Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00124/10.6BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/11/2024
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Paulo Moura
Descritores:IVA;
TRANSMISSÃO OU CESSÃO DE ESTABELECIMENTO;
Sumário:
A transmissão ou a cessão de um estabelecimento industrial, corresponde a uma prestação de serviços na aceção do disposto do n.º 1 do artigo 4.º do Código do IVA, regime que abrange todas as operações de carácter oneroso, que não sejam definidas como transmissão de bens e que não estejam isentas de IVA.
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

[SCom01...] S.A., interpõe recurso da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios referentes aos exercícios de 2006 e 2007, no montante global de € 84 425,56, por entender que não foi apreciada devidamente a prova produzida e que a aplicação do direito aos factos provados não está correta.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
I. A [SCom01...] não se pode conformar com a douta Sentença Recorrida, que, salvo o devido respeito, não apreciou devidamente a prova efetivamente produzida, nem fez uma correta apreciação da Lei no que se refere às seguintes matérias: (i) O Contrato Celebrado pela [SCom01...] S.A e a [SCom02...] LDA, (ii) Contrato de Arrendamento (iii) Noção e Conceito de Estabelecimento Comercial.
II. A douta Sentença a quo não fez a correta interpretação mantendo as liquidações adicionais de IVA na medida em que ao abrigo do nº 30 do artigo 9º do Código do IVA, vigente à data dos factos, se verificam os pressupostos em que se baseia a isenção prevista neste normativo legal.
III. Dispõe efetivamente a alínea c) do nº 29.º do artº. 9º do CIVA que “está isenta de IVA a locação de imóveis. Porém, esta isenção não abrange: i) a locação de máquinas e outros equipamentos de instalação fixa; ii) bem como qualquer outra locação de bens imóveis de que resulte a transferência onerosa da exploração de estabelecimento comercial ou industrial;
IV. À face desta norma, não se aceita, a possibilidade de se estar perante um contrato em que se verifique a transmissão e/ou cessão de exploração de estabelecimento comercial porquanto há uma impossibilidade física de objecto contratual: não há estabelecimento comercial.
PORQUANTO;
V. Em 28 de Dezembro de 2005 a [SCom02...] celebrou com a [SCom01...] um contrato de compra e venda de ativos ou designado, na versão inglesa, de ASSETS PURCHASE AGREEMENT
VI. Antes da celebração do Contrato de Compra e Venda de Activos, a [SCom02...] liquidou o seu estabelecimento comercial.
OU SEJA,
VII. A [SCom02...] procedeu ao desmembramento e fracionamento do seu estabelecimento comercial, e vendeu, a diferentes compradores alguns dos ativos, de forma parcelar e não integrada.
VIII. Dando corpo a essa operação de desmembramento, a [SCom02...] procedeu à cessação dos contratos de trabalho com todos os seus trabalhadores, estribada precisamente na cessação da sua atividade, em consequência do que expressamente ficou estipulado no nº 4.8 do Artigo 4º do Contrato de Compra e Venda de Activos que “Nenhum dos trabalhadores da [SCom02...] serão transferidos para o Comprador ([SCom01...]).
IX. E bem assim, procedeu à cessação de todos os contratos resultantes do giro comercial, designadamente, cessou os contratos que tinha com os seus fornecedores e com os seus clientes. Sendo que os créditos por receber dos seus clientes eram recebidos pela [SCom02...] e os débitos a pagar aos seus fornecedores eram também pagos pela [SCom02...].
X. A [SCom02...] limitou-se a vender à [SCom01...] alguns dos seus activos corpóreos, certos e determinados: “(i) o direito de propriedade sobre os imóveis detidos pela [SCom02...], identificados e descritos na escritura pública, a serem transmitidos pelo preço de € 695.000,00 (seiscentos e noventa e cinco mil euros); (ii) toda a maquinaria e equipamentos propriedade da [SCom02...] e relacionado no Anexo 1 junto ao presente contrato a ser transmitidos pelo preço de € 1.505.000,00 (um milhão, quinhentos e cinco mil euros).”
EFECTIVAMENTE,
XI. A partir destes factos, conclui-se que o Contrato de Compra de Ativos entre a [SCom02...] e a [SCom01...]: (i) não é um contrato de trespasse; (ii) não é um contrato de compra e venda de um estabelecimento comercial ou de uma empresa;(iii) não é um contrato de venda ou transferência do “fondo de comércio” (goodwill) (iv) não é um contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial.
Urge chamar à colação sem prescindir de que,
XII. Em termos doutrinas e Jurisprudenciais os Tribunais superiores vêm definindo o estabelecimento comercial ou seja, “Dir-se-á que o estabelecimento comercial ou industrial é a estrutura material e jurídica integrante, em regra de uma pluralidade de coisas corpóreas e incorpóreas – coisas móveis e ou imóveis, incluindo as próprias instalações, direitos de crédito, direitos reais e a própria clientela ou aviamento – organizados com vista à realização do respectivo fim. (vide. Ac. do STJ de 08/05/2008; Ac. Do STJ de 28/06/2007, ambos in www.dgsi.pt) e “Deve entender-se por estabelecimento comercial a unidade económica, organizada, tendo em vista a prossecução de determinado fim englobando, para o efeito, um conjunto de elementos, corpóreos (o imóvel/local onde funciona o estabelecimento, as mercadorias/produtos, a maquinaria, o dinheiro...) e incorpóreos (os créditos e débitos, patentes, marcas, know-how, clientela, aviamento etc.)” (Vide. Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 21/04/2009, in www.dgsi.pt.
XIII. O Contrato de Compra de Ativos celebrado pela [SCom01...] (imobiliária) com a [SCom02...] é um Contrato típico de aquisição de imóveis equipados e apetrechados.
DE ONDE SE CONCLUI QUE;
XIV. Não existe estabelecimento comercial que tenha sido adquirido pela [SCom01...] mas simplesmente imóveis.
Posteriormente,
XV. A Recorrente, no desenvolvimento do seu escopo societário – que é a compra e venda de imóveis- em 30 de dezembro de 2005 – celebrou com a [SCom03...] S.A. um contrato de arrendamento, em que lhe arrendou, os imóveis que tinha adquirido à [SCom02...] e locou também os móveis discriminados e certos que igualmente lhe tinha adquirido.
XVI. Logo, da leitura do normativo previsto na al). c do art.º 29 do CIVA em consonância com os factos presentes conclui-se que:
XVII. Esta locação de bens está isenta de liquidação de imposto porquanto não resulta, concomitantemente, uma (i) transferência onerosa da exploração de um (ii) estabelecimento comercial ou industrial.
XVIII. Pelo que, como já foi referido não há estabelecimento comercial e necessariamente não há a exploração de uma unidade comercial e económica viva para transmitir.
XIX. O que está em causa é a locação de um imóvel que se encontrava inscrito contabilisticamente no imobilizado da [SCom01...] -que é uma empresa de mediação imobiliária- e não a cedência temporária de um estabelecimento.
XX. Na douta sentença a quo é exposto que da factualidade “apurada não resulta o sentido estrito que trespasse tem na legislação comercial. (pag.9)” Porquanto, da factualidade apurada não resulta sequer a existência de um estabelecimento comercial que seja objeto de trespasse.
XXI. Sendo certo que a douta sentença a quo não conclui do que dá por provado, pugnando pela isenção prevista na al. c) do n.º 29.º do art.9 do CIVA, que o Recorrente não pode concordar.
XXII. A sentença a quo faz, pois, uma errada interpretação e aplicação do normativo previsto na alínea c) do n.º 29 do art.º 9 do CIVA, que excluí a isenção referida e que se passa a citar: A locação de máquinas e outros equipamentos de instalação fixa, bem como qualquer outra locação de bens imóveis de que resulte a transferência onerosa da exploração de estabelecimento comercial ou industrial.”
Assim se conclui que:
XXIII. O Contrato de Arrendamento celebrado em 30 de dezembro de 2005 entre a [SCom01...] (ora Recorrente) e a [SCom03...] é na verdade um contrato misto de locação: em que coabitam um Contrato de Arrendamento de Imóveis (com uma contrapartida ou renda autónoma de € 11.000,00/mês) e um Contrato de Aluguer de Móveis (devidamente inventariados), com uma contrapartida ou renda autónoma de 4.000,00/mês;
XXIV. Cada um dos Contratos (de Arrendamento e de Aluguer) associados, segue o seu regime e disciplina jurídica próprios;
XXV. Ao Contrato de Arrendamento sub judice (misto) não se encontra associada qualquer outra prestação de serviços da [SCom01...] à [SCom03...].
XXVI. A cedência temporária dos Imóveis e dos Móveis foi feita pela [SCom01...] de forma passiva, por um lado, e “móveis desativados” por outro, sem qualquer “valor acrescentado” por parte da [SCom01...].
XXVII. A [SCom01...] não era, à data, dona ou possuidora de qualquer Estabelecimento Industrial de Produtos Farmacêuticos constituído por universalidade indivisível que compreendesse imóveis, equipamentos, matérias-primas, produtos acabados, créditos, débitos, contratos, direitos reais sobre imóveis, licenças, autorizações, alvarás regulatórios, passivos, o nome comercial, a clientela, o “goodwill”, o valor imaterial do prestígio associado a atividade no setor farmacêutico.
XXVIII. A [SCom01...] não adquiriu à [SCom02...] o estabelecimento industrial de produtos farmacêuticos que esta tinha ali naquelas instalações de ... e que a [SCom02...] previamente desmantelou, desarticulou, dispersou e de que vendeu à [SCom01...] apenas os ATIVOS (desativados) – imóveis e móveis vários – constantes do “Assets Purchase Agreement”.
XXIX. A [SCom01...] não reconstituiu naquelas instalações qualquer outro estabelecimento.
XXX. Foi a [SCom03...] quem, com base na tomada de arrendamento das instalações e na tomada de aluguer de alguns móveis, formou, constituiu, organizou um NOVO ESTABELECIMENTO INDUSTRIAL de produtos farmacêuticos, “ex novo”.
XXXI. Não sendo possuidora ou detentora de qualquer estabelecimento comercial ou industrial, não podia a [SCom01...] ceder a exploração do mesmo à [SCom03...].
XXXII. No caso vertente, da cedência dos imóveis pela [SCom01...] à [SCom03...], em regime de arrendamento, não resultou a transferência onerosa da exploração de estabelecimento comercial ou industrial.
XXXIII. Pelo que, aquele Arrendamento constitui uma operação isenta de IVA ao abrigo do ponto 29. do artº. 9º do Código do IVA, (ponto 30. na redação à data dos factos) sem que se verifique a exceção presente na parte final da alínea c) do mesmo ponto 29.
Termos em que,
em face do exposto e do mais que por certo for por VV. Exas. doutamente suprido, deve julgar-se procedente o presente recurso e, em consequência, revogar-se a douta Sentença recorrida, julgando-se procedente o pedido formulado na Impugnação Judicial, com o que este Tribunal uma vez mais fará JUSTIÇA.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente.

Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância da Exma. Desembargadora Adjunta e do Exmo. Desembargador Adjunto, atenta a disponibilidade do processo na plataforma SITAF (Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais).

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Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber se o contrato celebrado entre a Impugnante e a empresa [SCom03...] configura um arrendamento, e, como tal, isento de IVA, ou, configura um contrato de transmissão ou cessão de um estabelecimento comercial, mais propriamente, de uma unidade industrial, consequentemente sujeito a IVA.
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Relativamente à matéria de facto, o tribunal, deu por assente o seguinte:
III Fundamentação
IIII I Factos provados
Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos julgam-se provados os seguintes factos:
A) A Impugnante [SCom01...], S.A., em sede de IVA, nos anos de 2006 e 20007, encontrava-se registada pelo exercício da atividade de compra e venda de bens imobiliários, CAE 070120, como atividade principal. Nos referidos anos praticou operações isentas e operações sujeitas a IVA, vide fls. 4 do relatório de inspeção (RI), que constitui doc. 7 da petição inicial (PI), factualidade que não é questionada pelas Partes; do fls. 35 da Reclamação Graciosa (RG);
B) Em cumprimento da ordem de serviço n.º OI2009....19 de 20-01-2009 foi objeto de inspeção, inicialmente de âmbito parcial IRC para os anos de 2006 e 2007, mas depois alargada para efeitos de IVA, idem anterior;
C) Por via da inspeção realizaram-se correções aritméticas originadoras das liquidações impugnadas, que tiveram a seguinte fundamentação:
III.1.1 – FALTA DE LIQUIDAÇÃO DE IVA – 2006 e 2007
– DESCRIÇÃO DOS FACTOS
Em Dezembro de 2005 o sujeito passivo adquiriu à [SCom02...], Lda., uma unidade fabril devidamente equipada para o exercício da actividade farmacêutica, localizada no lugar ..., na freguesa e concelho ....
A compra, conforme documento apresentado em anexo n.º 1, respeita à venda de uma unidade fabril localizada em ..., ascendeu a € 2 200 000,oo e foi isenta de IVA nos termos do n.º 4 do art.º 3º do CIVA.
A [SCom01...] registou esta compra no seu imobilizado, nas sub-contas da conta 42-imobilizações corpóreas, tendo procedido à sua amortização nos anos de 2006 e 2007. Nos anos de 2006 e 2007 relativamente a este imobilizado registou proveitos respectivamente no montante de 180 000,00 e 185 580,00, a título de prestações de serviços.
Na consulta dos documentos de suporte da contabilização dos proveitos (de que se apresenta um exemplar em anexo n.º 2) verificou-se tratarem-se de facturas onde consta a seguinte descrição “arrendamento de instalações: Unidade industrial equipada e terreno anexo”.
Nestes documentos não foi liquidado IVA e consta a seguinte inscrição “isento de IVA nos termos do n.º 30 do artigo 9º do CIVA”
A disposição legal invocada pelo sujeito passivo para a não liquidação de IVA (n.º 30 do artigo 9º) refere que: “Estão isentas do imposto: A locação de bens imóveis (redação à data da emissão dos documentos e que corresponde ao actual n.º 29º do mesmo artigo)
De modo a verificar o enquadramento da operação no preceito legal indicado foram solicitados esclarecimentos ao sujeito passivo que apresentou o contrato de suporte que se apresenta em anexo n.º 3, celebrado com a [SCom03...] SA, que foi designado pelas partes “contrato de arrendamento para fins industriais”.
No contrato apresentado é expressamente indicado (ponto primeiro da cláusula primeira) que o mesmo integra “... a locação dos bens móveis, maquinaria, veículos e equipamentos que se encontram instalados e afectos à referida unidade industrial e que constam do inventário organizado para o efeito...”.
Na cláusula segunda é ainda expressamente referido que a “unidade industrial ora arrendada, englobando os bens imóveis e os bens móveis destina-se a actividade de laboratório de produtos farmacêuticos, não lhe podendo ser dado outro destino ou uso sem autorização expressa e escrita da senhoria”.
Ou seja fica claro pela leitura do contrato que o mesmo não respeita à cedência do gozo de um imóvel de paredes nuas, mas sim à cedência temporária do estabelecimento comercial com um todo, como uma universalidade, como uma unidade económica mais ou menos complexa.
Aliás este facto, já se encontrava expresso no contrato de compra e venda dessa unidade industrial celebrado entre a [SCom02...] LDA, a [SCom01...], LDA e a [SCom03...], SA (apresentado anexo n.º 4.).
Retira-se a título demonstrativo desse facto que nas considerações iniciais é referido que “... ficando desde já definido que a [SCom01...] irá, após a aquisição, celebrar um contrato com a [SCom03...], no sentido de ser por esta prosseguida na fábrica uma actividade de fabrico na área farmacêutica...”
Assim, verifica-se que estamos na presença de um contrato de locação de estabelecimento comercial – pelo que é nesses termos que deve ser visto para enquadramento em sede de IVA.
– ENQUADRAMENTO LEGAL
O arrendamento é uma locação que versa sobre bens imóveis que configura em sede de IVA uma operação sujeita a imposto, mas dele isenta nos termos do n.º 29º do artigo 9º do CIVA.
Contudo encontra-se expressamente fora do campo da isenção, nos termos da alínea c) dessa disposição legal, a locação de máquinas e outros equipamentos de instalação fixa, bem como qualquer outra locação de bens imóveis de que resulte a transferência onerosa da exploração do estabelecimento comercial ou industrial.
Ou seja a disposição legal indicada pelo sujeito passivo que abrange apenas a simples locação de bens imóveis, não se aplica ao caso em análise pois o contrato celebrado entre a [SCom01...] e a [SCom03...] respeita a uma unidade fabril como um todo, ou seja, inclui os bens imóveis (prédio urbano e terreno) e os bens móveis, maquinaria, veículos e equipamentos que se encontravam instalados e afectos à referida unidade industrial. Assim, não estamos perante um simples contrato de arrendamento de um estabelecimento comercial mas sim perante um contrato de cessão de exploração de estabelecimento, pois:
– a operação não se consubstancia numa mera cedência de espaço;
– A transmissão de um todo, ou seja os espaços cedidos estavam devidamente equipados pelo que a cedência respeita a um conjunto de bens imóveis e de vários bens imóveis visando o desenvolvimento da actividade.
– CONCLUSÕES E PROPOSTAS
Atendendo ao exposto conclui-se que a prestação de serviços facturadas pelo sujeito passivo, relativas à unidade industrial de ..., configurando um contrato de cessão de exploração está incluído na alínea c) do n.º 29º do CIVA e assim está excluído do âmbito da isenção invocada pelo sujeito passivo.
A locação de exploração do estabelecimento comercial qualifica-se em termos de IVA como uma prestação de serviços (conforme resulta do conceito delimitado no n.º 1 do artigo 4º, do CIVA) não isenta.
Pelo que deve ser liquidado IVA à taxa normal (alínea c) do n.º 1 do artigo 18º do CIVA) sobre o montante do débito mensal em causa.”, cfr. fls. 5 e 6 do RI;
D) A Impugnante reagiu à proposta de correção referida em B) apresentando o respetivo direito de audição onde esgrimiu argumentos próximos dos apresentados neste autos mas não logrou convencer a AF pois esta confirmou a proposta, vide fls. fls. 14 e documento n.º 6 que instruiu a PI;
E) As correções, depois de superiormente ratificadas originaram as liquidações impugnadas comunicadas à Impugnante em 22 de setembro de 2009, contendo, todas elas, como data limite para pagamento voluntário, o dia 30-11-2009, cfr. capa do RI e docs. 1 a 4 que instruíram a PI;
F) A Impugnante, mais uma vez inconformada, apresentou, via correio eletrónico, em 26 de fevereiro de 2010 a PI que deu origem aos presentes autos, vide a 1ª folha do processado;
G) Na aquisição que a Impugnante fez à [SCom02...], mencionada no início da alínea C), no ponto “4.8 Colaboradores, clausulou-se o seguinte:
“Não existem trabalhadores da [SCom02...] que possam formular uma reclamação contra o Comprador ou a [SCom03...] pedindo a reintegração, em consequência da transmissão de Activos para o Comprador, tal como disposto no presente contrato. Nenhum dos trabalhadores da [SCom02...] serão transferidos para o comprador ou para a [SCom03...] em consequência da transmissão dos Activos”, cfr. o referido ponto do contrato, que na íntegra constitui o doc. n.º 8 e a sua versão inglesa o doc. n.º 9, ambos juntos com a PI;
H) Dois dias depois da aquisição, vinda de referir, à [SCom02...] a Impugnante e a [SCom03...] celebraram “CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA FINS INDUSTRIAIS” englobando “a unidade industrial destinada a laboratório de produtos farmacêuticos, composta por terreno, edifício, fábrica, maquinaria e equipamentos...”, vide o doc. nº 13 que instrui a PI;
I) A [SCom03...] obteve, em junho de 2006, “autorização para fabricar e importar substâncias estupefacientes, psicotrópicas e seus preparados nas suas instalações fabril sitas na R. ..., ..., 2670 540, ....”, cfr. doc. n.º 11 da PI;
J) E, para as mesmas instalações obteve, em 21-09-2006, licença de exploração industrial, vide doc. n.º 12 da PI.

III II Factos não provados
Inexistem
Para além dos factos referidos, não foram provados outros com relevância para a decisão da causa.
A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica do teor dos documentos constantes dos autos e do PA, cujo teor se dá integralmente por reproduzido, tudo conforme referido a propósito de cada um dos pontos do probatório.
A divergência das Partes não se situa ao nível dos fatos pois a base fatual em causa é idêntica e não contestada assentando, fundamentalmente, nos documentos que instruíram a PI e o Relatório de inspeção. Onde divergem é na interpretação da referida base fatual. Como melhor se explicará na parte seguinte a audição das testemunhas revelou a referida divergência interpretativa.
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Aditamento/Alteração da matéria de facto

Por se considerar pertinente e por ser de conhecimento oficioso, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 5.º e do n.º 2 do artigo 412.º do Código de Processo Civil, alteram-se as alíneas G) e H) do probatório, nos seguintes termos:

G) No dia 30 de dezembro de 2005, a [SCom02...], Impugnante e a [SCom03...], celebraram um «Contrato de Compra e Venda», que outorgaram em conjunto e solidariamente, nos seguintes termos:
«Considerando que a [SCom02...] é proprietária do terreno, dos edifícios, da fábrica, da maquinaria, dos veículos e dos equipamentos (os “Activos” como adiante definidos), bens que se localizam nas Instalações de ..., e que tais bens eram utilizados na actividade comercial de fabrico e comercialização de produtos farmacêuticos,
Considerando que, nos termos e condições estabelecidas no presente Contrato, o Comprador pretende adquirir à [SCom02...] – ficando desde já definido que a [SCom01...] irá, após a aquisição, celebrar um contrato com a [SCom03...] no sentido de ser por esta prosseguido na fábrica uma actividade de fabrico na área farmacêutica -, e que a [SCom02...] pretende vender e transferir os Activos para o comprador,
Considerando que, fazendo fé nas declarações e nas garantias prestadas no presente Contrato e tendo em consideração os acordos mútuos aqui contidos, o Comprador, a [SCom03...] e a [SCom02...], pretendendo vincular-se legalmente, pelo presente contrato, acordam nos seguintes termos:
(…)
Artigo 1 – Definições
Para efeitos do presente Contrato, as seguintes expressões terão o significado infra estabelecido e definido:
(…)
1.10 “inventários” significam todos os inventários das instalações de ... necessários ao fabrico dos produtos constantes do anexo I do contrato de Fabrico e Fornecimento (MAS), incluindo:
(a) as matérias-primas, material de embalagem e de expedição
(b) os componentes de manutenção e
(c) todos os demais materiais e fornecimento presentes para utilização ou consumo na manufactura dos produtos
salvaguardando, todavia, que os inventários de produtos finais reservados ou feitos por qualquer uma das empresas pertencentes ao grupo [SCom04...] (“[SCom04...] SA”) em conformidade com as instruções delegadas nesse sentido, até incluindo a Data de fecho, não deverão fazer parte desses Inventários, assim como as substâncias activas e semi-acabados (bulks), devendo os mesmos continuar propriedade da [SCom02...].
(…)
Artigo 2: Venda e aquisição dos Activos da [SCom02...]
2.1 Venda e Aquisição
Na Data do fecho, e nos termos e condições previstas no presente contrato, a [SCom02...] obriga-se a vender ao comprador e o Comprador obriga-se a comprar à [SCom02...], os seguintes Activos, por um preço unitário de dois milhões e duzentos mil euros (€ 2 200 000,00) (Preço de Compra), ficando entendido que a compra e venda não serão sujeitas a IVA nos termos do artigo 3º, n.º 4 do Código do IVA, e será pago nos termos previstos na Secção 2.3:
(i) O direito de Propriedade sobre os imóveis detidos pela [SCom02...], identificados e descritos na escritura pública, a serem transmitidos pelo preço de € 695.000,00 (seiscentos e noventa e cinco mil euros)
(ii) Toda a maquinaria e equipamentos propriedade da [SCom02...] e relacionado no Anexo 1 junto ao presente contrato a ser transmitido pelo preço de € 1.505.000,00 (um milhão, quinhentos e cinco mil euros).
(…)
2.4 Inventários
Na Data de fecho os inventários serão vendidos à [SCom03...] pelo preço de € 455.410,35 (quatrocentos e cinquenta e cinco mil, quatrocentos e dez euros e trinta e cinco cêntimos), conforme determinado conjuntamente pela [SCom02...] e pela [SCom03...], de boa fé, baseado numa contagem de inventário conjunta organizada pela [SCom02...] e pela [SCom03...], que ocorreu nos dias 12, 13 e 14 de Dezembro de 2005, de acordo com os princípios contabilísticos vigentes em Portugal, sendo acordado entre as Partes que o conteúdo dos Inventários será confirmado no prazo de 15 dias após a celebração do presente contrato. Havendo lugar a regularização a mesma será feita através de nota de crédito ou factura.
O pagamento do preço será feito pela [SCom03...] à [SCom02...] no prazo de 30 dias a contar da data de emissão da factura, por transferência bancária.
(…)
4.4 Livros e Registos
A [SCom02...] disponibilizou ao comprador para consulta e inspecção os livros e registos solicitados por este relativamente aos Activos. Os referidos livros e registos estiveram disponíveis no “Data Room” aberto para o Comprador em 13 de Setembro de 2005. Os factos divulgados na referida “Data Room” encontram-se listados no Anexo 2.
(…)
4.8 Colaboradores
Não existem trabalhadores da [SCom02...] que possam formular uma reclamação contra o Comprador ou a [SCom03...] pedindo a reintegração, em consequência da transmissão de Activos para o Comprador, tal como disposto no presente contrato. Nenhum dos trabalhadores da [SCom02...] serão transferidos para o comprador ou para a [SCom03...] em consequência da transmissão dos Activos.
(…)
4.10 Condições dos Equipamentos e Veículos
Tanto quanto é do conhecimento da [SCom02...], todos os bens que integram os Activos, incluindo o mobiliário, maquinaria, e equipamento e veículos, sejam eles sua propriedade ou detidos em regime de locação financeira, estão nas condições, estado de reparação e manutenção (considerando a sua idade e o seu uso) que permitirão a continuidade da operacionalidade dos activos na Data de fecho, tal como sucedia substancialmente da mesma forma anteriormente À referida Data.
4.11 Contratos
4.11.1 O Anexo 3 determina cada contrato escrito ou acordo que vigore para além da presente data, no qual a [SCom02...] seja parte relativamente aos Activos, e que o Comprador ou a [SCom03...] pretendem assumir em seu nome.
4.12 Irresponsabilidade por Outros Poderes e Garantias
A [SCom02...] não efectuou, nem exerceu quaisquer poderes ou garantias em relação com as transações contempladas no presente Contrato, para além daquelas aqui expressamente celebradas e por si outorgadas. Nenhuma pessoa foi autorizada pela [SCom02...] para exercer ou efectuar quaisquer garantia relativamente à [SCom02...], aos activos, ou em relação com as transacções aqui acordadas, e ainda que alguém se arrogue de tais poderes, os mesmos não foram devidamente autorizados pela [SCom02...].
(…)
5.3 Cumprimento da Lei
O Comprador e a [SCom03...] têm todas as aprovações, autorizações e licenças governamentais necessárias para concretizar a aquisição dos activos, sendo que as mesmas se encontram válidas, em vigor e são respeitadas pelo Comprador e pela [SCom03...]. O Comprador e a [SCom03...] não receberam qualquer notificação de qualquer Entidade Governamental, no sentido de serem canceladas ou revogadas tais aprovações, autorizações e licenças.
(…)
[vide o doc. nº 8 que instrui a PI; a págs. 50 do SITAF, suas fls. 87 a 104; doc. 9 na versão inglesa]

H) No dia 30 de dezembro de 2005, a Impugnante e a [SCom03...] celebraram um “CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA FINS INDUSTRIAIS”, do qual se destacam as seguintes cláusulas:
PRIMEIRA
A primeira outorgante dá de arrendamento à segunda, que o aceita, a unidade industrial, referida no Considerando 1. Supra, e que é composta pelos seguintes imóveis:
Prédio urbano, composto por edifício destinado a laboratório de produtos farmacêuticos, com três pisos, sub/cave e rés-do-chão, com logradouro envolvente (…):
Prédio urbano composto por terreno destinado a construção (…);
§ Primeiro: integra-se no objecto do presente arrendamento a locação dos bens móveis, maquinaria, veículos e equipamentos, que se encontram instalados e afetos à referida unidade industrial e que constam da lista ou inventário organizado para o efeito em conjunto pela primeira e segunda outorgantes, que constitui o anexo I ao presente contrato e dele faz parte integrante.
SEGUNDA
A unidade industrial ora arrendada, englobando os bens imóveis e os bens móveis, destina-se a actividade de laboratório de produtos farmacêuticos, não lhe podendo ser dado outro destino ou uso sem autorização expressa escrita da senhoria.
TERCEIRA
1. O prazo de duração do presente arrendamento, que as partes convencionam de duração efetiva, ao abrigo do Artigo 117º do regime do Arrendamento Urbano, é de seis anos e tem o seu início em 01 de Janeiro de 2006 e termo em 31 de Dezembro de 2011.
2. Findo o prazo referido no número anterior o contrato renovar-se-á automaticamente e sucessivamente por períodos de um ano, caso não seja denunciado nos termos da Lei.
QUARTA
1. Como contrapartida da ocupação e utilização dos locais arrendados e dos bens móveis locados, a segunda outorgante pagará mensalmente à primeira a importância de € 15.000,00 (quinze mil euros), correspondendo:
a) € 11.000,00 (onze mil euros), à renda devida pelo arrendamento dos imóveis; e
b) € 4.000,00 (quatro mil euros), à renda devida pela locação dos móveis.
2. A renda vence-se a 01 de Janeiro de 2006, e cada uma das subsequentes no primeiro dia útil do mês que disser respeito.
(…)
[vide o doc. nº 13 que instrui a PI; a págs. 50 do SITAF, suas fls. 129 a 135]

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Apreciação jurídica do recurso.

Alega a Recorrente, que o contrato que celebrou com a empresa [SCom03...] corresponde a um contrato de arrendamento e não a um contrato de transmissão e/ou cessão de uma unidade industrial, até porque a Impugnante não exercia atividade industrial, não obstante ter adquirido o imóvel dotado de bens móveis afetos a uma atividade industrial, sendo tal aquisição uma compra e venda de ativos a uma empresa que liquidou o seu estabelecimento comercial (a [SCom02...]), vendendo a diferentes compradores alguns dos ativos e de forma parcelar e não integrada.
Diz a Recorrente que ficou contratualmente prevista a obrigação da [SCom03...], sociedade comercial cujo objeto social era (e é) a produção e comercialização de produtos farmacêuticos, posteriormente instalar nos referidos imóveis uma nova unidade industrial de produção e comercialização de produtos farmacêuticos, pelo que a [SCom03...] adquiriu à [SCom02...] os seus inventários (Stocks) – e não à [SCom01...], por isso a exploração do estabelecimento farmacêutico detido pela [SCom02...] cessou, portanto não podia ter sido transmitido. Mais invoca que a Impugnante nunca foi detentora de licença de exploração industrial, nem titular de autorização para produção de produtos farmacêuticos emitida pelo INFARMED, pelo que, a [SCom03...] teve também de constituir e reunir todos os elementos integrantes da sua organização empresarial, a partir do zero.
Refere a Recorrente que o contrato de arrendamento prevê como contrapartida da ocupação dos locais arrendados e dos bens móveis locados, uma renda mensal relativa aos imóveis; e um aluguer mensal relativo aos móveis, por isso estamos perante um Contrato Misto de Arrendamento e de Aluguer e não diante de um estabelecimento comercial ou industrial.
Concluiu a Recorrente este arrendamento e locação de bens, atendendo ao disposto no art.º 9.º, n.º 30 do CIVA, está isento de liquidação de imposto, pelo que não se pode manter a sentença recorrida ao não determinar a anulação das liquidações adicionais de IVA e respetivos juros compensatórios.

A sentença julgou improcedente a impugnação, por entender que se estava diante de uma cedência temporária de um estabelecimento comercial, salientando a determinação de rendas fixas respeitantes às máquinas e outros equipamentos ser uma parte que está longe de ser secundária ou residual.

Apreciando.
Está em apreciação saber se o contrato celebrado entre a Impugnante e a empresa [SCom03...] configura um arrendamento de imóveis, e, como tal, isento de IVA, ou configura um contrato de transmissão ou cessão de um estabelecimento comercial, mais propriamente, de uma unidade industrial, consequentemente sujeito a IVA.
A análise da questão em apreço, tem de ser efetuada conforme a matéria de facto apurada pela Inspeção Tributária, ou melhor, segundo a fundamentação vertida no Relatório de Inspeção, com a respetiva integração jurídica.
O Relatório de Inspeção baseou-se na Cláusula Primeira do Contrato de Arrendamento para chegar à conclusão de que se tratava de uma transmissão de um estabelecimento comercial como um todo, uma universalidade, uma unidade económica, mais ou menos complexa. Acompanhou esta conclusão a análise do contrato de venda desta unidade industrial, celebrado entre a [SCom02...], a Impugnante, em que também foi interveniente, a agora arrendatária [SCom03...], nos termos do qual ficara estabelecido que a [SCom03...] iria prosseguir uma atividade de fabrico na área farmacêutica.
O Relatório concluiu que:
– a operação não se consubstancia numa mera cedência de espaço;
– A transmissão de um todo, ou seja os espaços cedidos estavam devidamente equipados pelo que a cedência respeita a um conjunto de bens imóveis e de vários bens imóveis visando o desenvolvimento da actividade.
A Recorrente entende que não ocorre uma transmissão e/ou cessão de estabelecimento, por não existir um estabelecimento em funcionamento que assim tivesse sido transmitido, até porque a Impugnante não exercia atividade industrial e que não foram transferidos os contratos de trabalho.
Para melhor enquadramento da situação, analisemos o conceito de transmissão ou cessão de exploração de um estabelecimento comercial ou industrial e o conceito de arrendamento urbano.
O arrendamento urbano implica a cedência do gozo temporário de um prédio, no todo ou em parte, mediante o pagamento de uma renda. O conceito de locação consta do artigo 1022.º do Código Civil, nos seguintes termos: Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição.
Por sua vez, o contrato de exploração, implica que o cedente coloque à disposição do cessionário uma unidade jurídica, constituída por um estabelecimento comercial, que inclui toda uma panóplia de bens para que o mesmo possa exercer a atividade, demitindo-se o cedente de exercer essa atividade, temporariamente.
Segundo Antunes Varela (vide Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 100, pág. 270; idem no Código Civil por si anotado, anotado – 3.º ed., em anotação ao artigo 1085.º), o contrato de cessão de exploração de estabelecimento o que tinha de característico não é a cedência da fruição do imóvel, nem o gozo do mobiliário ou do recheio que nele se encontre, mas a cedência como um todo, como uma universalidade, de uma unidade económica mais ou menos complexa: Na transmissão efectuada pelo cedente vai, portanto, incluído todo o somatório de elementos materiais e imateriais que integram a organização da empresa (desde móveis e imóveis até à clientela, às patentes, aos segredos de fabrico, aos contratos, licenças, alvarás, assinatura de telefones, etc.).

Por sua vez, Ferrer Correia e Maria Ângela Coelho, escreveram na Revista de Direito e Economia, X/XI, pág. 281 e 292, o seguinte: para poder falar-se em contrato de locação de estabelecimento, forçoso é demonstrar-se a existência de um estabelecimento ao tempo da celebração do negócio jurídico. (…) São elementos essenciais deste negócio: a) a transferência, b) onerosa, c) temporária, d) do direito de exploração de um estabelecimento comercial.
Também Pupo Correia, in Direito Comercial, 10ª edição, pág. 72, refere que a cessão de exploração de estabelecimento comercial não é senão um contrato de locação do estabelecimento como unidade jurídica, isto é, um negócio jurídico pelo qual o titular do estabelecimento proporciona a outrem, temporariamente e mediante retribuição, o gozo e fruição do estabelecimento, ou seja, a sua exploração mercantil. O cedente ou locador demite-se temporariamente do exercício da atividade comercial e quem o assume é o cessionário ou locatário.
Ora, conforme referido pelos citados autores, a cessão de exploração de um estabelecimento, compreende, para além do mais, de todo um conjunto de caraterísticas inerentes a um estabelecimento em funcionamento (ou ainda que venha a funcionar), para além dos móveis e imóveis, como seja a clientela, os contratos (por exemplo contratos de trabalho e contratos de fornecimento), as licenças, alvarás, patentes (se for o caso), etc.
Portanto, uma das características da cessão de estabelecimento é que haja um estabelecimento em funcionamento ou que venha a funcionar um estabelecimento imediatamente à realização da cessão.
No caso em apreço, não obstante a [SCom02...] ter encerrado o estabelecimento, pode concluir-se que o objetivo era o de que o mesmo tipo de estabelecimento viesse a funcionar logo de seguida ao encerramento. E como a cessão de um estabelecimento não carece de se encontrar em funcionamento, mas que venha a funcionar de imediato à realização da cessão; no caso concreto temos de concluir ter ocorrido uma cessão de estabelecimento industrial.
Assim, o «Contrato de Compra e Venda», entre a Impugnante, a [SCom02...] e a [SCom03...], engloba muito mais do que uma mera transferência de imóveis e alguns bens móveis.
Conforme dado por assente na alínea G) da matéria de facto (acima alterada e acrescentada, por transcrição de cláusulas contratuais), verifica-se que a [SCom03...] (que é quem vai exercer a atividade no local em apreço) é parte de um contrato de compra e venda, com o qual parece pretender que nada tem a ver consigo, mas na prática acaba por ter.
Em primeiro lugar, não se compreende como é que sendo a compradora dos imóveis e dos bens móveis a Impugnante, haja necessidade de a [SCom03...] intervir em tal contrato. Ou melhor, compreende-se, na medida em que, precisamente, a [SCom03...] vai continuar a exercer a mesma atividade no estabelecimento. De tal forma assim é que, logo nos considerandos do contrato de compra e venda, se refere que o comprador, portanto, a Impugnante, de imediato vai celebrar um contrato com a [SCom03...] para que esta prossiga a atividade comercial de fabrico e comercialização de produtos farmacêuticos. Aliás, nesse contrato refere-se que são transmitidos Ativos, sendo com esses Ativos que se vai continuar a exercer a atividade de fabrico na área farmacêutica.
Verifica-se do contrato de compra e venda, que há um especial cuidado em discriminar os Ativos que passam para o adquirente e/ou diretamente para a [SCom03...], sendo que esta recebe os ativos inerentes ao fabrico de medicamentos.
Conforme resulta do contrato de compra e venda, foi elaborado um inventário, sendo transmitidas para a [SCom03...], matérias-primas, material de embalagem e de expedição, componentes de manutenção e todos os demais materiais e fornecimento presentes para utilização ou consumo na manufatura dos produtos, tendo a [SCom03...] pago € 455.410,35, pelos mesmos – vide itens 1.10 e 2.4 do contrato em apreço.
Para além disso, a vendedora disponibilizou todos os livros e registos à compradora, sendo que perguntar se foram apenas vendidos imóveis e alguns bens móveis, qual a necessidade de analisar todos os livros e registos.
Depois, são transmitidos todos os bens para continuar a atividade, conforme se refere no item 4.10, que tem a seguinte redação: todos os bens que integram os Activos, incluindo o mobiliário, maquinaria, e equipamento e veículos, sejam eles sua propriedade ou detidos em regime de locação financeira, estão nas condições, estado de reparação e manutenção (considerando a sua idade e o seu uso) que permitirão a continuidade da operacionalidade dos activos na Data de fecho, tal como sucedia substancialmente da mesma forma anteriormente à referida Data.
Sintomática esta última frase, na medida em que refere claramente que a atividade é para continuar, tal como anteriormente sucedia.
De tal forma, a atividade era para continuar que a [SCom03...] assumiu os contratos que eram detidos pela vendedora, conforme consta do item 4.11.1 do contrato, onde se menciona que no Anexo 3, constam tais contratos, incluindo os que vigorassem para além da data em que a compra e venda foi celebrada.
Para além disso a vendedora garante que não exerce quaisquer poderes ou garantias em relação às transações contempladas no contrato de compra e venda, o que também inculca que cede todos os poderes e garantias inerentes às transações que os contenham.
Por outro lado, verifica-se que a vendedora desejava que a atividade continuasse, na medida em que ficou estabelecido no contrato de compra e venda que a [SCom03...] (e empresa que prosseguiu a atividade), era detentora de todas as aprovações, autorizações e licenças administrativas necessárias para a aquisição dos Ativos e que se encontram válidas - vide item 5.3 do contrato. Ora, qual a necessidade de assegurar que a [SCom03...] possuía todos os requisitos indispensáveis para o exercício da atividade farmacêutica? Só existe uma explicação, que é a relativa à continuação do exercício da atividade.
Não obstante, na alínea I) da matéria de facto, ter sido dado por assente, que a [SCom03...] apenas em junho de 2006 (portanto cerca de maio ano após a celebração do contrato de compra e venda), obteve autorização para fabricar e importar substâncias estupefacientes, psicotrópicas e seus preparados, tal apenas significa que obteve autorização para estes precisos fins, sendo que a atividade farmacêutica não se resume a este tipo de substâncias.
Da mesma forma, a obtenção de licença de exploração industrial, em setembro de 2006, não invalida que o estabelecimento não tivesse já anterior licença, tendo em conta que a validade de licença anterior poderia ter caducado. Aliás, nem se percebe como é que poderia estar a funcionar uma unidade industrial, sem a respetiva licença.
Por sua vez, no que concerne à não transmissão dos contratos de trabalho, tal por si só não significa que não tivesse havido uma transmissão de um estabelecimento, pois os contratos de trabalho, corresponde somente a um dos fatores de produção, que não carecem de acompanhar a transmissão do estabelecimento.

No que concerne ao contrato designado como de arrendamento para fins industriais, verifica-se que do mesmo consta mais do que um arrendamento de imóveis, mas igualmente a possibilidade de utilização de maquinaria, equipamentos e veículos usados na atividade da unidade industrial, tal como se refere no primeiro § do contrato em apreço. Desta forma, não se pode dizer que estava apenas em causa um arrendamento. Ainda que a Recorrente alega tratar-se de um contrato misto, então é necessário interpretar esse contrato, no contexto em que foi realizado. Ora, conforme já anteriormente referido, este contrato de arrendamento apenas é possível, por força do contrato de compra e venda de ativos, em que a [SCom03...] comprar os ativos da [SCom02...], para prosseguir a atividade desta.
Para além disso, não está explicado como é que, tendo a Impugnante adquirido os bens móveis pelo valor de € 1.505.000,00 e os imóveis pelo montante de € 695.000,00 [vide item 2.3 do contrato descrito na alínea G) da matéria de facto], se limita a cobrar um aluguer de € 4.000,00, pelos bens móveis e cobra montante consideravelmente superior (€ 11.000,00) por um bem, cuja compra foi de valor inferior. Ou seja, não está explicado o como é que vais fazer o retorno dos investimentos, com as rendas em sentido inverso ao do investimento incorrido.
Resulta, ainda, que ficou a constar no contrato designado como de «arrendamento para fins industriais», se destina exclusivamente a atividade de laboratório de produtos farmacêuticos, não lhe podendo ser dado outro destino e tem a duração de seis anos – vide cláusulas 2.ª e 3.ª, transcritas na alínea H) da matéria de facto. Mediante estas cláusulas, pode dizer-se que o objeto do contrato é exclusivamente para o mesmo fim que já vinha a ser desenvolvido na unidade industrial, o que comporta mais um fator a favor da cessão do estabelecimento. Para além disso, também se verifica que o contrato é limitado temporalmente ao prazo de seus anos; situação que, igualmente, inculca uma situação de cessão temporária.
Em face do exposto, temos de concluir que efetivamente esteve em causa a transmissão ou a cedência de um estabelecimento industrial e não a outorga de um contrato de arrendamento, ainda que com a possibilidade de uso de bens móveis.
Considerando estar em apreço uma transmissão ou cessão de um estabelecimento, tal situação implica a liquidação de IVA, na medida em que tal situação se qualifica como uma prestação de serviços, conforme resulta do n.º 1 do artigo 4.º do Código do IVA, regime que abrange todas as operações de carácter oneroso, que não sejam definidas como transmissão de bens e que não estejam isentas de IVA. No caso concreto, não ocorre isenção de IVA, por inaplicabilidade do disposto no n.º 29 (à data dos factos n.º 30) do artigo 9.º do Código do IVA, na medida em que não se considera ter ocorrido uma mera locação de bens imóveis, ainda que dotados de bens móveis fixos, porquanto foram transmitidos outros ativos, como contratos celebrados com terceiros, matérias-primas, componentes de manutenção, demais materiais para utilização ou consumo de produtos manufaturados, entre outros.
Desta forma, a sentença recorrida deve ser mantida na ordem jurídica, assim improcedendo o presente recuso.
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No concerne a custas, atenta a improcedência total do recurso, é a Recorrente a responsável pelas custas do recurso – vide artigo 527.º, nos. 1 e 2 do e 529.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
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Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário:
A transmissão ou a cessão de um estabelecimento industrial, corresponde a uma prestação de serviços na aceção do disposto do n.º 1 do artigo 4.º do Código do IVA, regime que abrange todas as operações de carácter oneroso, que não sejam definidas como transmissão de bens e que não estejam isentas de IVA.
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Decisão
Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Subsecção Tributária Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
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Custas a cargo da Recorrente.
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Porto, 11 de abril de 2024.

Paulo Moura
Serafim José da Silva Fernandes Carneiro
Graça Martins