Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00830/21.0BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/06/2025
Tribunal:TAF de Braga
Relator:MARIA FERNANDA ANTUNES APARÍCIO DUARTE BRANDÃO
Descritores:STAL - SINDICATO NACIONAL DOS TRABALHADORES DA ADMINISTRAÇÃO LOCAL E REGIONAL, EMPRESAS PÚBLICAS, CONCESSIONÁRIAS E AFINS;
AÇÃO ADMINISTRATIVA CONTRA A [SCOM01...]. E O MUNICÍPIO (...);
TRABALHO SUPLEMENTAR;
Sumário:
I - A prestação de trabalho suplementar deve obedecer a requisitos legais, devendo ser devidamente fundamentada;

I.1 - No caso dos autos, o trabalho prestado para além das 35 horas semanais não tem por base qualquer fundamentação relacionada com acréscimos transitórios de trabalho, motivo de força maior, nem se mostrou indispensável para prevenir ou reparar prejuízos graves. A prestação desse trabalho não foi ordenada pelo Município e deveu-se a uma deliberação da TUB;

I.2- Ainda que se considerasse essa deliberação ilícita, tal não poderia conduzir a que os Apelantes tivessem direito a que se considerasse o trabalho prestado para além das 35 horas semanais como sendo trabalho extraordinário ou suplementar;

I.3- Não se deteta qualquer afronta à Constituição;

I.4 - Mostrando-se votado ao insucesso o recurso, não têm os Apelantes direito a qualquer valor a título de trabalho suplementar.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO

«AA», «BB»,NIF ...95; «CC», NIF ...27; «DD», NIF ...81; «EE», NIF ...46; «FF»; «GG», NIF ...27; «HH», NIF ...65; «II», NIF ...69; «JJ»; «KK», NIF ...76; «LL», NIF ...69; «MM», NIF ...40; «KK», NIF ...55; «NN», NIF ...93; «OO»; «MM», NIF ...27; «PP», NIF ...38; «QQ», NIF ...39; «RR», NIF ...22; «SS», NIF ...62; «TT», NIF ...12; «UU», NIF ...23; «VV», NIF ...49; «WW», NIF ...93; «XX», NIF ...98; «YY», NIF ...93; «ZZ», NIF ...30; «AAA», NIF ...28; «BBB»; «CCC»; «DDD», NIF ...88; «EEE», NIF ...96; «FFF», NIF ...01; «GGG», NIF ...22; «HHH», NIF ...84; «III», NIF ...30; «JJJ», NIF ...10; «KKK», NIF ...99; «LLL», NIF ...40; «MMM», NIF ...85; «NNN», NIF ...20; «OOO», NIF ...23; «PPP», NIF ...03; «QQQ»; «RRR», NIF ...82; «SSS», NIF ...30; «TTT», ...43; «UUU», NIF ...04; «VVV», NIF ...15; «WWW», NIF ...70; «XXX», NIF ...07; «YYY», NIF ...66; «ZZZ», NIF ...47; «AAAA», NIF ...71; «BBBB», NIF ...75; «CCCC», NIF ...38; «AAAA», NIF ...73; «DDDD», NIF ...30; «EEEE», NIF ...76; «CCCC», NIF ...16; «FFFF», NIF ...20; «GGGG», NIF ...00; «HHHH»; «IIII»; «JJJJ», NIF ...93; «KKKK», NIF ...07; «LLLL», NIF ...90; «MMMM», NIF ...28; «NNNN», NIF ...21; «OOOO», NIF ...08; «PPPP», NIF ...18; «QQQQ», NIF ...03; «RRRR», NIF ...18; «SSSS»; «OOOO», NIF ...58; «TTTT», NIF ...51; «UUUU», NIF ...34; «UUUU», NIF ...63; «SSSS», NIF ...56; «PPPP», NIF ...94; «VVVV», NIF ...81; «UUUU»; «WWWW», NIF ...41; «XXXX», NIF ...96; «YYYY», NIF ...72; «OOOO», NIF ...81; «ZZZZ», NIF ...48; «AAAAA», NIF ...14; «BBBBB», NIF ...07; «CCCCC», NIF ...76; «DDDDD», NIF ...77; «EEEEE», NIF ...14; «FFFFF», NIF...52 290; «GGGGG», NIF ...26; «HHHHH», NIF ...39; «IIIII», NIF ...23; «JJJJJ», NIF ...28; «KKKKK», NIF ...29; «LLLLL», NIF ...47; «MMMMM», NIF ...80; «NNNNN», NIF ...70; «OOOOO», NIF ...15; «PPPPP», NIF ...20; «QQQQQ», NIF ...77; «RRRRR», NIF ...84; «SSSSS», NIF ...67; «TTTTT», NIF ...00; associados do STAL - SINDICATO NACIONAL DOS TRABALHADORES DA ADMINISTRAÇÃO LOCAL E REGIONAL, EMPRESAS PÚBLICAS, CONCESSIONÁRIAS E AFINS (STAL), instauraram ação administrativa contra a [SCom01...]. e o Município ..., todos melhor identificados nos autos, formulando os seguintes pedidos:


Nestes termos e nos mais de direito, deve a presente acção ser julgada provada e procedente e por via dela:

a) - ser declarado e os Réus condenados a reconhecer que as horas de trabalho prestadas a mais pelos Autores, no período de tempo compreendido entre 01-01-2014 até 30-06-2016, são horas de trabalho extraordinário;

b) - ser declarado e os Réus condenados a reconhecer que o pedido feito em a) supra é extensível aos Trabalhadores associados do STAL ao serviço na 1.ª Ré no referido período temporal que, entretanto, se aposentaram;


c) - serem os Réus solidariamente condenados no pagamento aos associados do Autor das horas de trabalho extraordinárias prestadas desde 01-01-2014 até 30-06-2016, bem como no pagamento dos juros vencidos desde a data do respectivo vencimento até efectivo e integral pagamento, em igualdade de circunstâncias ao que foi feito aos trabalhadores do 2.º Réu;

d) - serem os Réus solidariamente condenados no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, no valor de €50,00 diários, a cada um dos Autores, por cada dia de atraso no cumprimento do que vier a ser determinado por sentença;
e) - serem os Réus condenados nas custas processuais e no mais de Lei.
No decurso da ação foi admitida a intervenção principal espontânea de «UUUUU» e «VVVVV», também melhor identificados nos autos.

Por decisão proferida pelo TAF de Braga foi julgada procedente a matéria de exceção e absolvidos os Réus do pedido, quanto aos Autores que se aposentaram até 11.05.2020 (quanto ao Réu Município) e 12.05.2020 (quanto à Ré [SCom01...]) e absolvidos os Réus da instância, quanto aos demais Autores.
Desta vem interposto recurso.

Alegando, os Apelantes formularam as seguintes conclusões:

A - Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou a matéria de excepção procedente e absolver os Réus do pedido, quanto aos Autores que se aposentaram até 11-05-2020 (quanto ao Réu Município) e 12-05-2020 (quanto à Ré [SCom01...]); e absolver os Réus da instância quanto aos demais Autores.

B - Salvo devido respeito, mal andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, com a fundamentação invocada na douta sentença, como de seguida procuraremos demonstrar.

C - A decisão do tribunal a quo desconsiderou a análise da violação do princípio da igualdade e do tratamento igualitário de que foram alvo os Recorrentes, trabalhadores ao serviço da Ré [SCom01...] em regime de cedência de interesse público, mas cujo vínculo de origem se mantém no Réu Município ..., Município este que procedeu ao pagamento aos seus trabalhadores ao trabalho a mais prestado no período das 40 horas semanais.

D - A sentença recorrida invoca, além do mais, o Acórdão proferido pelo TCA Sul, que julgou questão semelhante.

E - Em contrário à argumentação aduzida a propósito - aquela que defende que a alteração legislativa introduzida pela lei 68/2013, de 29 de Agosto ao artigo 126.°-1 do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP) impunha que os Réus procedessem à alteração do horário de trabalho dos Recorrentes de 35 para 40 horas semanais, sob pena de, se a tal alteração não procedesse, a lei não seria cumprida - ter-se-á de dizer que tal interpretação não considerou nem considera que a alteração do horário de trabalho levada a efeito pelos Réus não foi precedida da consulta imposta por lei aos trabalhadores em causa, tal como impunha o disposto no artigo 135.°, n.° 2 do RCTFP.

F - Tendo em conta a referida falta de consulta aos Representados do Recorrente, o despacho proferido pelo Réu Município ... foi anulado por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga e confirmada pelo Tribunal Central Administrativo Norte.

G - A consequência dessa anulação não pode deixar de ser, a nosso ver, além da alteração do horário de trabalho, a reposição aos Representados do Recorrente do valor das horas a mais prestadas no período em que praticaram as 40 horas semanais.

H - E, no caso dos presentes autos, em que aos trabalhadores ao serviço do Réu Município ... foi feito tal pagamento, aos aqui Recorrentes, trabalhadores cedidos em regime de cedência por interesse público, por respeito ao principio da igualdade, ínsito no artigo 13.° da CRP, tal pagamento deveria ser feito, também, devendo os Réus ser condenados em tal pagamento.

I - Na verdade, os despachos dos Réus, que impuseram aos Recorrentes a prática de 40 horas de trabalho semanal, foram unilateralmente impostos sem que, previamente, tivessem sido cumpridos os requisitos do artigo 135.° do Regime de Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP), em vigor à data, que obrigava à consulta prévia dos trabalhadores e das suas estruturas representativas, como determinava o n.° 2 desse preceito.

J - Os Recorrentes, até à data dos despachos que impuseram a prática de 40 horas semanais, tinham um horário máximo definido por lei, no caso pelo artigo 126.° do RCTFP, fixado em 7 horas diárias e 35 horas semanais.

K - E a sua remuneração horária era aferida a um horário máximo de 35 horas por semana, passando, por força daquela deliberação, a ser aferida em função de um horário de 40 horas, do que resultou a sua substancial desvalorização.

L - Da referida alteração do horário de trabalho decorreu uma desvalorização retributiva na ordem dos 14,3%, considerando o aumento de uma hora de trabalho por dia, sem qualquer compensação adicional, nomeadamente por retribuição do que deveria constituir o pagamento de uma hora de trabalho extraordinário, já que, com a aplicação da nova lei, a remuneração é a mesma, mas a prestação de serviço aumentou mais 5 horas semanais e cerca de 20 horas mensais.

M - O novo horário de trabalho que foram obrigados a praticar, por ordem expressa do Recorrido, introduzido de forma tão abrupta e inesperada, afectou os planos de vida dos Recorrentes, gorando o equilíbrio e a conciliação estabelecidos entre a sua actividade laboral e a sua vida familiar, o seu direito ao repouso e ao lazer, assim frustrando necessariamente as suas expectativas fundadas no horário anterior.

N - A prática horária por cada um dos Recorrentes de 5 horas semanais acrescidas ao normal horário de trabalho, entre os referidos períodos temporais, consubstanciou a prática de trabalho suplementar e como tal deve ser considerado.

O - Previa o artigo 126.° do RCTFP, aprovado em anexo à Lei 59/2008, de 11 de Setembro, aplicável à data dos factos, que “o período normal de trabalho não pode exceder as 7 horas por dia nem 35 horas por semana.”

P - Por sua vez, prevê o artigo 212.° do mesmo diploma legal, na redacção dada pela lei 66/2012, de 31 de Dezembro, que “1 - A prestação de trabalho extraordinário em dia normal de trabalho confere ao trabalhador o direito aos seguintes acréscimos: a) 25% da remuneração na primeira hora; b) 37,5% da remuneração, nas horas ou fracções subsequentes. 2 - O trabalho extraordinário prestado em dia de descanso semanal obrigatório ou complementar, e em dia feriado confere ao trabalhador o direito a um acréscimo de 50% da remuneração por cada hora de trabalho efectuado.”

Q - Estatui o artigo 59.°, n.° 1, alínea a) da Constituição da República Portuguesa que todos os trabalhadores têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, de forma a garantir uma existência consigna.

R - Os Recorrentes trabalharam em maior quantidade ou número de horas, em função de uma decisão dos Recorridos que foi anulada (a 1.ª decisão da Ré [SCom01...] e a decisão do Réu Município ...), ou seja, foi declarada inválida por decisão judicial, outra consequência não pode resultar a não ser a obrigatoriedade de pagamento aos Recorrentes do tempo de trabalho prestado a mais, por se tratar de trabalho extraordinário.

S - Mas a questão central deste recurso prende-se com a desigualdade no tratamento dado aos Recorrentes, trabalhadores do Réu Município ..., em regime de cedência por interesse público na Recorrida, uma vez que o Réu Município ..., tendo em conta o facto de ver anulado o despacho que impôs aos seus trabalhadores a prática de 40 horas semanais, pagou aos mesmos, a título de trabalho extraordinário, a hora de trabalho prestada a mais durante o período de tempo em que tal regime horário vigorou, independentemente da forma como o decidiu pagar, o certo é que pagou.

T - Os Recorrentes, em virtude do acordo de cedência celebrado entre os Recorridos Município ... e [SCom01...]., mantêm o direito ao vínculo de origem e aos direitos dele decorrentes, designadamente horário de trabalho e remuneração.

U - Ao contrário do defendido na sentença recorrida, em nosso entendimento o Réu Município não deixou de ter poder quanto ao pagamento de créditos salariais dos trabalhadores cedidos, e muito menos deixou de o ter a Ré [SCom01...], cuja participação do capital é totalmente detida pelo Réu Município ....

V - Ora, se resulta inequívoco da matéria dada como provada na sentença recorrida que os Recorrentes são trabalhadores do Réu Município ..., em regime de cedência por interesse público na Ré [SCom01...]. e que, em virtude do acordo de cedência celebrado os trabalhadores mantêm os direitos resultantes do vínculo laboral de origem, designadamente os horários de trabalho e a sua remuneração, impõe-se concluir que aos mesmos é devido igual tratamento àquele que foi dado aos trabalhadores que estão ao serviço do Município ..., aqui Recorrido, os quais viram ser-lhe pago o tempo de trabalho prestado a mais (a diferença de uma hora) durante o pedido de tempo em que praticaram 8 horas de trabalho diárias e 40 horas semanais.

W - Por assim ser, atendendo ao princípio da igualdade e da não discriminação, ínsito no artigo 13.° da Constituição da República Portuguesa, deveria ter sido julgada provada e procedente a acção e ser reconhecido aos Recorrentes o direito ao recebimento da remuneração pelo tempo de trabalho durante o período das 40 horas semanais peticionado nos autos, tal qual foi pago aos seus colegas, trabalhadores em funções no Recorrido Município ....

X - Ao não ter decidido dessa forma, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 13.° e 59.°, n.° 1, alínea a) da Constituição da República Portuguesa, o disposto nos artigos 126.°, 135.° e 212.° do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela lei 59/2008, de 11 de Setembro, o artigo 18.°, n.° 2 do Decreto-Lei 209/2009, de 3 de Setembro, bem como o disposto no artigo 163.°, n.° 2 do CPA.

Dado o exposto e o suprimento, que sempre se espera, deve ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que julgue a presente ação provada e procedente.

O Réu Município juntou contra-alegações, concluindo:

DA PRESCRIÇÃO
I. Nos termos do disposto no artigo 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho, ex vi do artigo 4.º da LGTFP, “O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.
II. Ora, tendo a presente ação sido intentada em 06.05.2021, e o Recorrido Município sido citado no dia 11.05.2021, já havia decorrido mais de um ano sobre as datas de cessação de contrato acima referidas.
III. “Seja qual seja a invocada origem da obrigação do reivindicado pagamento, é inegável que o crédito em causa, a existir, decorre da relação laboral, ou seja, é um crédito laboral que teria que ser pago no referido prazo de um ano. A celebração de acordo (e eventual aplicação aos Autores) não tem a virtualidade de alterar a natureza do crédito que, ora, se discute e que assenta na aplicação (i)legal de um horário semanal superior ao devido.”
DA CEDÊNCIA DE INTERESSE PÚBLICO
IV. A [SCom01...]/EM é uma empresa dotada de personalidade jurídica e capacidade judiciária, com plena autonomia e totalmente distinta do Recorrente Município.
V. O Recorrente reconhece, no artigo 21.º da petição inicial, que a alteração do horário de trabalho foi imposta pela [SCom01...] através da Ordem de Serviço n.º 07.ADM/2013, datada de 26.09.2013, foi suspensa pela Ordem de Serviços n.º 08.ADM/2013, devido a providência cautelar intentada pelo STAL para suspender essa alteração ao horário de trabalho.
VI. O horário de trabalho foi novamente alterado para as 40 horas semanais, através da Ordem de Serviço n.º 10.ADM/2013, de 26.12.2013, que deu cumprimento à Lei 68/2013 de 29.09 que impôs que o período normal de trabalho em funções públicas passasse a ser de 8H diárias e 40h semanais.
VII. “Esta deliberação não foi impugnada pelo Recorrente, nem pelos seus representados.”
VIII. De facto, e parafraseando a douta sentença recorrida: “Analisada a alegação dos Autores na petição inicial, verifica-se que a mesma vem, deliberadamente ou não, exposta de modo não linear, fazendo referência a datas, despachos e ações judicias diversas, sem que se consiga perceber, com facilidade, qual o ato que motivou a aplicação do horário de 40 horas semanais. Contudo, cotejada a petição com os documentos e, bem assim, com as contestações apresentadas, percebe-se que, efetivamente, o despacho que vigorou durante cerca de ano e meio (ou seja, durante o período em que os Autores praticaram o referido horário) foi a ordem de serviço 10.ADM/2013 e que mesma não foi nunca posta em crise. Ora, os Autores, nesta ação, partem do princípio que houve um ato ilegal e que, portanto, lhes é devido o pagamento das horas de trabalho que prestaram a coberto de tal ato ilegal. Todavia, tal ato nunca foi sequer alvo de sindicância por parte dos Autores, nem tampouco, foi, entretanto, declarado ilegal, por exemplo, por iniciativa de quem o praticou. Como se pode ver no acórdão do TCA Sul de 09.11.2023, proferido no processo 1315/13.38ELRA-8, em que se analisou questão similar, o pressuposto que subjaz ao litígio, ali, em análise é que haja, efetivamente, um ato ilegal, anulado, para que se possa equacionar pagamento semelhante ao, aqui, reclamado (podendo dizer-se, até, de passagem, que não foi entendimento do referido Tribunal que houvesse suporte legal para a remuneração de tal trabalho como trabalho suplementar). Destarte, não se pode reconhecer aos Autores um direito decorrente de um ato que reputam de ilegal, quando o mesmo não foi declarado ilegal e já não pode sê-lo (atento o decurso dos prazos de impugnação – artigo 58º do C.P.T.A.). Esta situação, aliás, está vedada pelo artigo 38º, n.º 2 do C.P.T.A. O recurso dos Autores a esta ação para obterem efeito que só poderiam obter por via da impugnação de ato administrativo, à qual não recorreram, oportunamente, configura exceção inominada insuprível, por inidoneidade do meio processual, como se julga (acórdão do TCA Sul de 10.12.2020, proferido no processo 2274/19.4BELSB) Por ser deste modo, procede a invocação dos Réus, neste domínio, absolvendo-se os mesmos da instância (artigo 89º, n.ºs 1, 2, 4 do C.P.T.A.) e não se conhecendo do mérito da presente ação.”
IX. Mas ainda que assim não fosse, da mencionada ordem de serviço, que consubstanciará a alteração sofrida no horário de trabalho dos representados do Autor, não resulta qualquer intervenção/ingerência do Recorrido MUNICÍPIO.
X. Assim, a existir qualquer responsabilidade por tal imposição/alteração de horário, apenas à 1.ª Ré poderá ser imputada. Com efeito a cedência de interesse publico acordada com os associados/representados do Autor não prejudica a manutenção do vínculo de emprego público daqueles com o Município ..., mas importa a suspensão desse vínculo, e, consequentemente, desonera o Recorrido MUNICÍPIO, entre outras obrigações, do pagamento das quantias peticionadas nos presentes autos.
XI. A cedência de interesse público encontra-se prevista no artigo 241.º e seguintes da LTFP. Há lugar à celebração de acordo de cedência de interesse público quando um trabalhador de uma entidade excluída do âmbito de aplicação objetivo da LTFP deva exercer funções, ainda que a tempo parcial, em órgão ou serviço abrangido pela LTFP, bem como no caso inverso, quando um trabalhador de órgão ou serviço abrangido pela LTFP deva exercer funções, ainda que no mesmo regime, numa entidade excluída do âmbito de aplicação dessa mesma Lei.
XII. O acordo de cedência implica para o trabalhador em funções públicas, na falta de disposição legal em contrário, a suspensão do vínculo com o cedente, o que se verificou in casu, ficando este sujeito ao regime jurídico aplicável ao empregador cessionário.
XIII. Independentemente da manutenção ou não da remuneração base de origem, a cedência de interesse público sujeita o trabalhador às ordens e instruções do órgão ou serviço ou da entidade onde vai prestar funções, sendo remunerado por estes com respeito pelas disposições normativas aplicáveis ao exercício daquelas funções.
XIV. Nos termos do n.º 1 do art.º 242.º da LGTFP “o trabalhador cedido fica sujeito ao regime jurídico aplicável ao empregador cessionário e ao disposto no presente artigo, salvo quando não tenha havido suspensão do vínculo, caso em que a situação é regulada pelo regime jurídico de origem, incluindo em matéria de remuneração.
XV. “A cedência de interesse público sujeita o trabalhador às ordens e instruções do empregador onde vai prestar funções, sendo remunerado, salvo acordo em contrário, pela entidade cessionária” - cfr. n.º 2 do art. 242.º da LGTFP
XVI. O trabalhador cedido tem ainda direito à contagem, na categoria de origem, do tempo de serviço prestado em regime de cedência; o direito a optar pela manutenção do regime de proteção social de origem, incidindo os descontos sobre o montante da remuneração que lhe competiria na categoria de origem e ainda o direito a candidatar-se, nos termos legais, a outro posto de trabalho no órgão ou serviço ou na entidade de origem ou em outro órgão ou serviço, sendo que neste último caso, se tal vier a acontecer, o acordo de cedência de interesse público caduca com a ocupação do novo posto de trabalho.
XVII. Ora, a regra geral é a de que a cedência de interessa público gera suspensão do vínculo origem. Assim, a cedência de interesse publico – em regra - não prejudica a manutenção do vínculo de emprego público, mas importa a suspensão parcial desse vínculo. Consequentemente, havendo suspensão do vínculo todos os direitos emergentes do referido contrato de trabalho devem ser assegurados pelo cessionário, no caso concreto pela [SCom01...], sendo aplicável o previsto nos n.ºs 2.º a 80 do artigo do 242.0 LGTFP que estabelece o regime jurídico da cedência de interesse publico.
DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE E NÃO DISCRIMINAÇÃO E JUSTA RETRIBUIÇÃO
XVIII. Inovatoriamente ao que havia sido alegado nos anteriores articulados, o Recorrente veio agora sustentar, pela primeira vez, uma alegada violação do princípio da igualdade e não discriminação e justa retribuição, o que se afigura ilegal e, por isso, inadmissível, por não se destinar o recurso da decisão impugnada, a invocar fundamentos que não constem da petição inicial, por ser este o momento processualmente adequado a invocar os fundamentos da acção administrativa.
Sem prescindir
XIX. A aplicação do princípio da igualdade, não discriminação e justa retribuição tout court, como pretende o Recorrente, é apenas aplicável a trabalho igual em natureza, quantidade e qualidade, e a proibição de diferenciação arbitrária (sem qualquer motivo objetivo), ou com base em categorias tidas como fatores de discriminação (sexo, raça, idade e outras) destituídas de fundamento material atendível, proibição que não contempla diferente remuneração de trabalhadores da mesma categoria profissional, na mesma empresa, quando a natureza, a qualidade e quantidade do trabalho não sejam equivalentes.
XX. Se é verdade que o princípio do Direito à igualdade e não discriminação postula em termos gerais o direito a igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção ou carreira profissionais e às condições de trabalho, aqui se incluindo a retribuição, não podendo ser privilegiado/a, beneficiado/a, prejudicado/a, privado/a de qualquer direito ou isento/a de qualquer dever em razão, nomeadamente, de ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical, devendo o Estado promover a igualdade de acesso a tais direitos, também é verdade que este mesmo principio da igualdade, obriga, a que, para ser cumprido, se trate como igual o que é igual e como desigual aquilo que é diferente.
XXI. Aliás, inexistiu qualquer intervenção/ingerência por parte do Município na alegada decisão tomada pela [SCom01...] de alterar o horário.
XXII. A argumentação utilizada quanto à suposta violação dos princípios constitucionais por parte do Recorrido MUNICÍPIO baseia-se, tão só, no facto dos seus associados serem trabalhadores com vínculo de contrato de trabalho em funções públicas e numa pretensa responsabilidade solidária, esquecendo, por completo, a cedência de interesse público efetuada e o respetivo regime legal que é aplicável aos trabalhadores em causa.
DA INEXISTÊNCIA DE TRABALHO EXTRAORDINÁRIO OU SUPLEMENTAR
XXIII. Nos termos do disposto no artigo 160.º da Lei nº 59/2008, que vigorou entre 01.01.2014 e 31.07.2014: “1 - O trabalho extraordinário só pode ser prestado quando o órgão ou serviço tenha de fazer face a acréscimos eventuais e transitórios de trabalho e não se justifique a admissão de trabalhador. 2 - O trabalho extraordinário pode ainda ser prestado havendo motivo de força maior ou quando se torne indispensável para prevenir ou reparar prejuízos graves para o órgão ou serviço. (...)”
XXIV. Já segundo o artigo 161.º da mesma lei, o trabalho extraordinário prestado ao abrigo do disposto no art. 160.º, nº 1, “fica sujeito, por trabalhador, aos seguintes limites: a) Cem horas de trabalho por ano; Para efeitos da presente alínea, esta deve ser interpretada no sentido de se considerarem aí abrangidos os Bombeiros Profissionais da Administração Local, Sapadores e Municipais, competindo a decisão de ser ultrapassado o referido limite ao presidente de câmara municipal respetivo. b) Duas horas por dia normal de trabalho; c) Um número de horas igual ao período normal de trabalho diário nos dias de descanso semanal, obrigatório ou complementar, e nos feriados; d) Um número de horas igual a meio período normal de trabalho diário em meio dia de descanso complementar. 2 - Os limites fixados no número anterior podem ser ultrapassados desde que não impliquem uma remuneração por trabalho extraordinário superior a 60 % da remuneração base do trabalhador: a) Quando se trate de trabalhadores que ocupem postos de trabalho de motoristas ou telefonistas e de outros trabalhadores integrados nas carreiras de assistente operacional e de assistente técnico, cuja manutenção ao serviço para além do horário de trabalho seja fundamentadamente reconhecida como indispensável; b) Em circunstâncias excecionais e delimitadas no tempo, mediante autorização do membro do Governo competente ou, quando esta não for possível, mediante confirmação da mesma entidade, a proferir nos 15 dias posteriores à ocorrência”.
XXV. Dispunha ainda o art. 212.º da Lei nº 59/2008: “1 - A prestação de trabalho extraordinário em dia normal de trabalho confere ao trabalhador o direito aos seguintes acréscimos: a) 25 % da remuneração na primeira hora ou fração desta; b) 37,5 % da remuneração, nas horas ou frações subsequentes. 2 - O trabalho extraordinário prestado em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, e em dia feriado confere ao trabalhador o direito a um acréscimo de 50 % da remuneração por cada hora de trabalho efetuado. 3 - A compensação horária que serve de base ao cálculo do trabalho extraordinário é apurada segundo a fórmula do artigo 215.º, considerando-se, nas situações de determinação do período normal de trabalho semanal em termos médios, que N significa o número médio de horas do período normal de trabalho semanal efetivamente praticado no órgão ou serviço. 4 - Os montantes remuneratórios previstos nos números anteriores podem ser fixados em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho. 5 - É exigível o pagamento de trabalho extraordinário cuja prestação tenha sido prévia e expressamente determinada.”
XXVI. Por seu lado, nos termos do disposto no artigo 227.º do Código do Trabalho, por remissão do artigo 120.º da Lei nº 34/2014: “1 - O trabalho suplementar só pode ser prestado quando a empresa tenha de fazer face a acréscimo eventual e transitório de trabalho e não se justifique para tal a admissão de trabalhador. 2 - O trabalho suplementar pode ainda ser prestado em caso de força maior ou quando seja indispensável para prevenir ou reparar prejuízo grave para a empresa ou para a sua viabilidade.”
XXVII. E o artigo 120.º da Lei n.º 35/2014 dispõe que “(...) 2- O trabalho suplementar fica sujeito, por trabalhador, aos seguintes limites: a) 150 horas de trabalho por ano; b) Duas horas por dia normal de trabalho; c) Um número de horas igual ao período normal de trabalho diário, nos dias de descanso semanal, obrigatório ou complementar, e nos feriados; d) Um número de horas igual a meio período normal de trabalho diário em meio dia de descanso complementar. 3- Os limites fixados no número anterior podem ser ultrapassados, desde que não impliquem uma remuneração por trabalho suplementar superior a 60 % da remuneração base do trabalhador: a) Quando se trate de trabalhadores que ocupem postos de trabalho de motoristas ou telefonistas e de outros trabalhadores integrados nas carreiras de assistente operacional e de assistente técnico, cuja manutenção ao serviço para além do horário de trabalho seja fundamentadamente reconhecida como indispensável; b) Em circunstâncias excecionais e delimitadas no tempo, mediante autorização do membro do Governo competente ou, quando esta não for possível, mediante confirmação da mesma entidade, a proferir nos 15 dias posteriores à ocorrência. 4- O limite máximo a que se refere a alínea a) do n.º 2 pode ser aumentado até 200 horas por ano, por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.”
XXVIII. Prescreve, ainda, o artigo 162.º da mesma Lei que “1 - A prestação de trabalho suplementar em dia normal de trabalho confere ao trabalhador o direito aos seguintes acréscimos: a) 25 % da remuneração, na primeira hora ou fração desta; b) 37,5 % da remuneração, nas horas ou frações subsequentes. 2 - O trabalho suplementar prestado em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, e em dia feriado, confere ao trabalhador o direito a um acréscimo de 50 % da remuneração por cada hora de trabalho efetuado. 3 - A compensação horária que serve de base ao cálculo do trabalho suplementar é apurada segundo a fórmula prevista no artigo 155.º, considerando-se, nas situações de determinação do período normal de trabalho semanal em termos médios, que N significa o número médio de horas do período normal de trabalho semanal efetivamente praticado no órgão ou serviço. 4 - Os montantes remuneratórios previstos nos números anteriores podem ser fixados em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho. 5 - É exigível o pagamento de trabalho suplementar cuja prestação tenha sido prévia e expressamente determinada. 6 - A autorização prévia prevista no número anterior é dispensada em situações de prestação de trabalho suplementar motivadas por força maior ou sempre que indispensável para prevenir ou reparar prejuízo grave para os órgãos e serviços, desde que as mesmas sejam posteriormente justificadas pelo dirigente máximo do serviço. 7 - Por acordo entre o empregador público e o trabalhador, a remuneração por trabalho suplementar pode ser substituída por descanso compensatório.”
XXIX. Ora, daqui se conclui que a prestação de trabalho suplementar deve obedecer a requisitos legais, devendo ser devidamente fundamentado.
XXX. No caso dos autos, o trabalho prestado para além das 35 horas semanais não tem por base qualquer fundamentação relacionada com acréscimos transitórios de trabalho, motivo de força maior, nem se mostrou indispensável para prevenir ou reparar prejuízos graves. A prestação desse trabalho, não foi ordenada pelo Município e deveu-se a uma deliberação da [SCom01...].

TERMOS EM QUE,
como certamente suprirão, deve ser negado provimento ao recurso e manter-se a douta decisão recorrida e, deste modo, farão a tão acostumada

JUSTIÇA!
A Ré/[SCom01...] também apresentou contra-alegações, sem conclusões, finalizando assim:
Deste modo, também por esta via sempre o recurso teria de improceder, não tendo os Apelantes prestado à Ré, durante o período compreendido entre 01.01.2014 a 30.06.2016, qualquer trabalho extraordinário ou suplementar, pelo que não é a recorrida devedora aos apelantes de qualquer valor a título de trabalho suplementar, falecendo, em consequência, todo o demais peticionado.
A Senhora Procuradora Geral Adjunta notificada, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão ficou assente a seguinte factualidade:

1. Os Autores estão nestes autos representados pelos serviços jurídicos do STAL - Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional, Empresas Públicas, Concessionárias e Afins - cfr. doc. 1 junto com a petição inicial;




2. Em representação dos Autores, e na sequência de processo cautelar intentado neste Tribunal, que deu origem aos autos de processo n.° 1818/13.0BEBRG, o STAL, sindicato em que os Autores estão filiados, intentou ação administrativa especial de nulidade ou anulação de ato administrativo (n.° 73/14.9BEBRG), pedindo a anulação da Ordem de Serviço n.° 07.ADM/2013, de 26 de setembro de 2013, proferida pelo Presidente do Conselho de Administração da Ré, que ordenou aos Trabalhadores, designadamente aos ora Autores e a outros trabalhadores que entretanto se aposentaram, a prática de 40 horas semanais - contrariamente ao horário que até então praticavam, de 35 horas semanais - anulação essa que foi pedida por tal ato ofender direitos essenciais dos trabalhadores e ser, também, ilegal por violar diversos princípios e normas legais e constitucionais - cfr. doc. 2 junto com a petição inicial;


3. Em 21.11.2013, foi emitida ordem de serviço n.° 08.ADM/2013, que suspendeu a ordem de serviço n.° 07.ADM/2013 - cfr. doc. junto com a contestação da Ré [SCom01...];

4. Foi invocado na referida ação administrativa que o referido despacho do Presidente do Conselho de Administração da Ré [SCom01...] foi unilateralmente imposto sem que, previamente, tivessem sido cumpridos os requisitos do artigo 135.° do Regime de Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP), em vigor à data, que obrigava à consulta prévia dos trabalhadores e das suas estruturas representativas, como determinava o n.° 2 desse preceito - cfr. doc. 2 junto com a petição inicial;

5. No âmbito do referido processo, foi, em 27-01-2017, proferida sentença, já transitada em julgado, que julgou a ação provada e procedente e anulou o despacho impugnado - cfr. doc. 3 junto com a petição inicial;




6. Idêntica causa foi ganha pelo STAL contra o Réu Município ..., após ação intentada pedindo a anulação de idêntico despacho proferido pelo Presidente do Réu, e que deu origem aos autos de processo n.° 273/14.1BEBRG, que correu termos na Unidade Orgânica 1 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga e foi, em 11-01-2019, julgada procedente, após confirmação pelo TCAN - cfr. doc. 4 junto com a petição inicial;


7. Na sequência do trânsito em julgado da referida sentença, o STAL e o Réu Município ..., em nome dos seus representados, chegaram a acordo no sentido de o Município ... pagar aos respetivos trabalhadores o valor das horas a mais por estes prestadas entre 01-01­2014 e 30-06-2016, período durante o qual foram obrigados a cumprir as 40 horas semanais, acordo este que mereceu a aprovação da Assembleia Municipal, em 23-03-2020 - cfr. doc. 5 junto com a petição inicial;

8. Através das Ordens de Serviço de 26-09-2013 (n.° 07.ADM/2013) e 26-12-2013 (ordem de serviço n.° 10. ADM/2013), do Presidente do Conselho de Administração da 1.ª Ré, foi determinado aos Autores, trabalhadores do Município ... em cedência por interesse público na [SCom01...], o cumprimento de 40 horas semanais, em vez das 35 anteriormente praticadas, prática esta a que foram obrigados, entre 01-01-2014 e 30-06-2016 - cfr. doc. 6 junto com a petição inicial;

9. Os Autores e os Intervenientes eram funcionários do Réu Município, tendo passado a desempenhar funções na Ré [SCom01...], por força de acordo de cedência de interesse público;

10. Do acordo de cedência de interesse público celebrado entre o Réu Município, a Ré [SCom01...] e o trabalhador «EEEEE» resulta, entre o mais, que - cfr. doc. junto com a petição inicial:

[...]

Cláusula 3.ª

Estatuto de Origem

1. O presente acordo não suspende o estatuto de origem do terceiro outorgante.


2. A Primeira Outorgante compromete-se, tendo em conta as funções desempenhadas pelo Terceiro Outorgante ao serviço da Segunda a efectuar a ponderação curricular deste, procedendo ao reposicionamento do Terceiro Outorgante no âmbito do estatuto de origem decorrente da aplicação do regime de vínculos e carreiras dos trabalhadores que exercem funções públicas.

Cláusula 4.ª

Retribuições e encargos

1. Durante o período de vigência da cedência, o trabalhador cedido manterá o direito à remuneração correspondente à sua categoria de origem, com respectivos aumentos da Função Pública, a que acrescerá subsídio de Férias e de Natal e demais abonos a que tenha legalmente direito, sem prejuízo de poder auferir retribuição superior ao serviço da entidade cessionária.

2. A retribuição e os encargos do trabalhador em regime de cedência de interesse público serão assegurados pela Segunda Outorgante.

[...]

Cláusula 5.ª

Poder Disciplinar

1. Durante o período de vigência da cedência, sem prejuízo do disposto no número seguinte, o trabalhador cedido fica sujeito às ordens e instruções da Segunda Outorgante, bem como ao regime de trabalho à mesma aplicável no que respeita ao modo, lugar, duração de trabalho e suspensão da prestação de trabalho, segurança, higiene e saúde no trabalho e acesso aos seus equipamentos sociais.

2. Sem prejuízo do disposto no n.º 1, para efeitos do exercício do poder disciplinar e no âmbito da aplicação das penas de repreensão, multa ou suspensão, deverá a Segunda Outorgante remeter ao Presidente da Primeira Outorgante o relatório final, para emissão de parecer, tendo em vista a sua conformação com critérios e parâmetros disciplinares aplicáveis aos demais trabalhadores ao serviço desta.

3. Os comportamentos do trabalhador cedido / terceiro outorgante têm relevância no âmbito da relação jurídica de emprego público de origem, devendo o procedimento disciplinar que apure as infracções disciplinares respeitar o estatuto disciplinar de origem.


4. A Segunda Outorgante deverá informar prévia e atempadamente a Primeira Outorgante, sobre qualquer infracção disciplinar, nos termos do artigo 58Q da Lei n.º 12-A12008.
Cláusula 6.ª
Direitos

1. O trabalhador em regime de cedência de interesse público permanecerá submetido ao regime de vínculos, carreiras e remunerações dos trabalhadores da administração pública.

2. O mesmo regime vigorará em matéria de faltas, férias e licenças, estatuto de aposentação e regime jurídico da duração do trabalho.

[...]

11. Todos os Autores foram cedidos à Ré [SCom01...] o abrigo de contrato de cedência de interesse público semelhante ao transcrito supra;

12. Os indicados Autores cessaram vínculo laboral com a Ré, por aposentação - cfr. docs. juntos em 30.07.2021:

a) «AA»;

b) «CC»;
c) «DD»;

d) «HH»;

e) «KK»;

f) «OO»;


g) «MM»;

h) «PP»;

i) «SS»;

j) «TT»;
k) «YY»;
l) «BBB»;
m) «WWWWW»;
n) «DDD»;
o) «GGG»;
p) «KKK»;
q) «AAAA»;
r) «BBBB»;

s) «XXXXX»;

t) «HHHH»;
u) «IIII»;
v) «KKKK»;

w) «MMMM»;
x) «OOOO»;

y) «SSSS»;

z) «OOOO»;

aa) «YYYY»;


bb) «OOOO»;

cc) «AAAAA»;

dd) «CCCCC»;

ee) «HHHHH»;

ff) «LLLLL»;

gg) «QQQQQ»;

hh) «SSSSS».

13. A petição inicial, que origina os presentes autos, deu entrada neste Tribunal, em 06.05.2021 - cfr. registo SITAF;

14. O Réu Município foi citado em 11.05.2021 - cfr. aviso de receção junto em 21.05.2021 aos autos;

15. A Ré [SCom01...] foi citada em 12.05.2021 - cfr. aviso de receção junto em 21.05.2021 aos autos.
DE DIREITO
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do CPTA, 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º do CPC e 140.º do CPTA.
Sem embargo, por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal, no âmbito do recurso de apelação, não se quedará por conhecer a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decidirá “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
Assim,

Está posta em causa a decisão que julgou procedente a matéria de exceção e, em consequência, absolveu os Réus do pedido, quanto aos Autores que se aposentaram até 11.05.2020 (quanto ao Réu Município) e 12.05.2020 (quanto à Ré [SCom01...]), absolvendo da instância os Réus, quanto aos demais Autores.
Na óptica dos Recorrentes o saneador-sentença violou o disposto nos artigos 13.° e 59.°, n.° 1, alínea a) da Constituição da República Portuguesa, o disposto nos artigos 126.°, 135.° e 212.° do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela lei 59/2008, de 11 de Setembro, o artigo 18.°, n.° 2 do Decreto-Lei 209/2009, de 3 de Setembro, bem como o estatuído no artigo 163.°, n.° 2 do CPA.
Cremos que carecem de suporte.
Antes de mais, importa salientar que o saneador-sentença recorrido comporta dois segmentos decisórios: um que julgou procedente a exceção da prescrição relativa aos Apelantes que se aposentaram até ao dia 12.05.2020, quanto à ora recorrida, e outro que absolveu a ora recorrida e o recorrido Município ... quanto aos demais Apelantes.
Sucede que, analisada a motivação e as Conclusões do recurso apresentado, constata-se que apenas foi interposto recurso do segundo segmento decisório.
Com efeito, em nenhuma parte do recurso se encontra ou vislumbra qualquer objeção ou argumentação contrária à verificação da prescrição do alegado direito dos Apelantes «AA», «CC», «DD», «HH», «KK», «OO», «MM», «PP», «SS», «TT», «YY», «BBB», «CCC», «DDD», «GGG», «KKK», «AAAA», «BBBB», «XXXXX», «HHHH», «IIII», «KKKK», «MMMM», «OOOO», «SSSS», «OOOO», «YYYY», «OOOO», «AAAAA», «CCCCC», «HHHHH», «LLLLL», «QQQQQ» e «SSSSS». Ou seja, os Apelantes conformaram-se com a decisão que julgou prescrito o seu direito, nos termos do disposto no art. 337.º, nº 1, do C. Trabalho, por remissão do art. 4.º da LGTFP, atento o facto de a relação laboral de todos estes Apelantes com a aqui recorrida ter terminado mais de um ano antes de esta ter sido citada para a ação.
Como bem invoca a Ré [SCom01...], nos termos do disposto no art. 144.º, nº 2, do CPTA, no recurso devem ser “enunciados os vícios imputados à decisão”.
E, nos termos do disposto no art. 639.º, nº 2, do CPC, por remissão do art. 140.º, nº 3, do CPTA, “Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
No que concerne à decisão respeitante à prescrição do direito dos Apelantes atrás elencados, nada é referido na motivação, nem nas Conclusões do recurso apresentado. Não existe a invocação de qualquer norma jurídica violada, de qualquer interpretação diversa, nem de qualquer erro na determinação da norma aplicável.
Deste modo, apenas poderá ser considerada impugnada a decisão recorrida na parte atinente à absolvição dos Recorridos da instância quanto aos Apelantes cujo direito não foi julgado prescrito.
Sucede que, no que respeita ao segmento decisório impugnado do saneador-sentença proferido, também inexiste qualquer razão para os Apelantes dele discordarem, pelo que o recurso tem de improceder.
Efectivamente, a decisão recorrida está em conformidade com a matéria de facto provada e com o direito aplicável.
Vejamos,
Como decorre do probatório, não existe qualquer ilegalidade ou ilicitude no trabalho prestado para a ora recorrida pelos Apelantes no período compreendido entre 01.01.2014 e 30.06.2016, nem na retribuição por eles auferida.
Da ausência de qualquer impugnação relativa à deliberação nº 10.ADM/2013 -
Constam dos factos provados três deliberações da Administração da ora recorrida:
a) Ordem de Serviço nº 07.ADM/2013, de 26.09.2013;
b) Ordem de Serviço nº 08.ADM/2013, de 21.11.2013 que suspendeu a Ordem de Serviço nº 07.ADM/20213;
c) Ordem de Serviço nº 10.ADM/2013, de 26.12.2013.
Pese embora a existência destas três deliberações, foi com base na última deliberação de 26.12.2013, Ordem de Serviço nº 10.ADM/2013, que os Apelantes cumpriram um horário de trabalho de 40 horas semanais, no período compreendido entre 01.01.2014 e 30.06.2016. A Ordem de Serviço nº 07.ADM/2013, de 26.09.2013, que tinha sido impugnada foi logo suspensa pela Ordem de Serviço nº 08.ADM/2013, de 21.11.2013.
Ora, a Ordem de Serviço nº 10.ADM/2013, não foi impugnada pelo STAL, nem pelos Apelantes, nem por qualquer outra entidade, nunca tendo a sua validade, formal ou substancial, sido posta em causa. Ou seja, decorre da factualidade provada que, durante o período compreendido entre 01.01.2014 e 30.06.2014, a atuação da Recorrida e o trabalho prestado pelos Apelantes não se baseou na deliberação nº 07.ADM/2013 que veio a ser anulada pelo Tribunal, mas sim na deliberação da Recorrida nº 10.ADM/2013, cujo teor e o procedimento de aprovação nunca foram postos em causa por qualquer entidade, nomeadamente, pelo STAL e pelos Apelantes.
Assim, não tendo os Apelantes, por si ou através do Sindicato que os representa, impugnado a referida deliberação da Recorrida, tampouco através da presente ação, caem por terra quaisquer pretensões que pudessem ter contra a Recorrida com base nessa mesma deliberação.
A este respeito, refere a decisão sob recurso:
“O recurso dos Apelantes a esta ação para obterem efeito que só poderiam obter por via da impugnação de ato administrativo, à qual não recorreram, oportunamente, configura exceção inominada insuprível, por inidoneidade do meio processual, como se julga (acórdão do TCA Sul de 10.12.2020, proferido no processo 2274/19.4BELSB).
Por ser deste modo, procede a invocação dos Réus, neste domínio, absolvendo-se os mesmos da instância (artigo 89º, n.ºs 1, 2, 4 do C.P.T.A.) e não se conhecendo do mérito da presente ação.”
Da validade da deliberação nº 10.ADM/2013 -
Sem prejuízo do exposto, a deliberação nº 10.ADM/2013 não enferma de qualquer invalidade, nem viola qualquer lei ou cláusula do contrato de cedência de interesse público em que os Apelantes são partes. O acordo de cedência de interesse público que abrange os Apelantes foi celebrado em setembro de 2009, entre estes e os Recorridos, ao abrigo do disposto no art. 46.º da Lei nº 53-F/2006, com as alterações introduzidas pela Lei nº 64-A/2008, entretanto, revogada pela Lei 50/2012, e no art. 58.º da Lei nº 12-A/2008, entretanto, parcialmente revogada pela Lei nº 35/2014 que instituiu a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP).
Através do referido contrato, o cedente, Recorrido/Município ..., cedeu à Recorrida/[SCom01...] determinados trabalhadores do seu quadro de pessoal, onde se incluem os Apelantes, por período determinado, ainda que renovável, nos termos e com os efeitos previstos no ponto 10 dos Factos Provados.
A cedência de interesse público é um instrumento de mobilidade aplicado aos trabalhadores que exercem funções públicas, através do qual os trabalhadores em regime de funções públicas podem exercer funções em entidades que, à partida, não estariam abrangidas por esse regime.
No caso das empresas municipais, essa possibilidade ficou especialmente consagrada através do disposto no art. 46.º da citada Lei nº 53-F/2006, com as alterações introduzidas pela Lei nº 64-A/2008, lei aquela, entretanto, revogada pela Lei nº 50/2012 que, porém, continuou a prever idêntico mecanismo.
Como bem observado pela Recorrida/[SCom01...], certamente por se tratar de uma mobilidade sui generis ou especial, na sistematização da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, a cedência de interesse público surge no capítulo VIII, Vicissitudes Modificativas, e não no capítulo III, Mobilidade. Como em qualquer regime de cedência, na cedência de interesse público, verifica-se uma vicissitude modificativa dos termos do contrato, existindo uma cisão nos poderes reservados ao empregador.
Como decorria já do nº 3 do art. 58.º da Lei nº 12-A/2008 e decorre atualmente do art. 242.º, nº 2, da LTFP, existe uma transmissão do poder de direção que passa a ser exercido pelo cessionário, especialmente no que tange à conformação da prestação de trabalho e demais condições de trabalho, incluindo-se aqui, necessariamente, o tempo de trabalho, o horário de trabalho, o local de trabalho.
Atendendo à redação das referidas cláusulas, os Apelantes, pese embora a cedência à Recorrida, mantiveram ativo o vínculo à função pública. Isto é, apesar de passarem a prestar serviços a uma entidade do setor empresarial local, que se encontra fora da esfera da administração direta do Estado, continuaram submetidos ao regime da denominada “função pública”, continuando a aplicar-se à sua relação laboral, até 31.07.2014, a Lei 59/2008 (Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas), e a partir de 01.08.2014, a já referida Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, no que respeita a faltas, férias e licenças, estatuto de aposentação e regime jurídico da duração do trabalho.
Por seu turno, a Recorrida/[SCom01...], no âmbito do seu poder de direção de conformação da relação laboral que lhe foi transmitido pelo Recorrido/ Município, tinha e tem o poder de fixar o regime de duração de trabalho dos trabalhadores cedidos, desde que respeitando as regras previstas para qualquer trabalhador que exerça funções públicas. Tendo os poderes de que qualquer empregador dispõe nesse âmbito, esses poderes encontravam-se, inicialmente, limitados pelas regras do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas e, após revogação deste, pela Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.
Assim sendo, forçoso é concluir-se que nada impedia a Recorrida de, no período compreendido entre 01.01.2014 e 30.06.2016, ter fixado aos Apelantes um período normal de trabalho de 40 horas semanais, ao invés das 35 horas que sempre prestaram no período antecedente e no período posterior.
Na verdade, entre 01.01.2014 e 31.07.2014, vigorou o disposto na Lei nº 68/2013, a denominada “Lei das 40 horas” imposta pelas medidas de contenção de despesa pública motivadas pela ajuda financeira internacional a que o Estado português teve de recorrer.
A referida lei procedeu à alteração do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas então vigente, dispondo expressamente:
“Artigo 2.º
Período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas
1 – O período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas é de oito horas por dia e quarenta horas por semana.
2 – Os horários específicos devem ser adaptados ao período normal de trabalho de referência referido no número anterior.
3 – O disposto no n.º 1 não prejudica a existência de períodos normais de trabalho superiores, previstos em diploma próprio.
(...)
Artigo 10.º
Prevalência
O disposto no artigo 2.º tem natureza imperativa e prevalece sobre quaisquer leis especiais e instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho.
Artigo 11.º
Norma transitória
1 – Os horários específicos existentes à data da entrada em vigor da presente lei devem ser adaptados ao disposto no artigo 2.º.
2 – O disposto no n.º 1 do artigo 2.º não prejudica os regimes próprios de carreiras para as quais vigora, à data da publicação da presente lei, o período normal de trabalho de quarenta horas por semana e oito horas por dia, incluindo os respetivos regimes de transição.”
Além disso, essa mesma lei alterou o art. 126.º, nº 1, do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, então, vigente que passou a ter a seguinte redação: “O período normal de trabalho é de oito horas por dia e quarenta horas por semana”. O diploma em causa, atendendo à matéria em questão, suscitou pública polémica, tendo sido objeto de um pedido de fiscalização abstrata da constitucionalidade, mais concretamente no que respeitava às normas do art. 2.º, em articulação com o art. 10.º, 3.º, 4.º e 11.º.
Em resposta, o Tribunal Constitucional decidiu “não declarar a inconstitucionalidade das normas dos artigos 2.º, em articulação com o artigo 10.º, 3.º, 4.º e 11.º, todos da Lei n.º 68/2013, de 29 de agosto”.
A Lei nº 35/2014, que aprovou a Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas, passou a vigorar a partir de 01.08.2014, sendo que a redação originária do art. 105.º e que vigorou precisamente até 30.06.2016 previa:
“1- O período normal de trabalho é de:
a) Oito horas por dia, exceto no caso de horários flexíveis e no caso de regimes especiais de duração de trabalho.
b) 40 horas por semana, sem prejuízo da existência de regimes de duração semanal inferior previstos em diploma especial e no caso de regimes especiais de duração de trabalho.
(...)”
Isto é, durante o período compreendido entre 01.01.2014 e 30.06.2016, no que respeita ao tempo de trabalho da função pública, as normas em vigor previam que o limite máximo do período normal de trabalho era de 40 horas por semana, podendo as entidades da administração direta do Estado fixar esse período normal de trabalho aos seus trabalhadores, sem qualquer impeditivo ou constrangimento legal.
Estando demonstrado que, durante o período compreendido entre 01.01.2014 e 30.06.2016, era possível fixar aos trabalhadores da administração pública um período normal de trabalho semanal de 40 horas, a decisão da Recorrida de fixar esse período normal de trabalho para os trabalhadores cedidos no âmbito do acordo de cedência de interesse público celebrado com o Município ..., entre os quais se incluem os Apelantes, não constituiu qualquer ofensa às normas legais e aos direitos decorrentes do regime laboral da administração pública, nem representou qualquer prática discriminatória.
A decisão enquadra-se no poder de direção da cessionária, mesmo que limitado pelo cumprimento das regras da relação de trabalho em funções públicas então vigentes, não consubstanciando a atuação da Recorrida qualquer ato ilegal ou discriminatório.
Da inoponibilidade relativamente à Recorrida dos efeitos do acordo celebrado entre o Recorrido Município ... e os seus trabalhadores -
Os Apelantes sustentam ainda a sua posição no acordo celebrado entre o Recorrido Município ... e os seus trabalhadores, através do qual este Recorrido aceitou “pagar aos respetivos trabalhadores o valor das horas a mais por estes prestadas entre 01-01-2014 e 30-06-2016, período durante o qual foram obrigados a cumprir as 40 horas semanais, acordo este que mereceu a aprovação da Assembleia Municipal, em 23-03-2020”, como resulta do Ponto 7 dos Factos Provados.
Não secundamos este entendimento.
Com efeito, nem a Recorrida nem os Apelantes foram partes ou intervieram, de alguma maneira, nesse acordo. Os únicos subscritores e partes desse acordo foram o Recorrido/Município e os trabalhadores que se encontravam ao seu serviço, representados pelo STAL.
Ora, não tendo a Recorrida/[SCom01...] intervindo nesse acordo, o seu teor não lhe é oponível.
Acresce que, como já referido, tendo ocorrido a cedência da prestação do trabalho dos Apelantes à Recorrida, no âmbito do acordo de cedência de interesse público, e pese embora os Apelantes terem mantido o seu vínculo de origem, qualquer alteração nas suas condições laborais teria sempre que ter em conta a vontade e o poder de direção da Ré, nos termos do disposto no art. 242.º, nº 2, da LTFP e no contrato de cedência.
A única alteração unilateral, sem a participação da Ré, nas condições de trabalho dos Apelantes apenas podia decorrer de alguma alteração legal aplicável aos trabalhadores que prestam trabalho em funções públicas.
Tal facto é, desde logo, demonstrado pela circunstância de ser a Recorrida, quem, desde que vigora o referido acordo de cedência de interesse público, ter definido as condições de trabalho dos Apelantes, no cumprimento do regime legal, designadamente, no que respeita à fixação do período normal de trabalho, da prestação de trabalho suplementar, do gozo de férias, de remuneração e de suplementos remuneratórios, sem que, nalgum momento, o Recorrido Município ... tenha sido consultado ou intervindo de qualquer forma, sem prejuízo, obviamente, da sua qualidade de acionista da sociedade.
Consta do saneador-sentença recorrido:
“Não colide, com tal juízo, a circunstância de os Autores se referirem ao acordo celebrado entre o Réu Município e o STAL, para pagamento das horas prestadas além das 35 horas semanais, posto que o mesmo é usado como argumento que legitima o pagamento e não propriamente como fonte da obrigação, a qual decorre da relação laboral e efeitos de ato reputado de ilegal. Além de que o acordo de pagamento foi celebrado dentro da vontade das partes contratantes e nos moldes vertidos em tal acordo e no âmbito do qual os, aqui, Autores e Intervenientes não tiveram qualquer presença (pessoalmente ou representados, eventualmente, pelo sindicato). E, diga-se, a assunção de tal pagamento não implica a legalidade do mesmo.
Não obstante, quanto ao acordo de cedência de interesse público, pelo mesmo, a entidade cedente transferiu a relação laboral para a entidade cessionária, embora mantendo, os trabalhadores cedidos, o vínculo de emprego público - como resulta do acordo de cedência efetuado - sendo que os poderes antes acometidos ao Réu Município passaram para a Ré [SCom01...]. Daí que o acordo de pagamento celebrado entre o Réu Município e os seus trabalhadores não possa ser transposto para os Autores, agora funcionários da outra entidade, ainda que ao abrigo de regime público, pois que o Réu Município deixou de ter poder quanto a pagamentos de créditos salariais dos trabalhadores cedidos.
Por ser assim, não há sequer similitude que possa suportar a invocação do direito da igualdade, porque estão em causas situações juridicamente diferentes.”
Deste modo, não se poderia considerar que a Recorrida, na relação laboral dos Apelantes, estaria obrigada a seguir ou copiar qualquer determinação do Recorrido relativamente aos trabalhadores ao seu serviço, pelo que do referido contrato celebrado entre o Recorrido e os trabalhadores ao seu serviço nunca poderia resultar qualquer obrigação para a Recorrida.
Da inexistência de qualquer trabalho extraordinário ou suplementar -
Ademais, ainda que se considerasse que os Apelantes gozavam de algum direito sobre a Recorrida pelo trabalho prestado para além das 35 horas semanais por efeito da deliberação nº 10-ADM/2013, jamais tal poderia corresponder ao pagamento de qualquer trabalho extraordinário ou suplementar.
Como mais uma vez aponta, e bem, a Recorrida, nos termos do disposto no art. 160.º da Lei nº 59/2008, que vigorou entre 01.01.2014 e 31.07.2014:
“1 - O trabalho extraordinário só pode ser prestado quando o órgão ou serviço tenha de fazer face a acréscimos eventuais e transitórios de trabalho e não se justifique a admissão de trabalhador.
2 - O trabalho extraordinário pode ainda ser prestado havendo motivo de força maior ou quando se torne indispensável para prevenir ou reparar prejuízos graves para o órgão ou serviço.
(...)”
E, nos termos do disposto no art. 161.º da mesma lei, o trabalho extraordinário prestado ao abrigo do disposto no art. 160.º, nº 1, “fica sujeito, por trabalhador, aos seguintes limites:
a) Cem horas de trabalho por ano;
Para efeitos da presente alínea, esta deve ser interpretada no sentido de se considerarem aí abrangidos os Bombeiros Profissionais da Administração Local, Sapadores e Municipais, competindo a decisão de ser ultrapassado o referido limite ao presidente de câmara municipal respetivo.
b) Duas horas por dia normal de trabalho;
c) Um número de horas igual ao período normal de trabalho diário nos dias de descanso semanal, obrigatório ou complementar, e nos feriados;
d) Um número de horas igual a meio período normal de trabalho diário em meio dia de descanso complementar.
2 - Os limites fixados no número anterior podem ser ultrapassados desde que não impliquem uma remuneração por trabalho extraordinário superior a 60 % da remuneração base do trabalhador:
a) Quando se trate de trabalhadores que ocupem postos de trabalho de motoristas ou telefonistas e de outros trabalhadores integrados nas carreiras de assistente operacional e de assistente técnico, cuja manutenção ao serviço para além do horário de trabalho seja fundamentadamente reconhecida como indispensável;
b) Em circunstâncias excecionais e delimitadas no tempo, mediante autorização do membro do Governo competente ou, quando esta não for possível, mediante confirmação da mesma entidade, a proferir nos 15 dias posteriores à ocorrência”.
Dispunha ainda o art. 212.º da Lei nº 59/2008:
“1 - A prestação de trabalho extraordinário em dia normal de trabalho confere ao trabalhador o direito aos seguintes acréscimos:
a) 25 % da remuneração na primeira hora ou fração desta;
b) 37,5 % da remuneração, nas horas ou frações subsequentes.
2 - O trabalho extraordinário prestado em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, e em dia feriado confere ao trabalhador o direito a um acréscimo de 50 % da remuneração por cada hora de trabalho efetuado.
3 - A compensação horária que serve de base ao cálculo do trabalho extraordinário é apurada segundo a fórmula do artigo 215.º, considerando-se, nas situações de determinação do período normal de trabalho semanal em termos médios, que N significa o número médio de horas do período normal de trabalho semanal efetivamente praticado no órgão ou serviço.
4 - Os montantes remuneratórios previstos nos números anteriores podem ser fixados em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.
5 - É exigível o pagamento de trabalho extraordinário cuja prestação tenha sido prévia e expressamente determinada.”
Por seu lado, nos termos do disposto no art. 227.º do C. Trabalho, por remissão do art. 120.º Lei nº 34/2014, que começou a vigorar a partir de 01.08.2014:
“1 - O trabalho suplementar só pode ser prestado quando a empresa tenha de fazer face a acréscimo eventual e transitório de trabalho e não se justifique para tal a admissão de trabalhador.
2 - O trabalho suplementar pode ainda ser prestado em caso de força maior ou quando seja indispensável para prevenir ou reparar prejuízo grave para a empresa ou para a sua viabilidade.
(...)”
De igual modo, estabelece ainda o art. 120.º da Lei nº 35/2014:
“(...)
2- O trabalho suplementar fica sujeito, por trabalhador, aos seguintes limites:
a) 150 horas de trabalho por ano;
b) Duas horas por dia normal de trabalho;
c) Um número de horas igual ao período normal de trabalho diário, nos dias de descanso semanal, obrigatório ou complementar, e nos feriados;
d) Um número de horas igual a meio período normal de trabalho diário em meio dia de descanso complementar.
3- Os limites fixados no número anterior podem ser ultrapassados, desde que não impliquem uma remuneração por trabalho suplementar superior a 60 % da remuneração base do trabalhador:
a) Quando se trate de trabalhadores que ocupem postos de trabalho de motoristas ou telefonistas e de outros trabalhadores integrados nas carreiras de assistente operacional e de assistente técnico, cuja manutenção ao serviço para além do horário de trabalho seja fundamentadamente reconhecida como indispensável;
b) Em circunstâncias excecionais e delimitadas no tempo, mediante autorização do membro do Governo competente ou, quando esta não for possível, mediante confirmação da mesma entidade, a proferir nos 15 dias posteriores à ocorrência.
4- O limite máximo a que se refere a alínea a) do n.º 2 pode ser aumentado até 200 horas por ano, por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.”
Dispõe ainda o art. 162.º da mesma lei:
“1- A prestação de trabalho suplementar em dia normal de trabalho confere ao trabalhador o direito aos seguintes acréscimos:
a) 25 % da remuneração, na primeira hora ou fração desta;
b) 37,5 % da remuneração, nas horas ou frações subsequentes.
2- O trabalho suplementar prestado em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, e em dia feriado, confere ao trabalhador o direito a um acréscimo de 50 % da remuneração por cada hora de trabalho efetuado.
3- A compensação horária que serve de base ao cálculo do trabalho suplementar é apurada segundo a fórmula prevista no artigo 155.º, considerando-se, nas situações de determinação do período normal de trabalho semanal em termos médios, que N significa o número médio de horas do período normal de trabalho semanal efetivamente praticado no órgão ou serviço.
4- Os montantes remuneratórios previstos nos números anteriores podem ser fixados em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.
5- É exigível o pagamento de trabalho suplementar cuja prestação tenha sido prévia e expressamente determinada.
6- A autorização prévia prevista no número anterior é dispensada em situações de prestação de trabalho suplementar motivadas por força maior ou sempre que indispensável para prevenir ou reparar prejuízo grave para os órgãos e serviços, desde que as mesmas sejam posteriormente justificadas pelo dirigente máximo do serviço.
7- Por acordo entre o empregador público e o trabalhador, a remuneração por trabalho suplementar pode ser substituída por descanso compensatório.”
Decorre das normas citadas que a prestação de trabalho suplementar deve obedecer a requisitos legais imperativos, carecendo, nomeadamente, de fundamentação específica e relacionada com especiais e excecionais necessidades da entidade pública. Para que se considere que existe a necessidade de prestação de trabalho suplementar não basta que o trabalhador preste o seu trabalho para além do seu período normal de trabalho, sendo necessário que se cumpram os pressupostos legalmente previstos.
Como decidiu o STA no Acórdão de 13.02.2014, proc. 0110/13:
“Contudo, a obrigação de pagar trabalho extraordinário é uma obrigação “ex lege”, que só surge quando todos os pressupostos de facto descritos na previsão normativa se verifiquem.
Não interessa para o efeito saber se a Administração agiu lícita ou ilicitamente, com ou sem erro.
O que importa é averiguar se a situação de facto preenche a previsão normativa. Se a situação de facto não preenche a previsão normativa, cujo consequente é uma obrigação de pagar trabalho extraordinário, a obrigação não se constitui.”
E entende-se que assim seja, pois se de um lado estão os direitos dos trabalhadores, do outro lado está o erário público e o especial cuidado que se deve ter na gestão desses recursos públicos que são obtidos através do sacrifício de todos no pagamento dos impostos. Caso não existisse qualquer controlo ou exigência na prestação de trabalho suplementar por parte dos trabalhadores em funções públicas, estaria encontrado um meio insindicável e irrefreável de aumento de despesa pública, que poderia ter graves consequências para as finanças públicas e para a própria solvência das pessoas coletivas públicas - lê-se nas contra-alegações da Recorrida e aqui corrobora-se.
Como se decidiu no Acórdão deste TCA Norte de 18.12.2020, proc. 00265/13.8BEVIS:
“Em síntese, o trabalho suplementar deve ser fundamentado, porquanto só pode ser prestado quando o órgão ou serviço tenha de fazer face a acréscimos eventuais e transitórios de trabalho e não se justifique a admissão de trabalhador, ou em caso de motivo de força maior ou quando o mesmo se torne indispensável para prevenir ou reparar prejuízos graves para o órgão ou serviço, ficando no entanto sujeito aos limites de duração média do trabalho previstos na lei.”
No caso concreto, o trabalho prestado pelos Apelantes para além das 35 horas semanais e que integra a causa de pedir da presente ação não tem por base qualquer fundamentação relacionada com acréscimos eventuais e transitórios de trabalho, não se deveu a qualquer motivo de força maior, nem se mostrou indispensável para prevenir ou reparar prejuízos graves para a recorrida.
A prestação desse trabalho deveu-se unicamente a uma deliberação da Recorrida que entendeu que o período normal de trabalho dos Apelantes devia passar das 35 horas semanais para as 40 horas semanais.
Ora, ainda que se considerasse essa deliberação ilícita, tal não poderia conduzir a que os Apelantes tivessem direito a que se considerasse o trabalho prestado para além das 35 horas semanais como sendo trabalho extraordinário ou suplementar.
Conforme se decidiu no já citado Acórdão deste TCAN de 18.12.2020:
“Tal significa que a razão na origem da prestação de horas de trabalho para além do período de trabalho normal previsto para a função pública, por parte das associadas do apelante, resultou da aplicação de um horário de trabalho aos seus associados que não lhes podia legalmente ser aplicado.
A ser assim, mal se compreenderia que essas horas de trabalho prestadas para além do período normal de trabalho previsto para a função pública e a que os associados do Apelante tinham direito que fosse o seu horário de trabalho, fossem tidas como trabalho extraordinário, uma vez que resultam de uma decisão da Apelada tomada em matéria de fixação errada de horário de trabalho e não de uma decisão fundamentada em qualquer uma das situações previstas na lei como condicionantes da possibilidade de recorrer à prestação de trabalho extraordinário.”
Deste modo, o recurso não tem sucesso, não tendo os Apelantes prestado à Ré, durante o período compreendido entre 01.01.2014 a 30.06.2016, qualquer trabalho extraordinário ou suplementar, pelo que não é a mesma devedora aos Apelantes de qualquer valor a título de trabalho suplementar.
Da violação do princípio da igualdade e não discriminação e justa retribuição -
A aplicação do princípio da igualdade, não discriminação e justa retribuição tout court, como pretende o Recorrente, é apenas aplicável a trabalho igual em natureza, quantidade e qualidade, e a proibição de diferenciação arbitrária (sem qualquer motivo objetivo), ou com base em categorias tidas como fatores de discriminação (sexo, raça, idade e outras) destituídas de fundamento material atendível, proibição que não contempla diferente remuneração de trabalhadores da mesma categoria profissional, na mesma empresa, quando a natureza, a qualidade e a quantidade do trabalho não sejam equivalentes.
Como é sabido, na definição aristotélica de igualdade, discernir casos similares e diferentes é crucial: só os casos iguais devem ser tratados de forma igual, devendo os casos diferentes ser tratados de forma desigual na proporção da sua diferença.
Como sublinham Gomes Canotilho e Vital Moreira, em Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., o princípio da igualdade "exige positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes", o que se traduz, afinal, numa proibição do arbítrio. No mesmo sentido se afirma no Acórdão do STA de 26/09/2007, rec. 1187/06, “o princípio da igualdade traduz-se numa proibição do arbítrio, impondo, na consideração das suas dimensões igualizante e diferenciante, um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes".
Este sentido vinculante do princípio da igualdade tem sido exaustivamente enunciado pelo Tribunal Constitucional, em inúmeros arestos, de que se destaca o Acórdão 186/90 - proc. n.°533/88, de 06/06/90, do qual se destaca o seguinte trecho:
"O princípio constitucional da igualdade do cidadão perante a lei é um princípio estruturante do Estado de direito democrático e do sistema constitucional global..., que vincula directamente os poderes públicos, tenham eles competência legislativa, administrativa ou jurisdicional (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição Anotada, 1.° vol., cit., p. 151, e Jorge Miranda, «Princípio da Igualdade», in Polis/Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, vol. III, Lisboa, São Paulo, Verbo, 1985, págs. 404/405.
Este facto resulta da consagração pela nossa Constituição do princípio da igualdade perante a lei como um direito fundamental do cidadão e da atribuição aos preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias de uma força jurídica própria, traduzida na sua aplicabilidade directa, sem necessidade de qualquer lei regulamentadora, e da sua vinculatividade imediata para todas as entidades públicas, tenham elas competência legislativa, administrativa ou jurisdicional-artigo 18.°, n.°1, da Constituição.
Princípio de conteúdo pluridimensional, postula várias exigências, entre as quais a de obrigar a um tratamento igual das situações de facto iguais e a um tratamento desigual das situações de facto desiguais, proibindo, inversamente, o tratamento desigual das situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais. Numa fórmula curta, a obrigação da igualdade de tratamento exige que «aquilo que é igual seja tratado igualmente, de acordo com o critério da sua igualdade, e aquilo que é desigual seja tratado desigualmente, segundo o critério da sua desigualdade».
(...)
O princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a realização de distinções. Proíbe-lhe, antes, a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objectiva e racional. Numa expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio.
(...)
E, no mesmo sentido, cfr. o Acórdão nº 39/88 (Diário da República, l Série, de 3 de março de 1988): «O princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio, ou seja: proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificarão razoável, segundo critérios de valor objectivo, constitucionalmente relevantes.
Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E proíbe ainda a discriminação; ou seja: as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas, como são as indicadas, exemplificativamente, no n° 2 do artigo 13°.
Esclareça-se que a «teoria da proibição do arbítrio» não é um critério definidor do conteúdo do princípio da igualdade, antes expressa e limita a competência de controlo judicial. Trata-se de um critério de controlabilidade judicial do princípio da igualdade que não põe em causa a liberdade de conformação do legislador ou da discricionariedade legislativa. A proibição do arbítrio constitui um critério essencialmente negativo, com base no qual são censurados apenas os casos de flagrante e intolerável desigualdade”- na mesma linha, o Acórdão do STA nº 073/08 de 13/11/2008. Ou seja, este sentido vinculativo do princípio da igualdade, exaustivamente enunciado pelo Tribunal Constitucional, proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante.

Temos assim que, se é verdade que o princípio do Direito à igualdade e não discriminação postula em termos gerais o direito a igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção ou carreira profissionais e às condições de trabalho, aqui se incluindo a retribuição, não podendo ser privilegiado/a, beneficiado/a, prejudicado/a, privado/a de qualquer direito ou isento/a de qualquer dever em razão, nomeadamente, de ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical, devendo o Estado promover a igualdade de acesso a tais direitos, não é menos verdade que este mesmo principio da igualdade, obriga, a que, para ser cumprido, se trate como igual o que é igual e como desigual aquilo que é diferente.
In casu, inexistiu qualquer intervenção/ingerência por parte do Réu/Município na alegada decisão tomada pela Ré/[SCom01...] de alterar o horário.
Acresce que a argumentação utilizada quanto à suposta violação dos princípios constitucionais por parte do Recorrido/Município se baseia, tão só, no facto dos seus associados serem trabalhadores com vínculo de contrato de trabalho em funções públicas e numa pretensa responsabilidade solidária, esquecendo, por completo, a cedência de interesse público efetuada e o respetivo regime legal que é aplicável aos trabalhadores em causa.
Em suma,
Não se deteta qualquer afronta à Constituição;
A prestação de trabalho suplementar deve obedecer a requisitos legais, devendo ser devidamente fundamentada;
No caso dos autos, o trabalho prestado para além das 35 horas semanais não tem por base qualquer fundamentação relacionada com acréscimos transitórios de trabalho, motivo de força maior, nem se mostrou indispensável para prevenir ou reparar prejuízos graves. A prestação desse trabalho não foi ordenada pelo Município e deveu-se a uma deliberação da [SCom01...];
Ainda que se considerasse essa deliberação ilícita, tal nunca poderia conduzir a que os Apelantes tivessem direito a que se considerasse o trabalho prestado para além das 35 horas semanais como sendo trabalho extraordinário ou suplementar;
Conforme se decidiu no já apontado Acórdão deste TCA Norte de 18.12.2020:
“Tal significa que a razão na origem da prestação de horas de trabalho para além do período de trabalho normal previsto para a função pública, por parte das associadas do apelante, resultou da aplicação de um horário de trabalho aos seus associados que não lhes podia legalmente ser aplicado.
A ser assim, mal se compreenderia que essas horas de trabalho prestadas para além do período normal de trabalho previsto para a função pública e a que os associados do apelante tinham direito que fosse o seu horário de trabalho, fossem tidas como trabalho extraordinário, uma vez que resultam de uma decisão da apelada tomada em matéria de fixação errada de horário de trabalho e não de uma decisão fundamentada em qualquer uma das situações previstas na lei como condicionantes da possibilidade de recorrer à prestação de trabalho extraordinário.”;
Deste modo, também por esta via o recurso está votado ao insucesso, não tendo os Apelantes direito a qualquer valor a título de trabalho suplementar.
Improcedem as Conclusões das alegações.

DECISÃO
Termos em se nega provimento ao recurso.
Sem custas, atenta a isenção subjetiva contida no artigo 4°/1/h) do RCP.
Notifique e DN.

Porto, 06/6/2025

Fernanda Brandão
Rogério Martins
Paulo Ferreira de Magalhães