OS DEVIDOS EFEITOS LEGAIS.
4. CABE A AT O ÓNUS DA PROVA QUEM CITOU, NOS TERMOS DO ARTIGO 74º NÚMERO 1 DA L.G.T.
5. NÃO CONSTA QUE A AT TENHA VALIDAMENTE PROCEDIDO À NOTIFICAÇÃO DE IRC E DE IVA SINDICADA NOS AUTOS, EXCEPÇÃO QUE SE INVOCA PARA OS DEVIDOS EFEITOS LEGAIS.
6. O PRAZO DE PRESCRIÇÃO DAS OBRIGAÇÕES TRIBUTÁRIAS EM GERAL É ACTUALMENTE DE OITO ANOS, DE ACORDO COM O ARTIGO 48° DA L.G.T. E REPORTANDO-SE AS DÍVIDAS QUE DERAM ORIGEM AOS PROCESSOS FISCAIS, CARACTERIZADO COMO IMPOSTO DE OBRIGAÇÃO ÚNICA, CUJO PRAZO DE PRESCRIÇÃO, SE INICIA (...) A PARTIR DO TERMO DO ANO EM QUE SE VERIFICOU O FACTO TRIBUTÁRIO (...), CONFERIR ARTIGO 48° N.° 1 DA L.G.T., E, REPORTANDO-SE O IMPOSTO IN QUETIO AOS ANOS DE 2010, 2011, 2014 CUJA FORMAÇÃO DO FACTO TRIBUTÁRIO DECORREU NESSES ANOS, MARCA O INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO, DE OITO ANOS, QUE, CONTADO DE FORMA CONTÍNUA, SE TORNOU COMPLETO EM 01.01.2022, EXCEPÇÃO QUE SE INVOCA PARA OS DEVIDOS EFEITOS LEGAIS.
7. O PRAZO TEM QUE SE CONTAR CONTINUAMENTE.
8. O PRAZO NÃO SE SUSPENDE E NEM SE INTERROMPE.
9. NA ESTEIRA DA SRA. JUÍZA CONSELHEIRA ANA PAULA LOBO, NO VOTO DE VENCIDA VERTIDO NO ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO, DE 01 DE JANEIRO DE 2018, PROCESSO NÚMERO 01360/17, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT
10. E AINDA A FAVOR DA CONCLUSÃO QUE ACABAMOS DE POSTULAR, ESTÁ O PRINCÍPIO ELEMENTAR E BASILAR DA CERTEZA E DA SEGURANÇA JURÍDICA, POSTULADO NO ARTIGO 2º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA.
TERMOS EM QUE, DEVE SER REVOGADA A SENTENÇA, DEVENDO DAR COMO PROCEDENTE A RECLAMAÇÃO, ONDE SE FARÁ A DEVIDA
J U S T I Ç A.»
*
Não foram apresentadas contra alegações.
*
O Digno Procurador Geral Adjunto emitiu parecer, concluindo no sentido do não provimento do recurso.
*
Com dispensa dos vistos legais, dada a natureza urgente do processo [cfr. artigos 36.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 657.º, n.º 4, do Código de Processo Civil], cumpre agora apreciar e decidir o presente recruso.

*
II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR.
As questões que cumpre apreciar e decidir são a de saber (1) se se verifica a caducidade do direito a liquidar e (2) se a sentença recorrida padece de erro de julgamento na apreciação da prescrição.
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III – FUNDAMENTAÇÃO:
III.1 – DE FACTO
Na sentença recorrida foi fixada a seguinte materialidade:
«1. A Autoridade Tributária instaurou contra a sociedade comercial “[SCom01...], Lda.”, Contribuinte Fiscal nº ...25, o Processo de Execução Fiscal nº ...27 e apensos (n° ...28, n° ...51, n° ...81, n° ...05, n° ...19 e n° ...64), n° ...54 e apensos (n° ...59... e n° ...89), n° ...31 e n° ...90, que correm termos no Serviço de Finanças ... para cobrança de créditos de IVA referentes a 2007, créditos de IRS relativos a 2010 e 2011, créditos de IRC referentes a 2007, 2009 e 2010, e créditos de IUC de 2010 e 2011, no montante global de € 376.872,27.
2. O Processo de Execução Fiscal nº ...27 foi instaurado em 15/9/2010 para cobrança de créditos de IRC referentes a 2009, titulados pela certidão de dívida nº 2010/.....83 que consta a fls. 31 sitaf, p. 12/13, no montante de € 27.116,87.
3. A sociedade comercial “[SCom01...], Lda.”, Contribuinte Fiscal nº ...25, foi citada no Processo de Execução Fiscal nº ...27 em 24/9/2010, e o Reclamante foi citado na qualidade de revertido em 14/10/2014, conforme documentação de fls. 59 sitaf que se dá por reproduzida.
4. O Processo de Execução Fiscal nº ...27 e apensos foi declarado em falhas em 18/1/2018, nos termos exarados no documento de fls. 152 sitaf que se dá por reproduzido.
5. O Processo de Execução Fiscal nº ...28 foi instaurado em 11/11/2010 para cobrança de créditos de IRS (retenção na fonte) referentes a 2010, titulados pela certidão de dívida nº 2010/....76 que consta a fls. 31 sitaf, p. 14/15, no montante de € 108,00.
6. A sociedade comercial “[SCom01...], Lda.”, Contribuinte Fiscal nº ...25, foi citada no Processo de Execução Fiscal nº ...28 em 27/11/2010, e o Reclamante foi citado na qualidade de revertido em 14/10/2014, conforme documentação de fls. 59 sitaf que se dá por reproduzida.
7. O Processo de Execução Fiscal nº ...28 foi declarado em falhas em 18/1/2018.
8. O Processo de Execução Fiscal nº ...51 foi instaurado em 14/12/2010 para cobrança de créditos de IRS (retenção na fonte) referentes a 2010, titulados pela certidão de dívida nº 2010/....09 que consta a fls. 31 sitaf, p. 16/17, no montante de € 108,00.
9. A sociedade comercial “[SCom01...], Lda.”, Contribuinte Fiscal nº ...25, foi citada no Processo de Execução Fiscal nº ...51 em 25/12/2010, e o Reclamante foi citado na qualidade de revertido em 14/10/2014, conforme documentação de fls. 59 sitaf que se dá por reproduzida.
10. O Processo de Execução Fiscal nº ...51 foi declarado em falhas em 18/1/2018.
11. O Processo de Execução Fiscal nº ...81 foi instaurado em 13/1/2011 para cobrança de créditos de IRS (retenção na fonte) referentes a 2010, titulados pela certidão de dívida nº 2011/....07 que consta a fls. 31 sitaf, p. 18/19, no montante de € 54,00.
12. A sociedade comercial “[SCom01...], Lda.”, Contribuinte Fiscal nº ...25, foi citada no Processo de Execução Fiscal nº ...81 em 22/1/2011, e o Reclamante foi citado na qualidade de revertido em 14/10/2014, conforme documentação de fls. 59 sitaf que se dá por reproduzida.
13. O Processo de Execução Fiscal nº ...81 foi declarado em falhas em 18/1/2018.
14. O Processo de Execução Fiscal nº ...05 foi instaurado em 19/1/2011 para cobrança de créditos de IRC referentes a 2007, titulados pela certidão de dívida nº 2011/...84, que consta a fls. 31 sitaf, p. 20/21, no montante de € 130.948,24.
15. A sociedade comercial “[SCom01...], Lda.”, Contribuinte Fiscal nº ...25, foi citada no Processo de Execução Fiscal nº ...05 em 27/1/2011, e o Reclamante foi citado na qualidade de revertido em 14/10/2014, conforme documentação de fls. 59 sitaf que se dá por reproduzida.
16. O Processo de Execução Fiscal nº ...05 foi declarado em falhas em 18/1/2018.
17. O Processo de Execução Fiscal nº ...19 foi instaurado em 7/2/2011 para cobrança de créditos de IVA referentes a 2007, titulados pela certidão de dívida nº 2011/..53, que consta a fls. 31 sitaf, p. 22/23, no montante de € 173,45.
18. A sociedade comercial “[SCom01...], Lda.”, Contribuinte Fiscal nº ...25, foi citada no Processo de Execução Fiscal nº ...19 em 28/2/2011, e o Reclamante foi citado na qualidade de revertido em 14/10/2014, conforme documentação de fls. 59 sitaf que se dá por reproduzida.
19. O Processo de Execução Fiscal nº ...19 foi declarado em falhas em 18/1/2018.
20. O Processo de Execução Fiscal nº ...64 foi instaurado em 11/2/2011 para cobrança de créditos de IRS (retenção na fonte) referentes a 2010, titulados pela certidão de dívida nº 2011/...84, que consta a fls. 31 sitaf, p. 24/25, no montante de € 108,00.
21. A sociedade comercial “[SCom01...], Lda.”, Contribuinte Fiscal nº ...25, foi citada no Processo de Execução Fiscal nº ...64 em 28/2/2011, e o Reclamante foi citado na qualidade de revertido em 14/10/2014, conforme documentação de fls. 59 sitaf que se dá por reproduzida.
22. O Processo de Execução Fiscal nº ...64 foi declarado em falhas em 18/1/2018.
23. O Processo de Execução Fiscal nº ...54 foi instaurado em 21/2/2011 para cobrança de créditos de IVA referentes a 2007, titulados pelas certidões de dívida n° 2011/...73 e n° 2011/...74 que constam a fls. 31 sitaf, p.1ª 4, nos montantes de € 40.809,87 e € 5.702,20.
24. A sociedade comercial “[SCom01...], Lda.”, Contribuinte Fiscal nº ...25, foi citada no Processo de Execução Fiscal nº ...54 em 1/4/2011, e o Reclamante foi citado na qualidade de revertido em 14/10/2014, conforme documentação de fls. 59 sitaf que se dá por reproduzida.
25. O Processo de Execução Fiscal nº ...54 foi declarado em falhas em 18/1/2018.
26. O Processo de Execução Fiscal nº ...59 foi instaurado em 24/6/2011 para cobrança de créditos de IRS (retenção na fonte) referentes a 2011, titulados pela certidão de dívida nº 2011/....77 que consta a fls. 31 sitaf, p. 5/6, no montante de € 27,95.
27. A sociedade comercial “[SCom01...], Lda.”, Contribuinte Fiscal nº ...25, foi citada no Processo de Execução Fiscal nº ...59 em 2/7/2011, e o Reclamante foi citado na qualidade de revertido em 14/10/2014, conforme documentação de fls. 59 sitaf que se dá por reproduzida.
28. O Processo de Execução Fiscal nº ...59 foi declarado em falhas em 18/1/2018.
29. O Processo de Execução Fiscal nº ...89 foi instaurado em 29/9/2011 para cobrança de créditos de IRC referentes a 2010, titulados pela certidão de dívida n° 2011/755387 que consta a fls. 31 sitaf, p. 7/8, no montante de € 24.760,72.
30. A sociedade comercial “[SCom01...], Lda.”, Contribuinte Fiscal nº ...25, foi citada no Processo de Execução Fiscal nº ...89 em 11/10/2011, e o Reclamante foi citado na qualidade de revertido em 14/10/2014, conforme documentação de fls. 59 sitaf que se dá por reproduzida.
31. O Processo de Execução Fiscal nº ...89 foi declarado em falhas em 18/1/2018.
32. O Processo de Execução Fiscal nº ...31 foi instaurado em 26/2/2014 para cobrança de créditos de IUC, titulados pela certidão de dívida nº 2014/...48, que consta a fls. 31 sitaf, p. 26/28, no montante de € 11,72.
33. A sociedade comercial “[SCom01...], Lda.”, Contribuinte Fiscal nº ...25, foi citada no Processo de Execução Fiscal nº ...31 em 14/3/2014, e o Reclamante foi citado na qualidade de revertido em 14/10/2014, conforme documentação de fls. 59 sitaf que se dá por reproduzida.
34. O Processo de Execução Fiscal nº ...19 foi declarado em falhas em 20/1/2020.
35. O Processo de Execução Fiscal nº ...90 foi instaurado em 16/4/2014 para cobrança de créditos de IUC, titulados pela certidão de dívida nº 2014/....66, que consta a fls. 31 sitaf, p. 9/11, no montante de € 11,55.
36. A sociedade comercial “[SCom01...], Lda.”, Contribuinte Fiscal nº ...25, foi citada no Processo de Execução Fiscal nº ...90 em 23/4/2014, e o Reclamante foi citado na qualidade de revertido em 14/10/2014, conforme documentação de fls. 59 sitaf que se dá por reproduzida.
37. O Processo de Execução Fiscal nº ...90 foi declarado em falhas em 22/1/2020, nos termos exarados no documento de fls. 165 sitaf que se dá por reproduzido.
38. O Reclamante remeteu ao Serviço de Finanças ..., mediante registo postal R...............85PT de 21/6/2022, o requerimento que consta a fls. 126 sitaf e se dá por reproduzido, no qual invocou a caducidade e a declaração de prescrição dos créditos exequendos no Processo de Execução Fiscal nº ...27 e apensos.
39. No Serviço de Finanças ..., em 19/7/2022, foi elaborada Informação, no sentido da não verificação da prescrição das dívidas em execução no Processo de Execução Fiscal nº ...27 e apensos, conforme documento de fls. 23 sitaf.
40. O Chefe de Finanças Adjunto ..., em 21/9/2022, lavrou despacho de concordância com a informação mencionada em 39, conforme documento de fls. 23 sitaf.
41. O despacho referido em 40 foi notificado ao Ilustre Mandatário do Reclamante, por ofício nº ...64, datado de 26/9/2022, remetido sob registo postal R................52PT, conforme documento de fls. 29 sitaf.
42. A presente reclamação foi apresentada no Serviço de Finanças ..., sob registo postal n° ...18... de 6/10/2022.
FACTOS NÃO PROVADOS
Nada mais se provou com interesse para o conhecimento do mérito.
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A matéria de facto assente resultou da matéria alegada e não contestada, comprovada mediante análise crítica da prova documental junta aos autos referida no probatório em relação a cada facto, atento o disposto nos artigos 74° e 76°, n° 1, da Lei Geral Tributária, e artigos 362° e ss. do Código Civil, e outra de conhecimento oficioso do Tribunal, dispensando a respectiva alegação, nos termos do artigo 412° do Código de Processo Civil.»
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IV – DE DIREITO:
O objeto do presente recurso é a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou totalmente improcedente a Reclamação de Atos do Órgão de Execução fiscal, apresentada no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...27 e apensos, a correr termos no Serviço de Finanças ..., onde o Recorrente consta como revertido.
O Recorrente, conforme enunciado, invoca a caducidade do direito à liquidação e a prescrição da quantia exequenda.
Analisemos, pois, de per si cada um destes fundamentos.
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DA CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
Quanto a este fundamento de recurso, a sentença desenvolveu o seguinte discurso fundamentador:
«A Fazenda Pública suscitou a questão prévia da impropriedade do meio processual no que respeita à alegada caducidade da liquidação que teria que ser invocada em sede de oposição judicial, e quando a reclamação deu entrada já tinha precludido o direito de deduzir oposição
Assim sendo, antes de mais, importa verificar se o meio processual de que o Reclamante lançou mão é próprio para o fim visado.
O meio processual escolhido pelo Reclamante foi a reclamação de actos do órgão de execução fiscal para o tribunal tributário, meio que se encontra regulado nos artigos 276° a 278° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e que se destina a sindicar decisões proferidas pelo Órgão de Execução Fiscal que afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiros, pelo que o efeito jurídico pretendido por via da reclamação judicial é a anulação do acto reclamado.
O Reclamante, além da prescrição dos créditos exequendos suscitou a questão da caducidade do direito à liquidação pois “nunca recebeu qualquer carta” e “quem recebeu não era empregado da sociedade”, sendo que o termo final do prazo de 4 anos ocorreu em 31/12/2014, 31/12/2015 e 31/12/2018.
Concluiu pelo pedido de deferimento da reclamação e que “os impostos em liquidação em causa sejam declarados caducos e ou prescritos”, entendendo-se que, implicitamente, foi dirigido ao Tribunal o pedido de anulação do despacho reclamado.
Todavia, este meio processual não é o adequado para suscitar a questão da caducidade do direito à liquidação, pois “A ilegalidade da falta de notificação da liquidação no prazo da caducidade pode configurar fundamento de oposição e de impugnação judicial.
Decorrido o prazo de caducidade da liquidação sem que a sua notificação válida tenha ocorrido, tal acto, ainda que praticado dentro do prazo, não deixa, por força do artigo 45º da LGT, de estar ferido de ilegalidade.” (Acórdão do TCAS de 29/4/2021, Processo n° 35/09.8BESNT).
Assim sendo, não é processualmente admissível a anulação do acto reclamado com fundamento na caducidade do direito à liquidação, que nem sequer tinha de ser apreciado no despacho reclamado, sendo certo que, atento o erro invocado, não influi na decisão a proferir nos autos.
De resto, como acentuado pelo Ministério Público, “No caso dos autos, resulta dos elementos probatórios coligidos nos autos (cfr. informação AT págs.23 do Sitaf), que a notificação da liquidação ao sujeito passivo ocorreu em momento anterior ao termo do prazo de caducidade do direito à liquidação, pelo que, também nesta parte, improcede a pretensão do Reclamante.”
Consequentemente, a eventual convolação dos autos na forma processual adequada constitui acto inútil e proibido por lei (artigo 130° do Código de Processo Civil), pois a acção sempre seria julgada improcedente, e é legalmente inadmissível pois o Reclamante invocou um fundamento típico de reclamação, qual seja a prescrição. Efectivamente, o meio processual utilizado mostra-se adequado em relação à pretensão de anulação do despacho que não reconheceu a prescrição da dívida exequenda, pelo que não pode convolar-se a presente reclamação no meio próprio para apreciar a alegada falta de notificação da liquidação.
Assim sendo, e uma vez que o meio processual utilizado é o adequado para apreciar um dos fundamentos invocados – a prescrição - devem considerar-se sem efeito os demais que não sejam adequados, prosseguindo o processo relativamente ao fundamento e pedido adequados à forma de processo escolhida pelo autor (Neste sentido JORGE LOPES DE SOUSA, in “Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado”, Vol. I, p. 92; Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 5/11/2014, proferido no Processo n° 01015/14; e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28/5/2014, proferido no Processo n° 01086/13, pelo que deve “desprezar-se este último pedido e prosseguir o processo apenas para conhecimento do primeiro, que é o único adequado à forma processual escolhida”). Assim sendo, os autos vão prosseguir apenas para apreciar a legalidade do despacho reclamado que não reconheceu a prescrição da dívida exequenda.»
Ora, após perscrutarmos as conclusões e alegações de recurso, verifica-se que este julgamento levado a cabo na sentença recorrida não é posto em causa pelo Recorrente, que se cinge a reproduzir ipsis lettiris o teor da petição inicial [cfr. artigos 4.º a 27.º de ambas as peças processuais] e, bem como, do requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal [cfr. arts. 2.º a 25.º].
Na verdade, o Recorrente abstrai-se do julgamento efetuado pela sentença recorrida no que concerne à caducidade do direito à liquidação, não contrariando os fundamentos e a decisão nela plasmados.
Ora, os recursos destinam-se a alterar ou a anular as decisões de que se recorre, e podem ter por fundamento qualquer vício de forma ou de fundo que o Recorrente entenda que afeta a decisão recorrida.
O Recorrente tem, assim, de “submeter expressamente à consideração do Tribunal Superior as razões de discordância com o julgado, ou melhor, os fundamentos por que acha que a decisão deve ser anulada ou alterada, para que o Tribunal tome conhecimento delas e as aprecie” – J. Alberto dos Reis, in CPC, Anotado, vol V, pag 357.
Como vimos, no caso sub judice, o Recorrente não atacou os fundamentos plasmados na sentença.
Em suma, na falta de ataque ao decidido em primeira instância, o recurso carece de objeto, tendo a sentença, quanto à questão da caducidade do direito à liquidação, transitado em julgado, pelo que este tribunal ad quem encontra-se impedido de conhecer o recurso nesta parte. No sentido de somente pacificar as partes, diremos que a caducidade do direito à liquidação não constitui fundamento de reclamação, tal como concluiu o tribunal recorrido [neste sentido, vide, por todos, acórdão do TCAN, de 29.04.2021, proc. n.º 00175/19.5BEMDL, disponível para consulta no site da dgsi.
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DA PRESCRIÇÃO
Neste âmbito, o Recorrente entende que se verifica a prescrição da quantia exequenda. Para o efeito, não colocando em causa a fundamentação de facto e nem de direito, limita-se a trazer à colação (novamente de forma literal) os argumentos esgrimidos quer no requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal quer na petição inicial.
Ora, considerando a oficiosidade dos conhecimentos tanto da prescrição como dos factos constantes do processo de execução fiscal [cfr. arts. 175.º do CPPT e 412.º do CPC, respetivamente], vejamos, pois, se existem motivos para dissentir do decidido pelo tribunal a quo.
O tribunal a quo, a respeito da prescrição, discorreu nos seguintes termos:
«O Reclamante invocou a prescrição da dívida exequenda, questão que importa enfrentar tendo em conta as datas dos diversos tributos ora em execução. Após, serão apreciadas as alegadas inconstitucionalidades.
A Fazenda Pública sustentou que a dívidas exequendas não prescreveram atentas as causas interruptivas e suspensivas verificadas, designadamente a citação da devedora originária e do Reclamante, cujo efeito duradouro obsta ao decurso da prescrição até ao trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo, leia-se declaração em falhas, em que a citação é levada a cabo.
Em conformidade com o artigo 304°, n° 1, do Código Civil, a prescrição traduz-se na faculdade concedida ao devedor de, após o decurso de determinado prazo previsto na lei, recusar o cumprimento da prestação e opor-se ao seu exercício coercivo, com a consequente extinção do direito do credor proceder à cobrança judicial, passando, assim, a obrigação natural (artigos 304°, n° 2, e 403° do Código Civil).
Assim sendo, a prescrição constitui uma garantia dos contribuintes e está sujeita ao princípio da legalidade tributária e da reserva de lei formal, tal como resulta do artigo 103°, n° 2, da Constituição da República Portuguesa, e artigo 8° da Lei Geral Tributária.
Efectivamente, a prescrição da obrigação tributária encontra o seu fundamento em razões de certeza, segurança jurídica e estabilidade das relações jurídicas pois tem como função conferir segurança ao devedor tributário, obviando a que possa, a todo o tempo, ser interpelado para o seu cumprimento, mas também visa sancionar o credor relapso ou desinteressado em fazer valer o seu crédito. Como ensina o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2/9/2020, proferido no Processo n° 0838/19.5BEPRT, “(...) os prazos de prescrição, como o dos autos, existem com duas funções, uma sancionatória do desinteresse manifestado pelo titular do direito em fazer valer esse seu direito, outra de segurança jurídica, que permite ao devedor recusar a prestação logo que se complete tal prazo.”.
O regime da prescrição das obrigações tributárias encontra-se consagrado nos artigos 48° e 49° da Lei Geral Tributária.
Dispõe o artigo 48°, n° 1, da Lei Geral Tributária, que “as dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.”.
Dado que o Reclamante se apresenta, nesta sede, na qualidade de responsável subsidiário das dívidas exequendas, importa salientar que o n° 2 daquele normativo estabelece que “as causas de suspensão ou interrupção da prescrição “aproveitam” igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários”.
Como refere JORGE LOPES DE SOUSA, in “Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas”, página 109, a expressão “aproveitam”, reportada ao devedor, é um lapso, antes se devendo entender que o sentido daquela expressão é o de que as causas de suspensão e de interrupção da prescrição produzem efeitos igualmente em relação ao devedor principal e aos responsáveis solidários e subsidiários.
Contudo, o n° 3 do artigo 48° da Lei Geral Tributária consagra uma excepção a esta regra, fazendo depender a produção de efeitos [da interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal], em relação ao responsável subsidiário, da citação deste até ao termo do 5° ano posterior ao da liquidação (“a interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5.º ano posterior ao da liquidação”). Por sua vez, do artigo 49°, n° 1 e 2, da Lei Geral Tributária (com a epígrafe “interrupção e suspensão da prescrição”) decorre que “1. A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição. (...) 3. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar”.
Nos presentes autos emergiu provado que o Serviço de Finanças remeteu à devedora originária, bem como ao Reclamante, a nota de citação em cada um dos processos, por carta registada com aviso de recepção, com vista à efectivação da sua citação pessoal, após reversão, tal como determinado pelos artigos 191°, n° 3, alínea b), e 192°, n° 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, deste último resultando que devem ser seguidos os termos do Código de Processo Civil, cujo artigo 225°, n° 2, alínea b), prevê expressamente a possibilidade da citação pessoal ser feita por carta registada com aviso de recepção.
Por outro lado, no que respeita às pessoas colectivas a citação tem-se por efectuada com a remessa para a sua sede social, e não devolução do aviso recepção, facto que o Reclamante não colocou em causa, nem carreou prova para os autos de qualquer ilegalidade (artigo 246° do Código de Processo Civil).
No caso vertente verifica-se, da factualidade levada ao probatório em 2 e 3, que a sociedade devedora originária foi citada em 24/9/2010 para os termos do Processo de Execução Fiscal nº ...27. Deste modo, em 24/9/2010, interrompeu-se o prazo de prescrição de oito anos referente aos créditos de IRC, relativos a 2009, que se encontrava em curso desde o dia 1/1/2010, ou seja, o prazo interrompeu-se antes de completado o prazo de prescrição de 8 anos (o qual, não fosse a interrupção, teria findado em 1/1/2018 - prazo substantivo cuja forma de contagem segue o disposto no artigo 279° do Código Civil). E esta interrupção é oponível ao Oponente que foi citado em 14/10/2014 (artigo 48°, n° 3, da Lei Geral Tributária).
E o mesmo sucede com as dívidas de IRC referentes a 2007 e 2010, cujo prazo de prescrição se iniciou, respectivamente, em 1/1/2008 e 1/1/2011, e iria terminar em 31/12/2015 e 31/12/2018, pelo que a prescrição iria ocorrer em 1/1/2016 e 1/1/2019. Todavia, com a citação efectuada em 27/1/2011, no Processo de Execução Fiscal nº ...05 (factos provados 14 e 15), e em 11/10/2011, no Processo de Execução Fiscal nº ...89, e com a citação do Oponente 14/10/2014, que produziu os seus efeitos próprios em relação ao Oponente, os prazos de prescrição interromperam-se até ao termo dos correspondentes processos de execução (factos provados 29 e 30).
No que respeita aos créditos de IVA relativos a 2007, o prazo de prescrição iniciou-se em 1/1/2008, e iria terminar em 31/12/2015, pelo que a prescrição iria ocorrer em 1/1/2016. Todavia, a citação efectuada em 28/2/2011 no Processo de Execução Fiscal nº ...19 (factos provados 17 e 18), e em 1/4/2011 no Processo de Execução Fiscal nº ...54 (factos provados 23 e 24), e a citação do Oponente 14/10/2014, interrompeu os prazos de prescrição em curso.
Em relação aos créditos de IRS de 2010 e 2011 o prazo de prescrição iniciou-se em 1/1/2011 e 1/1/2012, e iria terminar em 31/12/2018 e 31/12/2019, pelo que a prescrição iria ocorrer em 1/1/2019 e 1/1/2020. Todavia, a sociedade devedora originária foi citada em 27/11/2010 para os termos do Processo de Execução Fiscal nº ...28 (factos provados 5 e 6), em 25/12/2010 no Processo de Execução Fiscal nº ...51, e em 22/1/2011 no Processo de Execução Fiscal nº ...81 (factos provados 11 e 12), e em 28/2/2011 no Processo de Execução Fiscal nº ...64 (factos provados em 20 e 21) e em 2/7/2011 no Processo de Execução Fiscal nº ...59. Deste modo, em 27/11/2010, 25/12/2010, 22/1/2011, 28/2/2011 e 2/7/2011, interromperam-se os prazos de prescrição de oito anos que se encontravam em curso desde o dia 1/1/2011 e 1/1/2012.
Finalmente, em relação às dívidas de IUC de 2010 e 2011, o prazo de prescrição iniciou-se respectivamente em 1/1/2011 e 1/1/2012, e iria terminar em 31/12/2018 e 31/12/2019, pelo que a prescrição iria ocorrer respectivamente em 1/1/2019 e 1/1/2020. Todavia, com a citação no Processo de Execução Fiscal nº ...31 em 14/3/2014 (factos provados 32 e 33), e em 23/4/2014, no Processo de Execução Fiscal nº ...90 (factos provados 35 e 36), interrompeu-se o prazo prescricional.
Importa analisar os efeitos decorrentes desta interrupção.
A Lei Geral Tributária nada refere acerca do efeito decorrente da interrupção, pelo que há que seguir o que, a este propósito, dispõe o artigo 326°, n° 1, do Código Civil, isto é, que “a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo seguinte”. A doutrina e a jurisprudência referem-se a este efeito como o efeito instantâneo da interrupção.
A par deste efeito instantâneo, quando a interrupção resulta do acto de citação, há ainda que atender ao efeito duradouro da interrupção da prescrição decorrente da citação (que se entende dever ser pessoal), tal como referenciado no artigo 327° do Código Civil que determina, no seu n° 1, que “se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.”.
Na verdade, a citação efectuada além da interrupção do prazo em curso, com a inerente inutilização do prazo decorrido, determina que o novo prazo prescricional não corre enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo (Neste sentido veja-se o Acórdão do STA de 13/1/2021, Processo n° 02496/19.8BEBRG, do qual se extracta, “A jurisprudência reconhece à interrupção da prescrição decorrente da citação do executado (n.° 1 do art. 49.° da LGT) um duplo efeito: a inutilização para a prescrição de todo o tempo até então decorrido (efeito instantâneo, decorrente do n.° 1 do art. 326.° do CC) e o novo prazo de prescrição não voltar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo (efeito duradouro, decorrente do n.° 1 do art. 327.° do CC).
(...)
o prazo de prescrição foi interrompido pela citação, a cessação da eficácia do facto interruptivo é diferida para a data da decisão que ponha termo ao processo, sem prejuízo de dever equiparar-se a essa decisão aquela que declare a execução fiscal em falhas (Vide, neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., pág. 62, maxime nota de rodapé com o número (18), e os seguintes acórdãos desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 5 de Abril de 2017, proferido no processo com o n.° 304/17, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0a085802c5bf7ca 18025811b002e369a;
- de 31 de Janeiro de 2018, proferido no processo com o n.° 21/18, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/6a368a775521b1 2180258232004f38f7.).”.
No mesmo sentido alinham os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, proferidos no Processo n° 01208/21.0BEBRG, em 16/2/2022, no Processo n° 071/20.3BESNT, em 16/9/2020, no Processo n° 0705/19.2BELLE, em 2/9/2020 e no Processo n° 01300/17 em 6/12/2017.
Efectivamente, sendo o processo de execução fiscal um processo judicial executivo, nos termos do artigo 103°, n° 1, da Lei Geral Tributária, não se descortina razão atendível para que, no âmbito do processo executivo comum, a citação interrompa o prazo de prescrição e obste a que comece a correr novo prazo até ao termo do processo executivo e o mesmo não aconteça no âmbito do processo de execução fiscal.
Consequentemente, com a citação pessoal da devedora originária, nas datas acima mencionadas, e com a citação do Oponente, em relação a cada um dos processos de execução, eliminou-se o tempo decorrido anteriormente e impediu-se, ainda, o início do novo prazo de prescrição de oito anos enquanto não transitar em julgado decisão que ponha termo ao processo de execução fiscal, equiparando-se o “despacho de declaração em falhas” a que se refere o artigo 272° do Código de Processo e Procedimento Tributário ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo de execução fiscal (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 4/5/2022, Processo n° 02030/21.0BEPRT).»
Ora, não obstante a clareza da fundamentação e a sua bem fundamentada decisão, com apoio na doutrina e jurisprudência, sobre a prescrição, a verdade é que não a podemos acompanhar, pela verificação de uma patologia na sua génese que contamina necessariamente a conclusão extraída.
Vejamos, então.
O tribunal a quo, como resulta do extrato da fundamentação acima reproduzida, em conjugação com a matéria de facto provada, para concluir pela não verificação da prescrição considerou o facto de, sendo as dívidas dos anos de 2010, 2011, 2014, a citação - do ora Recorrente, verificada nos vários processos de execução fiscal - ter interrompido a contagem do prazo de prescrição (com efeito instantâneo e duradouro).
Compulsados os autos, concretamente folhas 59 a 61 da paginação eletrónica [e para as quais remete a fundamentação da matéria de facto], verificamos que os únicos documentos que estiveram na base da demonstração dos atos citação nos vários processos de execução fiscal, relativos ao ora Recorrente, são os comprovativos de diversos avisos de receção devolvidos pelos CTT ao Serviço de Finanças ..., com indicação dos processos de execução fiscal a que dizem respeito, assinados por pessoa diversa do citando, a 14.10.2014. Ora, estes elementos, por si só, são manifestamente insuficientes para a demonstração da realidade que se pretende demonstrar, qual seja, a da citação do ora Recorrente, na data neles apostas.
Para que se possa ter como assente a citação e a data da sua concretização (ou não) era necessário que fossem aportados para os autos mais elementos, designadamente os respetivos ofícios de citação emitidos, com as referências alfanuméricas que constam dos avisos de receção para que se possam estabelecer uma conexão entre os avisos de receção e os ofícios de citação.
Na verdade, “um aviso de recepção, assinado, com a identificação do revertido como destinatário e a menção de “citação” e do número do processo de execução fiscal, mas sem a cópia da carta de citação alegadamente enviada a coberto desse aviso não faz prova legal de ter ocorrido a citação do revertido (vd. o Acórdão o TCAN de 22 de Setembro de 2022, proferido no processo n.º 00603/22.2BEBRG, integralmente disponível em www.dgsi.pt).
Outrossim, apesar de se fazer constar que existem processos que são apensos, a verdade é que inexiste nos autos qualquer ato demonstrativo da ocorrência das várias apensações, sendo que esta demonstração se mostra relevante para aferir se, na data em que ocorreram as respetivas citações, essa apensação já existia e, assim sendo, estarem esses processos incluídos na citação realizada no processo principal.
Da análise dos autos, conclui-se, também, que, apenas, constam peças do processo de execução fiscal e não a sua totalidade. Por outro lado, exteriorizam os autos que o tribunal não diligenciou pela junção do processo de execução fiscal ou dos documentos acabados de referir, em respeito pelo disposto nos artigos 13.º, n.º 1 do CPPT e 99.º, n.º 1 da LGT.
Nessa medida, para conhecimento dos factos supra referidos (datas da realização da citação), deficitariamente instruídos, conforme se deixou dito, relacionados com as causas interruptivas do prazo de prescrição, é imprescindível estar na disponibilidade de todos os elementos constantes do processo executivo, para que, com a segurança e certeza exigíveis, se possa aferir da existência desses factos interruptivos [e até mesmos suspensivos do prazo de prescrição ou extintivos da obrigação, como o pagamento ou anulação da dívida].
Verificando-se, assim, défice instrutório, impõe-se a remessa ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto para promover as diligências instrutórias com vista ao esclarecimento cabal dos factos apontados e, posteriormente, proferir nova decisão.
Aqui chegados, não deixaremos de fazer um pequeno parêntesis para dizer o seguinte. A matéria de facto deve versar somente sobre factos, não deve conter conclusões, interpretações ou qualquer tema jurídico, labor a realizar pelo tribunal aquando da apreciação conjugada dos factos apurados e das normas aplicáveis ao caso concreto. Isto para concluir que não se pode levar ao probatório afirmações do género «A sociedade comercial “[SCom01...], Lda.”, Contribuinte Fiscal nº ...25, foi citada no Processo de Execução Fiscal n° (…), em (…), e o Reclamante foi citado na qualidade de revertido em 14/10/2014» - sublinhado nosso -, pois, tal constitui um juízo conclusivo (e não um facto simples), que resolve, por si só, a questão controvertida, sendo insuscetível de integração no elenco da matéria de facto. Pelo que, caso não se verificasse o défice instrutório, sempre seriam de eliminar os factos provados assim concebidos, impondo-se a sua reformulação em conformidade.
Em suma, não podendo sufragar-se, sem mais, o julgamento produzido em 1.ª instância, impõe-se anular a sentença de molde a permitir que, no Tribunal recorrido, sejam efetivadas as diligências probatórias que se mostrem adequadas e necessárias ao esclarecimento, mais completo possível, dos aspetos deficitariamente instruídos, nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil, ex vi art.º 281.º do CPPT. Ademais, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no presente recurso.
*
DA DISPENSA DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
Preceitua o artigo 6.º, n.º 7 do RCP que nas causas de valor superior a € 275.000,00, [como se verifica in casu – € 376.872,27], o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o respetivo pagamento.
Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de Maio de 2014, proferido no Processo nº 1953/13, integralmente disponível em www.dgsi.pt: “A norma constante do nº 7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade.”
Na ponderação da possibilidade de dispensa do remanescente da taxa de justiça importa, assim, considerar, além do mais, o princípio da proporcionalidade, devendo determinar-se a dispensa sempre que o montante da taxa de justiça devida se afigurar manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado, e ainda que a ação não se revele de complexidade inferior à comum. Com efeito, conforme se salienta no Acórdão do STA de 01 de fevereiro de 2017, proferido no Processo nº 891/16, integralmente disponível em www.dgsi.pt, “não podemos perder de vista que a taxa de justiça, como todas as taxas, assume natureza bilateral ou correspectiva (cfr. arts. 3º, nº 2 e 4º, nº 2 da Lei Geral Tributária), constituindo a contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do sujeito passivo”.
Assim, tudo ponderado e perante a possibilidade de graduação casuística e prudencial do montante da taxa de justiça devida a final, não perdendo de vista que deve existir correspetividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais, de acordo com o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 2.º da CRP, atendendo ainda ao direito de acesso à justiça acolhido no artigo 20.º do mesmo diploma, encontramos razões válidas e ponderosas para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do RCP.
Na sequência do exposto, deverá a conta de custas a elaborar desconsiderar o remanescente da taxa de justiça.


Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcial provimento ao recurso e, em conformidade, anular a decisão na parte referente à apreciação de facto e de direito da prescrição e, consequentemente, ordenar a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a fim de aí serem tomadas as diligências de prova indicadas e proferida nova decisão sobre esta questão, se a nada mais obstar; e manter a sentença quanto ao restante.
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Nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC., formula-se o seguinte SUMÁRIO:
I - Na falta de ataque ao decidido em primeira instância relativamente à questão da caducidade do direito à liquidação, o recurso carece de objeto, tendo a sentença, quanto a esta questão, transitado em julgado, pelo que o tribunal ad quem encontra-se impedido de conhecer o recurso nessa parte.
II - O tribunal só deve realizar ou ordenar oficiosamente diligências tendentes à descoberta da verdade material relativamente a factos que tenham sido alegados ou que sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigo 99.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.
III - Revelando os autos insuficiência factual para a boa decisão do conhecimento da prescrição, impõe-se a anulação da sentença nessa parte e a baixa do processo ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, em harmonia com o disposto no artigo 712.º, n.º 4 do Código de Processo Civil ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
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IV – DECISÃO:
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos de Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em:
· conceder parcial provimento ao recurso e, em conformidade, anular a decisão na parte referente à apreciação de facto e de direito da prescrição e, consequentemente, ordenar a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a fim de aí serem tomadas as diligências de prova indicadas e proferida nova decisão sobre esta questão, se a nada mais obstar;
· manter a sentença quanto ao restante.

Custas por ambas as partes na proporção do respetivo decaimento e que se fixam em 50% para cada uma delas, não sendo devida taxa de justiça pela Fazenda Pública nesta instância, por não ter contra alegado; devendo a conta de custas a elaborar desconsiderar o remanescente da taxa de justiça.


Porto, 24 de abril de 2024


Vítor Salazar Unas
Maria do Rosário Pais
Cristina Paula Travassos de Almeida Bento Duarte