Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00770/17.7BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/30/2025
Tribunal:TAF do Porto
Relator:VIRGÍNIA ANDRADE
Descritores:PEDIDO REVISÃO VS LIQUIDAÇÃO IRS;
OBJECTO MEDIATO E IMEDIATO IMPUGNAÇÃO JUDICIAL;
Sumário:
I. A nulidade por omissão de pronúncia apenas se verifica quando o juiz deixe de se pronunciar sobre as questões pelas partes submetidas ao seu escrutínio.

II. O objecto real da impugnação é o acto de liquidação e não o acto que decidiu o pedido de revisão, pelo que são os vícios daquela e não de despacho de indeferimento de pedido de revisão que estão verdadeiramente em crise.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1 – RELATÓRIO

«AA», contribuinte n.º ...10 e «BB», contribuinte n.º ...08 vêm interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a impugnação judicial por estes intentada contra o despacho de indeferimento proferido pela Directora dos Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares de 02.12.2016 contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º ...65, liquidação de Juros n.º ...14 e Demonstração de Acerto de Contas n.º ...79, no valor total de €178.964,42.

Os Recorrente terminaram as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
“1.ª A sentença recorrida, pese embora o Tribunal a quo tenha julgado procedente a impugnação judicial, apenas se deve ter por parcialmente favorável às pretensões formuladas na impugnação judicial pelos Recorrentes, observando-se o decaimento parcial do pedido;
2.ª Efetivamente, o Tribunal a quo determina, apenas, a anulação do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, não condenando a administração tributária à anulação do ato de liquidação adicional sub judice e consequente restituição da quantia de imposto indevidamente paga, acrescido do pagamento dos juros indemnizatórios, conforme peticionado pelos ora Recorrentes;
3.ª Por tal, entendem os Recorrentes que o Tribunal a quo incorre em erro de julgamento porquanto não existem fundamentos passíveis de sustentar que, in casu, não há lugar à imediata anulação do ato de liquidação impugnado nos autos, termos em que procedem à interposição do presente recurso;
4.ª Contudo, ainda que não se entenda que os Recorrentes decaíram no pedido e a sentença padece de erro de julgamento, não existindo fundamento para o presente recurso, sustentam os Recorrentes que a sentença enferma de nulidades, nos termos do artigo 125.º do CPPT, requerendo-se, então, a convolação do presente recurso em requerimento de arguição de nulidades imputáveis à sentença, o qual se afigura tempestivo;
5.ª A sentença recorrida padece de erro de julgamento ao relevar para momento processual posterior ao trânsito em julgado dos presentes autos – no caso, em sede de execução de julgados – a determinação da anulação do ato de liquidação adicional sub judice;
6.ª Tendo sido julgados procedentes os vícios imputáveis ao ato de liquidação adicional do imposto – e não existindo outros vícios passíveis de serem conhecidos pelos serviços da administração tributária numa fase posterior – a sentença recorrida incorre em erro de julgamento, porquanto deveria ter julgado procedente o pedido de anulação do ato tributário;
7.ª Não se vislumbra em que medida poderá ser concedida à administração tributária a possibilidade de em sede de execução de julgados retomar o procedimento administrativo de apreciação do ato de liquidação em apreço, porquanto o Tribunal a quo julgou todos os vícios (materiais e processuais) procedentes;
8.ª Tanto a procedência dos vícios de violação da lei material – no caso, a errónea interpretação e aplicação do artigo 16.º do Código do IRS à situação tributária do Recorrente «AA» – como dos vícios processuais – a violação do princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material – determinaram a ilegalidade do ato, pelo que o juízo lógico seria a anulação do ato tributário;
9.ª O erróneo julgamento ocorre, ainda, pelo facto de o Tribunal a quo considerar que deverá haver lugar a uma decisão de mérito a proferir pelos serviços da administração tributária, sem que a mesma possa reincidir nos vícios julgados procedentes;
10.ª Ao considerar necessário a prolação de nova decisão administrativa, o Tribunal a quo está a colocar em causa o seu próprio juízo, porquanto deu por provado que o Recorrente era residente em Angola no ano de 2009, considerando os seus rendimentos obtidos nesse território não podiam ser tributados em Portugal nesse ano, o que só pode pressupor a anulação do ato tributário por ser ilegal;
11.ª Por último, a sentença recorrida atenta contra o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado nos artigos 2.º, 20.º, n.º 1 e n.º 4 e 268.º, n.º 4, todos da CRP, quando a interpretação do dever de julgamento da impugnação judicial, ínsito no artigo 123.º do CPPT, vai no sentido de legitimar o Tribunal a anular o objeto imediato do processo (a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa) sem igualmente anular o objeto mediato (ato tributário), quando não existam fundamentos ou vícios prejudiciais que obstem à imediata condenação da administração tributária à anulação do ato tributário com as demais consequências legais;
12.ª Razão pela qual a sentença enferma não só de erro de julgamento como padece de inconstitucionalidade, o que se invoca para os devidos efeitos legais;
13.ª Sem prejuízo do exposto, e caso se considere que a sentença recorrida não padece de erro de julgamento – o que apenas por dever de patrocínio se concebe, sem conceber – consideram os Recorrentes que a sentença enferma de nulidade por omissão de pronúncia, termos do artigo 125.º do CPPT e do disposto na alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT;
14.ª Apesar de dar por provados os factos aduzidos pelos Recorrentes e julgar procedentes os vícios imputáveis, considerando que não assistia razão à administração tributária, o Tribunal a quo é omisso quanto às questões apontadas concretamente quanto à ilegalidade do ato de liquidação adicional;
15.ª Compulsada toda a sentença recorrida, não é possível identificar, expressa e inequivocamente, a pronúncia sobre os vícios apontados e que fundamentam a ilegalidade do ato tributário consubstanciado na liquidação adicional do IRS do ano de 2009;
16.ª Perante as questões levadas ao conhecimento do Tribunal especificamente relacionadas com a ilegalidade do ato de liquidação adicional sub judice, deveria o Tribunal a quo pronunciar-se sobre tais questões, proferindo decisão no sentido de anular o ato tributário consubstanciado na liquidação adicional de IRS do ano de 2009;
17.ª Não existe qualquer razão que obste ao conhecimento da questão invocada pelos Recorrentes, considerando que os vícios apontados ao ato de liquidação sub judice constituem o objeto mediato de todo o processo de impugnação judicial, pelo que deverá ser julgado ilegal tal ato com as necessárias consequências legais;
18.ª Sem prejuízo do alegado quanto à omissão de pronúncia, a sentença recorrida padece de nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do artigo 125.º do CPPT e do disposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT
19.ª Em face da fundamentação aduzida no capítulo V dedicado ao “Direito” da sentença recorrida, o Tribunal a quo julga procedente todos os vícios invocados pelos Recorrentes em sede de impugnação judicial os quais não só são imputáveis à decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, mas, primordialmente, imputáveis ao ato primário aqui contestado: o ato de liquidação adicional de imposto;
20.ª Toda a sentença recorrida conduz no sentido segundo o qual o ato de liquidação adicional de imposto é ilegal, pelo que a decisão deveria ser no sentido de determinar a sua imediata anulação, com as necessárias consequências legais (i.e. condenação da administração tributária à restituição do imposto pago indevidamente e pagamento dos juros indemnizatórios);
21.ª Nesta medida, a sentença está indubitavelmente inquinada de nulidade uma vez que os fundamentos invocados na decisão deveriam conduzir à solução oposta àquela que foi adotada no Dispositivo, conquanto o ato de liquidação não se poderá manter na ordem jurídica, sendo naturalmente de o anular;
22.ª No caso em apreço, o Tribunal a quo culminou por anular o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, considerando a procedência dos vícios legais invocados pelos Recorrentes, sendo que é neste contexto que se regista a oposição entre os fundamentos e a decisão.
23.ª De facto, aqueles fundamentos só poderiam ter conduzido à decisão, lógica, de anular o ato de liquidação adicional de imposto e não apenas o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, inquinando assim a sentença de nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão;
24.ª Sem prejuízo do exposto, e admitindo-se que as nulidades não seriam procedentes, ainda assim sempre seria de anular a sentença recorrida com fundamento em erro de julgamento da matéria de facto;
25.ª A título preliminar cumpre notar que no pedido de revisão oficiosa foi suscitada a ilegalidade do ato tributário com base nos mesmos fundamentos invocados na impugnação judicial, não existindo, por tal, qualquer outro requerimento a que alude o Tribunal a quo que fosse suscetível de ser apreciado pelos serviços da administração tributária em sede de execução de julgados;
26.ª Termos em que, em face de todo o supra exposto, deve, também com este fundamento, a sentença ser revogada.
Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida, na parte objeto do presente recurso, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!”





Não foram apresentadas contra-alegações.
Por despacho de 14.10.2022, foram sustentadas as nulidades da decisão, no sentido de as mesmas não se verificarem.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso por acompanhar na íntegra as razões de facto e de direito expostas pelos Recorrentes.
Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos, cfr. artigo 657.º n.º 4 do Código de Processo Civil, submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
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Objecto do recurso

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta do disposto no artigo 608.º n.º 2, artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º n.º 1, todos do Código de Processo Civil.
Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir i) da nulidade da decisão por omissão de pronúncia ii) da nulidade da decisão por oposição entre os fundamentos e a decisão iii) do erro de julgamento iv) da violação do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado nos artigos 2.º, 20.º, n.º 1 e n.º 4 e 268.º, n.º 4, todos da CRP v) do erro de julgamento da matéria de facto.

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2 - Fundamentação
2.1. Matéria de Facto
O Tribunal a quo decidiu a matéria de facto da seguinte forma, que aqui se reproduz:
“Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
A) Os impugnantes foram alvo de uma ação inspetiva credenciada pela OS n.º OI20.....13, que concluiu por correções em sede de IRS no valor de € 399.971,40, para o ano de 2009 – motivo controlo declarativo dos sujeitos passivos que relativamente ao exercício de 2009 – rendimentos obtidos em Angola, que não foram mencionados na declaração modelo 3 do ano de 2009, nos seguintes termos:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cf. RIT datado de 24/10/2013, a fls. 34 e ss do PA anexo 1 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
B) Em 12/03/2009, o impugnante marido, efetuou uma transferência da sua conta do Banco 1..., no montante de € 399 971,40, para uma conta de que é titular localizada em Portugal, cujo valor se destinava à aquisição de um imóvel – facto não controvertido - cf. RIT datado de 24/10/2013, a fls. 34 e ss do PA anexo 1 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
C) Em 31/12/2009, do cadastro da AT constava como domicílio fiscal dos impugnantes Rua ..., ..., ... – ... - cfr. quadro a fls. 53 do anexo ao PA, não controvertido.
D) Em 27/05/2010, os impugnantes entregaram a declaração modelo 3 de IRS referente ao ano de 2009, na qual os ora impugnantes declararam apenas rendimentos da categoria A e F de IRS (trabalho dependente e prediais), assinalando no campo referente à residência fiscal a situação de residentes no continente, não tendo declarado rendimentos em Angola – cf. doc. um junto com a contestação, não impugnado.
E) Em consequência da apresentação da declaração modelo 3 de IRS acima referida foi efetuada a liquidação nº ...71, não se tendo apurado imposto a pagar ou a receber – facto não controvertido (cf. p.i., art.º 5.º, al. e), fls. 45 do processo físico e PA apenso aos autos).
F) Em 11/07/2012 foi comunicada a alteração do domicílio fiscal do impugnante, para Angola, tendo nomeado como representante, «BB», sua esposa - cfr. fls. 53 do anexo I ao PA;
G) No âmbito de ação inspetiva a coberto da OI20.....13, e também na sequência da ação de inspeção efetuada aos rendimentos declarados para efeitos de IRS do ano de 2012, no âmbito do disposto no art. 87º e 89º-A da Lei Geral Tributária (LGT), os SIT verificaram que nas declarações mod. 3 apresentadas pelos impugnantes e referentes aos anos de 2009, 2010 e 2011, foram omitidos os rendimentos auferidos em Angola – cfr. fls. 25 e ss do PA;
H) Os impugnantes não apresentaram a declaração mod. 3 do ano de 2009 de substituição indicando os rendimentos obtidos em Angola a que se reporta a al. A) do probatório - cfr. fls. 43 do PA (facto não controvertido);
I) Os impugnantes apresentaram em 19/12/2012 as declarações referentes aos anos de 2010 e 2011, incluindo nessas declarações o anexo “J” – Rendimentos obtidos no estrangeiro - cfr. fls. 43 do PA (facto não controvertido) - cfr. fls. 43 do PA (facto não controvertido);
J) Na falta de entrega da declaração de substituição referente ao ano de 2009, procederam os SIT à fixação do rendimento colectável daquele ano para incluir o rendimento obtido em Angola no valor de € 399.971,40, em € 412.307,45, daí resultando a liquidação nº ...65, no montante total de € 178.964,42, que inclui juros compensatórios no valor de € 21.486,08, (liquidação nº ...14), com data limite de pagamento em 2013.11.25 – cf. fls. 53 e ss do processo físico.
K) Em 10/03/2014, os impugnantes apresentaram reclamação graciosa, solicitando que os rendimentos do impugnante marido não fossem tributados, por este não residir em Portugal (cfr. fls. 3 a 14 do anexo I ao PA);
L) A reclamação foi indeferida em 08/08/2014 - cfr. fls. 65 do anexo I.
M) Por requerimento datado de 10/11/2014, os impugnantes apresentaram um pedido de revisão oficiosa, nos termos do disposto no art. 78º da LGT – cf. fls. 155 do sitaf, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
N) Ao pedido de revisão a que se alude na alínea antecedente, o impugnante juntou:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

Doc. 3.
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

Doc. 4
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

Doc. 5
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

Doc. 6
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

Doc. 7
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

Doc. 8
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

Doc. 9
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

Doc. 10
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

Doc. 11
cf. fls. 155 do sitaf, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
O) Por despacho de 02/12/2016 foi indeferido o referido pedido de revisão, nos seguintes termos, no que ao caso releva:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

(cfr. fls. 40 do PA);
P) Em 18/12/2016, os impugnantes efetuaram o pagamento do imposto ao abrigo do D.L. nº 151-A/2013, de 31/10, no montante de € 157 478,34, beneficiando da anulação do valor referente a juros compensatórios no montante de € 21.486,08 – cf. art.º 5.º, al. n.) da contestação, facto não controvertido.
Q) Em 03/02/2017, o Consulado Geral de Portugal em Luanda emitiu a seguinte declaração:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Cf. fls. 3 (fls. 18) do sitaf, doc. três junto com a p.i., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
R) A presente ação deu entrada em 27/03/2017 – Cf. fls.1 do sitaf.
S) Em 03/02/2017, o Impugnante vivia na Rua ..., ..., ..., Luanda, Angola, residindo na área consular de Luanda desde 04/08/2003.

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Não existem quaisquer outros factos provados ou não provados relevantes para a boa decisão da causa.

Motivação

A convicção do Tribunal na consideração dos factos provados alicerçou-se no teor dos documentos juntos aos autos, ao processo administrativo que não foram impugnados e à admissão das partes.
Quanto ao facto contido na alínea S) dos factos provados, a convicção do Tribunal resultou do certificado de residência emitido pelo Consulado Geral de Portugal em Angola em Luanda, de 03/02/2017 – doc. três junto com a p.i. não impugnado.
Alega a FP que tal documento não é susceptível de provar a efectiva permanência do impugnante em Angola, porquanto, conforme consta no Portal das Comunidades Portuguesas do Ministério dos negócios Estrangeiros ,“A inscrição é um ato consular, pelo qual a identificação dos cidadãos nacionais fica a constar nos arquivos do posto consular em cuja área de jurisdição fixaram residência ou se encontram ocasionalmente”. Significa isto que o facto de estar inscrito no Consulado Geral de Portugal em Luanda, não prova que o impugnante estava efectivamente a residir em Angola, pois a inscrição consular pode ser feita mesmos nos casos em que os interessados se desloquem ao país ocasionalmente, seja em trabalho, ou por outro qualquer motivo.
Contudo, não se acompanha a argumentação da FP, pois tal documento não prova apenas a inscrição consular, mas trata-se de documento emitido por entidade oficial - Consulado Geral de Portugal em Angola em Luanda – que atesta a residência desde 04/08/2003, sendo documento não impugnado. Quanto à prova testemunhal, as testemunhas inquiridas não lograram convencer o Tribunal da mesma. Com efeito, «CC», arquiteto, declarou conhecer o impugnante desde 2004 mantendo com ele uma relação profissional (a testemunha elaborava pontualmente projetos de arquitetura para o impugnante). Sobre esta matéria declarou ter-se encontrado várias vezes em Angola com o impugnante, conhecendo-o desde 2004. A testemunha costumava ir a Angola cerca de duas/três vezes por ano, no âmbito de trabalhos que prestou para o impugnante e para outros clientes e que na maioria das vezes encontrava-se com o impugnante em Angola. Não soube precisar se o impugnante era gerente das empresas para as quais prestava trabalho. Sabe que o impugnante tem casa em Angola, onde chegou a ficar hospedado algumas vezes e casa na ..., Portugal onde chegou a entregar documentação. Não soube dizer se a esposa do impugnante vive em Portugal sozinha e durante que período. Afirmou que entre 2004 e 2010 a testemunha e o impugnante “andavam sempre a correr para nos cruzarmos”. Não conseguiu precisar quantas vezes ficou hospedado na casa do impugnante em Angola no ano em causa nos presentes autos. Deste modo, a testemunha não conseguiu demonstrar ao Tribunal a matéria vertida nos quesitos.
Por sua vez, «DD», consultora financeira, afirmou que à data dos factos era bancária e que conhecia o impugnante como cliente no banco (Banco 1...). Afirmou que o impugnante tinha conta no Banco 1..., como não residente e que vinha recomendado da Zona Franca da Madeira. Esta testemunha não demonstrou conhecimento direto da situação pessoal do impugnante em 2009 (se residia efetivamente em Angola ou em Portugal e durante quanto tempo), mas da situação bancária como não residente para não pagar juros. Ora, esta testemunha, não tendo demonstrado conhecimento direto da situação pessoal do impugnante em 2009, não conseguiu demonstrar ao Tribunal a matéria vertida nos quesitos.”







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2.2 – O direito
Constitui objecto do presente recurso a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a impugnação judicial intentada contra o despacho de indeferimento proferido pela da Directora dos Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares de 02.12.2016 contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º ...65, liquidação de Juros n.º ...14 e Demonstração de Acerto de Contas n.º ...79.
Sustentam os Recorrentes a nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia e por oposição entre os fundamentos e a decisão, o erro de julgamento, a violação do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado nos artigos 2.º, 20.º, n.º 1 e n.º 4 e 268.º, n.º 4, todos da Constituição da República Portuguesa, assim como o erro de julgamento da matéria de facto.

2.2.1. Das nulidades da decisão recorrida por omissão de pronúncia e por oposição entre os fundamentos e a decisão

Os Recorrentes invocam a nulidade da decisão recorrida por considerar que esta padece de omissão de pronúncia, sustentando que “apesar de dar por provados os factos aduzidos pelos Recorrentes e julgar procedentes os vícios imputáveis, considerando que não assistia razão à administração tributária, o Tribunal a quo é omisso quanto às questões apontadas concretamente quanto à ilegalidade do ato de liquidação adicional”
Vejamos.
Decorre do disposto no artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário que “1 - Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”.
Acresce que, também resulta do disposto no artigo 615.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 2.º alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que: “1 - É nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”
Ora, como estatui o n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil, “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”
Por último, o n.º 1 do artigo 609.º do Código de Processo Civil, determina que “A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir”.
“Impõe-se ali um duplo ónus ao julgador, o primeiro (o que está aqui em causa) traduzido no dever de resolver todas as questões que sejam submetidas à sua apreciação pelas partes (salvo aquelas cuja decisão vier a ficar prejudicada pela solução dada antes a outras), e o segundo (que aqui não está em causa) traduzido no dever de não ir além do conhecimento dessas questões suscitadas pelas partes (a não ser que a lei lhe permita ou imponha o seu conhecimento oficioso).” – cfr. Acórdão do STJ de 11.10.2022, proc. n.º 602/15.0T8AGH.L1-A.S1.
Assim, “A decisão de mérito que omita a apreciação de um de dois pedidos formulados nos autos, não prejudicado pela decisão dada ao remanescente conhecido, é nula, por omissão de pronúncia, assim devendo ser reconhecido no recurso dela interposto” – cfr. Acórdão do STJ de 7.06.2023, proc. n.º 5245/22.0T8NVF.G1.
No caso aqui sob apreciação os Recorrentes alegam que o Tribunal a quo é omisso quanto às questões apontadas concretamente quanto à ilegalidade do acto de liquidação adicional.
Ora, por requerimento de 10.11.2014, os Recorrentes apresentaram um pedido de revisão oficiosa contra a liquidação de IRS nº ...65, como é dado conta no relatório da decisão recorrida, assim como nos pontos J) e M) da factualidade assente.
Do indeferimento do pedido de revisão os Recorrentes deduziram impugnação judicial onde, após fazerem uma sumula dos factos e das razões fundamentadoras da decisão que recaiu sobre o pedido de revisão apresentado, invocaram o “Erro na aplicação do direito: violação do artigo 16.º do Código do IRS” (artigos 29.º e seguintes da pi), tecendo fundamentos contra o acto tributário invocando que “deve concluir-se ter a liquidação em apreço, e a decisão do pedido de revisão respetivo que reitera os seus pressupostos, incorrido em erro na aplicação do direito na medida em que traduz a aplicação do regime fiscal dos residentes em Portugal com base na situação cadastral do sujeito passivo, ora Impugnante «AA», violando o disposto no artigo 16.º do Código do IRS, devendo em consequência ser anulada”.
Os Recorrentes invocaram também o erro quanto aos pressupostos de facto, visando tão só a liquidação impugnada pois vieram defender que “verifica-se não estarem preenchidos os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS de que depende a qualidade de residente em Portugal, em relação ao Impugnante «AA»” e nessa sequência concluindo que “nunca, com base nestas normas haveria lugar à qualificação deste sujeito passivo como residente em Portugal no ano de 2009, razão pela qual tal qualificação, admitida como fundamento do ato tributário que a final aqui se discute, é ilegal. (…) O que determina a anulação da liquidação em apreço”.
A final, formularam o seguinte pedido “deve a presente impugnação judicial ser julgada procedente por provada e, em consequência, anulada a decisão da revisão oficiosa, anulando-se o ato tributário sub judice, com a consequente restituição integral aos Impugnantes da quantia indevidamente paga a título de IRS relativo ao ano de 2009, com as devidas e legais consequências”
Assim, os Recorrentes para além de terem imputado ilegalidades ao pedido de revisão, também assacaram ilegalidades ao procedimento inspectivo e à liquidação impugnada.
Ora, perscrutada a decisão recorrida, constata-se que identificando as questões a decidir o Tribunal a quo identificou i) a violação do artigo 16.º do Código do IRS ii) o erro quanto aos pressupostos de facto iii) a violação do ónus da prova, do inquisitório e da verdade material.
O Tribunal a quo, iniciando a sua apreciação pela possibilidade de interposição de pedido de revisão oficiosa concluiu que o pedido formulado era tempestivo, tendo, de seguida apreciado em conjunto a “Violação do artigo 16.º do Código do IRS; Erro quanto aos pressupostos de facto; Violação do ónus da prova, do inquisitório e da verdade material” - conforme decorre de fls. 25 da decisão recorrida.
Nessa senda, e com base na matéria de facto assente, concluindo que o Recorrente marido era residente em Angola, considerou que o acto padecia de ilegalidade.
No entanto, não explicitou se o acto que considerou ilegal era a decisão do pedido de revisão ou a liquidação de IRS impugnada.
Não obstante, o Tribunal a quo, em acto contínuo, considerando que a Autoridade Tributária e Aduaneira “não se bastou com a falta de prova da residência em Angola para indeferir o pedido de revisão, mas com a falta de comprovativo da liquidação do imposto em Angola”, analisando o princípio do inquisitório, concluiu pela violação do princípio do inquisitório, julgando prejudicadas as demais questões alegadas pelos Recorrentes.
Assim, percepciona-se que o Tribunal a quo, na sua apreciação, apesar de ter apreciado o erro nos pressupostos, fê-lo por referência à decisão do pedido de revisão e não à liquidação de IRS impugnada.
Se dúvidas houvesse quanto ao sentido da decisão, o despacho proferido de sustentação das nulidades imputadas à decisão esclareceria, isto porque, decorre do mesmo o seguinte: “Relativamente ao alegado em (i) a (v), o Tribunal conheceu todos os vícios invocados pelos impugnantes, à exceção daqueles que ficaram prejudicados pela procedência dos vícios conhecidos pelo Tribunal, sendo certo que as ilegalidades alegadas foram assacadas ao despacho de indeferimento do pedido de revisão, dado que na ótica dos impugnantes a AT deveria ter relevado novos elementos de prova juntos ao pedido de revisão. Nos presentes autos estava em causa o despacho de indeferimento do pedido de revisão da liquidação nº ...65, no montante total de € 178.964,42, que inclui juros compensatórios no valor de € 21.486,08, (liquidação nº ...14). O Tribunal julgou procedente a ação e anulou aquele despacho, contudo não anulou a liquidação, pois o Tribunal entendeu que a AT não se bastou com a falta de prova da residência em Angola para indeferir o pedido de revisão, mas com a falta de comprovativo da liquidação do imposto em Angola. (…) Por conseguinte, faltando a prova da liquidação do imposto em Angola (segmento da sentença não controvertido pelos impugnantes) não podia o Tribunal anular a liquidação, que não foi atingida pela procedência dos vícios, mas apenas o despacho de indeferimento do pedido de revisão, esse sim atingido pela procedência de tais vícios, sendo que, por isso, exarou na sentença que “sendo procedentes os vícios de violação de lei supra mencionados deve proceder a presente ação (…)”
Assim, o Tribunal a quo apreciou a questão do erro nos pressupostos de facto, mas fê-lo numa perspectiva do pedido de revisão e não da legalidade da liquidação impugnada, considerado prejudicado o conhecimento dos restantes vícios.
Assim, não se verifica a alegada omissão de pronúncia, pois a decisão recorrida apreciou a questão alegada pelos Recorrentes, verificando-se quando muito o erro de julgamento relativamente às consequências da verificação do erro dos pressupostos de facto.
Com efeito, os Recorrentes disso dão conta nas suas alegações de recurso ao mencionarem no artigo 19.º que “Em face da fundamentação aduzida no capítulo V dedicado ao “Direito” da sentença recorrida, o Tribunal a quo julga procedente todos os vícios invocados pelos Recorrentes em sede de impugnação judicial os quais não só são imputáveis à decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, mas, primordialmente, imputáveis ao ato primário aqui contestado: o ato de liquidação adicional de imposto”.
Os Recorrentes também vêm sustentar a nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão na medida em que consideram que “o Tribunal a quo culminou por anular o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, considerando a procedência dos vícios legais invocados pelos Recorrentes, sendo que é neste contexto que se regista a oposição entre os fundamentos e a decisão”
“É pacífico na doutrina e jurisprudência o entendimento segundo o qual a nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão aí contemplada pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la: a contradição geradora de nulidade ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, de sentido diferente (cf. nesse sentido, na doutrina Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, , Vol. V, pág. 141, Coimbra Editora, 1981, Amâncio Ferreira, Manual de Recursos no Processo Civil, 9ª edição, pág. 56 e Lebre de Freitas e Isabel Alexandra, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª edição, pág. 736-737, e na jurisprudência, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Secção Social, de 28.10.2010, Procº nº 2375/18.6T8VFX.L1.S3, 21.3.2018, Procº nº 471/10.7TTCSC.L1.S2, e 9.2.2017, Procº nº 2913/14.3TTLSB.L1-S1).” – cfr. Acórdão do STJ de 14.04.2021, proc. n.º 3167/17.5T8LSB.L1.S1.
Ora, o alegado não consubstancia qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão recorrida, isto porque, a decisão de erro nos pressupostos de facto acarreta, não só, mas também, a ilegalidade da decisão do pedido de revisão.
Pelo exposto, nega-se provimento às nulidades imputadas à decisão recorrida.

2.2.2.Do erro de julgamento

Os Recorrentes vêm invocar que “toda a sentença recorrida conduz no sentido segundo o qual o ato de liquidação adicional de imposto é ilegal, pelo que a decisão deveria ser no sentido de determinar a sua imediata anulação, com as necessárias consequências legais”
Vejamos.
Como decorre da decisão recorrida o Tribunal a quo decidiu o seguinte:
“Dispõe o art.º 74.º, n.º 1 da LGT que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
Assim, compete à Administração Tributária a prova dos factos constitutivos do direito de tributar.
Nos termos do disposto no artigo 15.º, n.ºs 1 e 2 do CIRS “Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território” e “Tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português”.
Nos termos do art.º 16.º do CIRS: 1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:
a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados;
b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, em 31 de Dezembro desse ano, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual
c) Em 31 de Dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direcção efectiva nesse território;
d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.
2 - São sempre havidas como residentes em território português as pessoas que constituem o agregado familiar, desde que naquele resida qualquer das pessoas a quem incumbe a direcção do mesmo.
3 - A condição de residente resultante da aplicação do disposto no número anterior pode ser afastada pelo cônjuge que não preencha o critério previsto na alínea a) do n.º 1, desde que efectue prova da inexistência de uma ligação entre a maior parte das suas actividades económicas e o território português, caso em que é sujeito a tributação como não residente relativamente aos rendimentos de que seja titular e que se considerem obtidos em território português nos termos do artigo 18.º (Redacção da Lei nº 60-A/2005 de 31 de Dezembro)
Deste modo, o nosso ordenamento jurídico consagra o princípio da tributação pelo rendimento mundial para os residentes em território português, sem prejuízo dos mecanismos de eliminação de dupla tributação jurídica, decorrentes quer das CDT, quer da própria legislação interna.
Por conseguinte, a residência é o critério fundamental em termos de determinação da sujeição pessoal ao IRS.
Por sua vez, a Lei Geral Tributária (LGT) consagra no art.º 19.º um conceito de domicílio, nos seguintes termos:
1 - O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário:
a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual;
b) Para as pessoas colectivas, o local da sede ou direcção efectiva ou, na falta destas, do seu estabelecimento estável em Portugal.
2 - O domicílio fiscal integra ainda o domicílio fiscal eletrónico, que inclui o serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital, bem como a caixa postal eletrónica, nos termos previstos no serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital e no serviço público de caixa postal eletrónica.
3 - É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária.
4 - É ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.
5 - Sempre que se altere o estatuto de residência de um sujeito passivo, este deve comunicar, no prazo de 60 dias, tal alteração à administração tributária.
6 - Os sujeitos passivos residentes no estrangeiro, bem como os que, embora residentes no território nacional, se ausentem deste por período superior a seis meses, bem como as pessoas colectivas e outras entidades legalmente equiparadas que cessem a actividade, devem, para efeitos tributários, designar um representante com residência em território nacional.”
Como afirma Alberto Xavier (Direito Tributário Internacional, 2.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2009, p. 281): “[A] noção de residência ou domicílio para efeitos de delimitação da esfera de incidência das normas tributárias de cada Estado é também distinta da noção de domicílio tributário de direito interno e que é um domicilio especial pelo qual a lei refere a um lugar bem determinado, o exercício de direitos e o cumprimento dos deveres estabelecidos pelas normas tributárias, localizando o sujeito passivo com vista a fixar a circunscrição territorial em cuja área se situem os serviços de administração competentes para a prática de actos relativos à situação fiscal do contribuinte”.
Deste modo, o conceito de domicílio fiscal previsto no art.º 19.º da LGT assume relevância no âmbito dos contactos entre o contribuinte e a AT. Por isso, o art.º 43.º, n.º 2, do CPPT dispõe no sentido de que a “falta de recebimento de qualquer aviso ou comunicação expedidos nos termos dos artigos anteriores, devido ao não cumprimento do disposto no n.º 1 [comunicação da alteração do domicílio], não é oponível à administração tributária, sem prejuízo do que a lei dispõe quanto à obrigatoriedade da citação e da notificação e dos termos por que devem ser efetuadas”. Trata-se de um dever de comunicação, previsto quer no n.º 1 do art.º 43.º do CPPT quer no art.º 19.º, da LGT, não se tratando de formalidade ad substanciam, o que significa que a sua preterição não tem necessária e definitivamente impacto em termos de tributação.
Já o conceito de residência fiscal tem subjacente os pressupostos previstos no art.º 16.º do CIRS, supra elencados.
Como se refere no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 17.09.2015 (Processo: 00546/10.2BEVIS): “[É] ponto assente que o conceito de residência não se confunde com o conceito de domicílio fiscal, definido no artigo 19º da LGT como local da residência habitual, pois que o conceito de domicílio fiscal não tem em vista determinar a lei tributária aplicável a certa situação, mas tão só fixar territorialmente os serviços (locais e regionais) da administração tributária competentes para lidar com o contribuinte no que se refere à sua situação tributária. Tal significa que a residência assume a posição de elemento de conexão de maior relevo no âmbito do direito fiscal internacional, e bem assim no direito fiscal interno, além de que é o factor “residência” que determina quais as normas tributárias aplicáveis - de entre as normas de vários Estados (concorrentes) - e que delimita definitivamente o âmbito da incidência do imposto, demarcando também a extensão das obrigações tributárias dos contribuintes. Nesta perspectiva, os impostos sobre o rendimento e o capital são, via de regra, desenhados e desenvolvidos a partir de uma dupla concepção ou dicotomia: por um lado, os contribuintes residentes e, por outro, os contribuintes não residentes, cuja diferenciação se faz sentir a respeito, designadamente, das obrigações declarativas, das técnicas de cobrança do imposto e das respectivas taxas aplicáveis”.
Nos termos do disposto no artigo 74.º da L.G.T., compete à Administração Tributária a prova dos factos constitutivos do direito de tributar, in casu, a residência dos Impugnantes.
No caso dos autos, a AT coligiu dois elementos fundamentais: (i) o impugnante constava do seu cadastro, à data de 31/12/2009, com domicílio fiscal em Portugal; (ii) em 27/05/2010, os impugnantes entregaram a declaração modelo 3 de IRS referente ao ano de 2009, na qual os ora impugnantes declararam apenas rendimentos da categoria A e F de IRS (trabalho dependente e prediais), assinalando no campo referente à residência fiscal a situação de residentes no continente. Ora, a declaração de IRS apresentada para o ano de 2009 na qual declararam-se como residentes em Portugal goza da presunção de veracidade, nos termos do art.º 75.º, n.º 1 da LGT, sendo que só em 2012 é que o impugnante alterou a sua situação pessoal para não residente e nomeou representante fiscal. Deste modo, quanto ao ano de 2009 em que os impugnantes declararam serem residentes em Portugal, não tinha a AT que indagar se o impugnante residia no estrangeiro, cabendo ao impugnante provar que era não residente em 2009.
Como se colhe do probatório, o impugnante provou a residência em Angola desde 04/08/2003, como se extrai do certificado de residência emitido pelo Consulado Geral de Portugal em Angola em Luanda, de 03/02/2017.
Alega a FP que tal documento não é suscetível de provar a efetiva permanência do impugnante em Angola, porquanto, conforme consta no Portal das Comunidades Portuguesas do Ministério dos Negócios Estrangeiros “a inscrição é um ato consular, pelo qual a identificação dos cidadãos nacionais fica a constar nos arquivos do posto consular em cuja área de jurisdição fixaram residência ou se encontram ocasionalmente”. Significa isto que o facto de estar inscrito no Consulado Geral de Portugal em Luanda, não prova que o impugnante estava efetivamente a residir em Angola, pois a inscrição consular pode ser feita mesmos nos casos em que os interessados se desloquem ao país ocasionalmente, seja em trabalho, ou por outro qualquer motivo.(…) Deste modo, em 2009, o impugnante era residente em Angola, pelo que, nesta parte” – fim de citação.
No entanto, do segmento decisório consta o seguinte: “Em consequência do exposto, julga-se a presente impugnação procedente, anulando-se o despacho aqui sindicado”.
Assim, apesar do Tribunal a quo ter decidido pela verificação do erro nos pressupostos de facto, a final decidiu pela anulação da decisão do pedido de revisão e não da liquidação impugnada.
Ora, é consabido que o objecto real e mediato de uma impugnação é o acto de liquidação.
Neste sentido vide os Acórdãos do STA de 28.10.2009, rec. nº 0595/09 e de 18.5.2011, rec. 0156/11 e mais recentemente o Acórdão do Pleno da Secção do CT do STA de 20.05.2020, proc. n.º 0274/14.0BEMDL, quando considerou que “Constituindo embora o acto administrativo de indeferimento do recurso hierárquico o objecto imediato da impugnação judicial, é, contudo, o acto de liquidação – seu objecto mediato - que verdadeiramente se controverte na impugnação”, isto porque “deriva do artigo 111.º, n.º s 3 e 4, do Código de Procedimento e de Processo Tributário uma preferência absoluta pelo meio judicial de impugnação frente aos meios administrativos” – cfr. Acórdão do STA de 30.10.2019, proc. 02453/05.1BEPRT 0402/18
No presente caso, sendo certo que a impugnação judicial, conforme resulta da petição inicial, que aqui demos conta em pormenor, teve por objecto imediato o acto tributário de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa, e, por objecto mediato a liquidação de IRS de 2009, em face da decisão proferida, de que o Recorrente marido tinha residência em Angola desde 2003, facto atestado pelo Consulado Português naquele país, e que por esse motivo os seus rendimentos não podiam aqui ser tributados, o Tribunal a quo deveria ter determinado a anulação da liquidação impugnada.
Nesta senda, e face ao que vem dito, impõe-se conceder provimento ao presente recurso por verificado o erro de julgamento quanto à consequência da verificação do erro na aplicação do direito, na medida em que, face à decisão proferida impõe-se anular a liquidação de IRS do ano de 2009, com as legais consequências.
Nos termos do exposto fica prejudicado o conhecimento do recurso quanto às demais questões suscitadas.

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Nos termos do disposto no artigo 663.º nº 7 do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte SUMÁRIO:

I. A nulidade por omissão de pronúncia apenas se verifica quando o juiz deixe de se pronunciar sobre as questões pelas partes submetidas ao seu escrutínio.
II. O objecto real da impugnação é o acto de liquidação e não o acto que decidiu o pedido de revisão, pelo que são os vícios daquela e não de despacho de indeferimento de pedido de revisão que estão verdadeiramente em crise.

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3 – Decisão

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogar-se a sentença recorrida e, em consequência, anular a liquidação de IRS impugnada, com as devidas consequências legais.


Custas pela Recorrida, sem prejuízo de não haver lugar ao pagamento de taxa de justiça na presente instância, por não ter contra-alegado, nos termos do disposto no artigo 6.º n.º 2, artigo 7.º n.º 2 e artigo 12.º n.º 2 e tabela I-B, todos do Regulamento das Custas Processuais.


Porto, 30 de Janeiro de 2024


Virgínia Andrade
Rui Esteves
Celeste Oliveira