Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 02645/07.9BEPRT |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 11/14/2024 |
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Tribunal: | TAF do Porto |
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Relator: | ROSÁRIO PAIS |
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Descritores: | ENTREGA DE COISA CERTA; VENDA EM EXECUÇÃO FISCAL; AÇÃO PARA RECONHECIMENTO DE PROPRIEDADE E ENTREGA DE BEM; IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE; ESGOTAMENTO DO PODER JURISDICIONAL; TRÂNSITO EM JULGADO; INTERESSE EM AGIR; DOCUMENTOS JUNTOS COM AS ALEGAÇÕES; |
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Sumário: | I – A legitimidade e o interesse em agir, sendo ambos pressupostos processuais, embora o último não previsto na lei, mas reconhecido na doutrina e jurisprudência, não se confundem: ser parte legítima significa que se é titular da relação jurídica, tal como o autor a delineou; já no interesse em agir está em causa a necessidade de recurso aos tribunais para tutela de um direito. II – Não é de desentranhar documento apresentado com as contra-alegações se, já antes, havia sido junto aos autos, não se tratando se um documento novo. III – Considerara-se transitada em julgado a decisão totalmente desfavorável à Recorrente, logo que decorrido o prazo do recurso ordinário ou de reclamação, que só ela podia deduzir. IV - Mostrando-se a instância extinta por efeito do julgamento (cfr. artigo 277º, alínea a) do Código de Processo Civil), não podia já extinguir-se por outro motivo, designadamente por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (cfr. alínea e) do mesmo artigo), dada a impossibilidade lógica, e legal, de extinguir o que já se encontra extinto.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os Juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. «AA», devidamente identificada nos autos, vem recorrer do despacho proferido em 30.05.2013 no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pelo qual foi decidido nada haver a determinar quanto à sua alegação de que se verifica impossibilidade de prossecução da presente lide, designadamente do cumprimento do ordenando em 9.02.2009, de entrega do imóvel vendido na execução fiscal ao respetivo adjudicatário. 1.2. A Recorrente terminou as suas alegações formulando as seguintes conclusões: «1.º Vem o presente recurso interposto, por se entender que se impõe a modificação da decisão “a quo” na parte em que decidiu “Nada a ordenar atento o decidido no Acórdão do TCA-Norte, de 03/11/2011 (fls. 141ss) – art. 666.º C.P.C., ex vi art. 2.º, n.º 2, do C.P.P.T.” 2.º Nestes termos, entende a aqui Recorrente que foram violadas as normas do artigo 615.º, n.º 1, al. d) do C.P.C. (nulidade por omissão de pronúncia); 30.º, n.º 1 do C.P.C. (falta de legitimidade e interesse em agir); 277.º, al. e) do C.P.C. (impossibilidade e inutilidade superveniente da lide); 3.º Por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Janeiro de 2012, transitado em julgado em 20 de Fevereiro de 2012, a acção n.º 121/09.4TBVNG, cujas partes intervenientes são as mesmas dos presentes, foi julgada improcedente, tendo sido julgado que o imóvel sub judice não pertence aos ali A.A. (aqui Recorridos) e improcedeu o pedido de restituição. 4.º A prolação do Acórdão por parte do S.T.J. influi decisivamente na causa, uma vez que por força do mesmo, os aqui Recorridos, deixaram de ter legitimidade para prosseguir os presentes Autos de entrega de coisa, pois não são reconhecidos como legítimos proprietários do imóvel sub judice, assim como deixaram de deter interesse em agir, nos termos dos artigos 30.º do C.P.C., configurando-se inutilidade e impossibilidade superveniente da lide, artigo 277.º al e) do C.P.C., designadamente por impossibilidade de objecto, nos termos previstos no artigo 280.º do C.C. 5.º Assim e porque no requerimento de 30.05.2012, de matéria superveniente (ao recurso apresentado junto do Tribunal Central Administrativo – Norte em 07.06.2010 e respetivo Acórdão), se tratava, deveria ter merecido pronúncia do Exmo. Sr. Dr. Juiz “a quo”, sob pena de nulidade por omissão de pronúncia que aqui expressamente se invoca, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) do C.P.C. - Cf. Acórdão do TCA- Norte de 09/25/2014, P. 00958/13. 6.º S.d.r. e sem prejuízo do teor do Acórdão do TCA Norte, o incidente para entrega de imóvel ainda se encontrava pendente, quando a aqui Recorrente apresentou o requerimento de 30 de Maio de 2012, logo sujeito às vicissitudes processuais que pudessem advir e passíveis de o extinguir. 7.º Acresce que e s.d.r. entende a aqui Recorrente dever beneficiar ainda do instituto do caso julgado, uma vez que o Acórdão do STJ, transitou em julgado 20 de Fevereiro de 2012, enquanto que o Acórdão do TCA-Norte apenas transitou em julgado em 03 de Dezembro de 2012, porquanto só foi notificado aos Recorridos, (por solicitação dos mesmos a requerimento de 08 de Outubro de 2012), em 23 de Novembro de 2012. – Cf. Acórdão do STJ de 29/04/1999, P. Revista n.º 174/99 - 2.ª Secção Relator: Cons. Noronha Nascimento, in http://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_mostra_doc.php?nid=2877&codarea=1 8.º Na verdade, os aqui Recorridos, no requerimento que apresentaram em 09 de Outubro de 2012, em manifesta litigância de má fé, invocaram o trânsito em julgado da sentença proferida, pelo TCA-Norte, quando bem sabiam que tal não tinha sucedido e ocultaram o trânsito em julgado do Acórdão do STJ (aliás ocultaram não só o Acórdão, como a pendência daqueles Autos, que os próprios intentaram). 9.º Mais se requer, que às presentes alegações seja atribuido efeito suspensivo, por se afigurar que o mero efeito devolutivo, torna inútil a presente pendência. NESTES TERMOS, Deve o presente Recurso ter provimento e, em consequência, ser revogado o despacho sub judice, declarando-se a referente nulidade por omissão de pronúncia, com o que se fará JUSTIÇA». 1.3. O Recorrido e Requerente nestes autos apresentou contra-alegações, sem formular conclusões, pedido, a final, que o recurso seja indeferido. Juntou, com as contra-alegações, certidão permanente do Registo Predial referente ao prédio inscrito na matriz sob o artigo ..98, da freguesia ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...1/19870629. 1.4. A EPGA junto deste TCAN teve vista dos autos e emitiu parecer com o seguinte teor: «Mediante recurso interposto em 14/04/2021 (cfr. SITAF, p.1014), impugnou a requerida/executada o despacho proferido nestes autos em 30/05/2013 (cfr. SITAF, p. 357), no qual, reportando-se a requerimento por ela apresentado em Maio de 2012, se consignou o seguinte: “Nada a ordenar, atento o decidido no Acórdão do TCA-Norte de 03/11/0211 (fls 141 ss) - art 666º CPC, ex vi artº 2º nº2 CPPT)”. Cabendo assinalar que o sobredito aresto (de 03/11/2011), então já transitado em julgado, negou provimento ao recurso interposto da sentença prolatada nestes autos em 09/02/2009, que, deferindo a pretensão dos requerentes, determinou a entrega aos mesmos do imóvel e causa (cfr. SITAF, pp 75 e 256). E que o falado requerimento de Maio de 2012 tinha o seguinte teor (cfr. SITAF, p. 305): “(…) 1º Nos presentes autos, a aqui requerente foi nomeada fiel depositária do prédio ml. id. a fls. 2º Sucede que por Acórdão proferido pelo STJ e já transitado em julgado, a propriedade do mesmo não foi reconhecida aos requerentes, tendo improcedido o pedido de restituição formulado contra a aqui Requerente. 3º Tendo-se fixado que do referido prédio será titular «CC».- Doc1 4º Nestes termos e atenta a identidade das partes verifica-se impossibilidade de prossecução da presente lide. 5º Designadamente do cumprimento do ordenado em 09 de Fevereiro de 2009 P.E.D.” Assacando a requerida/recorrente ao sindicado despacho, em termos meramente conclusivos, o vício da nulidade por omissão de pronúncia prevenido no artº 615º, nº1, alínea d) do CPCivil. Salvo o devido respeito, carece manifestamente de razão. O questionado despacho afigura-se-nos não só acertado, como suficientemente fundamentado, através da menção ao acórdão deste TCAN que manteve a validade da nele apreciada sentença e ao artigo do CPCivil à data vigente relativo ao esgotamento do poder jurisdicional (artº 666º).–como considerado, aliás, no despacho que admitiu o recurso(cfr. SITAF, p. 1205). Acompanhando-se, seja quanto à inexistência da congeminada impossibilidade superveniente da lide, seja quanto ao interesse da sua invocação pela recorrente, o vertido a respeito na contra-alegação produzida pelos recorridos (cfr. SITAF, p. 1069). Anote-se, por último, que sobre requerimento idêntico (no essencial) apresentado em data anterior (28/02/2012) pelo executado/requerido – marido da executada/requerida – incidira já despacho de teor similar ao ora impugnado, que nenhuma reacção mereceu (cfr. SITAF, pp 279/303). Neste entendimento, deverá ser negado provimento ao interposto recurso.». 1.5. Notificadas deste douto parecer, apenas a Recorrente respondeu, reiterando o vertido nas alegações de recurso. * Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657º, nº 4, do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta. * 2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente, cumpre apreciar e decidir se o despacho recorrido enferma de nulidade por omissão de pronúncia. Previamente, porém, importa apreciar a exceção de falta de interesse em agir da Recorrente invocada nas contra-alegações e, na improcedência desta questão, a admissibilidade do documento junto com estas. ** 3. FUNDAMENTAÇÃO 3.1. DE FACTO 3.1.1. Factualidade assente em 1ª instância A decisão recorrida não autonomizou qualquer matéria factual, mas, tendo em vista uma adequada apreensão e apreciação da controvérsia aqui em causa, vamos fixar os seguintes factos e ocorrências processuais: 1. Em 17.12.2007, «BB» e mulher, «DD», apresentaram requerimento de entrega do bem imóvel por eles adquirido na execução fiscal nº ...49, inscrito na matriz com o artigo ..98, da freguesia ..., concelho ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...1/19870629. – cfr. fls. 4 a 7 do suporte físico dos autos. 2. No dia 17.06.2008, foi proferida decisão a determinar a baixa dos autos ao OEF com vista à notificação dos executados para, no prazo a fixar, procederam à entrega do imóvel – cfr. fls. 25 e 25 vº do suporte físico dos autos. 3. Realizada tal notificação, sem que houvesse a entrega peticionada, os autos regressaram ao TAF do Porto que, por sentença de 09.02.2009, determinou a entrega do imóvel – cfr. fls. 39 a 43 do suporte físico dos autos. 4. Desta decisão interposto recurso pelo Executado «EE», em 17.04.2009, o qual foi julgado deserto em 24.10.2011 - cfr. fls. 52 e 140 do suporte físico dos autos. 5. Da decisão mencionada no ponto 3., recorreu também a Executada «AA», em 7.06.2010, tendo tal recurso sido julgado improcedente por acórdão deste TCAN de 3.11.2011 – cfr. fls. 68 e 141 a 147 do suporte físico dos autos. 6. O acórdão referido no pronto antecedente foi notificado à Representante da Fazenda Pública e à mandatária da Executada «AA», através de cartas datadas de 7.11.2011 – cfr. fls. 150 e 151 do suporte físico dos autos. 7. Em 28.02.2012, o Executado pediu a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, porquanto os Requerentes «BB» e mulher intentaram ação judicial pedindo, entre o mais, o seu reconhecimento como donos e legítimos proprietários do imóvel em causa nos autos, a qual foi julgada improcedente, por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no qual se considerou que «(…) tendo na devida conta que a compra do prédio realizada pelos autores através da escritura publica outorgada em 15/10/07 constitui uma aquisição a non dominus, isto é, porque objetivou a venda de um bem imóvel que já não pertencia ao executado, este acto configura uma alienação de bem alheio e, por isso, ineficaz em relação ao proprietário, havemos de concluir que os autores não comprovam que são os legítimos proprietários do imóvel que reivindicam e, por isso, terá que improceder o seu pedido (…).» – cfr. fls. 195 a 196 e documento de fls. 197 a 205, todos do suporte físico dos autos. 8. Foi, então, proferido despacho com o seguinte teor: «Atendendo a que se mostra esgotado o poder jurisdicional quanto à matéria em causa, nada há a ordenar (artº 666º do C.P.C.)» - cfr. fls. 208 do suporte físico dos autos. 9. O despacho referido no ponto antecedente apenas foi notificado ao mandatário do Executado – cfr. fls. 209 do suporte físico dos autos. 10. Por requerimento de 30.05.2012, a Executada «AA» veio, na qualidade de fiel depositária do imóvel, requerer a extinção da instância, por impossibilidade superveniente da lide, invocando o mencionado acórdão do STJ – cfr. fls. 215 do suporte físico dos autos. 11. Notificados daquele requerimento, os Requerentes vieram, em 8.10.2012, requerer que lhes fosse notificado o acórdão proferido pela TCAN, aludido no ponto 5 supra – cfr. fls. 231 e 232 do suporte físico dos autos. 12. Em 09.10.2012, os Requerentes pronunciaram-se sobre o requerimento referido em 10. supra, juntando a certidão permanente do prédio aqui em causa, melhor id. no ponto 1. que antecede – cfr. fls. 233 a 239 do suporte físico dos autos. 13. Por despacho de 13.11.2012 foi determinada a notificação aos Requerentes do acórdão proferido pelo TCAN, o que foi concretizado através de carta expedida em 22.11.2012 – cfr. fls. 243 e 245 do suporte físico dos autos. 14. Em 30.05.2013 foi proferido despacho sobre o requerimento aludido em 10, com o seguinte teor: «Fls. 215 ss: // Nada a ordenar, atento o decidido no acórdão do TCA Norte de 03/11/2011 (fls. 141 ss) – art. 666º Código de Processo Civil, ex vi artº 2º nº 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.» - cfr. fls. 246 do suporte físico dos autos. 15. A Executada «AA» foi notificada deste despacho, em conformidade com o Acórdão deste TCAN de 3.11.2020, que assim o determinou – cfr. fls.367 a 372 e 380. ** A convicção do Tribunal quanto à factualidade assente, resulta dos documentos constantes dos autos, identificados em cada uma das alíneas antecedentes, os quais refletem a tramitação deste processo. 3.2. DE DIREITO 3.2.1. Da falta de interesse em agir da Recorrente Nas suas contra-alegações, o Recorrido «BB» vem alegar a ilegitimidade da Recorrente para defender a ilegalidade da decisão aqui recorrida, porquanto sustenta o seu recurso no facto de o imóvel em causa pertencer, não aos Requerentes, mas a terceira pessoa. Efetivamente, segundo decorre das alegações de recurso, o pedido de extinção da instância e, por decorrência, do dever da Recorrente (Executada e fiel depositária) de entregar o bem imóvel aos Requerentes, decorreria da decisão do STJ que não reconheceu estes como legítimos proprietários e possuidores do imóvel que adquiriram na execução fiscal. Esta decisão teve por base o facto de, antes da penhora, os Executados terem vendido o imóvel a um terceiro. O artigo 30º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 2º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, sob a epígrafe “Conceito de legitimidade”, dispõe que: «1 - O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer. 2 - O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha. 3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.». O chamado “interesse em agir” constitui também um pressuposto processual, não previsto expressamente na lei, mas pacificamente aceite na doutrina e na jurisprudência. Nas palavras de Antunes Varela, “o interesse em agir consiste na necessidade de usar do processo, de instaurar a acção; não se exigindo uma necessidade absoluta, terá de haver uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a acção” (Manual de Processo Civil, pag. 170/171). No mesmo sentido ensina Manuel de Andrade que «o direito de agir, também chamado interesse processual, “consiste em o direito de o demandante estar carecido de tutela judicial. É o interesse em utilizar a arma judiciária – em recorrer ao processo”.». – cfr. Noções Elementares de Processo Civil, pag. 79. Na jurisprudência, reconheceram a utilidade do pressuposto interesse em agir, entre outros, os Acórdãos do STJ de 06/10/2016, P. 1946/09, de 19/12/2018, P. 742/16, de 09.122021, P. 225/20 e de 27/10/2022, P. 82/19.1T8STB.E1.S1., disponível em www.dgsi.pt, que aqui acompanhamos de perto. Segundo esclarece Miguel Teixeira de Sousa, in Reflexões sobre a legitimidade das partes em processo civil, CDP, nº1, 2003, p. 6 e ss: “O interesse na tutela (a que alude o nº1 do art. 26º (do anterior CPC, que corresponde ao actual art. 30º, nº1), não se confunde com o interesse processual ou interesse em agir. A parte possui um interesse na tutela sempre que tenha um direito que deva ser defendido ou acautelado, mas o interesse processual ou interesse em agir só existe quando a parte puder retirar alguma utilidade da tutela jurisdicional requerida.”. A mesma ideia é reiterada na anotação ao artigo 30º do Código de Processo Civil anotado, I, de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa: “A legitimidade processual não se confunde com o interesse em agir, reportando-se este a situações que careçam objectivamente de uma resolução judicial que ponha cobro a um conflito de interesses ou que tutele interesses juridicamente relevantes, sempre que os efeitos não possam ser alcançados com a mesma segurança por meios extrajudiciais.”. Verificando-se que, segundo a configuração dos autores, a relação controvertida é estabelecida entre eles e os Executados (entre os quais se conta a aqui Recorrente), resulta manifesta a legitimidade da Recorrente neste processo. E, no que respeita ao interesse em agir, afigura-se intuitivo que a Recorrente defende um interesse oposto ao dos Recorridos e retirará alguma utilidade (ao que tudo indica ilegítima) da tutela que pretende, uma vez que omite a entrega do imóvel desde 2007. Coisa diferente é a valia dos fundamentos que invoca para sustentar a sua pretensão de extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, os quais integram o fundamento deste pedido e, por contenderem com o mérito da pretensão, podem determinar a sua procedência ou improcedência. Concluímos, assim, pela legitimidade e interesse em agir da Recorrente. 3.2.2. Da admissibilidade dos documentos juntos com as contra-alegações Com as suas contra-alegações, os Recorridos juntaram aos autos uma certidão permanente do Registo Predial, respeitante ao prédio cuja entrega foi por eles peticionada. A Recorrente entende que o mesmo deve ser desentranhado, tanto por não ter sido oportunamente junto aos autos, como por os respetivos apresentantes não terem justificado a sua necessidade. Contrapõem os Recorridos que o documento em causa já havia sido junto com o requerimento apresentado em 14.04.2021, ao qual a Recorrente respondeu sem nada referir quanto ao documento em causa. Insistiu a Recorrente em que o documento foi apresentado após a prolação do despacho recorrido, e que não é admissível a sua apresentação em sede recursiva. Revisitados os autos, constatamos que a certidão permanente em causa já havia sido junta aos autos em 9.10.2012, aquando da apresentação do requerimento em que os Requerentes, ora Recorridos, se pronunciaram sobre o pedido da Recorrente, de fls. 215 e seguintes, no sentido de ser declarada extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide. A mesma certidão permanente foi, igualmente, apresentada pelos Recorridos no seu requerimento de 14.04.2021, em que reiteravam o pedido de entrega do imóvel vendido, por sinal apresentado na mesma data que as alegações do presente recurso. Não estamos, pois, face a um documento novo nos autos, apenas apresentado na fase de recurso; pelo contrário, foi junto com dois requerimentos de, por um lado, pronúncia sobre um pedido formulado pela Requerida e, por outro, de renovação do pedido de entrega do imóvel vendido na execução fiscal. Improcede, por isso, o pedido de desentranhamento do documento junto com as contra-alegações. 3.2.3. Do mérito do recurso Isto posto, importa analisar o mérito do recurso que vem interposto do despacho aludido no ponto 13 do probatório, por nós fixado, que, pronunciando-se sobre o pedido da Recorrente de extinção da instância por impossibilidade da lide, determinou «Nada a ordenar, atento o decidido no acórdão do TCA Norte de 03/11/2011 (fls. 141 ss) – art. 666º Código de Processo Civil, ex vi artº 2º nº 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário». Entende a Recorrente que o despacho em crise enferma de nulidade por omissão de pronúncia em virtude de, se bem percebemos a sua alegação, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça influir decisivamente na causa, determinando a ilegitimidade dos Requerentes para prosseguirem com o pedido formulado nos presentes autos e, por consequência, a impossibilidade superveniente da lide. Trata-se, a seu ver, de matéria superveniente ao acórdão do TCAN de 07.06.2010, sobre a qual o Juiz se devia ter pronunciado. O Acórdão do TCAN ainda se encontrava pendente aquando do pedido por si formulado em 30.05.2012, logo, sujeito às vicissitudes processuais que pudessem advir e passíveis de o extinguir. Mais entende que deve beneficiar do instituto do caso julgado que deriva do acórdão do STJ, transitado em 20.02.2012, pois o acórdão do TCAN só transitou em julgado em 03.12.2012. Vejamos, então: Resulta dos autos que a sentença proferida em 09.02.2009 (ponto 3 do probatório) foi objeto de recurso julgado improcedente, por acórdão de 3.11.2011 (cfr. ponto 5 do probatório), notificado à Fazenda Pública e à ali (e aqui) Recorrente por cartas datadas de 7.11.2011 (cfr. ponto 6 do probatório). Nos termos do artigo 628º (anterior artigo 677º) do Código de Processo Civil, «A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação.». Por outro lado, por força dos artigos 631º (anterior artigo 680º) do Código de Processo Civil e 280º, nº 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, só a parte vencida tem legitimidade para recorrer. Daqui decorre, necessariamente, que o acórdão do TCAN, proferido nestes autos em 3.11.2011, transitou em julgado ainda no dia 20 daquele mês de novembro, uma vez que dele não foi interposto recurso (no prazo de 10 dias, nos termos do artigo 280º, nº 1, do CPPT, na redação vigente em 2011) nem deduzida reclamação (no mesmo prazo, nos termos do artigo 153º, nº 1, do Código de Processo Civil, na redação vigente em 2011, ex vi artigo 2º, alínea e) do CPPT) pela Recorrente, única pessoa com legitimidade para o fazer. Cai, assim, por terra a argumentação da Recorrente no sentido de que o acórdão do TCAN em causa só transitou em julgado após o acórdão do STJ o que, segundo ela, terá ocorrido no dia 20.02.2012. Por outro lado, é inquestionável que, nos termos do artigo 611º do Código de Processo Civil, «1 - Sem prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir, deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão. // 2 - Só são, porém, atendíveis os factos que, segundo o direito substantivo aplicável, tenham influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida. // 3 - A circunstância de o facto jurídico relevante ter nascido ou se haver extinguido no decurso do processo é levada em conta para o efeito da condenação em custas, de acordo com o disposto no artigo 536.º.». Porém, a norma em questão não se mostra violada, porquanto, à data da prolação da sentença e, bem assim do acórdão do TCAN de 3.11.2011, não era conhecida nos autos a decisão do STJ a que nos reportamos, nem, aliás, tinha sido proferida. E, assim, encontrava-se esgotado o poder jurisdicional do Juiz quanto à matéria da causa, quer em 1ª quer em 2ª instância, em conformidade com o que dispõe o artigo 613º do Código de Processo Civil (anterior artigo 666º), não lhe sendo já permitido alterar o decidido, com transito em julgado. Acresce dizer que, mostrando-se a instância extinta por efeito do julgamento (cfr. artigo 277º, alínea a) do Código de Processo Civil), não podia já extinguir-se por outro motivo, designadamente por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (cfr. alínea e) do mesmo artigo), dada a impossibilidade lógica, e legal, de extinguir o que já se encontra extinto. Ante o que vem considerado, forçoso é concluir que o despacho recorrido não padece de qualquer dos vícios que lhe vêm imputados, devendo ser mantido na ordem jurídica. * Assim, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: I – A legitimidade e o interesse em agir, sendo ambos pressupostos processuais, embora o último não previsto na lei, mas reconhecido na doutrina e jurisprudência, não se confundem: ser parte legítima significa que se é titular da relação jurídica, tal como o autor a delineou; já no interesse em agir está em causa a necessidade de recurso aos tribunais para tutela de um direito. II – Não é de desentranhar documento apresentado com as contra-alegações se, já antes, havia sido junto aos autos, não se tratando se um documento novo. III – Considerara-se transitada em julgado a decisão totalmente desfavorável à Recorrente, logo que decorrido o prazo do recurso ordinário ou de reclamação, que só ela podia deduzir. IV - Mostrando-se a instância extinta por efeito do julgamento (cfr. artigo 277º, alínea a) do Código de Processo Civil), não podia já extinguir-se por outro motivo, designadamente por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (cfr. alínea e) do mesmo artigo), dada a impossibilidade lógica, e legal, de extinguir o que já se encontra extinto. 4. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e manter o despacho reclamado na ordem jurídica. Custas a cargo da Recorrente, que aqui sai vencida, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil, sem prejuízo do apoio judiciário que se lhe mostre concedido. Porto, 14 de novembro de 2024 Maria do Rosário Pais – Relatora Vítor Domingos de Oliveira Salazar Unas– 1º Adjunto Ana Paula Rodrigues Coelho dos Santos – 2ª Adjunta |