Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00548/10.9BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/14/2016
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:MÉTODOS INDIRECTOS
PRESSUPOSTOS
NOTIFICAÇÃO PARA SUPRIR ANOMALIAS E INSUFICIÊNCIAS DA CONTABILIDADE
AUDIÇÃO PRÉVIA
FUNDAMENTAÇÃO
CRITÉRIOS DE QUANTIFICAÇÃO
Sumário:I - Nem sempre, que um de vários dos fundamentos de facto subjacentes a correcção tributária deixe de poder ser valorado, fica o acto tributário que dela deriva irremediavelmente ferido do vício de violação de lei, pois que tudo depende da aptidão e suficiência dos demais para fundar a pretensão tributária da Administração Fiscal.
II - Tendo o relatório que fundamentou a correcção conteúdo idêntico ao do respectivo projecto e sobre ele tendo sido dada oportunidade à recorrente de se pronunciar, e tendo esta optado por não o fazer e não solicitar ou requerer a notificação de quaisquer outros elementos que julgasse em falta e se lhe afigurassem essenciais ao adequado exercício das suas garantias procedimentais tributárias, não há razão para ter-se como verificada a violação de quaisquer dessas garantias ou sequer vício procedimental.
III - Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT).
IV - No domínio de utilização de métodos indirectos, a actuação da Administração Tributária não se limita à demonstração da ocorrência dos respectivos pressupostos, antes se lhe impõe que fundamente, ainda e também, os critérios de que venha a lançar mão na quantificação da matéria tributável. Contudo, do ponto de vista do erro na quantificação, as insuficiências no método são sempre substanciais, isto é, devem evidenciar um excesso de quantificação.
V - O “método presuntivo eleito” mostra-se racional e fundamentado em factos concretamente apurados, não estando a Administração Tributária impedida de a ele recorrer, pois que nada impede que a Administração conjugue vários dos “elementos” que o n.º 1 do artigo 90.º da LGT indica que “poderá ter em conta” na avaliação indirecta, pois que lhe cabe, dentro dos limites da lei, eleger o critério que repute mais adequado à determinação da matéria tributável, cabendo ao Tribunal verificar a sua correcta interpretação e aplicação em caso de litígio entre a Administração Tributária e o sujeito passivo.
VI - O n.º 4 do artigo 77.º da LGT determina que a decisão da tributação pelos métodos indirectos especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exacta da matéria tributável e bem assim indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável, exigências estas satisfatoriamente cumpridas no relatório de inspecção, sendo claro e esclarecedor o motivo do recurso a tais métodos e bem assim o critério eleito para a avaliação indirecta e a forma como se determinaram os valores corrigidos.
VII - Estando definitivamente decidido que, no caso, a Administração Tributária demonstrou a ocorrência dos necessários pressupostos legais à utilização de métodos indirectos, por um lado e, por outro, apresentando-se adequadamente fundamentados os critérios de que a Administração Tributária se serviu na tarefa de quantificação, era à impugnante que se impunha demonstrar que a utilização de tais critérios conduziu, sem margem para dúvidas fundamentadas, a um resultado final sem qualquer aderência à realidade, demonstração essa que não logrou fazer, sem olvidar que, mesmo a subsistir qualquer dúvida, o que se postula por comodidade de raciocínio, ela sempre teria de desfavorecer a recorrente.
VIII–Para aferição dos casos em que se verifica a impossibilidade da comprovação directa e exacta da matéria tributável, o legislador, no artigo 88.º da LGT, criou, de forma taxativa, parâmetros legais destinados a tornar mais facilmente identificáveis as situações em que essa impossibilidade se verifica.
IX - Nas situações mais graves, deparamos com anomalias ou incorrecções imputáveis ao sujeito passivo a título de dolo. São as situações em que o seu próprio comportamento revela a intenção de não colaborar com a AT e de ocultar a sua verdade fiscal, inviabilizando a cabal aferição da sua capacidade contributiva.
X – Será o caso dos autos, por terem sido falsificados ou viciados os suportes documentais da escrita, ou ainda por terem sido apresentadas diversas contabilidades, entendendo-se como tal as situações em que são detectados elementos contabilísticos relativamente aos mesmos factos com conteúdo diverso.
XI - Comum a estas situações mais graves é o facto de o legislador não exigir que seja fixado um prazo legal para o suprimento da falta. A razão é evidente: os comportamentos descritos revelam por si só uma intenção de não colaborar com a AT. Em casos como o dos autos, com tais comportamentos, o contribuinte está a anunciar antecipadamente a intenção de não colaborar.
XII - Não obstante o enquadramento pela AT (também) na alínea a) do artigo 88.º da LGT, o certo é que os factos constatados que subjazem a tal conclusão inculcam a ideia de dolo (existência de dupla contabilidade), pelo que, nestas situações, não há lugar a notificação prévia para suprir ou regularizar a situação, porque a atitude do contribuinte já espelha a intenção de não colaborar com a AT, podendo a decisão de recorrer a tributação por métodos indirectos ser tomada sem que a aqui Recorrente fosse notificada para regularizar a escrita em prazo que não podia ser superior a 30 dias.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:A..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A…, Lda., pessoa colectiva número 5…, com sede na … Rua…, em Coimbra, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, proferida em 21/02/2013, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações de IVA e juros do ano de 2006, no valor total de € 132.488,29.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
1) “O sistema de administração executiva, constitucionalmente consagrado, confere à administração o poder de, para prosseguir a satisfação do interesse público, praticar actos jurídicos (artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa) que afectam ou lesam os interesses dos cidadãos em cuja categoria se inscreve o acto de liquidação.
2) Não sendo o tribunal fiscal um órgão de administração activa dos impostos, mas antes um órgão para dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas fiscais (art.º 212.º, n.º 2, da Constituição da república Portuguesa), não lhe cabe praticar o acto tributário que, como título formal e abstracto, declara constituídos na Ordem Jurídica os efeitos jurídicos próprios de uma obrigação pecuniária.
3) A tanto se opõe o princípio da separação de poderes entre os tribunais e o executivo ou a administração, consagrado como princípio estruturante do sistema de poderes no artigo 111.º da Constituição.
4) No contencioso de anulação em que o contencioso tributário se enquadra, ao contrário do que sucede nos sistemas do commonlaw, não está em causa a licitude, à luz de todo o ordenamento jurídico, do resultado da actividade da administração tributária, mas apenas a legalidade de um concreto acto de liquidação, em função dos concretos fundamentos de direito e de facto alegados para a sua prática.
5) No caso de a exposição das razões de facto, no discurso fundamentador, ser feita cumulativamente e não subsidiariamente ou disjuntivamente, a falta de uma dessas razões ou pressupostos faz inquinar o acto de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto ou de direito.
6) Sendo o acto sustentado por um conjunto de razões que são expressas pela administração, sem estabelecimento expresso entre elas de qualquer relação de disjuntividade ou subsidiariedade, tem, forçosamente, de entender-se que o acto é um efeito jurígeno de todas essas razões, sem distinção entre elas.
7) Nos termos do art.º 55º, al. b) do RCPIT (e não do RGIT, como por lapso se fez constar da PI), a recolha de elementos no âmbito do procedimento de inspecção deve obedecer a critérios objectivos e conter a integral transcrição das declarações, com identificação das pessoas que as profiram e as respectivas funções, sendo as referidas declarações, quando prestadas oralmente, reduzidas a termo.
8) Não se vislumbra como é que os critérios adoptados na recolha dos elementos podem ser verificados e controlados pelo Tribunal, nos mesmos termos em que o foram pelo agente de fiscalização.
9) A notificação para o exercício do direito de audição deveria ser acompanhada do que se considera apurado em termos de facto e de direito, com relevo para a decisão, mormente todos os elementos recolhidos na mencionada sociedade E... e não somente aqueles que a AT discricionariamente elegeu.
10) Toda a fundamentação empregue pela AT para efectuar as correcções que deram lugar ao IVA em causa nos presentes autos, assenta numa relação umbilical entre a ora recorrente e a sociedade E..., pelo que qualquer correcção efectuada nesta repercussões teria inevitavelmente naquela.
11) Entende-se que a AT deveria ter dado conhecimento de todos os elementos coligidos na sociedade E..., o que não foi feito, pelo que, não se mostrando tal feito a notificação é inválida por não ter permitido à ora recorrente participar convenientemente na formação da decisão.
12) Não tendo sido dado conhecimento à impugnante do teor integral daqueles elementos, incluindo as declarações supra referidas, esta ficou inibida de os poder contraditar, nomeadamente pela invocação das possíveis contradições internas e externas, pela falta de credibilidade em razão da ciência dos seus autores, da sua motivação endógena, etc. etc.
13) E sendo assim, ficou completamente prejudicado o seu direito de contraditório e de defesa, maxime em matéria probatória, a que tende o procedimento da audição, dado que ele se destina essencialmente a propiciar aos administrados a oportunidade para criticar o juízo de mérito feito pelo órgão competente sobre a apreciação das provas e da sua admissibilidade relativas aos factos tributários considerados (Cfr. Pedro Manchete, A Audição prévia do contribuinte, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, edição Vislis, 1999, págs. 318 a 322).
14) E se tal vício não existe, o que não se concede, então verifica-se a existência de uma preterição legal que inquina o despacho, de acordo com a jurisprudência do TCA Norte constante do Processo n.º 147/05.7BEPNF, 2ª Secção do Contencioso Tributário, Des. Moisés Rodrigues.
15) O discurso fundamentador tem de externar o momento cognitivo dos factos, o modo como estes foram conhecidos, o percurso endógeno da sua avaliação, segundo os mais variados critérios de validação racional (empíricos, técnicos, jurídicos ou outros), de cuja ponderação resulte como inteiramente justificada racionalmente a solução do apuramento do rendimento tributável e na expressão quântica fixada, o que in casu, não acontece, não podendo o Tribunal substituir-se à Administração e começar a avançar com possíveis explicações para justificar o que aquela não justificou.
16) O acto praticado padece de vício de violação de lei por falta de fundamentação, ficando-se por saber porque foi aplicada a margem bruta sobre o preço de venda médio do sector de actividade e não outra margem qualquer.
17) Não pode o Tribunal substituir-se à Administração e começar a avançar com possíveis explicações para justificar o que aquela não justificou.
18) Em face de um discurso normativo-racionalmente justificativo, este não poderá deixar de expressar, no mínimo exigível, os factos apreendidos, o modo como foi efectuada essa prognose, os critérios adoptados e as valorações efectuadas, devendo ser apenas tido como suficiente naqueles casos onde se revele uma sustentada aptidão comunicativa ou compreensividade para revelar inteiramente o juízo do autor do acto administrativo, de modo que possa permitir ao seu destinatário e ao tribunal o controlo da sua validade substancial (cf., entre muitos, Acs. do STA, de 22/03/2000, proc. n.º 24 363; 15/04/98, proc. n.º 22 185; 15/12/99, proc. 24 143.), aceitando-o, reclamando, recorrendo hierarquicamente ou sindicando-o contenciosamente.
19) Tem-se por insuficiente essa fundamentação na medida em que não se encontram justificadas as razões pelas quais a AT adoptou os critérios de quantificação que seguiu e, a esse nível, há uma total omissão relativamente à eleição dos factores, à sua obtenção e ao seu modo de ponderação, que foram eleitos para quantificar indiciariamente o rendimento.
20) Em consequência da injunção constitucional tipificada no artigo 268.º, n.º 3, a aplicação de norma eivada de inconstitucionalidade, qual seja a do artigo 77.º, n.º 1 e 4, da LGT, interpretada no sentido de que, no caso da avaliação indirecta do rendimento, a fundamentação pode consubstanciar-se num discurso de cariz técnico e inacessível (imperceptível) a um destinatário normal.
21) O critério utilizado carece de uma fundamentação específica que revele as razões pelas quais se valorou esse mesmo critério de quantificação e se demonstre a sua aptidão funcional para o resultado legalmente visado, sob pena de se cair na ridícula posição dogmática de apenas se exigir fundamentação (ainda que remissiva) para os critérios previstos na lei e não já para critérios que a lei não prevê, pelo menos expressamente, como se encontra postergado pelo mais basilar exercício de interpretação enunciativa.
22) Discorda-se que a AT tenha feito utilização de um critério referido no art.º 90º da LGT bem como não se concorda que se possa utilizar como critério que não esteja naquela norma consagrado.
23) E quanto à taxatividade daqueles critérios, veja-se a anotação àquele artigo na Lei Geral Tributária, comentada e anotada por Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa: “A lista de factores a atender tem carácter taxativo, como se depreende do não uso de qualquer expressão que indique que se está perante uma enumeração exemplificativa”.
24) Esta é, aliás, uma solução que se impõe mesmo em termos de constitucionalidade, pois, nos casos em que não pode ser determinada directamente a matéria tributável, a relevante para efeitos de liquidação acaba por ser a ficcionada que resulta da aplicação dos métodos de avaliação indirecta, pelo que as normas que indicam os elementos que podem ser valorados para este efeito reconduzem-se a verdadeiras normas de incidência objectiva do tributo ( ( ) São normas de incidência as que «definem o plano de incidência, ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação» (SOARES MARTINEZ, Direito Fiscal, 7.ª edição, página 126).
Defendendo que as normas relativas à determinação da matéria colectável que determinam o quantum do imposto são, substancialmente, normas de incidência real ou objectiva e, como tal, estão incluídas na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, pode ver-se NUNO SÁ GOMES, Manual de Direito Fiscal, volume II, 1999, páginas 61-62.
Nos casos de avaliação indirecta, prescinde-se da tributação da matéria tributável real, para a liquidação do imposto ter por base a matéria tributável resultante daquela avaliação, uma matéria tributável distinta da real que acaba por ser definida pelas normas que determinam os critérios a utilizar naquela avaliação e que, assim, definem a incidência objectiva do tributo. ), que, por isso, estão sujeitas ao princípio da reserva de lei em sentido próprio (arts. 103.º, n.º 2, da C.R.P. e 8.º n.º 1 da L.G.T.) não podendo ser preenchidas por via não legislativa as hipotéticas lacunas (art. 11.º, n.º 4, da L.G.T.). ( ( ) Como refere CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 2.ª edição, página 216, embora esta norma apenas preveja explicitamente a proibição da analogia como meio de integração de lacunas, ela deve ser interpretada como proibindo essa integração por qualquer meio. ).
25) Por outro lado, este é também o entendimento imposto pelo princípio da legalidade, cuja definição, constante do art.º 3º do C.P.A., é aplicável subsidiariamente no procedimento tributário, em virtude da ausência de uma definição própria no art.º 55º da L.G.T., por força do preceituado no art.º 2º, alínea c) desta lei.
26) As normas que indicam os elementos que podem ser valorados para os efeitos presuntivos reconduzem-se a verdadeiras normas de incidência objectiva do tributo, pelo que admitir-se, neste domínio a aplicação de um critério de presunção que não esteja previsto no art.º 90º da LGT, é fazer uma interpretação inconstitucional daquela norma por violação do princípio da reserva de lei em sentido próprio (arts. 103.º, n.º 2, da C.R.P.).
27) Para além de não se encontrar qualquer justificação para a mobilização de tal critério na óptica da sua adequação, idoneidade, funcionalidade e, no plano da fundamentação de direito, habilitação legal, é incontornável, cremos, que o mesmo roça a total ininteligibilidade, seja quanto à sua origem, seja quanto aos valores tidos em conta.
28) A validade técnica do critério presuntivo exige que o universo dos factores-base de conformação do critério assumido pela administração seja idêntico ou próximo daquele a que a situação investigada se reporta, o que não foi feito pela fiscalização, ao ter considerado como vendidas todas as compras omitidas vendidas no ano de 2006.
29) Deve, pois dar-se como provado que: em 2006 não foram vendidas todas as compras omitidas nesse mesmo ano, transitando algumas para 2007, já que parte dessas compras estão reflectidas, tanto no stock de 2006, bem como no stock de 2007, atenta a própria fundamentação empregue pela AF.
30) Se a AF tem utilizado todos os dados ao seu dispor para alcançar a tributação real ou mais próxima da realidade económica, deveria ter em conta o valor de 296.051.20€ de vendas omitidas e não o valor 552.604.20€.
31) A AT altera quase em dobro a matéria colectável, aumentando mais precisamente 86,66 % o valor sob o qual vai incidir depois a tributação, aumentando consecutivamente a mesma.
32) Está, pelo menos, criada uma dúvida fundada sobre a existência e a quantificação dos factos tributários relevados pelo Fisco, que não pode deixar de ser valorada contra a AF, face ao disposto no art.º 100º do CPTT.
33) Do relatório efectuado, resulta que foi com base nos artigos art.º 87º e 88º, als. a) e d) da LGT que a fiscalização se estribou para lançar mão do poder de tributar por métodos indirectos.
34) Detectada a inexistência ou insuficiência de contabilidade ou a falta ou atraso na escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua execução, prevê-se que será notificado o sujeito passivo para proceder à sua organização num prazo a designar pela administração tributária, não superior a 30 dias (arts. 120.º, n.º 2, e 121.º, n.º 2, do RGIT, 39.º, n.ºs 2 e 3, do CIRS e 52.º, n.ºs 2 e 3, do CIRC).
35) Só se as deficiências de contabilidade e escrituração não forem supridas neste prazo, se poderá concluir, se for caso disso, pela impossibilidade de comprovação e quantificação directa da matéria tributável.
36) In casu, essa notificação não foi efectuada, sendo que na sequência da mesma e das correcções que viessem a ser apresentadas pelo contribuinte até se poderia vir a obstar à aplicação da avaliação indirecta.
Termos em que e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, revogada a douta sentença recorrida, anulando-se o acto tributário impugnado.”
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso – cfr. fls. 759 a 763 verso do processo físico.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento,ao julgar que, não obstante não ser legalmente possível atribuir relevo às declarações de clientes a que se refere o relatório da inspecção, mantêm-se válidas as correcções efectuadas por não terem sido atacados os demais fundamentos em que assentaram ou se, como alegado, ao proceder de tal modo o tribunal “a quo” substitui-se à Administração Fiscal, violando o princípio da separação de poderes e praticando, ele próprio, o acto tributário.
Importa, ainda, ajuizar do alegado erro de julgamento da sentença recorrida quanto aos vícios do acto por falta de fundamentação, por erro nos pressupostos de direito, por erro na quantificação e por considerar válida a notificação para audiência prévia, ou se, como alegado, houve violação do princípio do contraditório ou do princípio da participação.
Quanto ao erro nos pressupostos de direito, haverá, também, que analisar se se verifica erro nos pressupostos da aplicação de métodos indirectos, em razão de a Administração Tributária não ter notificado o contribuinte para regularizar a sua situação tributária em prazo não superior a 30 dias.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“3.1 Factos Provados
1. A Impugnante é uma sociedade comercial por quotas, com sede na …, Rua…, em Coimbra, que tem por objecto a comercialização por grosso de alumínios, similares e de equipamentos para alumínios e prestação de serviços conexos com esta actividade (fls. 70 vº do P.A)
2. Através da Ordem de Serviço n.° OI200800768, da Direcção de Finanças de Aveiro, foi efectuada uma inspecção externa à Impugnante, aos exercícios de 2005, 2006 e 2007 (fls. 1 do PA);
3. Em resultado da inspecção efectuada, foi elaborado o Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, sancionado superiormente, que aqui se dá por integralmente reproduzido, incluindo os seus anexos, do qual consta, designadamente, que foram efectuadas correcções com recurso a métodos indirectos, para o ano de 2006, quanto ao IVA, no valor de € 116.046,88, nomeadamente, com os seguintes fundamentos:
“I.2 - Conclusões genéricas da acção inspectiva e valores apurados
Da acção inspectiva levada a efeito ao sujeito passivo A…, Lda, doravante designado apenas por A…, foram por nós detectadas graves insuficiências contabilísticas e de informação financeira e diversas omissões, já que se constatou que a contabilidade não reflectia a verdadeira situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido pelo sujeito passivo.
Com efeito, apurou-se a existência de uma prática reiterada e concertada de economia paralela por parte do sujeito passivo, consubstanciada num elevado conjunto de vendas não registadas na contabilidade e não declaradas para efeitos fiscais e que envolveram vários clientes que adquiriram informalmente elevados valores de perfis de alumínio através de operações não declaradas, conduzidas de forma ilegal, tenda na génese a intenção de ocultara verdade material dos factos.
O sujeito passivo assentava a sua estratégia evasiva na emissão e posterior adulteração, através da manipulação informática, das facturas que seguiam para os seus clientes, que recebiam um primeiro original com o valor real da transacção, e uma segunda cópia, da mesma factura, mas com um valor significativamente inferior ao primeiro, sendo esta última a que era declarada às autoridades fiscais. Emitia duas ou mais cópias da mesma factura, mas com valores diferentes.
Os elementos recolhidos evidenciam igualmente, que noutras circunstâncias não haveria lugar sequer à emissão de factura.
Foi efectuada uma cópia da base de dados do sujeito passivo, que corroborou a prática evasiva praticada por este. Esta base de dados era a mesma que era utilizada pela sociedade E..., SA, sociedade extrusora de alumínio, principal fornecedor do sujeito passivo, e com este numa relação especial, e cuja manipulação da facturação era igualmente praticada por esta sociedade, facto que foi constatado em documentos que se encontravam fisicamente na posse de terceiros.
A sociedade A… era gerida a partir da sociedade E..., e pelos administradores desta.
(...)
O sistema informático foi testado no local, a quando da cópia efectuada a base de dados e confirmou, de imediato, a possibilidade de poderem ser alteradas as facturas após a sua emissão. Nas acções inspectivas já concluídas a um conjunto de sociedades que operavam como sociedades comerciais da E..., quer à própria sociedade E..., apurou-se uma prática concertada e generalizada de economia paralela, que tinha como ponto de partida omissões nas vendas da E... para estas sociedades armazém, e por sua vez, destas para as sociedades clientes, na sua maioria empresas que se dedicam é serralharia civil, designadamente à fabricação de portas e janelas em alumínio.
Todas as sociedades, E... e sociedades armazém, concretamente as sociedades F..., N..., Z... e A…, adiante melhor identificadas, tinham como principal detentor do capital, F…, sendo este, ao tempo, administrador de primeira e gerente de facto das restantes, em conjunto com J….
No caso da sociedade A…, objecto da presente acção inspectiva, a mesma, ao tempo das infracções, era ainda gerida, de facto, por J….
Todas elas, operando como prolongamentos da E..., possuíam o seu centro de decisão nas instalações e sede desta.
A eficácia das conclusões não se funde apenas, nem tão pouco, na análise dos elementos informáticos, aquilatando-se, outrossim, um vasto conjunto de outros elementos probatórios, que corroboram, ipso facto, aquelas conclusões.
Foi igualmente derrogado o sigilo bancário de duas contas particulares, sedeadas no Banco Espírito Santo, detidas solidariamente pelos sócios da A..., incluindo F..., para onde era canalizada uma parte do produto das omissões nas vendas daquela sociedade, valores estes que não foram declarados na A....
Foram ouvidos em declarações cerca de duas dezenas de representantes de empresas clientes da E... e das sociedades armazém, que assumiram terem efectuado compras não declaradas, quer à sociedade E... directamente, quer aos armazéns, através de um método evasivo que era comum a todas elas.
Confirmaram estes clientes não só as omissões, como também a forma como estas se processavam, sendo os depoimentos coincidentes nos factos relatados.
Embora com valores de omissões praticadas para terceiros materialmente muito relevantes, o maior volume de omissões praticadas pela E... ocorreu para estas sociedades armazém, que por sua vez praticaram igualmente omissões para os seus clientes, em valores cuja materialidade se afirma consonante com as compras efectuadas à empresa “mãe” (E...) não declaradas.
No entanto, em face da análise ao sistema informático, e aos valores que resultam de omissões nas vendas, por manipulação de facturas, fica a evidência de que a sociedade A... omitiu igualmente vendas para clientes, por modo diferente da alteração, manipulação e adulteração do valor das facturas.
Efectivamente, de acordo com os elementos informáticos, cuja eficácia resulta absolutamente clara, conforme apresentaremos no ponto IV do presente relatório, no exercício de 2006, a E... omitiu vendas, por alteração de facturas, para o seu armazém, A..., no valor de 459.584,33 €, enquanto este, por esse método, omitiu vendas para os seus clientes no valor de 175.740,84€
(…)
Além desse facto, como fé referimos, foi derrogado o sigilo bancário relativamente a duas contas sedeadas no BES, e co-tituladas por F..., por J…, e L…, estes dois últimos igualmente sócios da A..., contas essas que se apurou estarem a ser utilizadas para canalizar uma parte muito significativa das vendas omitidas pela A....
Na análise destas contas, que se encontravam omitidas á contabilidade de A..., verifica-se terem sido realizados vários depósitos, a maioria dos quais em numerário.
(…)
Quanto á alteração de facturas, a primeira emissão da factura com o valor original da transacção sorvia para controlo quer do vendedor quer do comprador, sendo que esta, de valor real, deveria ser devolvida aquando da sua substituição por outra, com os mesmos dizeres, mas com quantidades de artigos e valores diferentes, inferiores aos primeiros.
De acordo com os depoimentos recolhidos, a factura original tomava-se definitiva, quando o comprador não cumpria com as regras estabelecidas no negócio, nos prazos acordados.
Entre outros elementos, a possibilidade da alteração de facturas tratar-se de erros informáticos foi elidida, desde logo pela análise aos elementos bancários, mas também porque, uma segunda cópia da mesma base de dados recolhida em data posterior, evidenciou que desde a data da primeira recolha as evidências informáticas de alteração de documentos não são materialmente relevantes.
Conclui-se que esta prática terminou, pelo menos nestes modos, imediatamente após a acção da Administração Fiscal, restando, a partir desse dia, apenas algumas situações sem expressão.
Além disso, os depoimentos dos clientes destas empresas do grupo FG..., confirmam a prática da adulteração intencional das facturas com vista à ocultação material da transacção e constituem, pela forma pormenorizada e coincidente com que relatam os factos, uma prova externa irrefutável e esclarecedora.
Este facto demonstra que a alteração de facturas era uma prática propositada, premeditada, & não o reflexo de meros problemas informáticos que o sujeito passivo pudesse vir a invocar, que a terem existido, em nada alteram a constatação da existência das omissões praticadas por esta forma, e como já referimos, materializadas na adulteração intencional desse sistema, com vista a manipular o valor das facturas emitidas.
Verifica-se ainda que os valores depositados em contas particulares de F..., incluindo as aduzidas contas do BES, reduzem-se multo significativamente após a acção de recolha dos sistemas informáticos efectuada pela Administração Fiscal, sendo que em algumas contas bancárias esses depósitos simplesmente cessam após aquela data.
Este “modus operandi” que era desenvolvido por outras sociedades comerciais de alumínio pertencentes ao grupo FG..., era igualmente desencadeado pela sociedade A..., numa prática comum e global.
Apesar das insuficiências contabilísticas e das omissões praticadas, foi possível, através da leitura do sistema informático do sujeito passivo e do histórico das facturas emitidas para os seus clientes, que evidenciavam não só o valor final registado na contabilidade, como também o valor original pelo qual aquele documento havia sido emitido, apurar de forma directa e exacta uma parte multo significativa das vendas omitidas deste para os seus clientes.
Foi igualmente possível, através da leitura de dados informáticos da sociedade E..., apurar de forma directa e exacta a totalidade do valor das omissões nas compras da A....
Para além destas, não se apuraram outras omissões nas compras da auditada.
Contudo, face a termos constatado, que pela mera análise dos elementos informáticos das facturas alteradas, no exercício de 2006 o valor das omissões nas compras supera significativamente o valor das vendas omitidas, o apuramento final destas últimas, far-se-á por recurso a avaliação indirecta, dado ficar patente:
a) a existência, nesse exercício, de outras omissões nas vendas para além das que se traduziram em alterações de facturas da A... para os clientes;
b) a manifesta impossibilidade do valor total das vendas omitidas ser apurado directamente, vendo-se a Administração Fiscal na contingência de recorrer à avaliação indirecta para o apuramento do IVA em falta e das correcções ao lucro tributável.
(…)
Assim, ao valor das omissões nas vendas apurado de forma directa e exacta, acrescerá, no exercício de 2006. o diferencial entre este e o valor das compras omitidas, acrescido da margem média declarada pelas sociedades do sector nesse exercício que, sendo de 16,83% sobre o preço de venda, diga-se, é consideravelmente inferior à margem declarada pela própria auditada, que se situou em 33,59%.
A margem aplicada pela Administração Fiscal é assim sensivelmente metade da declarada pelo sujeito passivo, critério que desta forma, resulta claramente favorável ao sujeito passivo.
(...)
II.6 - Condições de desenvolvimento da actividade
II.6.1 - Aspectos Gerais
Conforme já referimos, a sociedade A... integrava o designado Grupo FG..., do qual, de acordo com elementos recolhidos no endereço WWW.FG.... PT faziam ainda parte integrante as seguintes sociedades:
GRUPO FG...
SOCIEDADE
NIF
ACTIVIDADE
E..., SA 5… Extrusão de alumínio
L…, SA 5… Tratamento e revestimento de Perfis de alumínio
F..., SA 5… Comércio Perfis de Alumínio
A…, Lda5… Tratamento e revestimento de Perfis de alumínio
Z.... Lda5… Comércio Perfis de Alumínio
N..., Lda5… Comércio Perfis de Alumínio
A..., Lda5… Comércio Perfis de Alumínio
P…, Lda5… Construção de Edifícios
D…, Lda5… Fabricação de Cimento
C…, Lda5… Construção de Edifícios
B…, Lda5… Construção de Edifícios
(…)
Fica assim claro que a actividade destas sociedades confunde-se com a actividade da própria E..., funcionando na prossecução do projecto iniciado com o fabrico do perfil até à sua comercialização.
Aliás, conforme demonstraremos, porque a gestão de todas estas empresas era efectuada pelas mesmas pessoas, as omissões praticadas nas vendas pelas sociedades armazém, eram compensadas por omissões nas vendas praticadas pela E... para estas sociedades.
As sociedades armazém adquiriram desta forma à E... quantidades superiores às que esta lhes facturava (ou pela menos que declarava facturar), permitindo, por parte destas, a realização de vendas igualmente não declaradas para os respectivos clientes. Estamos assim perante um esquema organizado de fuga ao fisco, perpetrado concertadamente entre a sociedade E... e as “suas” sociedades armazém.
(...)
As omissões eram produzidas e geridas globalmente. Neste desiderato, para um correcto entendimento dos acontecimentos, e para uma adequada e assertiva perspectiva global, analisam-se, no presente relatório, factos que são intrínsecos ao conjunto das sociedades.
Desta forma, ao longo do relatório, ao analisarmos as provas que conduziram às conclusões da existência de omissões nas vendas praticadas pela sociedade A..., apresentaremos igualmente todo um conjunto de provas relativas às omissões praticadas pela E... e pelas restantes sociedades armazém, até porque, nalguns casos, umas justificam e comprovam as outras, e noutros casos, as mesmas demonstram tratar-se de uma prática generalizada, cujo «modus operandi» era, no essencial, o mesmo, quer estivesse em causa a E... quer a sociedade A..., quer ainda as outras sociedades.
A impossibilidade de separação dos factos, surge ainda mais evidente quando analisamos os depósitos que eram realizados nas contas particulares tituladas por F.... De facto, existindo clientes comuns entre as sociedades, e constatando-se, por depoimento dos próprios, que estes, por sua vez, pagavam os fornecimentos que não haviam sido declaradas através de numerado ou de cheque que era depositado, não se afigura possível, na generalidade das situações, identificar pelo depósito qual das sociedades efectuou o fornecimento, ou os fornecimentos em concreto, cujo meio monetário se destinou a liquidar, até mesmo, em particular no caso dos depósitos de numerário, identificar o cliente.
Sendo ceifo que no caso da sociedade A..., existiam duas contas bancárias particulares dos seus sócios no BES, que eram alimentadas essencialmente com depósitos de numerário não declaradas na sociedade, não é possível afirmar que foram apenas estas as contas utilizadas para aquele fim.
Com efeito, sendo a A... gerida a partir da E..., e verificando-se um vasto conjunto de depósitos realizados por funcionários da E... em contas bancárias tituladas por F..., associados a omissões de vendas do conjunto das empresas, neles poderia estar igualmente uma parte do produto das omissões praticadas na A....
Assim, embora a analise ao sistema informático tenha permitido claramente identificar a maior parte dos fornecimentos que cada uma das sociedades omitiu, e para quem, os pagamentos destas operações aglutinavam por vezes vários fornecimentos (que poderiam até ser de mais do que uma sociedade), não sendo, em alguns casos (já que noutros essa associação surge muito clara e evidente, conforme também demonstraremos), possível associar essa prova apenas a uma das sociedades.
Por todos estes factores, até aqui descritos, que incluem o facto de o centro de decisão e de comando das sociedades ser o mesmo, de a actividade de umas ser o prolongamento da outra, e de existir uma concertação estratégica ao nível dos ilícitos praticados, na fundamentação das correcções iremos abordar e situação de uma forma global, descrevendo os factos com referência ao conjunto das empresas envolvidas, A…, E... e restantes sociedades armazém, para então produzir as correcções a realizar na esfera da sociedade A..., que incluem, não só omissões nas vendas, como também omissões nas compras efectuadas á sociedade E....
(…)
Ficará ainda demonstrado, que uma parte do produto financeiro das omissões da A..., era posteriormente canalizado para contas bancárias que serviam outras empresas do grupo, ou foi utilizado para a realização de suprimentos de F... na E....
(…)
III. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
III.1 - Proveitos omitidos - Omissões nas vendas
III.1.1 - Em sede de IRC e IVA
De acordo com os elementos recolhidos no sistema Informático do sujeito passivo, este praticou um conjunto de omissões nas vendas nos exercícios de 2006 e 2007, apurados directamente (...) e cuja fundamentação das correcções, encontrando-se desenvolvida com detalhe nos pontos 1.2 e sobretudo nos capítulos IV e V do presente relatório, escusamo-nos de transpor para este capitulo.
(…)
Já no que respeita ao exercício de 2006, constata-se que as compras omitidas através de alteração de facturas (compras efectuadas à E...), superam consideravelmente as vendas omitidas pelo sujeito passivo através do mesmo método, ou seja, por alteração de facturas.
Assim sendo, por um lado porque a contabilidade não merece credibilidade face às omissões constatadas, e por outro porque não é possível afirmar que todas as omissões nas vendas se perpetrassem por alterações de facturas, vê-se a Administração Fiscal na necessidade de recorrer a avaliação indirecta para aquele exercício, com vista a determinar o montante das vendas omitidas pela auditada.
(...)
IV. Motivo e Exposição dos Factos que Implicam o Recurso a Métodos Indirectos
IV.1.1.3 - Auditoria ao sistema informático efectuada no local - Teste à possibilidade de alteração de facturas no programa de facturação
(…)
É assim possível a emissão de facturas, com impressão das mesmas, e posterior alteração destas, quer em tipo de artigos, quantidade, ou valor dos mesmos, conduzindo a um valor final diferente daquele pela qual a factura havia sido emitida e imprimida inicialmente. A E... e as sociedades armazém, incluindo a sociedade A..., podem por este modo imprimir a mesma factura o número de vezes que entenderem e, sempre que o desejarem, com artigos e valores diferentes.
IV. 1.1.4 - Contabilização das duas vias da factura com valores diferentes
(...)
Recordamos que o registo histórico de alterações de facturas, constatado nas sociedades acima referidas, foi igualmente verificado, nos exactos termos, e comprovado, nos dados informáticos da sociedade A..., não deixando dúvida quanto à extensão deste procedimento evasivo àquela sociedade, gerida, repetimos, pelas mesmas pessoas que ganam as sociedades N.... Z..., F... e E....
IV.1.1.6 - Auditoria à base de dados e outros elementos informáticos
(...)
Foi no entanto possível comprovar que a situação descrita anteriormente verificava-se igualmente com a sociedade A..., ou seja, cheques particulares de representantes de sociedades clientes, depositados numa conta particular dos gerentes da auditada, correspondendo ao exacto montante “apagado” da factura original emitida.
Além disso, foi possível através do registo das facturas alteradas, saber quais os montantes omitidos pela A... através deste método, e bem como identificar os destinatários dessas vendas.
(...)
Esta situação verifica-se em muitos outros casos, como teremos oportunidade de apresentar. No caso, por exemplo, das vendas da A... para o cliente AL…, NIF 5…, que se encontra inscrito com a actividade de Comércio por Grosso Materiais de Construção e que é participada no capital por um antigo sócio da A..., no caso F…, era frequente a emissão de facturas por valores elevados, e a sua posterior redução para montantes consideravelmente inferiores.
Veja-se, a título de exemplo, a factura n° FCL-P0307-00705, emitida em 14/03/2007 por €4.262,87 e reduzida dois dias depois para E 517,28, ou factura n° FCL-P0307-01274, emitida em 16/05/2007 por € 10.664,84, e reduzida em 18/05/2007 para € 791.85, isto apenas para citar algumas.
(…)
Conforme relatámos, a maior parte das alterações do valor da factura ocorriam na mesma data da sua emissão. Porém, noutros casos, as alterações apenas ocorriam alguns dias após a emissão da factura, o que também afasta a possibilidade de erros.
Veja-se a título de exemplo, entre outros, a factura n° FCL-P0306-02192, emitida pela A... para o cliente O… - ALUMÍNIOS, LDA; em 03/07/2006 por 4.182,07 €, e alterada em 31/07/2006 para 37,21 €
(…)
No caso do cliente da A..., anteriormente referido, e da aduzida factura, o diferencial entre o valor de emissão e o valor final adulterado, foi depositado, como veremos, na conta bancária particular dos seus sócios.
(...)
Veja-se ainda a factura n° FCL-P0306-02695 da sociedade A..., emitida em 18/08/2006 por 647,92 €, alterada no mesmo dia para 719,66 € alterada posteriormente, em 14/09/2006 para 71,74 €, e depois alterada novamente para 719,66 €, sendo este o valor final.
(…)
Outra situação de relevo, e que constitui mais uma prova cabal da manipulação Intencional do valor das facturas, é que a sua alteração não ocorria com todos os clientes, mas em relação a alguns era sistemático, o que mais uma vez vem afastar a possibilidade de tratar-se de erros. Alguns clientes tinham mesmo um volume de compras considerável, sem que em relação a estes, se verificasse qualquer alteração com redução do valor das facturas.
Relativamente à sociedade A..., são exemplos do que acabámos de referir, A. M… - Soc. Come. Representação Lda (cliente 11004), E… - Indústria do Alumínio, Lda (cliente 13053), T… - Soc. Unipessoal, Lda (cliente 13008), entre outros.
As empresas em que a análise ao sistema informático não evidenciou ter existido alteração de facturas, são geralmente empresas de maior dimensão.
Ao contrário, veja-se o caso do cliente, AL…, LDA, NIF 5…, em que praticamente a totalidade das facturas emitidas, designadamente no ano de 2007, foi objecto de adulteração com redução do valor inicial de emissão.
(…)
Posto isto, com base nos registos históricos de facturação, colhidos das bases de dados da E... e das sociedades armazém, procedemos à elaboração dos ficheiros que apresentamos em suporte informático no anexo 14, um com a designação «diferenças de valor das facturas.XLS», relativo às facturas emitidas e altera das pela A..., e outro com a designação «Sub-totais das relações inter-sociedades.XLS», relativo às facturas emitidas e alteradas da E... para a A..., em que apuramos a diferença entre o valor mais elevado de emissão, e o respectivo valor pelo qual essas facturas foram registadas na contabilidade (...)
Os registos apresentados nos ficheiros anteriores, correspondem ao conjunto de facturas emitidas, quer pela E… para a A..., quer desta para os seus clientes, em que o valor da factura Inicial foi posteriormente objecto de redução, dando lugar um montante de transacção, registada na contabilidade, substancialmente inferior àquele que correspondeu ao valor de emissão da factura.
(…)
IV. 1.1.7 - Apresentação dos valores omitidos por alteração de facturas
(…)
Com efeito, no ano de 2006, ano em que se registou o maior valor global de omissões por alteração de facturas, constata-se que os armazéns com maior volume de omissões, ou seja, em que era maior a diferença entre os valores iniciais das facturas e aqueles que depois eram contabilizados, correspondem àqueles para os quais a E... alterou o maior volume de facturas.
O volume de omissões detectado foi de facto de uma grande proporção, assumindo no contexto global valores extraordinariamente elevados, o que, conjuntamente com o número de operadores envolvidos nestas transacções, é um dado absolutamente significativo quanto à dimensão da economia paralela que era praticada e em parte aqui revelada.
Conforme se pode verificar, relativamente ao ano de 2006, o valor das omissões da E... para a A..., praticadas por alteração de facturas, é bastante superior ao valor das omissões da A..., praticadas via alteração de facturas.
Relativamente a esta realidade, compete referir o seguinte:
1) Não é possível assegurar que todas as omissões nas vendas praticadas pela sociedade A..., resultassem de alteração de facturas, podendo ser concretizadas por qualquer outro método, inclusivamente a mera ‘não facturação”;
2) Efectivamente, no contexto global do grupo, foram detectadas situações em que valores, depositados em contas particulares de F..., habitualmente utilizadas para absorção do produto das omissões praticadas pela E... e sociedades armazém, vindos de contas particulares de sócios e gerentes de sociedades do ramo, não declarados por qualquer das sociedades, eram mesmo superiores aos montantes de omissões praticadas por alteração de facturas, para aquele cliente, ou, nalguns casos, nem sequer havia factura que o justificasse.
Outro dado de relevo, é que enquanto as omissões da E... para os seus armazéns, realizadas através de alteração de facturas, foram no período entre 2005 e 2007 de 3.522.493,12 €. as omissões destes para os clientes finais, também através de alterações de facturas foram de 3.083.789,34 € Este facto vem revelar que efectivamente as omissões nas vendas, mormente as praticadas pelas sociedades armazém, com especial incidência no exercício de 2006, eram igualmente concretizadas através de outros procedimentos que não só o de alterar facturas.
Não nos esqueçamos que as sociedades eram, todas elas, geridas pelas mesmas pessoas, o que remete para que a gestão das omissões nas vendas da E... para os armazéns fosse efectuada em função das necessidades omissivas de cada um deles.
(...)
No caso concreto da sociedade A..., verifica-se, através do ficheiro “Subtotais das relações inter-sociedades. XLS” que as omissões de vendas da E... para esta sociedade, perpetradas por alteração das facturas, ocorrem de forma uniforme durante todos os meses de Janeiro a Julho de 2006, praticamente cessando nessa data.
Com efeito, a partir de Julho de 2006, apenas foi alterado o valor de quatro facturas (uma em Agosto. duas em Novembro e uma em Dezembro), num total de 7.530,52 € e portanto pouco significativo, não mais havendo registo de facturas alteradas entre a E... e a A....
Já por seu lado, analisando o ficheiro “Diferenças de valor das facturas XLS” constata-se que a A... prosseguiu, de forma uniforme, a alteração do valor das facturas durante os anos de 2006 e 2007.
Tal facto remete claramente para as seguintes conclusões:
1) Em primeiro lugar, utilizando as sociedades o mesmo programa de facturação, constata-se, uma vez mais, que a alteração das facturas não era resultado de erros do sistema, pois caso tal se verificasse, os erros ocorreriam naturalmente de uma forma similar e abrangente.
2) Em segundo lugar, não é crível, pelos factos já apontados (gestão global das sociedades), que as omissões praticadas pela A... durante todo o ano de 2006 e 2007, respeitem às compras omitidas que fez à E... até Julho de 2006 (como referimos, considerando apenas que as omissões da E... para a A... se traduziram na alteração de facturas, estas terminaram em Julho de 2006).
3) Aliás, a análise aos inventários de 2006 da sociedade A... não evidencia qualquer elemento nesse sentido. Se é verdade que os stocks finais de 2006 crescem 87,88%, passando de 104.068,55 € para 195.524,26 €, também é verdade que tal se deve a um incremento nesse ano de 30, 12% nas compras declaradas, enquanto as vendas cresceram apenas 10,15%, o que resultou afias numa queda significativa das margens declaradas pelo sujeito passivo nesse ano.
4) De facto, o que se afigura mais plausível, é que a A... tenha procedido às omissões nas vendas, privilegiando outro, ou outros métodos, que não apenas o de alterar facturas. De acordo com declarações colhidas em clientes, haveria situações, no seio do grupo, de mera emissão de guias de transporte ou de remessa, cujas instruções seriam no sentido da sua destruição após conferência. O programa informático permitia igualmente, como já demonstrámos, a manipulação de guias de remessa.
5) E um elemento talvez importante, é que, apesar de as sociedades utilizarem o mesmo sistema informático, as facturas da A... eram emitidas, embora em rede, por regra a partir do escritório do seu armazém, e pelo sócio gerente J… que poderia ter outras formas de controlo destas operações.
6) Isto mesmo poderá explicar e razão pela qual o valor de facturas alteradas na A..., traduzindo omissões nas vendas por esta forma, seja significativamente inferior ao valor das facturas alteradas da E... para a A..., sem que tal signifique que as omissões nas vendas desta última se quedassem por este modo de actuação.
7) Pelo contrário, tendo as omissões da E... para a A... praticamente terminado em Julho de 2006, e tendo em consideração a normal rotação de stocks de 49 dias, é perfeitamente ajustado considerar que todas as compras omitidas em 2006 originaram omissões de vendas nesse ano.
8) Como dissemos, verifica-se que apesar de cessarem as omissões da E... (por alteração das facturas) para a sociedade A..., esta mantém uma regularidade de omissões por este método durante todo o ano de 2007. Poder-se-ia nesse caso supor que também a E... havia praticado omissões para a A... por método diferente, ou que a A... omitiu compras a outros fornecedores. Contudo, para além de não ter existido, no caso concreto da E..., evidência desse facto, tal pressuposto agravaria o valor das correcções na esfera da sociedade A..., dado que a um incremento das omissões nas compras corresponderia, logicamente, um incremento nos valores das omissões nas vendas apuradas.
9) E de facto, apesar da sociedade A... manter omissões nas vendas durante o ano de 2007, sem evidência de omissões nas compras, o valor não é muito significativo, e poderá resultar, sem um impacto muito significativo nas contas apresentadas, de omissões nas vendas sem ter havido omissão na compra.
10) E neste contexto, que relativamente ao ano de 2007, apenas se procedeu a correcções técnicas, corrigindo as vendas de acordo com o valor das facturas alteradas. Aliás, a não ser assim, existindo elementos que demonstram que, pelo menos em 2006, as omissões nas vendas efectuadas pela A..., não se limitavam ao método de alterar as facturas, e que pelo contrário eram maioritariamente conduzidas de outra forma, tal acarretaria, se aplicássemos a mesma distribuição a 2007, um valor muito superior de omissões nas vendas, e mesmo presumindo compras, a correcção seria sempre de maior montante, dado o incremento no IVA em falta.
Neste sentido, face a termos constatado, que para o exercício de 2006, o valor das omissões nas compras supera o valor das vendas omitidas por mera alteração de facturas, evidenciando a existência, nesses exercícios, de outras omissões nas vendas, iremos proceder ao cálculo do valor total das omissões praticadas pela sociedade A..., considerando, por recurso a avaliação indirecta, o valor das compras omitidas, adicionado da margem média sobre o preço de venda do sector de comércio por grosso de materiais de construção, que como já se referiu, tratando-se de uma margem de um sector genérico e muito abrangente, foi inferior à margem declarada pelo próprio sujeito passivo, cifrando-se em cerca de metade, critério que lhe á favorável.
IV.1.1.8 - Derrogação do sigilo bancário
(…)
Em particular, quanto às duas contas sedeadas no BES, tituladas solidariamente pelos sócios da A..., verificou-se genericamente o seguinte;
1) Conta BES NIB 0007…. (anexo 3)
Conta cujo primeiro titular é F…, ex. sócio gerente da sociedade A.... Foi movimentada até 03/06/2005, e a autorização de acesso à informação bancária foi concedida pelo próprio.
Entre Janeiro e Junho de 2005 foram depositados na mesma 58.558,99 €
A tipologia dos montantes depositados é em tudo id4ntica ao verificado em outras contas tituladas por F..., designadamente, o facto de tratarem-se de vários valores incertos, essencialmente em numerária.
Verifica-se a emissão de cheques de elevado valor, emitidos em nome da E..., os quais, como é o caso do cheque n° 4921897565, de 10/01/2005, no montante de 20.000,00 €, foram contabilizados naquela sociedade a título de suprimentos de F....
As omissões nas vendas da A..., eram, deste modo, utilizadas, em parte, em proveito de F... e da E....
Os cheques emitidos desta conta são assinados por F....
Em Auto de Declarações. F… afirma que não movimentava esta canta, nem conhecia a sua utilização.
2) Conta BES (418 0007.0292.00026000002,33 (anexo 4)
Conta cujo primeiro titular é J…, sócio gerente da sociedade A.... Foi movimentada a partir de 19/0512005, quando a conta titulada por F… deixou de o ser. A conta é movimentada até 29/04/2008, embora, a partir de 31/12/2007, passem a ser escassos os movimentos efectuados. Uma vez mais, a tipologia dos montantes depositados é em tudo idêntica ao verificado em outras contas, designadamente tratarem-se de vários valores incertos, e na sue esmagadora maioria realizados em numerário.
Desde a sua abertura, foram depositados nesta conta 278.344,33 €, que adicionadas aos 58.558,99 € depositados na conta BES n° 29…. perfazem 336.903,32 € em três anos. Destes, 10.267,24 €, tratam-se de uma transferência da conta BES n° 29…, que a saldou.
Para além do elevado conjunto de depósitos de numerário, destaca-se ainda o cheque n° 6100050611, no valor de 60.000,00 €, emitido, em 11/0112006, em nome da E... e depositado na conta n° 56…, titulada por aquela sociedade no BES.
Em 24/1072007 é efectuada uma transferência para a sociedade E... no montante de 40.000,00 € Em 02/01/2008 é depositado nesta conta, o cheque n° 58000356167, da conta n° 83…, do BES, titulada pela E..., no montante de 40.000,00 €, sem que seja perceptível o registo contabilístico deste movimento.
Sobressaem ainda vários cheques emitidos desta conta, de valor elevado, como são o caso dos cheques n°s 6200050751, 4700050785. 6800050815, 7400050394 e 9400050963 no valor, respectivamente de 20.000,00€, 20.000,00€, 10.000,00€, 15.000,00 € e 18.390,00 € em nome de F..., e depositados noutras contas particulares tituladas pelo próprio.
Salienta-se ainda o cheque n° 3800050980, de 04/04/2008, emitido em nome de J…, no montante de 26.000,00 €, depositado na conta n°29…do BES.
Este movimento praticamente saldou a conta bancária.
Aliás refira-se que após a Administração Fiscal ter efectuado recolha do sistema informático das sociedades E... e armazéns, em Dezembro de 2007, os movimentos nas contas bancárias para onde estavam a ser canalizados elevados montantes com a natureza já descrita cessaram ou deixaram de ter expressão desde aquela data.
Veja-se como no caso da presente conta bancária, utilizada para absorver parte do produto das omissões da sociedade A..., os depósitos vinham a decorrer de forma regular e constante até 30/11/2007.
Após essa data, praticamente cessam, registando-se apenas, em 31/12/2007, o depósito de um cheque da E... no montante da 40.000,00 €, outro cheque da E... em 04/04/2008, desta feita no montante de 5.000,00 € e ainda nessa data, o depósito de dois cheques emitidos pela A..., no valor de 4.200,00 € e 2.800,00 €, que foram registados como devolução de suprimentos de F... e J…, efectuados em 31/1072007, atra vós de uma transferência desta conta para a conta BES n° 292005570004 titulada pela sociedade.
Posteriormente estes últimos montantes depositados são repartidos por F..., através dos cheques n° 9400050963, no montante de 18.390,00 €, e J…, no valor de 26.000,00 E, já referidos.
Já em 16/04/2009 é efectuada nova transferência no montante de 4.574,74 a favor de J…. A conta fica saldada.
Os cheques que eram emitidos desta conta, com excepção do anteriormente referido no valor de 26.000,00 €, são assinadas por F....
IV.1.1.9 - Prova de que os cheques pagavam a diferença entre o valor mais elevado de emissão da factura e o respectivo valor contabilizado
Conforme já referido, foram identificadas várias dezenas de titulares de contas bancárias, de onde provinham cheques que eram depositados em contas bancárias particulares de F..., e bem como a sua associação a empresas do sector do alumínio, sobretudo, do ramo da serralharia.
(…)
Uma vez mais repetimos, e sublinhamos, que os cheques não eram emitidos de contas bancárias das empresas, mas antes dos seus sócios e gerentes. Estes cheques não se encontravam contabilizados, nem na E... nem nas restantes sociedades armazém, e os mesmos não correspondiam ao pagamento de operações que tivessem sido declaradas.
O pagamento das operações declaradas era realizado directamente nas contas da E... e das sociedades armazém.
Por seu lado as contas bancárias analisa das não eram contas de passagem, tendo tal facto ficado evidente do resultado da auditoria efectuada no decurso da inspecção.
Por seu lado os cheques, em muitas situações como veremos, correspondem à efectiva diferença entre o valor de emissão da factura mais elevado, e o valor contabilizado após a alteração da mesma para valores inferiores. Estes cheques pagavam assim a parte da transacção não declarada, que noutros casos, como sucede com a auditada, era liquidada essencialmente em numerário.
(…)
Verifica-se ainda, em alguns casos, que mesmo não se tratando de contas das sociedades, mas antes contas particulares, os cheques surgem com duas assinaturas, em que ambos os assinantes são sócios ou gerentes da mesma sociedade para a qual foi alterado o valor da factura, o que indicia tratarem-se estas contas, do vulgarmente designado «saco azul», ou seja, contas que não pertencendo oficialmente às sociedades, absorvem o produto financeiro de operações realizadas por estas, mas omitidas, e que, em contrapartida, são igualmente utilizadas para o pagamento de compras e outros custos não declarados.
De referir que na sequência destas inspecções, foram inspeccionadas algumas dezenas de sujeitos passivos, clientes das sociedades E... e armazéns, tendo os mesmos, praticamente na totalidade dos casos, admitido por escrito, não só as omissões, mas a forma como estas se operavam, e regularizado voluntariamente a situação fiscal.
Segue-se, meramente a título de exemplo, a análise a um conjunto de cheques emitidos por sócios gerentes das sociedades ligadas ao sector de alumínio, que demonstram, inequivocamente, que os mesmos pagaram efectivamente a diferença entra o valor de emissão mais elevado da factura, e o valor pelo qual a mesma foi contabilizada, após ter sido alterada, o que vem definitivamente provar que aquela diferença correspondia ao exacto valor omitido na operação (...)
10) OMISSÕES para a sociedade O… - ALUMÍNIOS LDA
(...)
Em 03/07/2006, a sociedade A... emitiu pare o cliente O… ALUMÍNIOS LDA, a Factura FCL-P0306-02192 por 4.182,07 €, que constituiu o valor mais elevado de emissão. No dia 31/07/2006, o valor da factura foi reduzido para 37,21 E, valor este pelo qual a Factura foi contabilizada, sendo aquele que foi declarado à Administração Fiscal.
Se ao valor mais elevado da factura retiramos o IVA, ficamos com o valor de a 456,26 € Por seu lado, tirando o IVA ao valor contabilizado, apura-se 30,75 €. A diferença, não declarada é assim de 3.425.51 €.
Em 02/0 8s2006, logo após a factura ter sido adulterada, é depositado em conta do BES nº 29…, titulada por J… e restantes sócios da A..., incluindo F..., o cheque n° 9166991365, emitido por O…, sócio gerente da sociedade O… L.da, da sua conta particular na Caixa Geral de Depósitos n° 23…, no valor de 3.425,52 €, exactamente o valor não declarado das operações, com a diferença irrelevante de 1 cêntimo.
(…)
IV. 1.1.12 - Audições e inquirições
(...)
1) M…, com número fiscal de contribuinte n.° 1…Exercia as funções de Assessora da Administração e responsável pelo Departamento Financeiro da E....
Após audições anteriores, surgiram indícios de M… ter participado como co-autora na materialização dos crimes de fraude fiscal praticados, e tendo sido referido que as quantias que eram levantadas ao balcão lhe eram entregues, foi a mesma inquirida no âmbito do Processo de Inquérito, como testemunha, tendo referido:
Entrei para a sociedade E... em 2002 Antes trabalhava noutra empresa, da qual fazia parte o Dr. D…, que me convidou para a E.... Embora tal não resultasse do contrato de trabalho, eu trabalhava para os 4 armazéns, ou seja, a N..., a A..., a Z... e a F..., para além da E....
Pelo menos desde o início de 2005 que assumi o cargo de Assessora da Administração, e fui colocada no Departamento Financeiro, tendo a meu cargo as funções de tesourada, nomeadamente o preenchimento de talões de depósito, pagamentos a fornecedores, e preenchimento de cheques.
(…)
Os vendedores, normalmente os da E..., pois era com os quais me relacionava directamente, também recebiam valores directamente dos clientes, sendo que esses recebimentos não eram sujeitos ao registo de entradas de correio, e quando esses valores me eram entregues, eu colocava-os no cofre, nas situações em que o Dr. J… já tinha saldo no final do dia. Se este estivesse na empresa, eu entregava-lhe os valores, ou os vendedores entregavam-lhos directamente.
Relativamente às contas nas quais me era ordenado efectuar os depósitos, eu refiro que, tendo conhecimento, pelas minhas funções, quais as contas tituladas pelas sociedades, eram igualmente realizados por mim, por ordem do Dr. J… ou do Sr. F..., depósitos em contas que eu sabia não serem tituladas por nenhuma das sociedades. E..., ou armazéns.
Nestas contas eu procedia ao depósito de valores em numerário e cheques, cujos emitentes, por vezes, eu conseguia identificar como sendo clientes das sociedades. Este trabalho era rotineiro, por vezes pedia auxílio às minhas colegas, e eu não questionava o facto de estar a realizar depósitos em contas não tituladas pelas saciedades.
Não fazia perguntas, e cumpria as instruções que me forneciam.
Depois de efectuados os depósitos, eu enviava para a contabilidade a documentação relativa àqueles que haviam sido realizados nas contas das sociedades, sendo que os documentos relativos aos depósitos matizados em contas que não eram tituladas pelas sociedades, não seguiam para a contabilidade, e eram entregues directamente ao Dr. J….
Dos depósitos realizados em contas não tituladas pelas sociedades, apenas me recordo de efectuar depósitos em contas tituladas pelo Sr. F....
Não enviava por correio, ou por qualquer outra forma, valores para a A..., ou para qualquer responsável desta, para que fossem depositados, excepto letras.
Que eu tenha conhecimento, os clientes da A... e da Z... não realizavam, nem enviavam os pagamentos para a E..., pelo que os respectivos recebimentos e depósitos eram efectuados directamente pelos vendedores e pelos funcionários e responsáveis destas sociedades.
(...)
Por regra era nas reuniões que tinha com o Dr. J…, normalmente da parte da manhã, que me eram fornecidas as indicações para preenchimento das cheques, que incluíam cheques de contas tituladas pelo Sr. F..., e emitidos para outros funcionários da E..., para serem levantados ao balcão.
Igualmente eram preenchidos em nome do próprio Sr. F..., não me recordando de outros destinatários.
(...)
Nestes casos eu recebia a pasta com os valores que haviam sido levantados, conferia-os, e colocava-os num envelope que introduzia no cofre, ou entregava directamente ao Dr. J….
(…)
2) J…, com número fiscal de contribuinte 1…

Ouvido em declarações, o sócio gerente da A..., no âmbito da acção inspectiva que decorre àquela sociedade, o mesmo declarou, conforme Auto de Declarações em anexo 15;
(…)
A contabilidade estava toda centralizada na Gafanha da Encarnação, nas instalações da E..., e bastava uma assinatura nos cheques da conta bancária da sociedade. Aceitei essa situação por uma questão de confiança.
A facturação era efectuada na A..., mas ligada ao sistema central.
(…)
Questionado sobre a alteração de facturas ocorrida na A... refiro desconhecer, Questionado sobre a conta bancária n° 00…, sobre o Banco Espírito Santo, conta solidária comigo e com o Sr. F... afirmo que:
Foi-me sugerido pelo Sr. F... que houvesse outra conte para além das contas da sociedade, por uma questão de conveniência.
Questionado sobre o tipo de conveniência, não sei dizer. Aceitei abrir a conta, mas não era eu quem a movimentava, nem sei para que servia, nem como em alimentada.
Recebia os extractos de conta, mas os movimentos neles referidos apenas ao Sr. F... Oliveira diziam respeito. Os extractos eram remetidos por mim para a E.... Eu não movimentava a conta, nem tinha cheques da mesma.
Não existem, nem existiram outras contas na mesma situação da referida anteriormente, nem contas em que fosse titular com qualquer outro sócio ou gerente da sociedade A…. Disponibilizo a autorização de acesso ao segredo bancário da conta n° bancária n° 00…, sobre o Banco Espírito Santo.»
(…)
Começou J… por referir não movimentar a conta, para, ainda no mesmo dia, vir afirmar em declarações, o seguinte, conforme Auto de Declarações em anexo 16:
Novamente questionado sobre a conta bancária n° 00…, sobre o Banco Espírito Santo, conta solidária comigo e com o Sr. F..., nomeadamente em relação aos depósitos que nela eram efectuados afirmo que:
Por vezes eram-me enviados envelopes com dinheiro em numerário, que vinham da E..., com a indicação de que eram para eu depositar na referida conta. Não consigo identificar quem era a pessoa ou as pessoas que ordenavam o envio desse dinheiro. Essa situação ocorreu pelo menos a partir de 2005 e terminou já a algum tempo.
Eu efectuava o depósito, mas desconhecia de onde vinha o dinheiro, qual era a sua proveniência, e qual o destino que lhe era dado depois de depositado.»
(…)
Recordamos que M…, responsável financeira da E..., afirmou não ter procedido ao envio de quaisquer quantias da E... desta tipologia.

E porque razão, a Administração da E..., enviava quantias de Ílhavo para Coimbra, se afinal de contas, esses montantes, supostamente, nada tinham a ver com a actividade da sociedade A...?
Neste particular, obviamente, estamos convictos, que os valores não provinham da E..., por completo descabimento de tal procedimento, já que tratando-se de valores omitidos à contabilidade, se tivessem chegado âs instalações da E..., poderiam ser depositados directamente pelas suas funcionárias, como aliás sucedia correntemente.
Este era antes o resultado de recebimentos directos dos vendedores da A..., neste caso, o próprio J…o, e F…, também efe sócio gerente, dos montantes omitidos, que depois eram depositados pelo próprio J… ou por quem este determinava, na conta supra-identificada.
3) F…, com número fiscal de contribuinte 1…
Ouvimos igualmente em declarações o ex sócio da A..., F…, que desde 21/06/2006 é sócio da sociedade AL…, Lda, sociedade para e qual existe uma enormíssima quantidade de facturas alteradas pela A.... Relembramos que no caso da A..., o depósito nas contas não declaradas pela sociedade era, regra gerei, efectuado em numerário.
(…)
Permitiu o acesso á conta titulada em conjunto com F..., e apenas a esta. Afirma não saber como se processava a ajuda da A... à E.... Pois bem, da conta bancária anteriormente referida, onde eram depositadas verbas oriundas de omissões nas vendas praticadas pela A..., forem emitidos cheques, em nome da E..., registados naquela sociedade a título de suprimentos de F....
Vem também este sócio, em relação à conta bancária de que é primeiro titular, afirmar não saber de que conta se trata.
(…)
IV.1.2 - Resumo dos fundamentos para a aplicação de métodos indirectos de determinação da matéria colectável e do imposto em falta do ano de 2006
Como se pode observar, a impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável, prevista nos artigos 81º a 86° da LGT, deriva de insuficiência de elementos de contabilidade, conforme a alínea a) do artigo 88° da LGT, e factos concretamente identificados que evidenciam uma capacidade contributiva superior à declarada, nos termos da alínea d) do artigo 88° do referido diploma, sendo desde logo relevantes pare o efeito os seguintes factos;
1) a recolha do sistema Informático do sujeito passivo, cuja análise demonstrou ter o mesmo realizado um significativo volume de operações em que alterou os valores da factura, após esta ter sido emitida, evidenciando a materialidade das omissões praticadas por este. Verificou-se ainda que para a realização dessas omissões, o sujeito passivo adquiria à sociedade E..., administrada pelas mesmas pessoas que o geriam, um igualmente elevado valor de compras omitidas, pelo mesmo método.
2) Esta forma de actuação sucedia igualmente com as outras sociedades que operavam como comerciais da E..., e que eram geridas de facto por F... e por J…, num esquema concertado e planeado de evasão fiscal, iniciado a montante na E... e a jusante nestas sociedades comerciais.
3) A análise às contas bancárias particulares em que foram detectados avultados valores depositados, quer em cheque quer em numerário, em que, quer pelos depositantes, funcionários das sociedades, quer pelos emitentes dos cheques, sócios e gerentes de sociedades clientes das ora inspeccionadas, ficou patente estarem esses valores associados à actividade paralela das sociedades, e cujos montantes depositados eram posteriormente, ou levantados ao balcão cor funcionários da E..., ou Introduzidos na sociedade a título de suprimentos ou prestações suplementares, ou ainda canalizados cara outros fins.
4) A confirmação do que os cheques que eram emitidos a partir de contas particulares de sócios e gerentes de sociedades clientes, depositados nesses contas particulares, incluindo a conta titulada pelos sócios da A..., correspondiam efectivamente a omissões nas vendas destas.
5) A confirmação de que esses cheques correspondiam à efectiva diferença entre o valor mais elevado de emissão da factura, e o valor para o qual a mesma havia sido diminuída, este último correspondendo ao que era contabilizado.
6) Depoimentos vários de clientes que confessam terem efectuado compras às sociedades visadas, em que o valor inicial da factura foi alterado com vista a ocultar o verdadeiro valor da operação.
7) A obtenção física de facturas adulteradas, que se encontravam na posse de terceiros, emitidas pela E... a partir da mesma base de dados e do mesmo programa que era utilizado pela sociedade A..., que evidenciou a mesma prática de alteração de facturas nesta sociedade.
8) A forma de actuação verificada em relação à sociedade A..., no que respeita a alteração e adulteração de factures corresponder ao exacto padrão constatado em relação às restantes sociedades, E... e sociedades armazém, em que se provou que essa alteração de factures compunha de facto omissões nas vendas praticadas por estas.
9) Não ser possível assegurar que as omissões praticadas pela sociedade A... se concretizassem unicamente através de alteração dos valores das facturas, essencialmente no que respeita ao ano de 2006, em que o valor das compras omitidas por esse método, supere o valor das vendas omitidas pelo mesmo método.
10) O exercício de 2006 foi aquele em que o sujeito passivo maior volume de omissões nas vendas praticou, o que fica evidenciado na análise às facturas alteradas, Além desse facto, é também neste ano que se verifica o maior volume de depósitos realizados em contas particulares de F..., com a tipologia associada à prática omissiva, o que corrobora ter sido este o exercício em que, de uma forma geral, a prática omissiva associada a esta empresa foi de maior materialidade.
11) É neste exercício que se afigure superior o valor das compras omitidas por alteração de facturas e as vendas omitidas pela A... pelo mesmo método, de acordo com os valores que foi possível apurar directamente pelo sistema informático. Afirma-se desta forma real a possibilidade de terem existido omissões nas vendas executadas por método diferente, designadamente a simples não facturação por parte da A....
Assim, estando reunidos os pressupostos estabelecidos pela alínea b) do artigo 87° da Lei Geral Tributária, conforme redacção que lhe foi conferida pelo DL n° 398,98, de 17 de Dezembro, e atento ao facto de os registos contabilísticos não reflectirem a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido, somos, ao abrigo do n°1 do artigo 52° do Código do IRC, verificados os pressupostos consagrados nos artigos 87° a 89° da Lei Geral Tributária, a propor a determinação da matéria tributável em sede de IRC, e do IVA em falta, para o exercício de 2006, por recurso à aplicação de métodos indirectos.
V. Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos
V. 1 - Critérios gerais
(...)
De acordo com o artigo 90º da Lei Geral Tributária (...) a determinação da matéria tributável por métodos indirectos poderá ter em conta entre outros critérios aí definidos “os elementos e informações declarados à administração tributária, incluindo os relativos a outros impostos e, bem assim, os relativos a empresas ou entidades que tenham relações económicas com o contribuinte” (alínea d) do artigo 88°da LGT) e “uma relação congruente e justificada entre os factos apurados e a situação concreta do contribuinte” (alínea i) do artigo 88.º da LGT).
Desta forma o apuramento do lucro tributável em IRC para o ano de 2006 e consequente imposto liquidado em sede de IVA será efectuado nos seguintes termos:
1) através do valor directamente apurado de omissões nas compras à sociedade E..., acrescido da margem bruta sobre o preço de venda média do sector de actividade.
2) Ao valor apurado em 1) deduziremos as compras omitidas para efeito de cálculo da correcção ao lucro tributável.
Uma vez mais, queremos salientar, que a aplicação da margem anteriormente referida, resulta claramente vantajosa para o sujeito passivo, já que nesse exercido o mesmo declarou uma margem que foi de cerca do dobro da aqui aplicada.
3) Desta forma, embora o montante global das omissões seja naturalmente, todo ele, determinado por via indirecta, conforme estabelecem as regras, poderemos afirmar que o valor das vendas omitidas será, no fundo, formado por duas parcelas:
a) Uma apurada directamente, e que se traduz no montante de facturas alteradas pelo sujeito passivo no ano de 2006 e que corresponde a 31,80% do total das vendas omitidas que apurámos. b) Uma apurada indirectamente, e que se traduz na diferença entre o valor das compras omitidas, acrescido da margem média do sector sobre o preço de venda, e o valor das vendas omitidas apurado directamente.
Desta forma podemos afirmar que no valor total de vendas omitidas, existe um montante que está directamente evidenciado nas facturas que o sujeito passivo alterou para os seus clientes. Nessa sequência temos que:

Empresa
Exercício de 2006
Vendas omitidas por alteração facturas Compras omitidas
A... 175.740,84 459.584,33

O quadro anterior evidencia, não só o valor das vendas omitidas, concretizado por alteração de facturas, e que foi possível apurar directamente, como também o das compras omitidas, apurado igualmente de forma directa
(…)
- imagem omissa -
Uma vez mais realçamos que o sujeito passivo declarou margens brutas sobre o preço de venda de 33,59% em 2006 (50,59% sobre o preço de custo), pelo que o critério por nós aplicado resulta em margens brutas que se afirmam muito inferiores àquela. Acresce ainda que a margem declarada pelo sujeito passivo em 2006 foi substancialmente inferior às margens normalmente praticadas por este.
(...)
V.3 - Correcções em sede de IVA
V.3.1- Exercido de 2006
De acordo com os fundamentos referidos no capítulo e nos pontos anteriores, atento o disposto nos artigos 1°, 3°, 7°, 8°, 16°, 18°, 27°, 29° a 41°, todos do CIVA e nos termos do n° 1 do artigo 87° do mesmo diploma, sobre o valor das vendas omitidas, efectua-se o cálculo do imposto a liquidar, discriminado no quadro abaixo, por períodos de imposto:

Para cálculo do imposto em falta por período de imposto, o mesmo far-se-á do seguinte modo:
a) relativamente ao valor das vendas omitidas, que foi possível apurar directamente, imputaremos a base tributável e o imposto em falta, ao período correspondente à data de emissão da factura alterada;
b) Relativamente ao valor das vendas omitidas apurado indirectamente, efectuaremos a sua distribuição uniforme por todos os períodos de 2006, corrigindo a diferença resultante dos arredondamentos no período de Dezembro.
(...)” (fls. 546 ess. dos autos);
4. O Projecto de Relatório, a que se refere o ponto 3. supra, juntamente com os anexos, num total de 393 páginas e 2 CD, foram enviados para a sede da Impugnante, através de Ofício n.° 8401209, de 10-02-2010, remetido por carta registada, com registo n.° RC373908126PT (fls. 544 a 545 dos autos);
5. Em 05-03-2010, foi elaborado o Relatório de Inspecção Tributária, sancionado superiormente, que aqui se dá por integralmente reproduzido, incluindo os seus anexos, o qual tem teor exactamente igual ao do Projecto de Relatório a que se refere o ponto 3. supra, contendo, a mais, apenas o item IX. “Direito de Audição”, no qual consta que o sujeito passivo, notificado para exercer o direito de audição, não o veio fazer (fls. 1 e ss. do PA.);
6. O Relatório a que se refere o ponto 5. supra foi enviado para a sede da Impugnante através de Oficio n.° 003532, de 2010-03-1 7, remetido através carta registada com A/R, assinado em 18-03-2010 (fls. 220 e 220 v.° do P.A.);
7. Em 23-03-2010 deu entrada na Direcção de Finanças de Coimbra um requerimento da Impugnante, remetido por carta registada com data de 22-03- 2010, que consubstancia uma reclamação, que aqui se dá por integralmente reproduzida, na qual vem indicar o seu perito e em que se insurge contra as correcções efectuadas, alegando, em suma, erro nos pressupostos de direito, uma vez que os motivos indicados no relatório para o recurso a métodos indirectos não se enquadram nas normas legais invocadas; erro nos pressupostos de facto, por erro de cognição e de valoração dos factos que fundaram o recurso a métodos indirectos; falta/insuficiência de fundamentação tanto dos pressupostos como do critério de quantificação; vício de violação de lei quanto ao método de quantificação e falta de idoneidade do mesmo (fls. 221 a 244 v.° do PA em apenso);
8. No dia 13-04-2010, realizou-se na Direcção de Finanças de Coimbra o debate contraditório entre os peritos da Fazenda Pública e do Contribuinte, espelhado na Acta n.° 010/LGT, assinada por ambos os peritos, que aqui se dá por integralmente reproduzida, não tendo estes logrado chegar a acordo (fls. 247 a 252 do PA em apenso);
9. Por não ter havido acordo entre os peritos no que diz respeito à quantificação operada, a decisão do procedimento de revisão foi tomada pelo Director de Finanças Adjunto de Coimbra, por delegação de competências, através do Despacho 11/2010, de 17 de Maio de 2010, que aqui se dá por integralmente reproduzido, o qual manteve os valores da matéria tributável inicialmente fixados e, especificamente para o IVA, o valor de € 116.046.88, defendendo a verificação dos pressupostos para o recurso a métodos indirectos, nomeadamente, os previstos na alínea b) do n.° 1 do art. 87.° e alíneas a) e d) do art. 88.° da LGT; que o contribuinte não trouxe ao procedimento qualquer elemento ou documento, ou qualquer proposta que permitisse rectificar os valores apurados ou que constituísse uma alternativa à quantificação efectuada, limitando-se a tecer considerações de direito e de ordem teórica; que, quanto ao critério, recorreu-se apenas aos critérios das alíneas d) e i) do art. 90.° da LGT, transcritas no relatório, explicando que a menção ao artigo 88° no relatório se tinha ficado a dever a lapso, aderindo, por isso, aos “fundamentos e quantificação constantes do relatório da Inspecção tributável (sic) e respectivos anexos - e às expendidas pelo perito da Administração Tributária” (fls. 253 a 259 do PA em apenso);
10. As liquidações adicionais de IVA do ano de 2006 e respectivos juros compensatórios, com os nºs 10094050, 10094048, 10094046, 10094066, 10094064, 10094062. 10094044, 10094052, 10094055, 10094059, 10094051, 10094060, 10094053, 10094045, 10094061, 10094063, 10094057, 10094065, 10094067, 10094049, 10094047, 10094056, 10094058 e 10094054, têm data limite de pagamento de 31-08-2010 (fls. 276 a 299 dos autos);
11. Em 03-09-2010 deu entrada neste Tribunal a presente impugnação, remetida por correio registado (fls. 1 e 300 dos autos);
Mais se provou que:
12. Das compras declaradas pelo sujeito passivo no ano de 2006, no valor de € 1.194.746,14, ficou em existências finais desse ano o valor de € 195.524,26, sendo que de existências iniciais desse mesmo ano foi declarado o valor de € 104.068,55 (fls. 382 e 391 dos autos e 14 v.° e 38 do PA em apenso).
3.2. Factos não provados
Não há factos não provados com interesse para a decisão da causa.

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame crítico dos documentos que constam dos autos, não impugnados, e do Processo Administrativo em apenso, cuja relevância foi referida a propósito de cada ponto. Quanto ao depoimento da testemunha arrolada, o mesmo não teve qualquer relevância para os presentes autos, na medida em que a mesma apenas passou a ser TOC da Impugnante a partir de 2009 e não demonstrou ter conhecimento dos factos anteriores.”
*
2. O Direito

A sentença recorrida, a fls. 624 a 669 do processo físico, aquando da análise dos fundamentos para o recurso a métodos indirectos, verificou que o relativo aos depoimentos de vários clientes que terão confessado ter efectuado compras a algumas sociedades, de que o sócio gerente da Impugnante era também o representante legal, em que o valor inicial da factura foi alterado, não podia valer para o caso da Impugnante.
Considerou a sentença recorrida que, embora tais declarações não pudessem ser valoradas, não podendo ser relevadas positivamente pelo tribunal, porque nenhum dos autores de tais depoimentos se refere à ora Impugnante (mas antes às restantes sociedades do designado “grupo” da qual esta fazia parte), a impugnante não atacou os demais fundamentos de tais correcções, em si mesmos suficientes para fundamentar as correcções efectuadas, razão pela qual, nas circunstâncias do caso, entendeu não proceder o invocado vício de violação de lei.
Discorda do decidido a Recorrente, alegando, em síntese, que perante a verificação da falta de um pressuposto para o acto se impunha a sua anulação, por falha de um dos fundamentos da correcção efectuada, não cabendo ao tribunal substituir-se à Administração e praticar o acto tributário, pois que a tanto se opõe o princípio da separação de poderes e um contencioso de anulação, em que o contencioso tributário se enquadra, em que está em causa apenas a legalidade de um concreto acto de liquidação, em função dos concretos fundamentos de direito e de facto alegados para a sua prática, sendo que no caso de a exposição das razões de facto, no discurso fundamentador, ser feita cumulativamente e não subsidiaria ou disjuntivamente, a falta de uma dessas razões ou pressupostos faz inquinar o acto de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto ou de direito.
Vejamos.
A sentença recorrida nenhum acto tributário praticou, não invadindo os poderes da administração activa ou extravasando os limites do contencioso de anulação. Limitou-se a considerar que, não obstante a irrelevância das declarações de vários clientes, enquanto fundamento das correcções efectuadas, tais correcções - correspondentes a omissões de proveitos - estavam, ainda assim, suficientemente fundamentadas, porquanto assentaram também em outros fundamentos não impugnados pela então Impugnante - a saber, a verificação, na base de dados informática, do registo histórico das facturas alteradas, constando de tal base a mesma factura com valores diferentes, sendo a de valor inferior a que é registada na contabilidade, ou seja, omissão de proveitos (vendas), bem como a omissão de compras. No entender do Tribunal, independentemente da valia dos restantes, havia um fundamento que valia por si só: o facto das compras omitidas por alteração das facturas ter sido superior, em 2006, ao valor das vendas omitidas pelo mesmo método, indiciando haver outras formas de vendas não declaradas, que fez com que se tornasse impossível apurar de forma directa e exacta a matéria tributável.
Como já decidido pelo STA, em processo idêntico [da mesma Recorrente, mas referente a IRC de 2007], por Acórdão de 09/10/2013, proferido no âmbito do processo n.º 1007/13, o assim julgado não merece censura.
“(…) Não pode afirmar-se à partida, como pretende a recorrente, que caindo um de vários dos fundamentos de facto da correcção fica o acto tributário que dela deriva irremediavelmente ferido do vício de violação de lei, pois que tudo depende da aptidão e suficiência dos demais para fundar a pretensão tributária do Fisco. Pode até suceder assim, não por regra aritmética mas porque os demais fundamentos invocados deixem de ter, desacompanhados daquele que não pode ser valorado, aptidão para fundamentar a correcção.
No caso dos autos, as declarações dos clientes (…) não constituem fundamento específico das correcções efectuadas, antes servem para corroborar a prática de omissão de vendas que a Administração detectou através da auditoria ao sistema informático, ao histórico de facturas e aos movimentos bancários de que teve conhecimento em razão da derrogação do segredo bancário, elementos estes que constituem, em si mesmos, base suficiente e plausível para alicerçar a pretensão tributária do Fisco.
Improcede, pois, a alegação da recorrente, não tendo a sentença recorrida incorrido em erro de julgamento ao julgar inverificado o vício de violação de lei. (…)”

Insurge-se, ainda, a Recorrente contra o alegado erro de julgamento da sentença recorrida, que julgou válida a notificação para audiência prévia e inverificado o vício de violação do princípio da participação, porquanto, alega, a AT deveria ter dado conhecimento de todos os elementos coligidos na sociedade E..., pelo que, não se mostrando tal feito, ou seja, não tendo sido dado conhecimento à impugnantedo teor integral daqueles elementos, incluindo da transcrição completa das declarações que foram prestadas oralmente, a notificação é inválida por não ter permitido à ora recorrente participar convenientemente na formação da decisão, ficando prejudicado o seu direito de contraditório e defesa, maxime em matéria probatória: “(…) se tal vício não existe, o que não se concede, então verifica-se a existência de uma preterição legal que inquina o despacho (…)”.
A este propósito consignou-se na sentença recorrida o seguinte:
“(…) Dos factos provados (pontos 3. e 4.) resulta que a Impugnante foi notificada para exercer o direito de audição sobre o projecto de relatório de inspecção, tendo-lhe sido enviados com tal projecto os respectivos anexos, incluindo 2 cd’s.
Quanto às declarações dos compradores, com efeito, os respectivos autos não fazem parte dos anexos ao Relatório, no entanto, os depoimentos encontram-se transcritos de fls. 92 a 101 do relatório, sendo cada um deles identificado pelo nome, número fiscal e empresa a quem havia efectuado compras.
Ora, sendo assim, entende o Tribunal que, na posse de tais dados, a impugnante não ficou impedida de se pronunciar “de forma completa e efectiva” sobre tais elementos ou declarações. Na verdade, quanto às declarações, tendo apenas sido os elementos transcritos no relatório os que foram utilizados para fundamentar as conclusões a que chegaram os Serviços de Inspecção, não pode a Impugnante afirmar ter sido violado o princípio da participação em sede de direito de audição ou o direito ao contraditório. Os elementos utilizados foram-lhe fornecidos no projecto de relatório e ela, se assim o pretendesse, poderia sobre eles ter tomado uma posição. Não vê, assim, o Tribunal em que medida a Impugnante possa ter saído prejudicada no seu direito de defesa, nem a Impugnante demonstra concretamente em que medida ficou prejudicada pela falta de notificação dos respectivos autos de declarações.
O vício de violação do princípio da participação invocado é um vício formal, externo ao acto de liquidação, que não se prende com o seu conteúdo ou valia substancial e que existe quando não é dada ao contribuinte a possibilidade de se pronunciar, de uma forma cabal e efectiva, sobre a decisão que a Administração projecta tomar. Ora, se o contribuinte entende que faltam à decisão projectada elementos ou factos que a sustentem, está a atacar a sua validade intrínseca ou interna, a qual não se confunde com o vício, externo à decisão, da falta do direito de audição.
No caso concreto, verifica-se que a decisão, nos exactos termos em que a mesma se projectava tomar, fosse suficiente ou insuficiente, foi notificada à impugnante para efeitos de lhe possibilitar o exercício do direito de audição, tendo esta optado por não fazer. Caso o tivesse feito, podia, nessa sede, ter invocado a falha aqui referida.
Por fim, quanto à alegação de que não teriam sido apreciados os elementos novos suscitados no direito de audição (artigo 80º da p.i.), tal afirmação só se pode entender por lapso, na medida em que, como se disse, neste procedimento de inspecção a Impugnante não exerceu o direito de audição (ponto 5. do probatório). (…)”
Tem razão o tribunal “a quo”.
Não se descortina, também neste domínio, qualquer erro de julgamento da sentença recorrida, em face do probatório fixado, que não foi questionado pela recorrente, e da sua alegação genérica.
Como se disse no referido Acórdão do STA, de 09/10/2013, proferido no âmbito do processo n.º 1007/13, “(…) Nem parece séria a invocação de qualquer violação do princípio do contraditório, da participação ou da decisão, ou mesmo procedimental.
O relatório que fundamentou a correcção tem conteúdo idêntico ao do respectivo projecto (salvo a referência ao não exercício do direito de audição – ponto IX – obviamente omisso no projecto) e sobre ele foi dada oportunidade à ora recorrente de se pronunciar, tendo esta optado por não o fazer e, que se saiba, não tendo também solicitado ou requerido a notificação de quaisquer outros elementos que julgasse em falta e se lhe afigurassem essenciais ao adequado exercício das suas garantias procedimentais tributárias.
Não se vê, pois, como possa legitimamente pretender anular, com tais fundamentos, o acto tributário praticado. (…)”
A sentença recorrida considerou, portanto, estarem reunidos os pressupostos de facto e de direito para o recurso a métodos indirectos na situação concreta.
Do relatório efectuado, resulta que foi com base nos artigos 87.º a 89.º, da Lei Geral Tributária (LGT) que a fiscalização se estribou para lançar mão do poder de tributar por métodos indirectos:
“(…) IV.1.2 - Resumo dos fundamentos para a aplicação de métodos indirectos de determinação da matéria colectável e do imposto em falta do ano de 2006
Como se pode observar, a impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável, prevista nos artigos 81º a 86° da LGT, deriva de insuficiência de elementos de contabilidade, conforme a alínea a) do artigo 88° da LGT, e factos concretamente identificados que evidenciam uma capacidade contributiva superior à declarada, nos termos da alínea d) do artigo 88° do referido diploma, sendo desde logo relevantes pare o efeito os seguintes factos; (…)
(…) Assim, estando reunidos os pressupostos estabelecidos pela alínea b) do artigo 87.º da Lei Geral Tributária (…), e atento ao facto de os registos contabilísticos não reflectirem a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido, somos, ao abrigo do n.º 1 do artigo 52.º do Código do IRC, verificados os pressupostos consagrados nos artigos 87.º a 89.º da Lei Geral Tributária, a propor a determinação da matéria tributável em sede de IRC, e do IVA em falta, para o exercício de 2006, por recurso à aplicação de métodos indirectos. (…)”
Alerta a Recorrente que, detectada a inexistência ou insuficiência de contabilidade ou a falta ou atraso na escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua execução, prevê-se que será notificado o sujeito passivo para proceder à sua organização num prazo a designar pela administração tributária, não superior a 30 dias (artigos 120.º, n.º 2, e 121.º, n.º 2, do RGIT, 39.º, n.ºs 2 e 3, do CIRS e 52.º, n.ºs 2 e 3, do CIRC).
Só se as deficiências de contabilidade e escrituração não forem supridas neste prazo, se poderá concluir, se for caso disso, pela impossibilidade de comprovação e quantificação directa da matéria tributável.
In casu,afirma a Recorrente que essa notificação não foi efectuada, sendo que na sequência da mesma e das correcções que viessem a ser apresentadas pelo contribuinte até se poderia vir a obstar à aplicação da avaliação indirecta.
Nos termos do artigo 87.º da LGT, a AT encontra-se legitimada a recorrer à avaliação indirecta nos casos de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto, acrescentando a alínea a) do artigo 88.º que tal impossibilidade pode resultar da “inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros ou registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo que essa ausência se deva a razões acidentais.”
Como se refere na sentença recorrida, o fundamento elencado no ponto 9) assume particular pertinência na decisão de recurso a métodos indirectos: “Não ser possível assegurar que as omissões praticadas pela sociedade A... se concretizassem unicamente através de alteração dos valores das facturas, essencialmente no que respeita ao ano de 2006, em que o valor das compras omitidas por esse método, supere o valor das vendas omitidas pelo mesmo método”.
Na verdade, a análise da recolha efectuada do sistema informático do sujeito passivo demonstrou que este realizou um significativo volume de operações em que alterou os valores da factura, após esta ter sido emitida, evidenciando a materialidade das omissões praticadas por este. Verificou-se, ainda, que para a realização dessas omissões, o sujeito passivo adquiria à sociedade E..., administrada pelas mesmas pessoas que o geriam, um igualmente elevado valor de compras omitidas, pelo mesmo método. Afirma-se, desta forma, real a possibilidade de terem existido omissões nas vendas executadas por método diferente, designadamente a simples não facturação por parte da A... (cfr. pontos 1), 9) e 11) de IV.1.2 do Relatório Final de Inspecção).
Efectivamente, ressalta do teor do relatório tributário e dos elementos ínsitos nos autos não ter sido dada ao contribuinte a oportunidade para organizar a sua contabilidade, nos termos invocados pela Recorrente. Contudo, importa verificar se, no caso concreto, a falta de notificação para proceder à sua organização num prazo a designar pela administração tributária, não superior a 30 dias, implica concluir não estarem reunidos os pressupostos para a aplicação dos métodos indirectos, pois, conforme expressamente decorre da alínea a) do artigo 88.º da LGT, a insuficiência da contabilidade ou a falta ou atraso no registo dos seus elementos ou operações apenas legitima o recurso à avaliação indirecta quando essa omissão não seja suprida no prazo legal.
Embora a letra da alínea a) do artigo 88.º da LGT não seja inequívoca, pois tanto permite sustentar que a condição nela ínsita - “quando não supridas no prazo legal” – se aplica a todas as situações nela previstas (assim, ANTÓNIO LIMA GUERREIRO, Lei Geral Tributária Anotada, Rei dos Livros, 2000, pp. 371/372 – nota 3 ao art. 88.º da LGT), como apenas às situações de falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução (como parecem entender DIOGO LEITE DE CAMPOS/BENJAMIM SILVA RODRIGUES/JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª ed., 2012, p. 765 – nota 2 ao art. 88.º da LGT), a interpretação mais abrangente é a que melhor se ajusta à natureza subsidiária, de ultima ratio, da avaliação indirecta (artigo 87.º, n.º 1 da LGT), atento a que o legislador prevê expressamente a notificação para regularização da situação tanto nas situações de inexistência de escrita como nas de atraso na execução desta e em ambos os casos “independentemente do procedimento para a aplicação da coima prevista nos números anteriores” (cfr. os artigos 120.º, n.º 2 e 121.º, n.º 2 do RGIT) - Acórdão do STA, de 03/12/2014, proferido no âmbito do processo n.º 01262/13.
Como se refere neste aresto, a aplicação da norma constante do artigo 120.º, n.º 2 do RGIT a qualquer modalidade de procedimento tributário onde se revele adequada (e não apenas no domínio do processo de contra-ordenação fiscal) está inequivocamente inculcada no inciso “independentemente do procedimento para aplicação da coima prevista nos números anteriores”; constituindo manifestação do princípio da colaboração recíproca entre os órgãos da administração tributária e os contribuintes, designadamente traduzido na interpelação do contribuinte para proceder à regularização da sua situação tributária [artigo 59.º nºs 1 e 3 alínea n) da LGT].
Todavia, a motivação para o recurso aos métodos indirectos constante do relatório inspectivo também assenta nos factos concretamente identificados que evidenciam uma capacidade contributiva superior à declarada, nos termos da alínea d) do artigo 88° do referido diploma.
Ora, estes factos concretos que permitem concluir que o resultado do exercício nunca poderia corresponder ao declarado reportam-se à viciação da documentação aludida nos pontos 1), 9) e 11) de IV.1.2 do Relatório Final de Inspecção, que transcrevemos supra.
Não obstante o enquadramento pela AT (também) na alínea a) do artigo 88.º da LGT (a pensar, certamente, nas presumidas omissões nas compras e nas supostas omissões nas vendas executadas por não facturação por parte da A...), o certo é que os factos constatados que subjazem a tal presunção inculcam a ideia de dolo (existência de dupla contabilidade), pelo que, nestas situações, não há lugar a notificação prévia para suprir ou regularizar a situação, porque a atitude do contribuinte já espelha a intenção de não colaborar com a AT.
Na verdade, para aferição dos casos em que se verifica a impossibilidade da comprovação directa e exacta da matéria tributável, o legislador, no artigo 88.º da LGT, criou, de forma taxativa, parâmetros legais destinados a tornar mais facilmente identificáveis as situações em que essa impossibilidade se verifica.
Nas situações mais graves, deparamos com anomalias ou incorrecções imputáveis ao sujeito passivo a título de dolo. São as situações em que o seu próprio comportamento revela a intenção de não colaborar com a AT e de ocultar a sua verdade fiscal, inviabilizando a cabal aferição da sua capacidade contributiva.
Será, por exemplo, o caso dos autos, por terem sido falsificados ou viciados os suportes documentais da escrita, ou ainda por terem sido apresentadas diversas contabilidades, entendendo-se como tal as situações em que são detectados elementos contabilísticos relativamente aos mesmos factos com conteúdo diverso. Sendo que, neste caso, o recurso à tributação indirecta pressupõe que a AT não tenha meio de saber qual delas é verdadeira; o que não se verificou na situação em apreço, daí a AT ter optado, em parte, por recorrer à avaliação directa.
Comum a estas situações mais graves é o facto de o legislador não exigir que seja fixado um prazo legal para o suprimento da falta. A razão é evidente: os comportamentos descritos revelam por si só uma intenção de não colaborar com a AT. Em casos como o dos autos, com tais comportamentos, o contribuinte está a anunciar antecipadamente a intenção de não colaborar.
Existe um outro grupo de situações identificado no artigo 88.º da LGT, em que temos anomalias e incorrecções de que, por si só, não se pode extrair uma imputação ao sujeito passivo senão a título de negligência.
Estamos a pensar na falta ou atraso na escrituração, que são situações menos graves porque existem as declarações e, sobretudo, existem os livros e os documentos de suporte, mas a escrita não está organizada, ou seja, não foi cumprido o dever de organização contabilística e, na íntegra, o dever de avaliação. E ainda nos erros ou inexactidões na contabilidade e as irregularidades na sua organização ou execução. Nestes casos, a contabilidade existe e foi organizada em prazo ou regularizada, mas não de harmonia com as regras de normalização contabilística (para utilizar a expressão constante do artigo 121.º, n.º 1, do RGIT) – erro formal. Ou é surpreendida a desconformidade entre os dados dela constantes e a realidade factual conhecida, com relevo para a aferição da sua situação tributária – erro substancial.
Comum a estas situações é o facto de o legislador exigir que seja fixado um prazo legal para o suprimento da falta. A finalidade é a de chamar o contribuinte à razão, lembrá-lo dos seus deveres de colaboração e das consequências da sua inobservância. E privilegiar, desta forma, a tributação com base nos elementos disponibilizados pelo sujeito passivo.
Entretanto, a adição, pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, da actual alínea d) ao artigo 88.º da LGT veio introduzir a possibilidade de recorrer a indícios fundados de que as declarações, contabilidade ou escrita não reflectem o conhecimento da matéria tributável real para legitimar o recurso à tributação indirecta sem necessidade de confirmar a falta de colaboração do contribuinte. A qual passará a deduzir-se de outros factos externos que manifestem ou patenteiem uma capacidade contributiva superior à declarada. Poderá aqui falar-se de uma falta de colaboração presumida, no sentido de que é ela própria extraída indirectamente desses indicadores externos, que não derivam da mera análise dos elementos declarativos, avaliativos ou organizativos em que se concretiza esse dever de colaboração.
Na situação concreta, poderão, de acordo com esta alínea d), levar à presunção de falta de colaboração, os factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva superior à declarada.
Aqui temos um pressuposto de avaliação indirecta que funciona como uma cláusula geral destinada a – aqui parafraseando JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO, na sua obra «IRS - Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos», pág. 369 – «transformar em rendimento tributável acréscimos patrimoniais inominados e não declarados pelo sujeito passivo».
In casu, estes factos concretos indicados pela AT nem são indicadores externos, mas principalmente elementos decorrentes da própria contabilidade e escrita da A..., que revelam a clara intenção de esta não colaborar (nem pretender colaborar) com a AT.
Aliás, das reuniões realizadas com o sujeito passivo, não se manifesta qualquer intenção ou comportamento no sentido de regularizar a situação. No ponto II.3 – Das reuniões com o sujeito passivo – do Relatório Final de Inspecção relativo à Recorrente pode ler-se:
“Deve ser sublinhado que ao sujeito passivo e bem como às restantes sociedades inspeccionadas, detidas maioritariamente por F..., envolvidas neste esquema evasivo, foram dadas várias possibilidades de regularização das infracções, através de um conjunto de reuniões tidas com os seus responsáveis ou com representantes destes, e nas quais foram, em sede de contraditório, apresentadas as conclusões da análise realizada pela Administração Fiscal.”
Na situação em apreço existem, efectivamente, irregularidades nos registos contabilísticos, mas a decisão de recorrer a tributação por métodos indirectos podia ser tomada sem que a aqui Recorrente fosse notificada para regularizar a escrita em prazo que não podia ser superior a 30 dias. Saliente-se que esta decisão também assentou no disposto no artigo 88.º, alínea d) da LGT e que todo o circunstancialismo da actuação da A... afasta, inequivocamente, um mero comportamento negligente. Os factos apurados revelam uma intenção (e concretização) de “dupla facturação”.
Relembramos que a integração no grupo de situações identificado no artigo 88.º, alínea a) da LGT pressupõe que tenhamos unicamente anomalias e incorrecções de que, por si só, não se possa extrair uma imputação ao sujeito passivo senão a título de negligência. Os elementos recolhidos informaticamente não permitem, manifestamente, tal conclusão.
Nesta conformidade, a AT não olvidou o disposto no artigo 121.º do RGIT, não havia que cumprir a formalidade legal de notificação prévia para ser eficaz o recurso a métodos indirectos, dado ser ostensiva a intenção de não colaboração da A... com a AT.

O recurso dirige-se ainda ao segmento decisório recorrido que apreciou de forma improcedente o vício de falta de fundamentação. Sustenta a Recorrente que o acto praticado padece de vício de violação de lei por falta de fundamentação, ficando-se por saber porque foi aplicada a margem bruta sobre o preço de venda médio do sector de actividade e não outra margem qualquer.
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 85.º da LGT a avaliação indirecta é uma forma subsidiária da avaliação directa de determinação do lucro tributário dos contribuintes, apenas podendo ser aplicada aquela primeira forma de avaliação nos casos expressamente previstos na lei e quando estejam reunidos os pressupostos legalmente estabelecidos para o efeito (cfr. artigo 81.º, n.º 1 da LGT).
O recurso a métodos indirectos de determinação da matéria colectável é uma ultima ratio, apenas podendo ser aplicado quando não seja possível que esta avaliação seja feita por via da avaliação directa, em conformidade com o princípio constitucional segundo o qual a tributação das empresas recai fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cfr. artigo 104.º, n.º 2 da CRP).
Dito de outra forma, tendo a avaliação indirecta carácter subsidiário em relação à avaliação directa (cfr. artigo 85.º, n.º 1, da LGT) e excepcional (cfr. artigo 81º da LGT, n.º1 da LGT), cabe à Administração Tributária (AT) a demonstração da verificação dos pressupostos do recurso à avaliação indirecta da matéria tributável, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (cfr. artigo 74.º, n.º 3, da LGT) – vide, entre outros, o Acórdão do STA, de 17/03/2010, processo n.º 01211/09.
A recorrente não se conforma com o método de avaliação indirecta da matéria tributável utilizado, por não concordar que se possa utilizar como critério um que não esteja consagrado no artigo 90.º da LGT, reiterando que a AT não fez utilização de um critério nesse normativo consagrado. Por outro lado, considera o mesmo ininteligível, seja quanto à sua origem, seja quanto aos valores tidos em conta.
Assim, à fase dita qualitativa sucede uma outra fase, a de quantificação, designada deste modo por se reportar à escolha de um método de quantificação da matéria colectável, bem como à demonstração dos resultados correspondentes.
Nesta sede de avaliação indirecta, o ónus da AT não se consome na necessidade do elencar, e provar, das razões que lhe subjazem, enquanto conduta vinculada que lhe está imposta. Na realidade, o ónus que impende sobre a AT, em tais casos, para além do da demonstração dos necessários e legais pressupostos do recurso à avaliação indirecta, exige, ainda e também, que, simultânea e complementarmente, fundamente adequada e criteriosamente as circunstâncias em que faça suportar a matéria tributável que, no uso daqueles, vier a quantificar.
Efectivamente, sendo embora, em tais casos, opção do legislador abdicar de um grau de certeza na tributação, por falta de colaboração do contribuinte, como única solução de evitar a evasão fiscal e de fazer repartir, na medida do possível, a carga fiscal entre todos que revistam, casuisticamente, a qualidade de sujeitos passivos, não deixa, a actuação da AT, neste domínio, no entanto, de ter como baliza o princípio de que a metodologia em causa há-de permitir alcançar, na medida do possível, a tributação daquele pelo seu lucro real/efectivo.
Apelando, à jurisprudência do TCA Sul, nomeadamente, do acórdão de 18/06/2002, proferido no âmbito do recurso n.º 6.388/02 - ainda que por reporte ao artigo 81.º do CPT, mas com aplicabilidade ao preceituado no artigo 84.º/3 da LGT - “(...) cabendo à AF o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiciários, é a ela que cumpre demonstrar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, competindo-lhe, por isso, especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável e indicar os critérios utilizados na sua determinação, fazendo assentar o volume da matéria colectável presumida em dados objectivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários [...].
Na verdade, tendo a determinação da matéria tributável por métodos indiciários de ser feita por aproximação à realidade que se procura apurar, é necessário que se demonstre que teve por suporte elementos de facto possíveis e prováveis, extraídos de parâmetros gerais e comuns, adequados à situação. E, por isso, a AF tem de utilizar elementos de facto conhecidos que, segundo as regras da experiência, pautadas por critérios de razoabilidade e de normalidade e tendo em linha de conta as especificidades próprias da actividade do contribuinte, conduzam à extrapolação dos factos conhecidos ou à aproximação da realidade que se procura alcançar.
A AF tem, assim, de indicar e justificar os critérios que utiliza na determinação da matéria tributável por métodos indiciários, por forma a que o contribuinte deles fique ciente e apto a discutir a valorimetria aplicada, isto é, para que possa provar que os critérios utilizados são desadequados e/ou inadmissíveis para a sua actividade, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada. (…)” Permitindo, assim, extrapolar uma adequada ponderação da decisão.
Só, então, passará a caber ao contribuinte, e como acima referido, demonstrar a falta de aderência à realidade da matéria colectável que veio a ser fixada, e sendo caso disso, a medida em que tal sucedeu, sob pena de a dúvida sobre tal matéria se ter de revelar desfavorável à sua pretensão, já que, como é axiomático a sua existência não será, então, mais do que o resultado de uma conduta violadora do princípio da colaboração, que lhe está imposto, com transparência e verdade e que, nessa medida, a tornam infundada – cfr., no mesmo sentido, o acórdão do TCA Sul, de 15/07/2009, proferido no âmbito do processo n.º 02834/09, e o acórdão do TCA Norte, de 11/06/2013, no processo n.º 6122/12.
Reiterando esta ideia de fundamentação subjacente ao presente recurso, por facilidade, passamos a transcrever parcialmente o acórdão do TCA Sul, de 16/03/2010, proferido no âmbito do processo n.º 3543/09:
“(…) Isto porque, como acima se deixou dito, a actuação da AF não se pode ficar pela demonstração da ocorrência dos pressupostos legitimadores do recurso à metodologia indiciária, antes se lhe impõe, ainda e também, que, desde logo do ponto de vista substancial, fundamente os critérios de que venha a lançar mão naquela tarefa de quantificação se apresentem como os mais adequados ao alcançar da matéria tributável mais próxima da realidade, sem embargo de, o que se vem de dizer, não invalidar que, nesta matéria mas a jusante, ser sobre o contribuinte que recai um ónus de prova positivo de que a matéria tributável fixada pela AT não tem aderência à efectivamente verificada. (…)”
A avaliação indirecta propriamente dita integra a escolha de um dos métodos de quantificação enunciados no artigo 90.º, n.º 1, da LGT ou outro que, em concreto, se revele mais adequado a uma efectiva aproximação à verdadeira situação tributária do sujeito passivo. Entendemos, portanto, que os factores quantitativos propostos naquele normativo não têm carácter taxativo, pois ali se diz que a determinação da matéria tributável por métodos indirectos «poderá» ter em conta aqueles elementos, e não que «só poderá» ter em conta aqueles elementos. Por outro lado, a própria finalidade da tributação indirecta explica a não taxatividade dos critérios: se o objectivo é a maior aproximação possível à verdade fiscal daquele contribuinte e existe um método que se revele, em concreto, mais adequado a viabilizar essa aproximação, deverá ser esse o método a utilizar pela A.T., ainda que não conste do elenco do artigo 90.º da LGT.
O erro sobre a escolha do método de quantificação ou sobre a sua aplicação que conduza a um excesso de quantificação pode gerar, portanto, o vício de violação de lei, por erro na quantificação.
No entanto, e como tem sido entendido, de forma uniforme, pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, do ponto de vista do erro na quantificação, as insuficiências no método são sempre substanciais, isto é, devem evidenciar um excesso de quantificação. Dito de outro modo: não é pelo facto de no método de quantificação não se levar em conta este ou aquele item que fica demonstrado o erro na quantificação, a não ser que resulte daí ipso facto que os resultados apurados sejam excessivos.
Importa, por isso, que o sujeito passivo venha ao processo demonstrar a interferência sensível destes factores no resultado da quantificação.
Não bastará, assim, alegar a ininteligibilidade do método de quantificação adoptado ou que a AT não utilizou todos os dados ao seu dispor para alcançar a tributação real ou mais próxima da realidade económica, importando que se demonstre que a AT podia ter ido mais longe e reduzido, por alguma forma, a margem de erro que estas formas de avaliação sempre comportam. Isto porque, sabendo-se as dificuldades objectivas que sempre são encontradas pela AT nesta quantificação, há necessidade, tão-só, de uma aproximação feita através de elementos possíveis e prováveis, ou seja, aceita-se um juízo de probabilidade em substituição do convencimento sobre a respectiva realidade.
No caso subjudice, como referimos, está em causa a fundamentação da decisão de tributação por métodos indirectos.
O artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa dispõe que os actos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.
O artigo 77.º, n.º 1 da LGT determina que a fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, ou numa declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas.
Por força do n.º 2 do mesmo artigo, a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
O artigo 125.º, n.º 1 do CPA determina que a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão, neste caso, parte integrante do respectivo acto, equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
Ora, é sabido que a consagração constitucional deste dever de fundamentação expressa, integrado nas chamadas garantias dos administrados, tem em vista assegurar a quem seja afectado nos seus direitos ou interesses, o direito de conhecer as razões que terão determinado a adopção da decisão administrativa que lhe diz respeito.
A jurisprudência e a doutrina têm consagrado o entendimento de que um acto se encontra suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair qual o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua prática – cfr., entre muitos outros, o acórdão do STA, de 23/05/2012, proferido no âmbito do recurso n.º 0870/11. Ponto é, portanto, que a fundamentação responda, às necessidades de esclarecimento do contribuinte, informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto de liquidação, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática.
Acresce transcrever o julgado no acórdão do STA, de 11/12/2007, no âmbito do recurso n.º 615/04, «(…) o grau de fundamentação há-de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado, de molde a satisfazer a divergência existente entre a posição da Administração Fiscal e a do contribuinte».
E, o vício da falta de fundamentação dos actos administrativos, como vem sendo salientado pela doutrina e pela jurisprudência, é de natureza formal e não substancial, enfermando o acto de falta ou insuficiência de fundamentação quando não externa de modo claro, suficiente e congruente, as razões de facto e de direito que o determinaram e o seu sentido decisório.
Do que prescreve o artigo 77.º, n.º 1 da LGT decorre que a fundamentação do acto tributário pode basear-se em várias peças do processo administrativo; posto é que elas sejam expressamente identificadas.
No caso dos autos, fundamentam-se as liquidações de IVA no relatório de inspecção tributária e na decisão do pedido de revisão, referidos nos pontos 3, 5 e 9 do probatório, os quais, a nosso ver, preenchem as exigências legais de fundamentação, sendo perceptível para qualquer leitor do mesmo quais foram as razões das correcções efectuadas.
A sentença recorrida considerou justificado o recurso à avaliação indirecta nos seguintes termos:
“(…) No Relatório de Inspecção (cfr. ponto 3. do probatório), no capítulo V, ficou consignado que o lucro tributável em IRC para o ano de 2006 e o imposto liquidado em sede de IVA iria ser efectuado de duas formas: uma parte, apurada de forma directa, que se traduziu no montante das facturas alteradas pelo sujeito passivo; outra parte, apurada indirectamente, e que se traduz na diferença entre o valor das compras omitidas, acrescido da margem média do sector sobre o preço de venda, e o valor das vendas omitidas apurado directamente.
Tendo em conta o alegado na p.i., verifica-se que a Impugnante apenas põe em causa a parte das correcções efectuada de forma indirecta, nada contrapondo quanto à parte das correcções relativa às facturas por si alteradas apurada de forma directa.
Feita esta delimitação, e começando pela questão alegada do critério de quantificação não caber no elenco taxativo dos critérios do artigo 90.º da LGT, há que dizer, desde já, que não tem razão a Impugnante.
Primeiro, porque os critérios elencados em tal norma não são taxativos, podendo a AF, dentro dos limites da lei, eleger o critério que repute mais adequado à determinação da matéria tributável em ordem a apurar o lucro real, ainda que presumido, e cabendo ao Tribunal sindicar a sua correcta interpretação e aplicação. Neste sentido, cfr. Acórdão do STA, de 05-12-2012, proc. n.º 0477112.
Por outro lado, porque, analisado o relatório, verifica-se que, de facto, foram utilizados critérios previstos nas alíneas d) e i) do art. 90.°, como, aliás, ali é expressamente dito.
Aproveita, por isso, o Tribunal este momento para rejeitar, igualmente, a acusação de fundamentação contraditória nesta parte. Entende a Impugnante que, pelo facto da fiscalização se referir às alíneas d) e i) do art. 88.° da LGT, com uma redacção que não lhes diz respeito, sendo que a alínea i) nem existe, tem como consequência uma fundamentação contraditória e, logo, falta ou insuficiência da mesma. Analisada a redacção do relatório, nesta parte - fls. 59 v.° do PA (transcrito no ponto 3. do probatório), verifica-se que os Serviços de Inspecção indicaram expressamente o art. 90.° da LGT, transcreveram as alíneas d) e i) de tal norma, mas, certamente por lapso, no fim da transcrição, entre parêntesis, mencionaram a norma do art. 88.° da LGT. Ora, entende o Tribunal que esta situação não é de molde a configurar falta de fundamentação na medida em que foi claramente indicada a norma correcta no início da transcrição, o que permitiu ao destinatário do texto ficar esclarecido, se dúvidas tivesse, sobre a norma a que pertenciam as alíneas transcritas. Até porque, o capítulo é o relativo à quantificação e tem como título “Critérios gerais”, o que só pode levar a concluir que se tratava do art. 90.° da LGT, a eles atinente. Por outro lado, esta situação ficou esclarecida no despacho de fixação da matéria tributável (ponto 9. do probatório), no qual se tem que procurar, também, a fundamentação do acto de liquidação (já que, não tendo havido acordo entre os peritos, a fixação passou a competir ao Director de Finanças).
Tudo visto, conclui-se pela inexistência, nesta parte, de falta ou insuficiência de fundamentação. (…)
Depois, vem a Impugnante defender que o critério de quantificação sofre de falta de fundamentação, já que fica sem se saber onde foi apurada ou recolhida a margem bruta sobre o preço de venda médio do sector de actividade e, bem assim, por que razão se aplicou o preço de venda médio e não qualquer outro preço de venda.
A RFP defende não existir falta de fundamentação e que a margem utilizada de 16,63%, constante da base de dados da DGCI e resultante dos dados constantes das declarações entregues pelos sujeitos passivos, foi bem inferior à margem declarada pela própria Impugnante, que se situava em 33,59% e, por isso, foi utilizada a mais favorável ao contribuinte.
Analisado o relatório de inspecção nesta matéria (ponto 3. do probatório), bem como o despacho de fixação da matéria tributável (ponto 9. do probatório), no qual, como se disse, se tem, também, de ir buscar a fundamentação das liquidações impugnadas, por ter sido o seu autor, na falta de acordo dos peritos, a entidade decidente (art. 92.° n.° 6 da LGT), verifica-se que o mesmo fundamenta a decisão aderindo aos “fundamentos e quantificação constantes do relatório da Inspecção tributável (sic) e respectivos anexos - e às expendidas pelo perito da Administração Tributária”. Ora, se adere, entre outros, aos fundamentos expendidos pelo perito da Administração Tributária, verificados os mesmos, consignados na Acta n.° 10/LGT (ponto 8. do probatório e fls. 251 do PA) onde consta que a “margem é retirada da base de dados da DGCI, tendo em conta todos os valores declarados pelos Sujeitos Passivos, bem como de todas as declarações oficiosas entretanto elaboradas, nomeadamente as resultantes de correcções levadas a cabo pele Inspecção Tributária”, fica explicada a sua origem. Ou seja, se do relatório de inspecção não é clara a origem da margem utilizada, essa falha foi colmatada ao longo do procedimento e com a decisão final do mesmo, consubstanciada no Despacho n.° 11/2010 (ponto 9. do probatório), que remete, também, para as considerações expendidas pelo perito da Administração Tributária, constantes da Acta n.° 10/LGT.
Depois, quanto à alegada não explicação do porquê da aplicação do preço de venda médio e não qualquer outro preço de venda, há que referir que não foi aplicado, no caso concreto, qualquer “preço de venda médio”, mas uma margem média sobre o preço de venda (cfr. ponto 3. do probatório e fls. 60 do PA).
No relatório é referido que a aplicação de tal margem resulta mais favorável ao sujeito passivo em virtude de ser muito inferior à por ele praticada. Quanto à explicação para a aplicação da margem média em detrimento de outras margens, ela, de facto, não existe.
No entanto, no entender do Tribunal, tal aplicação é o único caso que não tem de o ser, já que é intuitivo que, a ser aplicada, deverá ser a média, por ser o ponto de equilíbrio do conjunto de todas as declaradas. Aliás, é a própria lei - art. 90.° n.° 1 a) da LGT - que sugere a aplicação de margens médias, ao indicar, por exemplo, “as margens médias de lucro liquido sobre as vendas”, ou, na alínea b), “as taxas médias de rentabilidade”.
Assim, é normal que se utilizem as médias, sendo que a utilização de qualquer outro critério, essa sim, poderia carecer de uma explicação adicional.
Improcede, por isso, nos termos vistos, a alegada falta de fundamentação do critério de quantificação.(…)”
Confirma integralmente este tribunal o assim decidido.
Por outro lado, mostra-se concretizado o modo de determinação da matéria colectável, identificando o critério utilizado, bem como as normas legais que o prevêem, especificando e demonstrando a forma do respectivo cálculo (cfr. ponto V do relatório final de inspecção tributária).
Determina o n.º 4 do artigo 77.º da LGT, para o que aqui importa, que a decisão da tributação pelos métodos indirectos especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exacta da matéria tributável e bem assim indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável, exigências estas satisfatoriamente cumpridas no relatório de inspecção, sendo claro e esclarecedor o motivo do recurso a tais métodos (cfr. o ponto IV do relatório inspectivo) e bem assim o critério eleito para a avaliação indirecta e a forma como se determinaram os valores corrigidos (cfr. o ponto V do referido relatório).
O critério eleito pela AT para proceder à avaliação indirecta da matéria tributável – descrito e concretizado no ponto V do relatório da inspecção e transcrito no ponto 3 do probatório fixado – resulta da conjugação dos critérios insertos nas alíneas d) e i), que, como esclarece a sentença recorrida, só podem ser do artigo 90.º da LGT, e consistiu emo apuramento do lucro tributável em IRC para o ano de 2006 e consequente imposto liquidado em sede de IVA ser efectuado nos seguintes termos:
1) através do valor directamente apurado de omissões nas compras à sociedade E..., acrescido da margem bruta sobre o preço de venda média do sector de actividade.
2) Ao valor apurado em 1) deduzir as compras omitidas para efeito de cálculo da correcção ao lucro tributável.
A AT salienta que a aplicação da margem anteriormente referida resulta claramente vantajosa para o sujeito passivo, já que nesse exercício o mesmo declarou uma margem que foi de cerca do dobro da aqui aplicada.
3) Desta forma, embora o montante global das omissões seja naturalmente, todo ele, determinado por via indirecta, conforme estabelecem as regras, poderemos afirmar que o valor das vendas omitidas será, no fundo, formado por duas parcelas:
a) Uma apurada directamente, e que se traduz no montante de facturas alteradas pelo sujeito passivo no ano de 2006 e que corresponde a 31,80% do total das vendas omitidas que apurámos.
b) Uma apurada indirectamente, e que se traduz na diferença entre o valor das compras omitidas, acrescido da margem média do sector sobre o preço de venda, e o valor das vendas omitidas apurado directamente.
Desta forma, a AT afirma que, no valor total de vendas omitidas, existe um montante que está directamente evidenciado nas facturas que o sujeito passivo alterou para os seus clientes.
No relatório inspectivo, alerta-se, ainda, que o sujeito passivo declarou margens brutas sobre o preço de venda de 33,59% em 2006 (50,59% sobre o preço de custo), pelo que o critério aplicado pela AT resulta em margens brutas que se afirmam muito inferiores àquela. Acresce ainda que a margem declarada pelo sujeito passivo em 2006 foi substancialmente inferior às margens normalmente praticadas por este.
Entendemos que o “método presuntivo eleito” se mostra racional e fundamentado em factos concretamente apurados, não estando a Administração Tributária impedida de a ele recorrer, pois que nada impede que a Administração conjugue vários dos “elementos” que a lei indica que “poderá ter em conta” na avaliação indirecta, pois que lhe cabe, dentro dos limites da lei, eleger o critério que repute mais adequado à determinação da matéria tributável, cabendo ao Tribunal verificar a sua correcta interpretação e aplicação em caso de litígio entre a Administração Tributária e o sujeito passivo (cfr. ANA PAULA DOURADO, «Manifestações de Fortuna», in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano II, n.º 4 (Inverno), p. 278) – cfr. Acórdão do STA, de 05/12/2012, proferido no âmbito do processo n.º 0477/12.
Julgamos, pois, que o método adoptado pela AT para a determinação da matéria tributável por métodos indirectos não é ininteligível, nem se mostra, em abstracto, ostensivamente inadequado. Não ocorre, pois, vício de falta de fundamentação do acto, tanto mais que não impediu o contribuinte de alegar eventual resultado excessivo.
Reiteramos, então, que mesmo que o critério eleito possa conduzir a um excesso na quantificação da matéria colectável apurada, o certo é que cabe ao contribuinte o ónus da prova do excesso da quantificação (cfr. a parte final do n.º 3 do artigo 74.º da LGT).
Vejamos o decidido na sentença recorrida:
“(…) Regressando, novamente, à análise do argumento da falta de idoneidade do método de quantificação por conduzir a um excesso da mesma, como se viu, o método de quantificação utilizado foi, após o apuramento de forma directa da compras omitidas através da alteração das facturas, aplicar a margem bruta média sobre o preço de venda do sector de actividade.
A Impugnante defende que a quantificação é excessiva por duas razões: a primeira, já apreciada acima, em virtude da AF ter considerado todas as compras omitidas vendidas no ano de 2006, sendo que no seu ramo existem sempre existências transferidas para o ano seguinte; a segunda, pelo facto da AF ter esquecido que o método presuntivo exige que se estabeleça una correspondência entre proveitos e custos.
Quanto à primeira, já analisada, resta apenas acrescentar que, nos termos do n.° 3 doart. 74.° da LGT, era ao contribuinte quem competia demonstrar ter havido excesso na quantificação. Ora, tal não aconteceu, tendo este apenas invocado, em abstracto, que no sector de actividade existem sempre existências transferidas para o ano subsequente. Na verdade, tendo em conta que no seu caso concreto houve, efectivamente, existências transferidas para o ano seguinte, as quais, de acordo com o relatório, até aumentaram 87,88% relativamente ao ano anterior (sendo que as compras declaradas aumentaram 30,12%) - fls. 38 do PA - para provar o excesso na quantificação teria que ter vindo, de forma positiva, demonstrar que, do total das compras omitidas detectadas, uma parte, expressamente quantificada, não tinha sido objecto de venda e também não estava já contida nas existências finais declaradas.
Quanto à presunção de custos, tendo em conta o método de quantificação adoptado, o qual consistiu na aplicação às compras omitidas da margem média do sector sobre o preço de venda, a mesma torna-se desnecessária, na medida em que já a contém. Na verdade, com tal método, caso se tivessem presumido custos adicionais isso iria aumentar o valor dos proveitos apurados, pois a margem iria incidir sobre um valor maior.
Assim, tudo visto, improcede a alegação de falta de idoneidade do método de quantificação e de excesso da mesma. (…)”
Ora, no que ao eventual excesso na quantificação da matéria tributável respeita, as alegações da recorrente são insuficientes, não se alicerçando em quaisquer depoimentos, dado que a prova testemunhal acabou por ser desconsiderada, pelo que nem terão contribuído para suscitar a dúvida sobre se haverá algum excesso, não sendo, de todo o modo, reitera-se, suficientes para criar a convicção de que o valor apurado para a matéria tributável é efectivamente excessivo.
Não é pelo facto de no método de quantificação não se levar em conta todos os dados que a AT pudesse ter ao seu dispor que fica demonstrado o erro na quantificação, não tendo resultado daí ipso facto, in casu, que os resultados apurados sejam excessivos.
De qualquer forma, nem sequer se afigura evidente para este Tribunal que o eventual excesso na quantificação resulte das regras da experiência comum ou seja manifesto, notório ou ostensivo em face dos factos alegados pela recorrente e constantes do probatório.
Nesta conformidade, na improcedência de todas as suas conclusões, forçoso é negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

Conclusões/Sumário

I - Nem sempre, que um de vários dos fundamentos de facto subjacentes a correcção tributária deixe de poder ser valorado, fica o acto tributário que dela deriva irremediavelmente ferido do vício de violação de lei, pois que tudo depende da aptidão e suficiência dos demais para fundar a pretensão tributária da Administração Fiscal.
II - Tendo o relatório que fundamentou a correcção conteúdo idêntico ao do respectivo projecto e sobre ele tendo sido dada oportunidade à recorrente de se pronunciar, e tendo esta optado por não o fazer e não solicitar ou requerer a notificação de quaisquer outros elementos que julgasse em falta e se lhe afigurassem essenciais ao adequado exercício das suas garantias procedimentais tributárias, não há razão para ter-se como verificada a violação de quaisquer dessas garantias ou sequer vício procedimental.
III - Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT).
IV - No domínio de utilização de métodos indirectos, a actuação da Administração Tributária não se limita à demonstração da ocorrência dos respectivos pressupostos, antes se lhe impõe que fundamente, ainda e também, os critérios de que venha a lançar mão na quantificação da matéria tributável. Contudo, do ponto de vista do erro na quantificação, as insuficiências no método são sempre substanciais, isto é, devem evidenciar um excesso de quantificação.
V - O “método presuntivo eleito” mostra-se racional e fundamentado em factos concretamente apurados, não estando a Administração Tributária impedida de a ele recorrer, pois que nada impede que a Administração conjugue vários dos “elementos” que o n.º 1 do artigo 90.º da LGT indica que “poderá ter em conta” na avaliação indirecta, pois que lhe cabe, dentro dos limites da lei, eleger o critério que repute mais adequado à determinação da matéria tributável, cabendo ao Tribunal verificar a sua correcta interpretação e aplicação em caso de litígio entre a Administração Tributária e o sujeito passivo.
VI - O n.º 4 do artigo 77.º da LGT determina que a decisão da tributação pelos métodos indirectos especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exacta da matéria tributável e bem assim indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável, exigências estas satisfatoriamente cumpridas no relatório de inspecção, sendo claro e esclarecedor o motivo do recurso a tais métodos e bem assim o critério eleito para a avaliação indirecta e a forma como se determinaram os valores corrigidos.
VII - Estando definitivamente decidido que, no caso, a Administração Tributária demonstrou a ocorrência dos necessários pressupostos legais à utilização de métodos indirectos, por um lado e, por outro, apresentando-se adequadamente fundamentados os critérios de que a Administração Tributária se serviu na tarefa de quantificação, era à impugnante que se impunha demonstrar que a utilização de tais critérios conduziu, sem margem para dúvidas fundamentadas, a um resultado final sem qualquer aderência à realidade, demonstração essa que não logrou fazer, sem olvidar que, mesmo a subsistir qualquer dúvida, o que se postula por comodidade de raciocínio, ela sempre teria de desfavorecer a recorrente.
VIII–Para aferição dos casos em que se verifica a impossibilidade da comprovação directa e exacta da matéria tributável, o legislador, no artigo 88.º da LGT, criou, de forma taxativa, parâmetros legais destinados a tornar mais facilmente identificáveis as situações em que essa impossibilidade se verifica.
IX - Nas situações mais graves, deparamos com anomalias ou incorrecções imputáveis ao sujeito passivo a título de dolo. São as situações em que o seu próprio comportamento revela a intenção de não colaborar com a AT e de ocultar a sua verdade fiscal, inviabilizando a cabal aferição da sua capacidade contributiva.
X – Será o caso dos autos, por terem sido falsificados ou viciados os suportes documentais da escrita, ou ainda por terem sido apresentadas diversas contabilidades, entendendo-se como tal as situações em que são detectados elementos contabilísticos relativamente aos mesmos factos com conteúdo diverso.
XI - Comum a estas situações mais graves é o facto de o legislador não exigir que seja fixado um prazo legal para o suprimento da falta. A razão é evidente: os comportamentos descritos revelam por si só uma intenção de não colaborar com a AT. Em casos como o dos autos, com tais comportamentos, o contribuinte está a anunciar antecipadamente a intenção de não colaborar.
XII - Não obstante o enquadramento pela AT (também) na alínea a) do artigo 88.º da LGT, o certo é que os factos constatados que subjazem a tal conclusão inculcam a ideia de dolo (existência de dupla contabilidade), pelo que, nestas situações, não há lugar a notificação prévia para suprir ou regularizar a situação, porque a atitude do contribuinte já espelha a intenção de não colaborar com a AT, podendo a decisão de recorrer a tributação por métodos indirectos ser tomada sem que a aqui Recorrente fosse notificada para regularizar a escrita em prazo que não podia ser superior a 30 dias.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 14 de Julho de 2016
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves