Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00992/24.4BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/03/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:VITOR SALAZAR UNAS
Descritores:VALOR DA CAUSA;
CADUCIDADE;
NOTIFICAÇÃO; INEFICÁCIA
Sumário:
I – Nos termos do disposto no art. 97.º-A do CPPT, sob a epígrafe – valor da causa – estabelece, entre o mais, o seguinte: alínea e) “No contencioso associado à execução fiscal [como é o caso da RAOEF], o valor correspondente ao montante da dívida exequenda ou da parte restante, quando haja anulação parcial, exceto nos casos de compensação, penhora ou venda de bens ou direitos, em que corresponde ao valor dos mesmos, se inferior”.

II - Atendendo à aplicação subsidiária do CPC em matéria de recursos, legitimada pelo legislador tributário, tendo havido indeferimento [rejeição] liminar da Reclamação, a sentença é recorrível, independentemente do valor atribuído à causa, nos termos conjugados nos arts. 280.º, n.º 6 do CPPT e 629, n.º 3, alínea c) do CPC.

III - Por força do disposto no art. 103.º da LGT, o processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos atos que não tenham natureza jurisdicional.

IV - Assim sendo, as regras respeitantes às notificações dos atos praticados no âmbito do processo de execução fiscal têm que ser encontradas no CPC, afastando as normas do CPPT ou do CPA, aplicáveis aos procedimentos tributário e administrativo, respetivamente.

V - O regime das notificações em processos pendentes encontra-se estabelecido na subsecção IV do CPC., estabelecendo-se, no que ao caso importa, no n.º 1 do art. 249.º, que «se a parte não tiver constituído mandatário, as notificações são efetuadas nos termos previstos no n.º 5 do artigo 219.º, quando aplicável, ou por carta registada, dirigida para a sua residência ou sede ou para o domicílio escolhido para o efeito de as receber, presumindo-se, nestes casos, feita no terceiro dia posterior ao do registo da carta ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.»

VI - O ato de notificação do despacho reclamado realizado sem as formalidades legais não se pode ter como eficaz, ou seja, com potencialidade para produzir efeitos, no que ao caso importa, na contagem do início do prazo de 10 dias, previsto no art. 277.º, n.º 1 do CPPT, e da preclusão do direito de apresentar a Reclamação* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos de Contraordenação, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte:


I – RELATÓRIO:
«AA», contribuinte fiscal n. º ...22, com os demais sinais nos autos, interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, apenas, nos segmentos decisórios em que fixou à causa o valor de € 4.615,84 e considerou intempestiva a presente Reclamação de Atos do Órgão de Execução Fiscal [contra o despacho que indeferiu o pedido de prescrição], tendo-a rejeitado liminarmente.
O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
«(…)
1.ª Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida a 04.05.2024, na parte em que fixou à causa o valor de Eur 4.615,84, e na parte em que considerou intempestiva a reclamação e a rejeitou liminarmente.
2.ª É sempre admissível recurso da decisão respeitante ao valor da causa, com fundamento de que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre – cfr. artigo 629.º, n.º 2, al. b), do CPC, subsidiariamente aplicável, razão pela qual o recurso da decisão deve ser considerado admissível.
Da fixação do valor da causa
3.ª A decisão recorrida fixou à causa o valor de Eur 4.615,84, valor que, a manter-se, determinaria a inadmissibilidade do recurso, uma vez que o mesmo é inferior à alçada dos tribunais de primeira instância, que é de Eur 5.000,00 (cfr. artigo 6.º, n.º 3, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais – adiante, ETAF – e artigo 44.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto - Lei da Organização do Sistema Judiciário).
4.ª No entanto, salvo o devido respeito, o valor da causa foi fixado em violação dos critérios legais.
5.ª O tribunal a quo não apresentou qualquer justificação para não ter aceitado o valor da causa indicado pelo Reclamante (Eur 6.843,26), de resto aceite pelo Reclamado sem qualquer contestação, e para o fixar no valor de Eur 4.651,84, valor esse que, aparentemente, será baseado na indicação feita na pág. 2 do PA, onde erradamente se diz que o «valor da quantia exequenda» é de Eur 4.651,84, sendo certo que no mesmo local é indicado que o valor em dívida é de Eur 7.274,04.
6.ª Ao fixar o valor da causa precisamente em Eur 4.651,84, o tribunal a quo desconsiderou o valor em dívida, por desatender aos juros de mora e às custas, pois tal valor é apenas o do capital das cotizações e contribuições em dívida, a que acrescem juros de mora e custas.
7.ª À data em que a Reclamação foi apresentada, em novembro de 2022, o valor em dívida em execução e, portanto, o valor da quantia exequenda, era de Eur 6.843,25, de acordo com o extrato de dívida emitido pelo Reclamado a 05.11.2022, abrangendo Eur 4.651,84 de capital, Eur 2.101,47 de juros de mora e Eur 125,95 de custas.
8.ª O valor da execução não é apenas o valor do capital em dívida, englobando também os juros de mora vencidos, como inequivocamente decorre do disposto no artigo 297.º, n.º 2, do CPC, subsidiariamente aplicável.
9.ª Quando pela ação se pretende obter uma determinada quantia em dinheiro, é esse o valor da causa, como estatui o artigo 297.º, n.º 1, do CPC, como critério geral para a fixação do valor.
10.ª Pretendendo o Reclamado obter, por via da execução, a quantia de Eur 6.843,26, à data em que a reclamação foi apresentada, é esse o valor que deve ser fixado à causa, e não aquele que foi escolhido pelo tribunal.
11.ª Ao decidir pela fixação do valor da causa omitindo o valor dos juros de mora e das custas, também eles objeto da execução, o tribunal a quo violou as normas do artigo 297.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º, al. e), do CPPT, e o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, al. e), do mesmo código.
12.ª Devendo a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que fixe à causa o valor de Eur 6.843,26.
Da tempestividade da reclamação
13.ª A segunda questão a apreciar neste recurso é a de saber se a reclamação pode ser considerada tempestivamente apresentada ou se, como entendeu a decisão recorrida, ela é intempestiva.
14.ª Entende o Recorrente que a reclamação foi apresentada tempestivamente, porquanto a decisão reclamada não foi notificada nos termos em que a lei o determina.
15.ª O tribunal a quo apega-se ao facto do Reclamante ter tido conhecimento da decisão reclamada, desvalorizando a nulidade da notificação, convertendo-a numa mera irregularidade mas, salvo o devido respeito, este entendimento viola frontalmente a lei aplicável.
16.ª O Recorrente tomou conhecimento da decisão reclamada por mero acaso, por consulta a uma das suas caixas de correio electrónico - ..........@......, tendo-se deparado então com um e-mail em «spam», proveniente de ..........@......, datado de 06.09.2022, com a decisão reclamada, cujo texto foi acima transcrito na motivação.
17.ª As notificações eletrónicas, nos processos executivos da Segurança Social, só estão legalmente previstas para as entidades empregadoras, para as entidades contratantes e para os trabalhadores independentes, como resulta do disposto no artigo 6.º - A do Decreto-Lei n.º 42/2001, de 9 de fevereiro, na sua redação atual, aplicável ao caso.
18.ª O Recorrente não está incluído em nenhuma dessas categorias de pessoas, pelo que as notificações que nos processos de execução hajam que lhe ser feitas não o podem ser por via eletrónica, como aquela que foi seguida.
19.ª Também o CPPT prevê a realização de notificação eletrónica, no seu artigo 35.º, n.ºs 3 e 6, mas apenas «através do serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital, da caixa postal eletrónica ou na área reservada do Portal das Finanças», mas o Recorrente não tem morada única digital e a notificação não foi feita através do serviço público de notificações eletrónicas, nem na área reservada do Portal das Finanças.
20.ª Ademais, o Executado apresentou o seu requerimento a arguir a prescrição por escrito, enviado por correio registado, ou seja, não por via eletrónica, e menos ainda daquele endereço, jamais podendo contar que a decisão tomada sobre o seu requerimento pudesse ser-lhe notificada por um simples e-mail, razão pela qual também não lhe era exigível que verificasse a sua caixa de correio eletrónico.
21.ª Discordando-se, em absoluto, da argumentação da decisão recorrida, no sentido de que, tendo o Executado pedido a consulta dos processos e para ser contactado por e-mail – note-se, no âmbito dessa consulta - se poderia entender que deu o seu consentimento para ser notificado por esse meio.
22.ª Não só o Executado não deu qualquer consentimento, nem sequer tácito, a que a decisão sobre um requerimento ainda nem sequer apresentado, fosse notificada por e-mail como, mesmo que o tivesse dado, tal consentimento seria nulo, por a decisão não poder, de acordo com lei expressa, ser notificada por esse meio.
23.ª Não permite a lei que a administração tributária e os contribuintes alterem as regras legais das notificações, ao contrário do que o tribunal a quo pressupõe ou admite.
24.ª A notificação devia ter sido feita, nos termos do artigo 35.º, n.º 3, do CPPT, pessoalmente ou por carta, formalidades que, porém, não foram cumpridas, o que torna a comunicação por e-mail nula – nulidade que expressamente o Executado arguiu, para todos os efeitos, ab initio.
25.ª Nos termos do artigo 268.º n.º 3, da CRP, «os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei».
26.ª De acordo com o artigo 36.º do CPPT, «os atos em matéria tributária que afetem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados».
27.ª Não permite a lei qualquer desvio desta regra mesmo que o contribuinte, por mero acaso, e fora de uma válida notificação, tome conhecimento da decisão, pelo que o tribunal recorrido, ao decidir em sentido contrário, violou as normas dos artigos 268.º n.º 3, da CRP, e 35.º e 36.º do CPPT.
28.ª Constitui doutrina e jurisprudência pacíficas que recai sobre a Autoridade Tributária ou sobre a Segurança Social o ónus de comprovar a realização da notificação devida – e essa prova nunca foi feita, posto que a notificação não foi realizada.
29.ª Assim sendo, é de concluir que a decisão reclamada não foi validamente notificada ao Recorrente, posto que foi omitido o envio de carta, dirigida ao seu domicílio, que é a forma que a lei exige para as notificações.
30.ª Consequentemente, deve entender-se que não começou a correr, após a data daquela comunicação por correio eletrónico, o prazo da reclamação estabelecido no artigo 276.º do CPPT, pelo que a presente reclamação deve ser considerada tempestiva.
31.ª Devendo a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que considere tempestiva a reclamação e que determine a apreciação do seu mérito.
Termos em que
deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgue tempestiva a reclamação e determine o prosseguimento dos autos.»

Não foram apresentadas contra alegações.

O Digno Procurador Geral Adjunto emitiu parecer concluindo pelo não provimento do recurso, nos seguintes termos:
«Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida a 04.05.2024, na parte em que fixou à causa o valor de € 4.615,84, e na parte em que considerou intempestiva a reclamação e a rejeitou liminarmente.
Entende o recorrente que o valor da causa devia ter sido fixado em € 6.843,26, tal como indicado na sua reclamação, e que a reclamação devia ter sido considerada tempestiva, e objeto de apreciação de mérito, decidindo-se pela procedência da exceção perentória de prescrição.
Os PEF .............145 e ...............161 foram instaurados em 201003-19.
Como consta da informação - n.º 1 do artigo 208.º do CPPT – junta a fls 4 do SITAF aqueles processos de execução fiscal respeitam a dívidas de quotizações e contribuições EE referentes aos meses de junho, agosto e setembro de 2007, no valor de - € 4.615,84, e a juros de mora vencidos, no valor € 2.532, 25, totalizando a quantia exequenda o valor global de € 6.843,26.
Como doutrinado no recente Acórdão do STJ, proferido no processo nº 1268/06, de 20 de setembro de 2023, “…os juros de mora vencidos na pendência da ação não relevam para a determinação do valor da causa, nem tão pouco podem ser levados em linha de conta para encontrar o valor da sucumbência com vista a apurar se a decisão é ou não recorrível.
Com efeito, de acordo com o art. 297.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC, “mas quando, como acessório do pedido principal, se pedirem juros, rendas e rendimentos já vencidos e os que se vencerem durante a pendência da causa, na fixação do valor atende-se somente aos interesses já vencidos”.
Compreende-se a irrelevância do pedido de juros para a determinação do valor da causa. É que o pedido de condenação em juros não constitui o objeto próprio da ação e está fora do âmbito da controvérsia, surgindo apenas como consequência da dedução do pedido principal.
Assim, se o pedido de condenação em juros não releva para a determinação do valor da causa, também não pode ser considerado para determinar o valor do decaimento do pedido com vista a apurar se a decisão é recorrível ou não.”
Embora se nos afigure líquido que aqueles juros de mora no valor € 2.532, 25 se reportam a juros de mora vencidos até à data da instauração dos processos executivos - e não a juros de mora vencidos após a instauração desses processos - a questão, a nosso ver, queda-se numa irrelevância em face do valor da alçada a atender no caso.
Nesta parte seguimos os doutos ensinamentos constantes do acórdão deste TCA Norte de 22-06-23, proferido no processo 02391/21.0BEBRG.
No caso sub judice, estamos perante uma reclamação de atos do órgão de execução fiscal que não tem autonomia, em matéria de admissibilidade de recurso, face às regras legais aplicáveis ao processo de execução fiscal.
Aliás, como é jurisprudência dos Tribunais Superiores, a admissibilidade de recurso das decisões sobre incidentes, oposição, pressupostos da responsabilidade subsidiária, verificação e graduação definitiva de créditos, anulação da venda e recursos dos demais atos praticados pelo órgão da execução fiscal – nomeadamente as reclamações dos demais atos praticados pelo órgão da execução fiscal, como no caso dos autos, seguirá as regras aplicáveis ao processo de execução onde foi praticado o ato reclamado (cfr. Acórdãos do STA, de 18/01/2017, proferido no âmbito do processo n.º 1295/16 e de 28/02/2018, processo n.º 079/18 e Acórdão deste TCA Norte, de 27/07/2018, proferido no âmbito do processo n.º 1278/17.6BEAVR).
A admissibilidade de recurso, por efeito das alçadas, é regulada pela lei em vigor à data em que seja instaurada a ação – cfr. artigo 6.º, n.º 6 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e artigo 24.º, n.º 3 da Lei de Organização e do Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ).
O artigo 280º, n.º 4, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), na versão inicial, havia estabelecido a alçada dos tribunais tributários, fixando-a em um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância. Ulteriormente, esta alçada, prevista apenas para os processos de impugnação judicial e de execução fiscal, foi fixada no mesmo montante para a generalidade dos processos da competência dos tribunais tributários, pelo artigo 6.º, n.º 2, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) de 2002.
A alçada dos tribunais judiciais de 1.ª instância em processo civil foi fixada em €5.000,00 pelo n.º 1 do artigo 24.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro [Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ)], na redação do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, a que corresponde o artigo 31.º, n.º 1, da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto (LOFTJ de 2008), mas só se aplica a processos iniciados após a sua entrada em vigor, em 1 de Janeiro de 2008 (artigos 11.º e 12.º deste Decreto-Lei). Para os processos iniciados até 31 de Dezembro de 2007, continua a vigorar a alçada de € 3.740,98, fixada pelo n.º 1 do artigo 24.º da Lei n.º 3/99, na redação dada pelo Decreto Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro.
Assim, a alçada dos tribunais tributários de 1.ª instância é de €935,25 para os processos iniciados até 31 de Dezembro de 2007 e de €1.250,00 para processos iniciados a partir de 1 de Janeiro de 2008 - cfr., neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, volume I, anotação 4 ao artigo 6.º, pág. 88 e volume IV, anotação 9 ao artigo 280.º, págs. 418/419.
Com efeito, o valor da alçada dos tribunais tributários encontra-se fixado em €5.000,00, por força da alteração do artigo 105.º da LGT, realizada pela Lei do Orçamento de Estado - Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro - desde 01/01/2015.
Porém, o legislador estabeleceu no artigo 225.º da referida Lei um regime transitório, instituindo que “as alterações introduzidas pela presente lei às normas do CPPT e da LGT sobre alçadas e constituição de advogados apenas produzem efeitos relativamente aos processos que se iniciem após a sua entrada em vigor.”
Daí que os referidos processos de execução fiscal estejam abrangidos pelo referido regime transitório, não lhe sendo aplicáveis as alterações introduzidas pela Lei n.º 82B/2014, de 31/12 às normas do CPPT e da LGT sobre alçadas.
Não cabe recurso das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância proferidas em processo de impugnação judicial ou de execução fiscal quando o valor da causa não ultrapassar um quarto das alçadas fixadas para os tribunais judiciais de 1.ª instância – cfr. artigo 280.º, n.º 4 do CPPT, na redação aplicável à data.
Esta alçada foi prevista neste n.º 4 do artigo 280.º apenas para os processos de impugnação judicial e de execução fiscal, mas foi fixada no mesmo montante para a generalidade dos processos da competência dos tribunais tributários pelo artigo 6.º, n.º 2 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Ora, os presentes processos de execução fiscal foram instaurados em 2010-03-19 e, nessa data, o valor da alçada dos tribunais tributários de primeira instância era de € 1,250,00 uma vez que a alçada dos tribunais judiciais de primeira instância foi fixada em € 5.000,00 pelo n.º 1 do artigo 24.º da Lei de Organização e do Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13/01, na redação dada pelo DecretoLei n.º 323/2001, de 17/12 – conjugado com o disposto no artigo 6.º, n.º 2 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aplicável à data (a alçada dos tribunais tributários corresponde a ¼ da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância).
Tendo os processos de execução fiscal em causa sido instaurados em 2010-03-19, e fixado o valor da causa em € 4.615,84, sendo a alçada dos tribunais tributários de 1.ª instância, naquela data, de €1.250,00, estava acautelada a admissibilidade de recurso.
Nesta conformidade, é destituído de sentido o recurso interposto ao abrigo do disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea b) do CPC, na medida em que o valor da causa já excede a alçada do tribunal de primeira instância de que o recorrente recorre.
Pelo que entendemos estar prejudicado o conhecimento do presente recurso com esse fundamento.
Não obstante, face a todo o exposto, somos de parecer que procede o invocado erro de julgamento assacado à fixação do valor da causa, devendo fixar-se o valor da causa em € 6.843,26.
E como consequência, decidir-se pela admissibilidade legal do recurso, nada obstando, por conseguinte, ao conhecimento das demais questões colocadas.
A segunda questão a apreciar neste recurso é a de saber se a reclamação pode ser considerada tempestivamente apresentada ou se, como entendeu a decisão recorrida, ela é intempestiva.
Entende o recorrente que a reclamação foi apresentada tempestivamente, porquanto a decisão reclamada não foi notificada nos termos em que a lei o determina.
Na douta decisão recorrida a intempestividade da ação de reclamação foi fundamentada nos seguintes termos que, com a devida vénia, reproduzimos por a ela aderirmos integralmente, destacando-se apenas que « …Por sua vez, estatui o artigo 277.º, n.º 1, do CPPT que “1 - A reclamação será apresentada no prazo de 10 dias após a notificação da decisão e indicará expressamente os fundamentos e conclusões. (…)”. O prazo de 10 dias fixado no n.º 1 do artigo 277.º do CPPT para apresentar reclamação da decisão do órgão de execução fiscal após a notificação da decisão é um prazo judicial, estando, por isso, sujeito às regras dos artigos 138.º e 139.º do Código de Processo Civil (CPC), de acordo com o artigo 20.º, n.º 2, do CPPT (nessa linha, atente-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12.07.2017, P. 0795/17). Ademais, para efeitos do n.º 1 do artigo 277.º do CPPT, como notificação valerá qualquer ato oficial que leve ao conhecimento do interessado a prática do ato (neste sentido, cf. SOUSA, JORGE LOPES DE. Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado. Volume IV. 6.ª Edição. Lisboa: Áreas Editora, 2011, p. 292). Resulta da factualidade assente que o Reclamante apresentou duas reclamações judicias, à luz dos artigos 276.º e ss. do CPPT, para impugnar o despacho de 07.07.2022, na parte em que indeferiu o pedido de reconhecimento da prescrição das dívidas dos processos de execução n.ºs .............145 e ...............161. A primeira das reclamações foi apresentada em 08.11.2022 e a segunda, aqui em causa, em 24.11.2022, ambas na sequência da notificação do despacho reclamado ao Reclamante, enviada, via e-mail, em 06.09.2022, nos termos do artigo 112.º, n.º 1, alínea c), do Código do Procedimento Administrativo, tal como decorre do probatório. É sabido que o Reclamante invoca, na petição inicial, a nulidade da notificação do despacho reclamado por e-mail; no entanto, escoa dos factos provados que o Reclamante pediu à entidade exequente, em 04.10.2021, a consulta dos processos executivos e para ser contactado através do endereço de correio eletrónico que indicou, pelo que se pode entender que deu consentimento para ser notificado por esse meio. Ora, tem-se como notificação qualquer ato oficial que leve ao conhecimento do interessado a prática do ato, o que se verifica com a notificação do despacho reclamado enviada ao Reclamante por correio eletrónico, para além de que é o próprio que assume ter tomado conhecimento de tal despacho, pelo menos, em 04.11.2022, aquando da consulta à sua caixa de correio eletrónico para onde foi enviada a referida notificação. E, em todo o caso, apesar de o Reclamante sustentar, na petição inicial, que a notificação do despacho reclamado devia ter sido feita pessoalmente ou por carta, nos termos do artigo 35.º, n.º 3, do CPPT, o que, a não ter acontecido, torna a notificação por e-mail nula, a verdade é que, tendo a notificação do despacho reclamado sido efetuada e chegado ao efetivo conhecimento daquele, foi atingido o objetivo visado.
….
Porém, o Reclamante admite ter conhecimento do despacho que pretende atacar, pelo menos, desde 04.11.2022, conforme emerge da matéria de facto dada como provada, pelo que, de todo o modo, se constata que a segunda reclamação judicial, ora em discussão, apresentada em 24.11.2022, é manifestamente intempestiva.

Em face do exposto, constata-se que a reclamação em presença foi deduzida extemporaneamente, ocorrendo, pois, a caducidade do direito de ação, que constitui uma exceção perentória, que é de conhecimento oficioso, a coberto dos artigos 576.º, n.ºs 1 e 3, e 579.º do CPC, aplicáveis por força do artigo 2.º, alínea e), do CPPT.

Concludentemente, impera rejeitar liminarmente a reclamação apresentada.».
Termos em que somos de parecer que o presente recurso, embora admissível, deve ser julgado improcedente.»

*
Com dispensa dos vistos legais, dada a natureza urgente do processo [cfr. artigos 36.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 657.º, n.º 4, do Código de Processo Civil], cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso.
*
II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR.
As questões que cumprem apreciar e decidir, caso não se mostrem, entretanto, prejudicadas, são: (i) existe erro de julgamento na fixação do valor da causa? (ii) o recurso é admissível? e (iii) o tribunal a quo errou ao ter rejeitado liminarmente, por intempestividade?
*
III – FUNDAMENTAÇÃO:
III.1 – DE FACTO
Na sentença recorrida foi fixada a seguinte materialidade:
«1) Foram instaurados contra a “[SCom01...], Unipessoal, Lda.” os processos de execução n.ºs ..............173, ...........181, .............145 e ...............161, a correr termos na Secção de Processo Executivo do Porto I do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., revertidos contra o Reclamante, por dívidas de contribuições e cotizações de entidade empregadora – cf. fls. 1 e ss. do processo de execução.
2) Em 04.10.2021, o Reclamante apresentou pedidos de consulta dos processos de execução n.ºs ..............173, ...........181 e ...............218 à Secção de Processo Executivo do Porto I do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., solicitando que entrassem em contacto consigo através do endereço de correio eletrónico que indicou – cf. fls. 41 e 56 do processo de execução.
3) Em 08.02.2022, por correio registado, o Reclamante apresentou requerimento à Secção de Processo Executivo do Porto I do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., pedindo o reconhecimento da prescrição das dívidas dos processos de execução n.ºs ..............173, ...........181, .............145 e ...............161 – cf. fls. 43-53 do processo de execução.
4) Em 07.07.2022, o Coordenador da Secção de Processo Executivo do Porto I do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. proferiu o seguinte despacho sobre o requerimento aludido no ponto 3), com os fundamentos de informação anterior:
“(…)
Concordo com o proposto.
Declaro prescritas para o responsável subsidiário «AA» NIF ...22..., as contribuições e cotizações de 2007/10 a 2008/02, devidas nos PEF’S ..............173 e ...........181 e determino o prosseguimento dos autos de execução fiscal nº .............145 e ...............161, porquanto as dívidas aí referidas não se encontram prescritas para o responsável subsidiário.
(…)” – cf. fls. 53-55 e 57-59 do processo de execução.
5) Em 06.09.2022, a Secção de Processo Executivo do Porto I do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. enviou um e-mail ao Reclamante de notificação do despacho aludido no ponto 4) – cf. fls. 57-59 do processo de execução.
6) Em 04.11.2022, pelo menos, o Reclamante acedeu à caixa de correio eletrónico para onde foi enviada a notificação aludida no ponto 5), tendo tomado conhecimento do despacho aludido no ponto 4) – cf. informação da entidade exequente, a fls. 6-7 do SITAF, e confissão do Reclamante no artigo 3.º da petição inicial no processo n.º 2329/22.8BEPRT consultado no SITAF por força de função jurisdicional.
7) Em 08.11.2022, foi apresentada reclamação judicial, pelo Mandatário do Reclamante, contra o despacho aludido no ponto 4), na Secção de Processo Executivo do Porto I do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. – cf. informação da entidade exequente, a fls. 6-7 do SITAF, e consulta do processo n.º 2329/22.8BEPRT no SITAF por força de função jurisdicional.
8) A reclamação judicial aludida no ponto 7) foi enviada a este Tribunal em 15.11.2022, tendo sido tramitada sob o n.º 2329/22.8BEPRT, no âmbito da qual, por decisão judicial de 07.12.2022, já transitada, foi confirmada a recusa da petição inicial efetuada pela secretaria, por não ter sido comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça devida – cf. informação da entidade exequente, a fls. 7-8 do SITAF, e consulta do processo n.º 2329/22.8BEPRT no SITAF por força de função jurisdicional.
9) Em 09.12.2022, foi enviada notificação eletrónica pela secretaria ao Mandatário do Reclamante relativamente à decisão judicial aludida no ponto 8) – consulta do processo n.º 2329/22.8BEPRT no SITAF por força de função jurisdicional.
10) A presente reclamação judicial foi apresentada, em 24.11.2022, pelo Mandatário do Reclamante, contra o despacho aludido no ponto 4), na Secção de Processo Executivo do Porto I do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. – cf. informação da entidade exequente, a fls. 6 do SITAF, e fls. 130 e ss. do SITAF.”
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Não há factos alegados que devam julgar-se como não provados e a considerar com interesse para a decisão da reclamação.
**
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos processos de execução fiscal constantes dos autos.»
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Reformulação da factualidade elencada nos ponto 2 e 8 e aditamento oficioso da matéria de facto [art. 662.º, n.º 1 do CPC]
2. A 04.10.2021, o reclamante deu entrada na Secção de Processo Executivo do Porto I do IGFSS de um requerimento com o seguinte teor:
«(…).
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…).» [cfr. págs. 92 da paginação eletrónica];

8. A reclamação judicial aludida no ponto 7) foi enviada a este Tribunal em 15.11.2022, tendo sido tramitada sob o n.º 2329/22.8BEPRT [cf. informação da entidade exequente, a fls. 7-8 do SITAF, e consulta do processo n.º 2329/22.8BEPRT no SITAF por força de função jurisdicional].
8.1 Por ofício datado de 15.11.2022, foi o Reclamante notificado, na pessoa do seu mandatário, pela secretaria do TAF do Porto, nos seguintes termos:
«Assunto: Notificação - Recusa da petição inicial
Nos termos previstos no artigo 80.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, verificando a ocorrência do fundamento de recusa previsto na alínea d) do n.º 1 do referido artigo, fica V.ª Ex.ª notificado/a da recusa da petição inicial pelo seguinte motivo:
· Não ter sido junto comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida, ou o documento comprovativo da concessão de apoio judiciário (artº 145º nº 2 CPC).

Cumpre-me ainda informar que o valor da taxa de justiça paga (€ 25,50), não corresponde à taxa devida pelo Processo de Reclamação de Atos do Órgão de Execução Fiscal, a qual tendo em conta o valor atribuído à causa, seria de € 204,00 – Tabela II – Execução até € 30.000,00.
Mais fica notificado, que da referida recusa cabe reclamação para o juiz titular, no prazo de cinco dias (artº 559º do CPC e artº 80º nº 4 do CPTA), e que nada sendo requerido naquele, a peça considera-se recusada efetuando-se a respetiva baixa na distribuição.» [cfr. págs. 160 da paginação eletrónica da Reclamação n.º 2329/22.8BEPRT];
8.2 A notificação foi entregue a 22.11.2022 [cfr. págs. 162 da paginação eletrónica da Reclamação n.º 2329/22.8BEPRT];
8.3 A 07.12.2022, foi proferido despacho judicial com o seguinte teor:
«A secretaria procedeu à recusa da petição por não ter sido junto comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida, uma vez que foi apenas comprovado o pagamento do valor de EUR 25,50, inferior aos EUR 204,00 resultantes do artigo 7º nº 4 e Tabela II-A anexa ao RCP, que prevê expressamente a taxa de justiça na execução, equivalendo a comprovação de pagamento de taxa de justiça de valor inferior ao devido, nos termos do Regulamento das Custas Processuais, à falta de comprovação (artigo 145º nº 2 do CPC), sob as legais cominações (fls. 31 a 32 e 160 dos autos).
Notificado por carta remetida para o domicílio profissional do mandatário constante na procuração anexa e no site da OA, datada de 15/11/2022 e enviada em 21/11/2022, a mesma foi entregue em 22/11/2022, não sido apresentada até ao presente qualquer reclamação (fls. 160 a 163 dos autos).
Considerando-se, consequentemente, a peça recusada, conforme o disposto nos artigos 559º do CPC e 80º nº 4 do CPTA.
Dê-se a respetiva baixa na distribuição.
Notifique e comunique ao IGFSS.
Sem custas.» [cfr. págs. 164 da paginação eletrónica da Reclamação n.º 2329/22.8BEPRT];
8.4 A 09.12.2022, a secretaria do TAF do Porto procedeu à notificação do despacho referido no ponto anterior [cfr. págs. 165 da paginação eletrónica da Reclamação n.º 2329/22.8BEPRT].
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IV – DE DIREITO:
Conforme supra enunciado, a primeira questão que incumbe a este tribunal decidir é a de saber se o tribunal recorrido procedeu a um incorreto julgamento quanto à fixação da causa e se o recurso é admissível.
Do recurso da fixação do valor da causa e aferição da admissibilidade do recurso
As questões, desde já, a responder são as relativas ao erro de julgamento na fixação do valor da causa e sobre a admissibilidade de recurso.
Na verdade, como exteriorizam as conclusões 1.ª a 12.ª, o recorrente insurge-se contra o valor da ação fixado na sentença, de € 4.615,84, o qual no seu entendimento, a manter-se, determinaria a não admissibilidade do recurso, daí pretender que seja fixado à causa o valor de € 6.843,26.
Vejamos, pois, se lhe assiste razão no recuso, nesta parte, com base neste fundamento.
Na sentença recorrida, quanto ao valor da causa, foi ajuizado o seguinte: «Nos termos do que dispõe o artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea e), do CPPT, assim como do preceituado pela alínea e) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, fixo o valor da causa em 4.615,84 € (quatro mil, seiscentos e quinze euros e oitenta e quatro cêntimos), correspondente à quantia exequenda.»
«Com efeito, não se justifica qualquer dúvida a respeito da natureza pública dos principais fins visados com a fixação do valor da causa, sejam eles a determinação da competência do tribunal de julgamento ou a possibilidade de abertura de instância de recurso. É verdade que estas finalidades se acabam por repercutir em utilidades particulares, seja do autor ou do réu, porém, a sua matriz não deixa de ser pública: assegurar a organização, competência e actividade do poder judiciário, e assegurar o direito de recurso que emana da Lei Fundamental.» [Acórdão do TCAN, de 22.06.2023, proc. n.º 2391/21.0BEBRG, também citado no parecer, relatado pela segunda adjunta desta formação, disponível para consulta em www.dgsi.pt].
Sobre os recursos das decisões proferidas em processos judiciais, prescreve o art. 280.º, do CPPT o seguinte:
«1 - Das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, a interpor pelo impugnante, recorrente, executado, oponente ou embargante, pelo Ministério Público, pelo representante da Fazenda Pública e por qualquer outro interveniente que no processo fique vencido, para o Tribunal Central Administrativo, salvo nas situações previstas no n.º 3.
2 - O recurso das decisões que, em primeiro grau de jurisdição, tenham conhecido do mérito da causa é admitido nos processos de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre, quando a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se somente, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, ao valor da causa.
[…].
6 - Para além dos casos previstos na lei processual civil e administrativa, é sempre admissível recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência, de decisões que perfilhem solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou de outro tribunal tributário[destacado nosso].
Por sua vez, estabelece o art. 629.º, do CPC:
«(…).
2 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso:
a) Com fundamento na violação das regras de competência internacional, das regras de competência em razão da matéria ou da hierarquia, ou na ofensa de caso julgado;
b) Das decisões respeitantes ao valor da causa ou dos incidentes, com o fundamento de que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre.» [destacado da nossa autoria].
[…].
3 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso para a Relação [leia-se TCA]:
[…].
c)
das decisões de indeferimento liminar da petição (…).» [destacados da nossa autoria].
Como decorre do disposto no n.º 6 do art.º 6.º do ETAF, a admissibilidade dos recursos por efeito das alçadas é regulada pela lei em vigor ao tempo em que seja instaurada a ação.
A alçada é o valor dentro do qual – em princípio - um tribunal decide sem admissibilidade de recurso (cfr. neste sentido, designadamente, REIS, José Alberto dos – Código de processo civil anotado. Volume V. Reimpressão. Coimbra: Coimbra Editora, 1981, p. 220; Varela, João de Matos Antunes; Bezerra, J. Miguel; Nora, Sampaio e – Manual de processo civil. 2ª edição. Coimbra: Coimbra Editora, 1985, p. 58; PINTO, Rui – Manual do Recurso Civil. Volume I. Lisboa, AAFDL editora, 2020, p. 261), tratando-se de um dos elementos determinantes da verificação do pressuposto processual da recorribilidade.
Por outro lado, há aqui que recordar, no que se refere à sucessão de regimes no tempo, que a alçada dos Tribunais tributários de 1.ª instância correspondeu a € 935,25 até 31 de dezembro de 2007, por força do disposto no então n.º 2 do art. 6.º do ETAF (na redação original do preceito, na qual se dispunha que “[a] alçada dos tribunais tributários corresponde a um quarto da que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância”) conjugado com o disposto no art. 24.º, n.º 1 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de dezembro (que fixava a alçada dos tribunais judiciais de 1.ª instância em € 3.740,98); passando a € 1.250,00 a partir de 1 de janeiro de 2008, por força da alteração introduzida no n.º 1 do art. 24.º da LOFTJ pelo Decreto-Lei n.º 303/2007 (que veio alterar a alçada dos tribunais judiciais de 1.ª instância em € 5000,00), mantendo-se o disposto no n.º 2 do art. 6.º do ETAF inalterado; e fixando-se em € 5.000,00 a partir de 1 de janeiro de 2015, por força do disposto no art. 105.º LGT (na redação dada pelo art. 220.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro – LOE 2015, entrada em vigor em 1 de janeiro de 2015, na qual se passou a dispor que “[a] alçada dos tribunais tributários corresponde àquela que se encontra estabelecida no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais”), conjugado com o disposto nos arts 24.º, n.º 1 da LOFTJ e art. 44.º, n.º 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto.
Outrossim, nos termos do disposto no art. 97.º-A do CPPT, sob a epígrafe – valor da causa – estabelece, entre o mais, o seguinte: alínea e) “No contencioso associado à execução fiscal [como é o caso da presente ação – da nossa autoria], o valor correspondente ao montante da dívida exequenda ou da parte restante, quando haja anulação parcial, exceto nos casos de compensação, penhora ou venda de bens ou direitos, em que corresponde ao valor dos mesmos, se inferior.” – sublinhado nosso.
No caso sub judice, estamos perante uma reclamação de atos do órgão de execução fiscal que não tem autonomia, em matéria de admissibilidade de recurso, face às regras legais aplicáveis ao processo de execução fiscal.
Aliás, como é jurisprudência dos Tribunais Superiores, a admissibilidade de recurso das decisões sobre incidentes, oposição, pressupostos da responsabilidade subsidiária, verificação e graduação definitiva de créditos, anulação da venda e recursos dos demais atos praticados pelo órgão da execução fiscal – nomeadamente a reclamação, como no caso dos autos, seguirá as regras aplicáveis ao processo de execução onde foi praticado o acto reclamado[por todos, vide acórdãos do STA, de 18.01.2017, proc, n.º 1295/16 e de 28.02.2018, proc. n.º 079/18 e deste TCA Norte, de 27.07.2018, proc. n.º 1278/17.6BEAVR e de 22.06.2023, proc. n.º 2391/21.0BEBRG, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt].
Aqui chegados, importa agora fazer a devida subsunção jurídica.
O objeto do presente recurso é, pois, a decisão do tribunal a quo que concluiu pelo indeferimento liminar da reclamação, por intempestividade.
Ora, esta evidência faz-nos conduzir para a regra especial dos recursos estabelecido na primeira parte do n.º 6 do art. 280.º do CPPT, supra transcrito, em conjugação com o disposto na alínea c) do n.º 3 do art. 629.º do CPC, já igualmente transcrito, do qual resulta que, independentemente do valor da causa, é sempre admissível recurso para o TCA das decisões de indeferimento liminar da petição.
Donde, atendendo à aplicação subsidiária do CPC em matéria de recursos, legitimada pelo legislador tributário, não podemos deixar de concluir que, no presente caso, tendo havido indeferimento [rejeição] liminar da Reclamação, a sentença é recorrível, independentemente do valor atribuído à causa, nos termos conjugados nos arts. 280.º, n.º 6 do CPPT e 629, n.º 3, alínea c) do CPC.
Em suma, não residem dúvidas de que o direito de recurso está assegurado. Por outro lado, a alteração do valor da causa [de € 4.615,84 para € 6.843,26] não se traduziria no pagamento acrescido de taxa de justiça pelo impulso processual inicial, uma vez que se aplica a Tabela II do Regulamento das Custas Processuais [a presente reclamação não tem autonomia, aplicando-se as regras da execução até € 30.000,00 – cfr. artigo 7.º].
Daí ser destituído de sentido o recurso interposto ao abrigo do disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea b) do CPC, na medida em que a sentença é recorrível, pelo que se julga prejudicado o conhecimento do presente recurso com este fundamento.
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Do erro de julgamento quanto à rejeição liminar, por intempestividade.
Vejamos, agora, se o tribunal recorrido incorreu em erróneo julgamento no que se refere à rejeição liminar, por intempestividade, tal como propugna o Recorrente, sendo certo que, no que se refere à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, o tribunal não está sujeito às alegações das partes [art. 5.º, n.º 3 do CPC].
A jurisprudência do STA já, por várias vezes, expressou o entendimento de que o indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo em todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo.
Assim, o despacho de indeferimento liminar só é admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e razoavelmente indiscutível que torne dispensável assegurar o contraditório (art. 3.º, n.º 3, do CPC) e inútil qualquer instrução e discussão posterior, isto é, «quando o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, seja desperdício manifesto de actividade judicial» - cfr. neste sentido, vide, por todos, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 26.09.2012, proc. n.º 377/12, de 16.05.2012, proc. n.º 212/12, disponíveis para consulta em www. dgsi.pt.
Vejamos, então, se no caso concreto errou o tribunal a quo ao ter rejeitado liminarmente a oposição, considerando as conclusões de recurso.
A caducidade do direito de ação é de conhecimento oficioso, e constitui um pressuposto processual negativo, ou seja, uma exceção perentória que consiste na ocorrência de factos que impedem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor, assim sobrevindo o não conhecimento de meritis com a consequente absolvição do pedido [arts. 579.º e 576.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis por força do artigo 2.º, alínea e), do CPPT.].
Para sustentar a intempestividade e consequente rejeição liminar o tribunal a quo exteriorizou a seguinte fundamentação:
«Nos termos do artigo 276.º do CPPT, “As decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal e outras autoridades da administração tributária que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro são susceptíveis de reclamação para o tribunal tributário de 1.ª instância”.
Por sua vez, estatui o artigo 277.º, n.º 1, do CPPT que “1 - A reclamação será apresentada no prazo de 10 dias após a notificação da decisão e indicará expressamente os fundamentos e conclusões. (…)”.
O prazo de 10 dias fixado no n.º 1 do artigo 277.º do CPPT para apresentar reclamação da decisão do órgão de execução fiscal após a notificação da decisão é um prazo judicial, estando, por isso, sujeito às regras dos artigos 138.º e 139.º do Código de Processo Civil (CPC), de acordo com o artigo 20.º, n.º 2, do CPPT (nessa linha, atente-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12.07.2017, P. 0795/17).
Ademais, para efeitos do n.º 1 do artigo 277.º do CPPT, como notificação valerá qualquer ato oficial que leve ao conhecimento do interessado a prática do ato (neste sentido, cf. SOUSA, JORGE LOPES DE. Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado. Volume IV. 6.ª Edição. Lisboa: Áreas Editora, 2011, p. 292).
Resulta da factualidade assente que o Reclamante apresentou duas reclamações judicias, à luz dos artigos 276.º e ss. do CPPT, para impugnar o despacho de 07.07.2022, na parte em que indeferiu o pedido de reconhecimento da prescrição das dívidas dos processos de execução n.ºs .............145 e ...............161.
A primeira das reclamações foi apresentada em 08.11.2022 e a segunda, aqui em causa, em 24.11.2022, ambas na sequência da notificação do despacho reclamado ao Reclamante, enviada, via e-mail, em 06.09.2022, nos termos do artigo 112.º, n.º 1, alínea c), do Código do Procedimento Administrativo, tal como decorre do probatório.
É sabido que o Reclamante invoca, na petição inicial, a nulidade da notificação do despacho reclamado por e-mail; no entanto, escoa dos factos provados que o Reclamante pediu à entidade exequente, em 04.10.2021, a consulta dos processos executivos e para ser contactado através do endereço de correio eletrónico que indicou, pelo que se pode entender que deu consentimento para ser notificado por esse meio.
Ora, tem-se como notificação qualquer ato oficial que leve ao conhecimento do interessado a prática do ato, o que se verifica com a notificação do despacho reclamado enviada ao Reclamante por correio eletrónico, para além de que é o próprio que assume ter tomado conhecimento de tal despacho, pelo menos, em 04.11.2022, aquando da consulta à sua caixa de correio eletrónico para onde foi enviada a referida notificação.
E, em todo o caso, apesar de o Reclamante sustentar, na petição inicial, que a notificação do despacho reclamado devia ter sido feita pessoalmente ou por carta, nos termos do artigo 35.º, n.º 3, do CPPT, o que, a não ter acontecido, torna a notificação por e-mail nula, a verdade é que, tendo a notificação do despacho reclamado sido efetuada e chegado ao efetivo conhecimento daquele, foi atingido o objetivo visado.
Donde, a eventual não observância da forma de notificação exigida por lei constituiria apenas irregularidade que não afetaria o valor da notificação, uma vez comprovada a sua realização, pois tais formalidades são meios de garantir objetivos e não finalidades em si (nesta ótica, cf. SOUSA, JORGE LOPES DE. Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado. Volume I. 6.ª Edição. Cit., p. 375).
Acresce que, na senda dos factos assentes, quando a segunda reclamação judicial foi apresentada, ainda se encontrava em apreciação neste Tribunal a primeira reclamação judicial, a qual só veio a ser resolvida por decisão judicial de 07.12.2022, que confirmou a recusa da petição inicial por não ter sido paga a taxa de justiça devida, cuja notificação eletrónica foi enviada ao Mandatário do Reclamante em 09.12.2022.
Porém, o Reclamante admite ter conhecimento do despacho que pretende atacar, pelo menos, desde 04.11.2022, conforme emerge da matéria de facto dada como provada, pelo que, de todo o modo, se constata que a segunda reclamação judicial, ora em discussão, apresentada em 24.11.2022, é manifestamente intempestiva.
Assim, verificada a caducidade do direito de ação, fica vedado ao Tribunal o conhecimento de qualquer questão atinente ao mérito da causa, ainda que de conhecimento oficioso, como é o caso da prescrição (sobre isto, veja-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 22.10.2020, P. 1452/13.4BESNT).
Nas palavras do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 30.06.2022, P. 2317/11.0BELRS: “(…) II - A caducidade do direito de ação é de conhecimento oficioso, e constitui um pressuposto processual negativo, ou seja, uma exceção perentória que, nos termos do n.º 3 do artigo 576.º, do CPC, consiste na ocorrência de factos que impedem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor, assim sobrevindo o não conhecimento “de meritis” com a consequente absolvição oficiosa do pedido. (…)”.
Em face do exposto, constata-se que a reclamação em presença foi deduzida extemporaneamente, ocorrendo, pois, a caducidade do direito de ação, que constitui uma exceção perentória, que é de conhecimento oficioso, a coberto dos artigos 576.º, n.ºs 1 e 3, e 579.º do CPC, aplicáveis por força do artigo 2.º, alínea e), do CPPT.
De resto, tendo sido a primeira reclamação apresentada por mandatário, também não estariam reunidos os requisitos para a aplicação do artigo 560.º do CPC, de sorte que não poderia ser sanada a deficiência inicial mediante a apresentação de nova petição ou de taxa de justiça paga posteriormente à confirmação da recusa da petição.
Concludentemente, impera rejeitar liminarmente a reclamação apresentada.»
Evidenciado o teor da fundamentação da sentença em crise, desde já, nos permitimos avançar que não a podemos acompanhar, como se passará a expor.
Conforme retrata a fundamentação da matéria de facto, a presente Reclamação foi apresentada depois de o Recorrente ter sido notificado da recusa pela secretaria do TAF do Porto da petição inicial da Reclamação n.º 2329/22.8BEPRT, por não ter sido comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça devida, a qual tinha como objeto o mesmo ato do órgão de execução fiscal e com os mesmos fundamentos da presente ação. Ou seja, aquela petição foi recusada com base no disposto no art. 80.º, n.º 1, alínea d) do CPTA. O ato de recusa com este fundamento, mal ou bem, consolidou-se na ordem jurídica, por não ter sido objeto de reclamação, nos termos dos arts. 559.º, n.º 1 do CPC e 80.º, n.º 4 do CPTA. [tendo sido, posteriormente, sancionado pelo meritíssimo juiz titular do processo].
Ora, o art. 476.º [atual 560.º ] do CPC, na versão vigente à data da instauração das execuções [2010], por ser esta a data relevante para o efeito, uma vez que a Reclamação não tem autonomia face à(s) execução(ões) fiscal(ais), concedia ao autor o benefício de poder apresentar outra petição ou juntar o documento comprovativo do pagamento da taxa justiça, dentro dos 10 dias subsequentes à recusa de recebimento, considerando-se a ação proposta na data em que a primeira foi apresentada em juízo. Mais se deixa claro que, as alterações ocorridas àquele preceito posteriores à entrada em vigor da(s) execução(ões) fiscal(ais), designadamente as introduzidas pelo DL. n.º 97/2019, de 26.07, [o teor daquela norma, foi mantido no art. 560.º do NCPC, até à entrada em vigor do DL. n.º 97/2019, de 26.07], não são aplicáveis, no presente caso, por força do disposto no art. 12.º, n.º 1 do Código Civil, dispondo apenas para o futuro.
O que demonstram os autos é que o ora Recorrente foi notificado da recusa da petição inicial que instruiu a Reclamação n.º 2329/22.8BEPRT a 22.11.2022 e que a presente ação foi apresentada a 24.11.2022, ou seja, dentro do prazo de 10 dias, concedido pelo art. 476.º do CPC, sendo nesta estrita medida tempestiva. Porém, a questão da tempestividade não se esgota nesta análise mais contida, porquanto, conforme se deixou dito, nos termos da parte final do mencionado preceito legal, a presente Reclamação tem que se considerar apresentada na data em que a primeira foi apresentada em juízo, no caso, a 08.11.2022 (data em que a Reclamação deu entrada no IGFSS do Porto). Assim, é por referência a esta data que teremos que prosseguir o conhecimento da caducidade do direito de ação.
Conforme dispõe o art. 103.º da LGT, o processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos atos que não tenham natureza jurisdicional.
Doutrinam Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in «Lei Geral Tributária, anotada e comentada, 4.ª edição 2012», encontro de escrita, pág. 890,que «[o] n.º 1 do preceito, revela uma opção pela natureza do processo de execução fiscal como processo judicial, como processo que decorre debaixo de um apertado controlo de legalidade do tribunal e em que a intervenção da administração tributária está conformada como simples participação na realização do seu escopo judicial.»
Isso mesmo é o que resulta, inequivocamente, do disposto no artigo 276.º do CPPT e da natureza judicial da execução fiscal, sendo que, apesar de a lei permitir que a Administração Tributária pratique atos de natureza não jurisdicional no âmbito do processo, os mesmos estão sempre sujeitos a controlo judicial, estando garantido aos interessados o direito de suscitar a sindicância da legalidade desses atos por um juiz (cfr. artigo 103º, nºs 1 e 2 da LGT).
Assim sendo, as regras respeitantes às notificações dos atos praticados no âmbito do processo de execução fiscal têm que ser encontradas no CPC, afastando as normas do CPPT ou do CPA, aplicáveis aos procedimentos tributário e administrativo, respetivamente.
Sobre a não aplicação das regras das notificações, previstas no CPPT, às realizadas no processo de execução fiscal, mesmo as relativas à sua fase que corre termos perante o órgão de execução fiscal, por este ter natureza judicial na sua totalidade, vide Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, in «CPPT, anotado e comentado, I volume, 6.ª edição 2011», Áreas Editora, pág. 342, anotação 5 ao art. 36.º.
O regime das notificações em processos pendentes encontra-se estabelecido na subsecção IV do CPC., estabelecendo-se, no que ao caso importa, no art. 249.º, o seguinte:
«Notificações às partes que não constituam mandatário
1. Se a parte não tiver constituído mandatário, as notificações são efetuadas nos termos previstos no n.º 5 do artigo 219.º, quando aplicável, ou por carta registada, dirigida para a sua residência ou sede ou para o domicílio escolhido para o efeito de as receber, presumindo-se, nestes casos, feita no terceiro dia posterior ao do registo da carta ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
2. A notificação efetuada por carta registada não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para a residência ou a sede da parte ou para o domicílio escolhido para o efeito de a receber; nesse caso, ou no de a carta não ter sido entregue por ausência do destinatário, juntar-se-á ao processo o sobrescrito, presumindo-se a notificação feita no dia a que se refere a parte final do número anterior.
[…].»
A primeira conclusão a retirar é que, no caso, não sendo o destinatário da notificação uma pessoa coletiva está desde logo afastada a possibilidade da notificação eletrónica, prevista no art. 219.º, n.º 5, devendo ser realizada através de carta registada, uma vez que, aquando do pedido de prescrição da quantia exequenda e da notificação do despacho reclamado, o Reclamante não havia constituído mandatário.
A segunda conclusão que podemos assentar é que o órgão de execução fiscal ao ter notificado a decisão reclamada por email não usou a forma prescrita na lei.
Ora, a exigência do cumprimento das formalidades legais das notificações tem em vista que, perante a sua realização, se possam retirar as devidas consequências legais, nomeadamente a fixação da data da efetiva notificação como marca do início, no caso, para a contagem do prazo para apresentar a Reclamação, o que não é possível quando a forma utilizada não é a legalmente prescrita, como foi o caso, por não existirem as garantias que o legislador elegeu.
Assim a consequência a retirar é que a notificação, realizada de uma forma indevida, não se pode ter como eficaz, ou seja, com potencialidade para produzir efeitos, no que ao caso importa, na contagem do início do prazo de 10 dias, previsto no art. 277.º, n.º 1 do CPPT, e da preclusão do direito de apresentar a Reclamação.
Ademais, o pedido de consulta dos processos de execução fiscal a que se faz alusão na sentença para justificar o envio da notificação do ato reclamado por email, foi subscrito a 04.10.2021, pelo Reclamante, não em nome próprio, na qualidade de responsável subsidiário, mas em representação da executada e devedora originária e a indicação do email apenas se destina à satisfação daquela finalidade. Já o pedido de declaração de prescrição (que esteve na génese do despacho impugnado), foi apresentado pelo Reclamante, na qualidade de executado, por correio registado a 08.02.2022, nada sendo dito quanto ao meio, preferencial, para a notificação. Mas sempre se dirá que, mesmo que tivesse sido manifestada preferência pela notificação por email, a verdade é que uma notificação levada a cabo por esse meio nunca poderia substituir a realização da notificação nos termos legalmente impostos. Daí ser perfeitamente inócuo para validar a notificação, como fez o tribunal recorrido, o facto de o Reclamante ter mencionado que tomou conhecimento da decisão reclamada por mero acaso, «pelo menos, em 04.11.2022, aquando da consulta à sua caixa de correio eletrónico para onde foi enviada a referida notificação».
Na sequência de todo o exposto, no caso, o ato de notificação do despacho reclamado não se pode ter como eficaz. E, assim sendo, o Reclamante à data em que apresentou a Reclamação estava ainda em tempo.
Daí que, ao ter rejeitado liminarmente a petição inicial, por intempestividade, em vez de ter prosseguido os ulteriores termos da ação, se nada mais obviasse, o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento.
Destarte, na procedência do recurso, a sentença não se pode manter na ordem jurídica, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no presente recurso.
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Pelo exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos de Contraordenação, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença na parte em que declarou a caducidade do direito de ação, devendo o tribunal a quo proferir despacho que não seja de rejeição liminar, por intempestividade, prosseguindo os ulteriores termos do processo, se a tal nada mais obstar.
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Assim, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC, formula-se o seguinte SUMÁRIO:
I – Nos termos do disposto no art. 97.º-A do CPPT, sob a epígrafe – valor da causa – estabelece, entre o mais, o seguinte: alínea e) “No contencioso associado à execução fiscal [como é o caso da RAOEF], o valor correspondente ao montante da dívida exequenda ou da parte restante, quando haja anulação parcial, exceto nos casos de compensação, penhora ou venda de bens ou direitos, em que corresponde ao valor dos mesmos, se inferior”.
II - Atendendo à aplicação subsidiária do CPC em matéria de recursos, legitimada pelo legislador tributário, tendo havido indeferimento [rejeição] liminar da Reclamação, a sentença é recorrível, independentemente do valor atribuído à causa, nos termos conjugados nos arts. 280.º, n.º 6 do CPPT e 629, n.º 3, alínea c) do CPC.
III - Por força do disposto no art. 103.º da LGT, o processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos atos que não tenham natureza jurisdicional.
IV - Assim sendo, as regras respeitantes às notificações dos atos praticados no âmbito do processo de execução fiscal têm que ser encontradas no CPC, afastando as normas do CPPT ou do CPA, aplicáveis aos procedimentos tributário e administrativo, respetivamente.
V - O regime das notificações em processos pendentes encontra-se estabelecido na subsecção IV do CPC., estabelecendo-se, no que ao caso importa, no n.º 1 do art. 249.º, que «se a parte não tiver constituído mandatário, as notificações são efetuadas nos termos previstos no n.º 5 do artigo 219.º, quando aplicável, ou por carta registada, dirigida para a sua residência ou sede ou para o domicílio escolhido para o efeito de as receber, presumindo-se, nestes casos, feita no terceiro dia posterior ao do registo da carta ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.»
VI - O ato de notificação do despacho reclamado realizado sem as formalidades legais não se pode ter como eficaz, ou seja, com potencialidade para produzir efeitos, no que ao caso importa, na contagem do início do prazo de 10 dias, previsto no art. 277.º, n.º 1 do CPPT, e da preclusão do direito de apresentar a Reclamação.
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V – DECISÃO:
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos de Contraordenação, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença na parte em que declarou a caducidade do direito de ação, devendo o tribunal a quo proferir despacho que não seja de rejeição liminar, por intempestividade, prosseguindo os ulteriores termos do processo, se a tal nada mais obstar.



Custas pelo Recorrido, as quais não incluem taxa de justiça, nesta instância, por não ter contra alegado.
Porto, 03 de outubro de 2024


Vítor Salazar Unas
Maria do Rosário Pais
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