Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01587/20.7BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/21/2025
Tribunal:TAF do Porto
Relator:MARIA FERNANDA ANTUNES APARÍCIO DUARTE BRANDÃO
Descritores:AÇÃO ADMINISTRATIVA CONTRA O MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA (MAI);
ACERTO DA DECISÃO PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO;
Sumário:
O Autor, aqui Recorrente labora em erro ao supor que a conclusão do mestrado em Liderança - Pessoas e Organizações na Academia Militar per si se revela suficiente para o ingresso na categoria de Oficial.
Porém, tal assim não é, sendo necessária a admissão e frequência do curso de formação inicial de oficiais, o que no caso não sucedeu.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
«AA», com domicílio na Rua ..., ..., casa n.º ..., ..., propôs ação administrativa contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, com sede na Praça ..., ..., ..., e a GUARDA NACIONAL REPUBLICANA, com sede no Largo ..., ..., pedindo:
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exa doutamente suprirá, deve a presente ação ser julgada totalmente procedente, por provada e, em consequência:
- ser anulado o Despacho exarado em 19.02.2020, ao abrigo do qual se indeferiu o requerimento apresentado pelo Autor;
- ser o Réu condenado à prática do ato devido, deferindo-se o pedido de promoção na carreira do Autor por ingresso na categoria de Oficial, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 55.º/1 a), 199.º, 201.º e 202.º, todos do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, com produção de efeitos “ao primeiro dia do mês seguinte à conclusão com aproveitamento no curso de formação previsto no presente Estatuto”, nos termos previstos no artigo 200.º/4 do Estatuto.”
Adiante o Tribunal decidiu:
Destarte, à luz do n.° 5 do art.° 8.°-A e n.° 4 do art.° 10.°, ambos do CPTA, o presente processo considera-se como tendo sido instaurado, para efeitos de personalidade judiciária e consequentemente de legitimidade passiva, contra o MAI e não contra a GNR, atento à extensão de personalidade judiciária conferida aos Ministérios, no âmbito do processo administrativo nos termos limitados pelo n° 2 do art.° 10° do CPTA, e à falta de personalidade judiciária daquela força de segurança.
E, por sentença, julgou improcedente a acção.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões:
1.º Por douta Sentença proferida no âmbito do presente processo, decidiu o Tribunal “a quo” julgar totalmente improcedente por não provada a acção movida pelo apelante e, consequentemente, houve lugar à absolvição do apelado dos pedidos contra si formulados nos autos;

2.º Para tanto, estribou o Tribunal “a quo” a sua decisão no facto de, na sua opinião, na senda do estatuído na alínea a) do n.° 1 do artigo 55.° e do artigo 202.°, ambos do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana (EMGNR), aprovado pelo Decreto-Lei n.° 30/2017, de 22 de Março, a conclusão do mestrado em Liderança – Pessoas e Organizações na Academia Militar, por parte do apelante, não se revela suficiente para o ingresso na categoria de Oficial;

3.º Sendo necessário para tal desiderato que o apelante tivesse sido admitido e frequentado o curso de formação inicial de oficiais.

4.º De acordo com a interpretação do Tribunal “a quo” à questão que lhe foi colocada pelo aqui apelante, “Outra solução colocaria em causa os princípios da legalidade e da igualdade com os demais oficiais daquela força de segurança”.

5.° Andou, assim, mal o Tribunal “a quo”, que julgou erradamente a prova produzida nos autos e, com isso, ocorreu em erro de julgamento.

6.° O Tribunal “a quo”, sempre ressalvado o devido respeito por opinião diversa, aplicou mal o Direito ao caso concreto, fazendo uma interpretação errada das normas, com recurso à disciplina prevista no n.° 1 do artigo 9.°, do Código Civil.

7.° Com o recurso à sobredita norma, o Tribunal “a quo” “ficcionou” o que o legislador poderia querer pensar, procedendo à correspondência da norma prevista no 202.°, do EMGNR, quando tal lhe estava vedado.

8.° Como bem refere o n.° 3 da acima citada norma legal, “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

9.° Ora, a norma do artigo 202.°, do EMGNR é uma norma especial, pois a norma geral vem prevista nos artigos 200.° e 201.° do mesmo diploma legal.
10.° Ao Tribunal “a quo” estava vedado, ao contrário do que o fez, deixar de aplicar uma norma especial, “ficcionando” aquilo que o legislador pretenderia na criação da referida norma.

11.° Note-se, a este respeito, que o legislador não elege nenhum tipo de mestrado como sendo o necessário para que seja operada a progressão para o posto de alferes, referindo apenas: “É condição especial de promoção ao posto de alferes a habilitação com o curso de mestrado frequentado na Academia Militar ou, para mestres admitidos por concurso, a formação prevista no presente Estatuto.”

12.° Sendo que, nos termos do n.° 1 do artigo 55.°, do RMGNR, “1 - Para o ingresso na categoria de oficiais é exigida uma das seguintes habilitações, consoante o caso: a) Grau de mestre, conferido em estabelecimento de ensino superior público universitário militar;”.

13.° Sendo ainda que, não podemos descurar o que prevê a alínea a) do n.° 1 do artigo 199.°, do EMGNR, que prevê o seguinte: “1 - O recrutamento para oficiais é feito do seguinte modo: a) Para os quadros de infantaria, cavalaria, administração militar, medicina, medicina veterinária, farmácia, transmissões, informática e eletrónica, engenharia e material de entre os militares que obtenham o grau de mestre do ensino superior público universitário militar, na Academia Militar;”

14.° Ora, não podemos perder de vista que o apelante é ele militar, concluiu o mestrado, tendo esse mesmo título académico e, não menos importante, concluiu o mesmo na Academia Militar.

15.° Ou seja, o apelante é militar da Guarda Nacional Republicana, com o Posto de Cabo, integrando o quadro de cavalaria e tem o grau de mestre conferido pela Academia Militar.

16.° Assim, e mais uma vez ressalvado o devido respeito por opinião diversa, andou mal o Tribunal “a quo” ao não reconhecer ao apelante o seu legítimo direito a ver anulado o despacho exarado em 19 de Fevereiro de 2020 e a ser substituído por outro que deferisse o seu pedido de progressão na carreira, por ingresso na categoria de oficial, com produção de efeitos ao primeiro dia do mês seguinte à conclusão com aproveitamento no curso de formação previsto no EMGNR, nos termos previstos no n.° 4 do artigo 200.°, do referido Estatuto.

17.° O que, de resto encontra consagração no n.° 2 do artigo 56.°, do EMGNR: “2 - O militar da Guarda, desde que reúna as condições previstas neste Estatuto e legislação complementar aplicável, pode candidatar -se à frequência de curso que possibilite o ingresso na categoria de nível superior imediato àquela onde se encontre integrado, sem prejuízo do acesso ao ensino superior público universitário militar.” (negrito e sublinhado nossos).

18.° No mais, é mister referir ainda que o mestrado frequentado e concluído pelo apelante encontra-se registado na Direcção-Geral do Ensino Superior, com o n.° R/A-Cr 8/2012;

19.° Sendo que, do referido regulamento que se aplica ao Mestrado em questão, encontra-se expressamente previsto que o mesmo se destina a conferir uma formação em áreas ligadas às ciências militares, particularmente pertinente nas forças armadas, a criar e desenvolver competências avançadas na área emergente de comando e liderança, contexto organizacional militar, bem como a desenvolver projectos de investigação e análise, de assuntos emergentes de interesse para a instituição militar e sociedade civil, onde a segurança e a defesa nacional se apresentam como temas privilegiados;

20.° O apelante reúne todas as condições previstas no EMGNR para que veja reconhecido o seu legítimo (e legal) direito a ser promovido à categoria de oficial, no posto de Alferes, porquanto: É militar, tem uma licenciatura e o grau de Mestre, sendo que este último foi conferido pela Academia Militar;

21.° Ora, nos termos do artigo 202.°, do RMGNR: “É condição especial de promoção ao posto de alferes a habilitação com o curso de mestrado frequentado na Academia Militar ou, para mestres admitidos por concurso, a formação prevista no presente Estatuto.”

22.° Pelo que dúvidas não nos restam que errou o Tribunal “a quo” na apreciação do Direito impondo-se, por via disso, a revogação da Sentença objecto de recurso;

23.° Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, alterando-se a decisão prolatada pelo Tribunal “a quo”, por outra que condene o apelado nos pedidos oportunamente formulados nos autos.

Pelas razões aqui desenvolvidas, deverá dar-se provimento ao presente recurso, substituindo-se a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, por outra nos termos acima mais bem descritos, que culmine com a condenação do apelado nos pedidos formulados nos autos.

Assim o decidindo, farão, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA.
A Entidade Demandada juntou contra-alegações, concluindo:
I. O Recorrente, nas suas alegações de recurso, não enuncia nenhum vício que possa ser imputado à Douta Sentença, não logrando por em causa os seus fundamentos, encontrando-se a mesma devidamente fundamentada de facto e de direito;
II. Compulsados os autos, analisando-se da legalidade que estes comportam, é inequívoco que o ato administrativo punitivo ora sob escrutínio respeita a lei e o direito;
III. Existem apenas três vias destinadas ao ingresso na categoria de oficiais da GNR: 1 - frequência de curso de oficiais da Academia Militar adequado; 2 - frequência do curso de formação de oficiais da GNR; 3 - frequência do curso de formação de oficiais técnicos, conforme dispõe o n.° 3 do artigo 143.° do EMGNR;
IV. Como é facilmente demonstrável, não frequentou nenhuma destas formações, que possuem regras de acesso aos cursos perfeitamente definidas e consolidadas na ordem jurídica.
V. Curso de oficiais da Academia Militar adequado:
VI. De acordo com o n.° 1 do artigo 196.° do EMGNR os oficiais da Guarda distribuem-se pelo corpo de oficiais generais, por armas e por serviços, e são inscritos em quadros;
VII. Na presente ação, para além da mera leitura literal de aspetos legais do EMGNR, é necessário ter em consideração que toda a formação de base ministrada da Academia Militar é destinada ao preenchimento dos diversos quadros que constituem os quadros de pessoal militar admitidos no EMGNR;
VIII. O mestrado em Liderança, mesmo que ministrado no mesmo estabelecimento de ensino, não é destinado ao preenchimento de qualquer quadro de pessoal da GNR;
IX. Esses quadros são, nas armas da GNR, a infantaria e cavalaria e, nos serviços, a engenharia, transmissões, informática e eletrónica, medicina, medicina veterinária, farmácia, técnicos de enfermagem, diagnóstico e terapêutica, administração militar, material e técnicos de pessoal e secretariado, chefes de banda de música e superior de apoio;
X. Esta formação é obtida através da obtenção do grau de mestre do ensino superior público universitário militar, na Academia Militar, cujo ciclo de estudos é ajustado ao ingresso em determinado quadro;
XI. Assim, por via da diferenciação funcional dos vários quadros, os concursos de admissão à Academia Militar e frequência de cursos são adaptados, aos vários quadros de ingresso na categoria de oficiais;
XII. Ou seja, a título de exemplo, através do Aviso n.° 10734/2024/2, publicado no Diário da República n.° 97, de 20 de maio de 2024, relativo ao Concurso de admissão à Academia Militar para o ano letivo de 2024-2025, para a GNR são abertas determinadas áreas de ensino, com cursos que se organizam, nos primeiros 3 ou 4 anos, em Licenciatura e, posteriormente, sem concurso, os mestrados respetivos;
XIII. O Autor da Ação muito simplesmente não frequentou nenhuma licenciatura de base destinada ao ingresso na GNR, à semelhança dos oficiais que ingressam por esse via, sujeita a procedimento concursal de admissão para a Academia Militar.
XIV. Curso de formação de oficiais da GNR:
XV. Trata-se de um curso destinado ao ingresso na categoria de oficiais apenas no quadro superior de apoio, a preencher por militares oriundos da categoria de sargentos, mediante a verificação das condições previstas no EMGNR e sejam detentores do grau de mestre obtido em estabelecimento de ensino superior, nas áreas de conhecimento a definir nas normas de admissão ao curso de formação de oficiais, de acordo com o n.° 7 do artigo 196.° e alínea c) do n.° 1 do artigo 199.° do EMGNR;
XVI. Para além de outras condições de verificação obrigatória para acesso ao concurso de admissão a este curso específico, o militar deverá ter, pelo menos, três anos de antiguidade na categoria de sargento, na data de início do curso de formação de oficiais, conforme dispõe o a alínea a) do n.° 2 do artigo 212.0 do EMGNR;
XVII. Sendo o Autor da presente Ação militar da GNR, com o posto de Cabo, não reúne as condições legalmente exigidas para apresentação de candidatura para frequência neste Curso e consequente ingresso no Curso de Formação de oficiais.
XVIII. Curso de formação de oficiais técnicos:
XIX. Trata-se de um curso destinado somente ao ingresso no quadro de chefe de banda da música;
XX. O recrutamento para este curso pode ser efetuado de entre os habilitados com o grau de mestre obtido em estabelecimento do ensino superior, ou sargentos que preencham as condições previstas no EMGNR e sejam detentores do grau de mestre obtido em estabelecimento de ensino superior, ambos nas áreas de conhecimento a definir nas normas de admissão ao curso de formação de oficiais técnicos;
XXI. Também não se trata da presente situação, porquanto o mesmo não detém formação na área musical;
XXII. Consequentemente, reitera-se o entendimento sufragado no despacho impugnado, considerando-se que o pedido formulado pelo Autor carece em absoluto de base legal, tendo sido efetuada irrepreensível interpretação do direito aplicável à situação em apreço;
XXIII. Inexistem quaisquer vícios na Douta Sentença impugnada, sublinhando-se, uma vez mais, que o Recorrente nas suas alegações e conclusões de recurso não enuncia nenhum vício que possa ser imputado à Douta Sentença.

TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO E COM O SUPRIMENTO, DEVE SER JULGADO IMPROCEDENTE ESTE RECURSO, E, EM CONSEQUÊNCIA, DEVERÁ SER MANTIDA A, ALIÁS, DOUTA DECISÃO ORA RECORRIDA.

O que se pede por ser de

JUSTIÇA
A Senhora Procuradora Geral Adjunta notificada, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1. O Autor pertence à categoria de Guarda, com a subcategoria de Cabo, e exerce funções no Comando da Administração dos Recursos Internos da GNR – cfr. documento a fls 37 dos autos.
2. Em 02.07.2014, o Autor concluiu a licenciatura em Direito na Universidade Lusíada do Porto, cfr. documento a fls 38 dos autos.
3. O Autor concluiu em 2019, o Mestrado em Liderança – Pessoas e Organizações na Academia Militar, cfr. documento a fls 41 dos autos.
4. Em 23.09.2019, o Autor requereu aos serviços do Réu a promoção ao posto de Alferes, cfr. documento a fls 42 dos autos.
5. Em 22.10.2019, o Comandante Geral em suplência proferiu despacho de concordância com a proposta de indeferimento do requerimento a que se alude no ponto anterior, vertida na informação n.º 1483203-201910-DRH de 21.10.2019, cujo teor parcial se extrata:

4. Conclusões
O Guarda graduado em Cabo «AA» não possui nenhum dos cursos de formação de oficiais da Academia Militar, designadamente, o Mestrado Integrado em Curso de Ciências Militares, na especialidade de Segurança, ou Mestrado Integrado em Administração da Guarda Nacional Republicana, condição exigida para o ingresso na categoria de oficiais, no posto de Alferes, por habilitação com curso adequado, previsto nas disposições conjugadas da alínea a) do n.º 2 e alínea a) do n.º 3 do artigo 143.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 55.º, ambos do EMGNR;
Nestes termos, nada obsta que se decida pela intenção de indeferir o requerimento apresentado, devendo, nos termos do n.º 1 do artigo 122.º e para os efeitos do artigo 121.º ambos do CPA, ser-lhe concedido o prazo de 10 (dez) dias úteis para se pronunciar, por escrito. (...)” – cfr. documento a fls 44 e ss dos autos.
6. Em 07.09.2019, o Autor pronunciou-se em sede de audiência prévia – cfr. documento a fls 52 e ss dos autos.
7. Em 19.02.2020, o Comandante Geral da GNR proferiu despacho de indeferimento ao requerimento apresentado pelo Autor, a que se alude no ponto 4, com o seguinte teor, que se extrata – cfr. documento a fls 33 e ss dos autos:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
8. Em 09.03.2020, o Autor apresentou recurso hierárquico da decisão a que se alude no ponto antecedente, cfr. documento a fls 63 e ss dos autos.
9. Em 07.05.2020, o Comandante Geral da GNR proferiu despacho com o seguinte teor parcial que se extrata “ (...) decido o envio do processo e do presente parecer a Sua Exa o Ministro da Administração Interna (DSAJCPL), como pronúncia, nos termos do art.° 195.°, n.° 2 do CPA, pugnando-se assim pela improcedência do recurso (...)”, cfr. documento da página 85 do Processo Administrativo a fls. 136 dos autos.
DE DIREITO
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Assim,
É objecto de recurso a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a ação administrativa interposta pelo Recorrente, na qual pediu (...) Ser o Réu condenado à prática do ato devido, deferindo-se o pedido de promoção na carreira do Autor por ingresso na categoria de Oficial, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 55.°/1 a), 199.°, 201.° e 202.°, todos do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, com produção de efeitos "ao primeiro dia do mês seguinte à conclusão com aproveitamento no curso de formação previsto no presente Estatuto", nos termos previstos no artigo 200.°/4 do Estatuto.
No seu recurso, o Apelante refere, em síntese:
-Concluiu, em 2014, a licenciatura em Direito;
-Entende que, por ser mestre, através de um curso de mestrado da Academia Militar, nos termos do previsto na alínea a) do n.° 1 do artigo 55.° e no artigo 202.° do Estatuto dos Militares da GNR (EMGNR), aprovado pelo Decreto-Lei n.° 30/2017, de 22 de março, possuiu um grau exigido para ingresso na categoria de Oficiais.
Cremos que carece de razão.
Aliás, o Recorrente, em momento algum das suas alegações, imputa qualquer vício à sentença, capaz de a destronar da ordem jurídica, não logrando pôr em causa os seus fundamentos, os quais, tanto os de facto como os de direito, estão bem suportados.
Atente-se no seu teor:
Vejamos então se procede, ou não, a pretensão do Autor, assente na anulação do despacho de indeferimento da promoção ao posto de Alferes na categoria de oficial e na condenação do Réu à prática do ato devido, consubstanciado no deferimento da referida promoção.
Apreciando, como supra se mencionou, o putativo direito do Autor à promoção à subcategoria do Alferes, na categoria de oficial, desde logo, o mesmo alegou que reúne os requisitos tendentes à promoção peticionada, designadamente o requisito especial de promoção, o mestrado frequentado na Academia Militar.
Em sentido oposto, o Réu defendeu que o Autor não frequentou nenhum dos cursos de formação inicial para oficiais, que constitui condição de ingresso na categoria de oficiais, no posto de Alferes, que opera na modalidade de habilitação com curso adequado, não se encontrando, deste modo, reunidos os requisitos para a promoção requerida.
Importa, agora, analisar a disciplina constante do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana (EMGNR), aprovado pelo Decreto-Lei n.° 30/2017, de 22.03, aplicável aos oficiais, sargentos e guardas, em qualquer situação, da GNR e que regula, entre outros, as condições de ingresso e promoção nas várias categorias e subcategorias daquela força de segurança pública.
Antes de mais, atentemos ao preâmbulo do referido diploma designadamente, com especial relevo para o caso sub judice, quando menciona que:
“(...) é garantida a possibilidade de ingresso na categoria de oficiais aos sargentos que sejam detentores de mestrado em área científica de interesse para a Guarda, desde que complementado por curso de formação, sendo criado um quadro superior de apoio na categoria de oficiais para o seu ingresso. (...)

Por sua vez, o art.º 32.º, sob a epígrafe de “categorias, subcategorias e postos” determina que:
1 - Os militares da Guarda agrupam-se, por ordem decrescente de hierarquia, nas categorias de oficiais, sargentos e guardas.
2 - As subcategorias correspondem a subconjuntos de postos militares que se diferenciam por um aumento da autonomia, da complexidade funcional e da responsabilidade.
3 - O posto é a posição que, na respetiva categoria ou subcategoria, o militar ocupa no âmbito da carreira, fixada de acordo com o conteúdo e qualificação da função ou funções.
4 - A categoria de oficiais compreende as seguintes subcategorias e postos:
(...)
d) Oficiais subalternos, que compreende os postos de tenente e alferes.
(...)
6 - A categoria de guardas compreende os postos de cabo-mor, cabo-chefe, cabo, guarda -principal e guarda.”
Destarte, verificamos que os militares da GNR se agrupam em 3 categorias - oficiais, sargentos e guardas - e ocupam a posição ou posto inserido em cada categoria, compreendendo, para o que aqui releva, a categoria de oficiais, entre outros, a subcategoria de oficiais subalternos na qual se integra, entre outros, o posto de Alferes.
Dispõe o n.° 1 do art.° 53.° que a carreira do militar se desenvolve “em cada categoria, na promoção dos militares aos diferentes postos, de acordo com mecanismos reguladores e as necessidades estruturais da Guarda”, atento os condicionalismos inerentes à verificação dos pressupostos definidos no art.° 54.° do referido diploma legal.

No que respeita às habilitações de ingresso, disciplina o art.° 55.° do mesmo diploma que:
1 - Para o ingresso na categoria de oficiais é exigida uma das seguintes habilitações, consoante o caso:
a) Grau de mestre, conferido em estabelecimento de ensino superior público universitário militar;
b) Grau de mestre, conferido por outros estabelecimentos de ensino superior, em áreas científicas com interesse para a Guarda, complementado por curso de formação ou tirocínio.
2 - Os oficiais que ingressam na categoria com o grau de mestre, conferido em estabelecimento de ensino superior público universitário militar, destinam-se ao exercício de funções de comando, direção ou chefia, estado-maior e execução que requeiram elevado grau de conhecimentos de natureza científica, militar e técnica.
3 - Os oficiais que ingressam na categoria com o grau de mestre conferido por outros estabelecimentos de ensino superior em áreas científicas com interesse para a Guarda, complementado por curso de formação ou tirocínio, destinam -se ao exercício de funções de comando, direção ou chefia, estado-maior e execução que requeiram conhecimentos de natureza científica e técnica.”.
Por sua vez, o n.º 2 do art.º 56.º determina que “2 — O militar da Guarda, desde que reúna as condições previstas neste Estatuto e legislação complementar aplicável, pode candidatar -se à frequência de curso que possibilite o ingresso na categoria de nível superior imediato àquela onde se encontre integrado, sem prejuízo do acesso ao ensino superior público universitário militar.”
Relativamente às promoções determina o art.° 107.° que:
“1 - A promoção do militar da Guarda consiste, em regra, na mudança para o posto seguinte da respetiva categoria. (...)”.
No que respeita ao ensino e à formação, dispõe o art.° 142.° sob a epígrafe de “formação” que:

“1 - A formação envolve o conjunto de atividades educacionais, pedagógicas, formativas e doutrinárias que visam a aquisição e a promoção de conhecimentos, aptidão física, competências técnico-profissionais, atitudes e formas de comportamento, e o desenvolvimento ético e moral, exigidos para o exercício das funções específicas do militar da Guarda, nas mais diversas áreas de atuação.
2 - A formação na Guarda está estruturada em formação inicial, formação de promoção, formação contínua de especialização e qualificação, e formação contínua de aperfeiçoamento e atualização.
3 - A formação desenvolve -se através de cursos, tirocínios, estágios e treino.” Nesta senda, o art.º 143.º sob a epígrafe de “cursos” determina que:
“(...) 2 - O sistema de formação da Guarda prevê as seguintes modalidades de curso:
a) Cursos de formação inicial, que se destinam a assegurar a preparação militar e os conhecimentos técnico-profissionais para ingresso na Guarda ou para o exercício de funções em categoria superior;
b) Cursos de promoção, que se destinam a habilitar o militar para o desempenho de funções de nível e responsabilidade mais elevados, o que constitui condição especial de acesso ao posto imediato; (...)
3 - Os cursos de formação inicial, para os oficiais, adotam a seguinte designação:
a) Curso de oficiais da Academia Militar;
b) Curso de formação de oficiais, para o quadro superior de apoio e para o quadro de técnicos de enfermagem, diagnóstico e terapêutica;
c) Curso de formação de oficiais técnicos, para o quadro de chefes de banda de música. (...)
7 - O processo de admissão, a organização e o regime escolar dos cursos são objeto de regulação própria.”.
No que respeita aos cursos de formação inicial, o art.º 148.º do mesmo diploma disciplina que: “São admitidos para a frequência dos cursos de formação inicial os candidatos que, satisfazendo as condições gerais e especiais de admissão, foram aprovados nas respetivas provas de admissão, por ordem decrescente da classificação obtida, até ao limite dos lugares disponíveis fixados para o concurso.”

Por sua vez, determina o n.° 1 do art.° 200.° do mesmo diploma, sob a epígrafe de “Ingresso na categoria” que “O ingresso na categoria de oficiais da Guarda faz -se no posto de alferes, por habilitação com curso adequado.”
No que tange a promoções, disciplina a alínea a) do art.° 201.° que: “As promoções aos postos da categoria de oficiais processam-se nas seguintes modalidades:
a) A alferes, por habilitação com curso adequado; (...)”.
E o art.º 202.º sob a epígrafe de “condição especial de promoção a alferes” dispõe que:
É condição especial de promoção ao posto de alferes a habilitação com o curso de mestrado frequentado na Academia Militar ou, para mestres admitidos por concurso, a formação prevista no presente Estatuto.”
Posto que está o quadro legal aplicável, cumpre analisar o caso vertente nos presentes autos.
Decorre do ponto 1 do probatório que o Autor se encontra na categoria profissional de Guarda, no posto de Cabo, tendo requerido a sua promoção ao posto de Alferes, na categoria profissional de Oficial, como consta do ponto 4 do probatório.
A categoria profissional de Oficial inicia na subcategoria de Oficiais subalternos e compreende os postos de Alferes e de Tenente (cfr. alínea d) do n.° 4 do art.° 32.° do EMGNR), sendo o posto de início desta subcategoria o posto de Alferes.
Também decorre do probatório, nos pontos 2 e 3, que o Autor concluiu a licenciatura em Direito, ministrada pela Universidade Lusíada do Porto, e no ano letivo de 2018-2019 concluiu o Mestrado em Liderança – Pessoas e Organizações na Academia Militar, razão pela qual entende que reúne os requisitos necessários à “promoção” na categoria de Oficial no posto de Alferes, conforme resulta do art.° 202.° do EMGNR.

Vejamos.
O ingresso na categoria de Oficiais opera mediante a reunião de determinados requisitos, dos quais se destaca a habilitação de mestre, conferido em estabelecimento de ensino superior público universitário militar, “destinado ao exercício de funções de comando, direção ou chefia, estado-maior e execução que requeiram elevado grau de conhecimentos de natureza científica, militar e técnica.” cfr. determina a alínea a) do n.° 1 do art.° 55.° do EMGNR.
Ao invés, os oficiais que ingressam na mesma categoria com o grau de mestre que foi conferido por outros estabelecimentos de ensino superior complementam a sua formação por via do curso de formação ou tirocínio, com vista “ao exercício de funções de comando, direção ou chefia, estado-maior e execução que requeiram conhecimentos de natureza científica e técnica” (cfr. n.° 3 do art.° 55.° do EMGNR), excluindo-se destas, as funções que exijam conhecimentos de natureza militar.
Donde se conclui que, se o grau de mestre conferido em estabelecimento de ensino superior público universitário militar é suscetível de capacitar os oficiais de conhecimentos de natureza militar, na medida em que os habilita ao exercício de funções que requeiram um elevado conhecimento de natureza militar, o mestrado terá necessariamente de contemplar um conteúdo programático tendente a aprofundar e desenvolver os conhecimentos na área militar, nas suas diferentes especialidades.
É o que decorre da leitura e interpretação desta norma, que não exige, para os titulares do grau de mestre conferido em estabelecimento de ensino superior público universitário militar, o complemento da formação por via do curso de formação ou tirocínio.
Por sua vez, o grau de mestre conferido por outros estabelecimentos de ensino superior, do qual se exclui o universitário militar, apenas habilita o exercício de funções que requeiram conhecimentos de natureza científica e técnica, exigindo que o grau de mestre seja complementado por curso de formação ou tirocínio, precisamente porque carece da formação militar atento ao conteúdo funcional inerente à categoria de oficial e às exigências das suas funções (cfr. art.° 197.° e 198.° do EMGNR).
Por conseguinte, a distinção efetuada pelo legislador nas alíneas a) e b) do n.° 1 do art.° 55.° do EMGNR, relaciona-se diretamente com o conteúdo programático dos

mestrados, decorrendo daquele dispositivo uma diferenciação entre os mestrados ministrados por estabelecimento de ensino superior público universitário militar, e por outros estabelecimentos de ensino superior, sendo estes últimos insuficientes para o ingresso na categoria de oficial, e nessa medida os titulares do grau de mestre conferido por estes estabelecimentos carecerem de uma formação ou tirocínio.
Ora, os cursos de formação para oficiais que complementam a habilitação de mestre conferida por estabelecimentos de ensino superior civil, encontram-se plasmados no n.° 3 do art.° 143.° e estão sujeitos a um processo de admissão para a sua frequência, conforme assim o exigem o n.° 7 do art.° 143.° e o art.° 148.° do EMGNR, e cujas condições de admissão se encontram fixadas no n.° 1 do art.° 212.° do EMGNR.
Nesta senda, o n.° 1 do art.° 200.° do EMGNR exige que o ingresso na categoria de Oficiais opere no posto de Alferes, por habilitação com curso adequado, reportando a sua antiguidade a 1 de outubro do ano em que concluíram com aproveitamento o curso de ingresso da Academia Militar na categoria de Oficiais.
Por outro lado, aponta o art.° 202.° do EMGNR que constitui condição especial para promoção ao posto de Alferes a habilitação com curso de mestrado frequentado na Academia Militar ou, a formação prevista no EMGNR para os mestres admitidos por concurso.
Importa aferir qual o curso adequado referido no n.° 1 do art.° 200.° do EMGNR.
O Autor entende que o curso em questão é o curso de mestrado, sustentando que qualquer mestrado frequentado na Academia Militar, se revela apto ao ingresso na categoria de Oficial, nos termos do art.° 202.° do EMGNR.
Porém não lhe assiste razão.
O curso de mestrado frequentado na Academia Militar mencionado no art.° 202.° constitui, como expressamente o dispositivo legal assim o refere, uma condição especial de promoção ao posto de Alferes, que caminha no mesmo sentido do estatuído no n.° 1 do art.° 55.° do EMGNR, ou seja, determina que os cidadãos com habilitação académica de mestrado conferido pela Academia Militar não carecem de frequentar e concluir a sua formação por via do curso de formação ou tirocínio.

Assim, a questão controvertida incide em aferir se qualquer curso de mestrado ministrado pela Academia Militar se revela, ou não, adequado ao ingresso na categoria de Oficial, dispensando, deste modo, o curso de formação ou tirocínio.
Atentemos à disciplina o n.° 1 do art.° 9.° do Código Civil (C.C.) que determina que o legislador não deve cingir-se à letra da lei, mas deve reconstituir, a partir dela, o pensamento legislativo, pelo que a letra da lei é o seu ponto de partida (n.° 2 do art.° 9.° do C.C.) mas também é o seu limite, na medida em que não pode a interpretação jurídica não ter um mínimo de correspondência verbal.
Por outro lado, refere o n.° 3 do mesmo artigo, que o intérprete presumirá que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados e que consagrou as soluções mais acertadas.
Veja-se as doutas palavras do Supremo Tribunal Administrativo proferidas no Acórdão no processo n.° 701/10, de 29.11.2011: “I - Interpretar a lei é atribuir-lhe um significado, determinar o seu sentido a fim de se entender a sua correcta aplicação a um caso concreto. II - A interpretação jurídica realiza-se através de elementos, meios, factores ou critérios que devem utilizar-se harmónica e não isoladamente. III - O primeiro são as palavras em que a lei se expressa (elemento literal); os outros a que seguidamente se recorre, constituem os elementos, geralmente, denominados lógicos (histórico, racional e teleológico). IV - O elemento literal, também apelidado de gramatical, são as palavras em que a lei se exprime e constitui o ponto de partida do intérprete e o limite da interpretação. A letra da lei tem duas funções: a negativa (ou de exclusão) e positiva (ou de selecção). A primeira afasta qualquer interpretação que não tenha uma base de apoio na lei (teoria da alusão); a segunda privilegia, sucessivamente, de entre os vários significados possíveis, o técnico-jurídico, o especial e o fixado pelo uso geral da linguagem. V - Mas além do elemento literal, o intérprete tem de se socorrer algumas vezes dos elementos lógicos com os quais se tenta determinar o espírito da lei, a sua racionalidade ou a sua lógica. Estes elementos lógicos agrupam-se em três categorias: a) elemento histórico que atende à história da lei (trabalhos preparatórios, elementos do preâmbulo ou relatório da lei e occasio legis [circunstâncias sociais ou políticas e económicas em que a lei foi elaborada]; b) o elemento sistemático que indica que as leis se interpretam umas pelas outras porque a ordem jurídica forma um sistema e a norma deve ser tomada como parte de um todo, parte do sistema; c) elemento racional ou teleológico que leva a atender-se ao fim ou objectivo que a norma visa realizar, qual foi a sua razão de ser (ratio legis)”.
Socorrendo-nos do art.° 9.° do CC, que apela aos elementos, meios, fatores ou critérios que devemos utilizar de forma harmónica na realização da interpretação jurídica da lei, afastamos a interpretação isolada do art.° 202.° do EMGNR, porquanto o mesmo carece de ser interpretado com recurso a elementos lógicos, designadamente o elemento racional, e de modo integrado no regime jurídico em que se insere.
Assim, e como dispõe o n.° 1 do art.° 53.° e o n.° 1 do art.° 107.° do EMGNR a promoção consiste na mudança para o posto seguinte da respetiva categoria.
Contudo, como supra já foi mencionado, o posto de Alferes inicia a categoria de Oficial, não existindo posto que o anteceda.
Assim, e como supra já foi referido, a condição especial de promoção a Alferes a que se refere o art.° 202.° coincide com a condição de ingresso na categoria de oficiais plasmada na alínea a) do n.° 1 do art.° 55.° do EMGNR, razão pela qual deverá ser interpretado “o curso de mestrado frequentado na Academia Militar”, a que alude o art.° 202.° do EMGNR, como o curso que confere o grau de mestre, ministrado em estabelecimento de ensino superior público universitário militar (cfr. alínea a) do n.° 1 do art.° 55.° do EMGNR), destinado ao exercício de funções que requeiram elevado grau de conhecimentos de natureza científica, militar e técnica, e nessa medida terá necessariamente de contemplar um conteúdo programático tendente a aprofundar e desenvolver os conhecimentos na área militar, nas suas diferentes especialidades.
Sucede que, o curso de Mestrado em Liderança – Pessoas e Organizações ministrado pela Academia Militar, que o Autor frequentou (cfr. ponto 3 do probatório) destina-se “a profissionais licenciados nas áreas de gestão, economia, engenharia, diretores-gerais, empresários, administradores, executivos, profissionais liberais, consultores, quadros superiores de empresas, entre outros, que pretendam desenvolver competências para a resolução integrada de problemas no âmbito dos processos de liderança, de si próprio e de equipas, num ambiente competitivo de crescente incerteza.” (cfr. informação disponível em www.academiamilitar.pt), não decorrendo das suas áreas científicas tendentes à obtenção do grau de mestre - que incidem em comportamento organizacional, gestão de recursos humanos, gestão, metodologia da investigação científica, ciência política e relações internacionais e gestão de recursos humanos/comportamento organizacional - e bem assim, do seu plano de estudos qualquer área ou unidade curricular de cariz militar, incidindo as unidades curriculares, entre outras, em ética e liderança nas organizações, recrutamento, desenvolvimento e retenção de talentos, gestão de conhecimento e formação, stress, conflito e negociação, conforme consta dos n°s 6 e 7 do anexo à Portaria n.° 399/2012, de 05.12, que autorizou a Academia Militar a conferir o grau de mestre na especialidade de Liderança - Pessoas e organizações e a ministrar o respetivo ciclo de estudos.

Ao invés, os restantes cursos de mestrado ministrados pela Academia Militar, designadamente os mestrados em ciências militares (nas diversas especialidades de infantaria, artilharia, cavalaria, administração, entre outros), mestrados em engenharia militar, eletrotécnica militar ou mecânica militar, integram nas suas áreas científicas – das quais se destacam, entre outras, as áreas de ciências e tecnologias militares (infantaria), comando e estratégia militar, material e tiro - e no seu plano de estudos unidades curriculares de natureza militar – das quais se destaca organização militar, elementos de armamento, história militar, teoria geral da estratégia, entre outras - conforme facilmente se conclui do teor do Despacho n.° 12819/2013, de 08.10.2013.
Acresce que, na senda do estatuído na alínea a) do n.° 1 do art.° 55.° e do art.° 202.° do EMGNR, o preâmbulo do EMGNR salienta a “possibilidade de ingresso na categoria de oficiais aos sargentos que sejam detentores de mestrado em área científica de interesse para a Guarda, desde que complementado por curso de formação (...)”.
Ora, a categoria de sargento antecede a categoria de oficial, sendo também exigível para o ingresso na categoria de oficial, a par do mestrado, a frequência de um curso de formação tendente ao exercício das funções de oficial.
Donde se conclui, que a conclusão do mestrado em Liderança - Pessoas e Organizações na Academia Militar per si não se revela suficiente para o ingresso na categoria de Oficial, sendo necessário a admissão e frequência do curso de formação inicial de oficiais, conforme supra exposto.

Outra solução colocaria em causa os princípios da legalidade e da igualdade com os demais oficiais daquela força de segurança.
Ante o exposto, será forçoso concluir que não assiste razão ao Autor, improcedendo o alegado vício de violação de lei.
X
Como se vê a sentença sob recurso é bem clara e elucidativa.
Existem apenas três vias destinadas ao ingresso na categoria de oficiais da GNR:
1 - frequência do curso de oficiais da Academia Militar adequado;
2 - frequência do curso de formação de oficiais da GNR;
3 - frequência do curso de formação de oficiais técnicos, conforme dispõe o n.° 3 do artigo 143.° do EMGNR;
Ora, o Autor/Recorrente não frequentou nenhuma destas formações, que possuem regras de acesso aos cursos perfeitamente definidas e consolidadas na ordem jurídica;
O Recorrente labora em erro ao supor que a conclusão do mestrado em Liderança - Pessoas e Organizações na Academia Militar per si se revela suficiente para o ingresso na categoria de Oficial.
Porém, tal assim não é, sendo necessária a admissão e frequência do curso de formação inicial de oficiais, o que no caso não sucedeu.
Repete-se: na senda do estatuído na alínea a) do n.° 1 do art.° 55.° e do art.° 202.° do EMGNR, o preâmbulo do EMGNR salienta a “possibilidade de ingresso na categoria de oficiais aos sargentos que sejam detentores de mestrado em área científica de interesse para a Guarda, desde que complementado por curso de formação (...)”.
Ora, a categoria de sargento antecede a categoria de oficial, sendo também exigível para o ingresso na categoria de oficial, a par do mestrado, a frequência de um curso de formação tendente ao exercício das funções de oficial.
Donde se conclui, que a conclusão do mestrado em Liderança - Pessoas e Organizações na Academia Militar per si não se revela suficiente para o ingresso na categoria de Oficial, sendo necessário a admissão e frequência do curso de formação inicial de oficiais.

O Tribunal a quo seguiu os cânones interpretativos como dita o artigo 9º do Código Civil, (socorrendo-nos do art.° 9.° do CC, que apela aos elementos, meios, fatores ou critérios que devemos utilizar de forma harmónica na realização da interpretação jurídica da lei, afastamos a interpretação isolada do art.° 202.° do EMGNR, porquanto o mesmo carece de ser interpretado com recurso a elementos lógicos, designadamente o elemento racional, e de modo integrado no regime jurídico em que se insere), tendo concluído, e bem, que outra interpretação colocaria em causa os princípios da legalidade e da igualdade com os demais oficiais da força de segurança em questão.
Andou acertadamente o aresto ao sentenciar que o Réu cumpriu a lei, o que equivale a dizer que sucumbe o apontado vício de violação da lei.
Improcedem as Conclusões das alegações.
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente, sem prejuízo de eventual apoio judiciário.
Notifique e DN.

Porto, 21/3/2025

Fernanda Brandão
Isabel Jovita
Rogério Martins