Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00240/24.7BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/07/2025
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:MARIA FERNANDA ANTUNES APARÍCIO DUARTE BRANDÃO
Descritores:AÇÃO ADMINISTRATIVA/MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES E INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL;
SUBSCRITORA DA CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES; ARTIGO 2º, N.º 2 DA LEI N.º 60/2005, DE 29 DE DEZEMBRO;
ARTIGO 22º, Nº 1 DO ESTATUTO DA APOSENTAÇÃO; INÍCIO DE FUNÇÕES;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
«AA», com o número de contribuinte ...63, residente na Urbanização ..., ... ... ..., instaurou ação administrativa contra o MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E INOVAÇÃO, com sede na Av. ..., ... ..., a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES (CGA), sita na Avenida ..., ... ... e o INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP (ISS), com sede na Avenida ..., ..., ... ....
Peticionou:
“Nos termos expostos e nos demais de direito, deve a presente acção administrativa ser julgada procedente por provada e, em consequência peticiona-se:
a) O reconhecimento do direito da Autora à manutenção da inscrição e do vínculo na Caixa Geral de Aposentações e da qualidade de subscritora da CGA, com efeitos desde setembro 2007;
b) A condenação das entidades demandadas à prática dos atos materiais conducentes à reposição da situação legalmente devida, nomeadamente à manutenção/reinscrição da Autora na CGA com efeitos retroativos desde setembro de 2007, bem como à transferência das contribuições, desde essa data, entregues à Segurança Social para a Caixa Geral de Aposentações, integrando-a no regime de proteção social convergente;
Mais devendo as entidades demandadas ser condenadas nas custas nos termos legais.”.
Por saneador-sentença proferido pelo TAF de Coimbra foi decidido assim:
julga-se a presente ação procedente e, em consequência:
- reconhece-se o direito da Autora à manutenção da inscrição e do vínculo na Caixa Geral de Aposentações e da qualidade de subscritora da CGA, com efeitos desde setembro de 2007;
- condenam-se os Réus a praticar os atos materiais conducentes à reposição da situação legalmente devida, designadamente à reinscrição da Autora na CGA, com efeitos desde setembro de 2007, integrando-a no regime de proteção social convergente, devendo o Réu ISS transferir à Ré CGA as contribuições entregues à Segurança Social que deviam ter sido entregues à CGA, desde a referida data;
Deste vem interposto recurso pela CGA.
Alegando, formulou as seguintes conclusões:
A - Para que possa “reativar” a sua inscrição no Regime Previdencial gerido pela CGA não é suficiente ter existido um vínculo à função pública, que conferiu esse direito, antes de 31 de dezembro de 2005. É necessário existir uma continuidade temporal entre vínculos com a administração pública!

B - É isto que resulta da maioria da jurisprudência dos Tribunais superiores Nacionais! Veja-se, por exemplo, o Acórdão 889/13, de 2014-03-06, oriundo do Supremo Tribunal Administrativo, ao qual muitos outros foram buscar, parte, da sua fundamentação para condenar a CGA a proceder à reinscrição de ex-subscritores em situação semelhante à da aqui recorrida, esquecendo-se, todavia da tão importante necessidade de continuidade temporal entre vínculos públicos.

C - Da leitura do referido Acórdão resulta claro que o critério a seguir não poderá ser unicamente o de saber se se trata de uma situação em que já tinha existido exercício em funções públicas, com inscrição, antes de janeiro de 2006 ou, se se trata de uma situação em que o funcionário ou agente público nunca havia sido detentor da qualidade de subscritor da CGA.

D - Deverá, igualmente, ter-se em conta se se encontra verificado o critério da continuidade temporal.

E - É o que resulta a contrario do referido Acórdão, o qual não deixa margem para dúvidas ao afirmar que não cai no âmbito do artigo 2.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, em conjugação com o disposto no artigo 22.º n.º 1 do Estatuto da Aposentação, a situação de um professor que rescinde o contrato administrativo de provimento que o liga a uma instituição de ensino e celebra com outra instituição um novo contrato com efeitos a partir do dia seguinte - ou seja, em termos formais há descontinuidade do vínculo jurídico mas não há descontinuidade temporal.

F - Ora, no caso da aqui recorrida, presume-se ter existido, descontinuidade do vínculo jurídico em termos formais, pelo estabelecimento de novos vínculos contratuais com os agrupamentos de escolas onde lecionou, desconhecendo-se se existe, ou não, descontinuidade temporal entre vínculos, razão pela qual não se pode afirmar se a Autora/recorrida caí, ou não, dentro do âmbito da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro.

G - Resulta da leitura do registo biográfico da Autora, junto com a petição inicial, que no ano letivo de 2006/2007, teve duas colocações. Uma com inicio em 29 de setembro de 2006 para lecionar na escola secundária ... e outra com inicio em 11 de dezembro de 2006 para lecionar no Agrupamento de Escolas ....

H - E, sabe-se que a partir de 2007-08-31 não foi efetuado qualquer pedido de reinscrição da Autora/Recorrida na CGA, por parte de qualquer entidade pública.

I - O mesmo é dizer que, desde 2007-08-31 desconhece-se o que sucedeu à Autora/Recorrida a nível previdencial.

J - Presumindo-se que, no ano letivo seguinte - 2007/08 - o Agrupamento de Escolas para onde a Autora foi lecionar cumprindo, rigorosamente, o disposto na Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, promoveu a sua inscrição no Regime Geral da Segurança Social, encontrando-se, aquela, a descontar quotas para o RGSS desde então!

K - A tudo isto acresce que a sentença de que se recorre, ao reconhecer o Direito da Autora/recorrida com efeitos retroativos à data em que foi inscrita no RGSS viola o disposto no artigo 38.º, n.º2 do Código do Procedimento dos Tribunais Administrativos, pondo em causa o principio da certeza e segurança jurídicas.

L - De todo o exposto, com o devido respeito, conclui-se que o Tribunal “ a quo” não andou bem ao julgar a ação totalmente procedente e condenando os réus à manutenção da inscrição da Autora na CGA com efeitos à data em que foi inscrita no Regime Geral da Segurança Social.

M - Não apreciou bem a situação da Autora nem aplicou corretamente a Lei, devendo a sentença ora recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue a ação totalmente improcedente e absolva os réus de todos os pedidos.

Termos em que, e nos mais de direito, deverá a douta sentença, de que se recorre, ser revogada e substituída por outra que julgue a ação totalmente improcedente, com as necessárias consequências.
A Autora juntou contra-alegações, concluindo:
1. Na presente acção estava em causa o reconhecimento do direito da Autora (docente com contratos sucessivos com o Ministério da Educação para exercer funções docentes em várias escolas/agrupamentos de escolas desde 01/09/1999) à manutenção da inscrição e do vínculo na Caixa Geral de Aposentações e da qualidade de subscritora da CGA, com efeitos desde setembro 2007; a condenação das entidades demandadas à prática dos atos materiais conducentes à reposição da situação legalmente devida, nomeadamente à manutenção/reinscrição da Autora na CGA com efeitos retroativos desde setembro de 2007, bem como à transferência das contribuições, desde essa data, entregues à Segurança Social para a Caixa Geral de Aposentações, integrando-a no regime de proteção social convergente.
2. O Tribunal a quo considerou procedente à acção instaurada, com fundamento, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 6.03.2014, proferido no processo n.° 0889/13 e nos mais recentes acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte (sendo que mais existem do TCA Norte em sentido concordante com a sentença recorrida) dos quais destacou os seguintes: de 14.02.2020, processo n.º 1771/17.0BEPRT, de 28.01.2022, processo n.° 496/20.4BEPNF, de 11/02/2022, processo n.° 99/21.6BEBRG, de 10/03/2022, processo n.° 1974/20.0BEBRG, de 08/04/2022, processo n.° 307/19.3BEBRG, de 30/09/2022, processo n.° 708/20.4BEPRT, de 07/12/2022, processo n.° 714/20.9BEPNF, de 20/12/2022, processo n.° 312/19.0BEPNF, de 04.10.2023, processo n.° 755/21.9BEBRG e de 12/01/2024, processo n.° 1498/20.6BEPRT.
3. Das três entidades demandadas, apenas a CGA apresentou Recurso, sendo difícil apreender o motivo do mesmo, já que, apesar do afirmado nas alegações, a CGA conhece a numerosa jurisprudência dos tribunais superiores administrativos que sustentam o decidido na primeira instância, tal como reconheceu e afirmou em ofício datado de 28/07/2023 (cfr. facto provado 5): “[...] recentemente, consolidou-se jurisprudência no sentido de manterem o direito de reinscrição na CGA os trabalhadores que, tendo sido subscritores da Caixa antes de 2006-01-01, voltaram após 2005-12-31 (ou voltem no futuro) a desempenhar funções às quais, nos termos da legislação vigente antes da referida Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, fosse aplicável o regime da CGA, independentemente da existência de interrupções temporais entre os períodos de trabalho.”
4. A Recorrente não colocou em causa e muito menos impugnou qualquer ponto da matéria de facto dada como provada.
5. Não corresponde à realidade o afirmado nas conclusões F a I, já que é falso que se desconheça o que sucedeu à autora/recorrida a nível previdencial, tal consta expressamente do facto provado 3).
6. Quanto à questão dos hiatos temporais, foi correctamente abordado na sentença recorrida, alicerçando-se no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 28/01/2022, proferido no processo n.° 01100/20.6BEBRG, disponível em www.dgsi.pt, no qual se afirma: “[...] pese embora com a celebração do contrato em 2007 e com a celebração dos posteriores contratos entre a Autora e o ME, tenham existido os alguns hiatos temporais, não pode conceber-se que tenha havido uma cessação do exercício do seu cargo nos termos previstos no n.°1 do artigo 22.° do EA, o que só se poderia dar como certo caso a autora não tivesse sido investida noutro cargo a que antes de 01.01.2006 não correspondesse o direito de inscrição. (...) pese embora os hiatos temporais entre os diversos contratos celebrados, consequência do facto de se tratarem de contratos a termo resolutivo, não é aceitável conceber-se que a autora não tenha desde então vindo a exercer as respetivas funções de modo ininterrupto para o ME, uma vez que celebrou sucessivos contratos anuais a termo resolutivo com aquele Ministério, não sendo admissível á luz do mais elementar sentido de justiça que seja prejudicada por esse facto no direito à sua reinscrição como beneficiária da CGA em relação a um docente que nas mesmas condições da Autora, tenha a partir de 2007 logrado celebrar contratos a termo resolutivo com o ME sem qualquer interrupção ou hiato ou obtido uma colocação em lugar do quadro. O que releva é efetivamente verificar se antes de 01/01/06 a Autora estava inscrita na CGA e se posteriormente a essa data foi investida, através da celebração desses contratos com o Ministério da Educação, em cargo a que antes de 01.01.2006 correspondesse esse direito de inscrição, o que se confirma suceder. Como tal, assiste razão à Autora, devendo ser-lhe reconhecido o direito à reinscrição retroativa, como solicitado pela mesma, na Caixa Geral de Aposentações.”
7. Por outro lado, tão pouco se compreende o afirmado, sem qualquer sustentação, na conclusão K do Recurso. O aí afirmado surge isoladamente quer no corpo das alegações (ponto 20.) quer nas conclusões, não se vislumbrando qualquer sustentação para tal alegada violação do artigo 38.º n.º 2 do CPTA, o qual pressupõe um alegado ato inimpugnável que a Recorrente nem sequer identifica, porque sabe não existir (o que aliás resulta da matéria de facto provada e não provada - designadamente facto não provado a)).
8. Face ao exposto, é manifesto que nenhuma razão foi apresentada que coloque em causa a sentença recorrida, a qual deve ser mantida na integra.
Pelo exposto e nos demais de direito, deve ser considerado improcedente o recurso interposto, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!
A Senhora Procuradora Geral Adjunta notificada, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1) Em 01/09/1999, a Autora iniciou a sua atividade docente, na Escola Secundária ... (cfr. registo biográfico junto como documento n.º 1 com a petição inicial e fls. 1 e 2 do processo administrativo junto pelo Réu Ministério da Educação, a fls. 52 do SITAF).
2) Em 01/09/1999, a Autora foi inscrita na CGA, com o número ...28, assim permanecendo até 31/08/2006 (cfr. boletim de inscrição e de atualização do vínculo constante do processo administrativo junto pela Ré CGA, a fls. 68 do SITAF).
3) No ano letivo de 2007/2008, em 12/09/2007, a Autora obteve colocação, como professora, no Agrupamento de Escolas ..., tendo passado, a partir dessa data, a fazer descontos para o regime geral da Segurança Social (cfr. registo biográfico junto como documento n.º 1 com a petição inicial e fls. 1 e 2 do processo administrativo junto pelo Réu Ministério da Educação, a fls. 52 do SITAF, e fls. 1 a 28 do processo administrativo junto pelo Réu ISS, a fls. 74 do SITAF).
4) Desde 01/09/1999 até ao presente, a Autora celebrou com o Ministério da Educação contratos de trabalho em funções públicas para exercer funções docentes nas seguintes escolas/agrupamentos de escolas:
- Escola Secundária ..., no ano letivo de 1999/2000, de 01/09/1999 a 31/08/2000;
- Escola Secundária ..., no ano letivo de 2001/2002, de 24/09/2001 a 31/08/2002;
- Escola ... e ..., no ano letivo de 2002/2003, de 24/09/2002 a 31/08/2003;
- Agrupamento Vert. Escolas ..., no ano letivo de 2003/2004, de 07/10/2003 a 31/08/2004;
- Agrupamento de Escolas ..., no ano letivo de 2004/2005, de 01/09/2004 a 31/08/2005;
- Agrupamento de Escolas ..., no ano letivo de 2005/2006, de 01/09/2005 a 31/08/2006;
- Escola Secundária ..., no ano letivo de 2006/2007, de 29/09/2006 a 31/08/2007;
- Agrupamento de Escolas ..., no ano letivo de 2006/2007, de 11/12/2006 a 31/08/2007;
- Agrupamento de Escolas ..., no ano letivo de 2007/2008, de 12/09/2007 a 31/08/2008;
- Escola Secundária ... Fernando Namora, no ano letivo de 2008/2009, de 12/09/2008 a 31/08/2009;
- Agrupamento de Escolas ..., no ano letivo de 2009/2010, de 10/09/2009 a 31/08/2010;
- Agrupamento de Escolas ... - ..., no ano letivo de 2010/2011, de 17/09/2010 a 31/08/2011;
- Escola Secundária ..., no ano letivo de 2011/2012, de 04/10/2011 a 31/08/2012;
- Agrupamento de Esc. ... e ..., no ano letivo de 2012/2013, de 18/10/2012 a 02/01/2013;
- Agrupamento de Escolas ..., no ano letivo de 2012/2013, de 14/02/2013 a 21/03/2013;
- Agrupamento de Escolas ..., no ano letivo de 2013/2014, de 27/02/2014 a 07/07/2014;
- Agrupamento de Escolas ..., no ano letivo de 2014/2015, de 03/11/2014 a 18/12/2014;
- Agrupamento de Escolas ..., no ano letivo de 2014/2015, de 12/03/2015 a 06/08/2015;
- Agrupamento de escolas ..., no ano letivo de 2015/2016, de 12/10/2015 a 31/08/2016;
- Agrupamento de Escolas ..., no ano letivo de 2016/2017, de 01/09/2016 a 31/08/2017;
- Agrupamento de escolas ..., no ano letivo de 2017/2018, de 01/09/2017 a 31/08/2018;
- Agrupamento de Escolas ..., no ano letivo de 2018/2019, de 02/10/2018 a 09/08/2019;
- Agrupamento de Escolas ..., no ano letivo de 2019/2020, de 17/09/2019 a 04/08/2020;
- Agrupamento de Escolas ..., no ano letivo de 2020/2021, de 08/09/2020 a 31/08/2021;
- Agrupamento de Escolas ..., no ano letivo de 2021/2022, de 06/09/2021 a 31/08/2022;
- Agrupamento de Escolas ..., no ano letivo de 2022/2023, de 13/09/2022 a 31/08/2023;
- Agrupamento de Escolas ..., no ano letivo de 2023/2024, desde 01/09/2024.
Cfr. registo biográfico junto como documento n.º 1 com a petição inicial e fls. 1 e 2 do processo administrativo junto pelo Réu Ministério da Educação, a fls. 52 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
5) A Ré CGA elaborou ofício datado de 28/07/2023, dirigido ao Agrupamento de Escolas ..., sob o assunto “Direito de reinscrição na CGA”, do qual consta, entre o mais, que:
“[...] recentemente, consolidou-se jurisprudência no sentido de manterem o direito de reinscrição na CGA os trabalhadores que, tendo sido subscritores da Caixa antes de 2006-01-01, voltaram após 2005-12-31 (ou voltem no futuro) a desempenhar funções às quais, nos termos da legislação vigente antes da referida Lei n.° 60/2005, de 29 de dezembro, fosse aplicável o regime da CGA, independentemente da existência de interrupções temporais entre os períodos de trabalho.
Assim, em observância da referida jurisprudência, a Caixa Geral de Aposentações decidiu reabrir a possibilidade de as entidades empregadoras promoverem a reinscrição na CGA dos seus trabalhadores que, estando (ou vindo a estar no futuro) nas circunstâncias referidas no parágrafo anterior, lhes manifestem intenção de exercer esse direito de reinscrição no regime de proteção social convergente.
Para tal, devem essas entidades empregadoras enviar à Caixa Geral de Aposentações um formulário Mod. CGA11-“atualização de vínculo” por cada trabalhador, devidamente preenchido, inscrevê-lo na lista do quadro de pessoal da entidade na relação contributiva (Rci) e iniciar de imediato a entrega de quotas e contribuições, ficando de imediato garantida a produção de efeitos para o futuro da reinscrição do utente como subscritor da CGA.
No que respeita à produção de efeitos para o passado da reinscrição, isto é, à reconstituição retroativa da carreira contributiva, na medida em que se trata de matéria que implica articulação entre o regime de proteção social convergente e o regime geral de segurança social, a Caixa Geral de Aposentações divulgará oportunamente, também por ofício circular, instruções sobre o procedimento a adotar pelos empregadores. [...]”.
Cfr. documento n.º 2 junto com a petição inicial.
6) Em 20/09/2023, a Autora requereu ao Diretor do Agrupamento de Escolas ... a sua reinscrição na CGA (cfr. fls. 4 do processo administrativo junto pelo Réu Ministério da Educação, a fls. 52 do SITAF).
7) Em 02/10/2023, a Ré CGA comunicou ao Agrupamento de Escolas ..., através de mensagem de correio eletrónico, no que ora interessa, que: “O pedido que efetuou através do formulário eletrónico Modelo CGA11, referente ao subscritor n.° ...28, foi rececionado na Caixa Geral de Aposentações, encontrando-se em análise. [...]” (cfr. fls. 3 do processo administrativo junto pelo Réu Ministério da Educação, a fls. 52 do SITAF).
8) A Autora efetuou descontos para a CGA nos meses de outubro e de novembro de 2023 e para a Segurança Social nos meses de setembro e de dezembro de 2023 (cfr. recibos juntos como documento n.ºs 3 e 4 com a petição inicial).
9) O Réu Ministério da Educação divulgou na sua página eletrónica, entre o mais, que “De acordo com informação, que está a ser transmitida pela CGA, foram suspensas as reinscrições de ex-subscritores, estando a situação em avaliação pelo Governo” (cfr. documento n.º 5 junto com a petição inicial).
10) Em 16/04/2024, deu entrada neste Tribunal, através da plataforma “SITAF”, a petição inicial que deu origem aos presentes autos (cfr. comprovativo de entrega, a fls. 20 do SITAF).
DE DIREITO
É objecto de recurso o saneador-sentença que julgou procedente a ação.
É entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência, com consagração nos artigos 635.º, n.º(s) 4 e 5, 639.º, n.º(s) 1 e 2 e artigos 1.º, 140.º, n.º 3 e 146.º, n.º 4 do CPTA que o objeto do recurso se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, pelo respetivo recorrente, o que se traduz no impedimento do tribunal ad quem de conhecer de matéria que aí não tiver sido invocada, exceto as situações de conhecimento oficioso, seja de mérito ou de natureza adjetiva.
Assim, vejamos,
Na óptica da Recorrente a Autora não tem direito à manutenção da sua inscrição na Caixa Geral de Aposentações pela descontinuidade temporal verificada nos seus vínculos de emprego público a termo que, no seu entender, em cada contrato, representam o início de funções públicas para efeito do disposto no artigo 2º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro.
Invoca, em síntese, que não basta ter estado inscrito na CGA antes de 31 de dezembro de 2005, mas que é necessária a existência de continuidade temporal com a Administração Pública.
Não vemos que tenha razão.
A decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra atendeu, e bem, a pretensão da Autora.
Não se verifica qualquer dos vícios apontados à sentença, muito menos, a errada interpretação das disposições normativas invocadas pelos Réus/Recorrentes.
Como é sabido, a Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro estabelece os mecanismos de convergência do regime de proteção social da função pública com o regime geral da segurança social, no que respeita às condições de aposentação e cálculo das pensões.
Prevê este diploma, quanto à inscrição de subscritores na Caixa Geral de Aposentações que:
1 - A Caixa Geral de Aposentações deixa, a partir de 1 de janeiro de 2006, de proceder à inscrição de subscritores.
2 - O pessoal que inicie funções a partir de 1 de janeiro de 2006 ao qual, nos termos da legislação vigente, fosse aplicável o regime de protecção social da função pública em matéria de aposentação, em razão da natureza da instituição a que venha a estar vinculado, do tipo de relação jurídica de emprego de que venha a ser titular ou de norma especial que lhe conferisse esse direito, é obrigatoriamente inscrito no regime geral da segurança social.
Este dispositivo normativo impõe, portanto, um limite na inscrição de novos subscritores, a partir de 1 de janeiro de 2006, vedando o acesso ao regime social convergente de trabalhadores ou agentes que exerçam funções públicas e se inscrevam após esta data, e, consequentemente, a obrigatoriedade da inscrição destes trabalhadores no regime geral da segurança social.
Neste sentido, a Caixa Geral de Aposentações está impedida de inscrever trabalhadores que, pela primeira vez, estejam a exercer funções públicas após o limite temporal estabelecido por aquela norma. Ou seja, o que o legislador pretendeu foi não aumentar o número de inscrições através do cancelamento da entrada de novos subscritores e, nessa medida, caminhar para a convergência ao mesmo tempo que se limita o crescimento da despesa pública nesta área.
Aliás, na exposição de motivos constante da Proposta de Lei nº 38/X pode ler-se, entre o mais, que “A concretização da convergência não deve, porém, fazer-se nem à custa do sacrifício das expectativas daqueles que, no quadro do regime actualmente em vigor, já reúnem condições para se aposentarem. Nem de rupturas fracturantes, optando-se antes por um modelo de transição gradual que aplica aos funcionários, agentes da Administração Pública e demais servidores do Estado o regime de pensões do Estatuto da Aposentação, o regime de segurança social ou ambos simultaneamente.”
Assim, a jurisprudência tem sido unânime em considerar que a norma do n.º 2 do artº 2º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, apenas proíbe a inscrição de novos subscritores que, efetivamente, iniciem ex novo funções públicas, independentemente, de terem ocorrido ou não hiatos temporais entre contratos celebrados com o Ministério da Educação para o exercício de funções docentes.
A interpretação seguida é a de que a norma em causa visa impedir a entrada de novos subscritores no sistema e não eliminar os subscritores que permanecem no mesmo.
O Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, de 06/03/2014, no Proc. n.º 0889/13, sumaria que:
“I - Considerando a letra do art. 2º da Lei nº 60/2005, de 29 de Dezembro, que se refere apenas ao pessoal que “inicie funções” e a sua razão de ser (proibir a entrada de novos subscritores), afigura-se claro poder retirar-se que o mesmo deve ser interpretado no sentido de a Caixa Geral de Aposentações estar impedida de inscrever como subscritor aquele funcionário/agente que pela primeira vez venha a ser titular de relação jurídica pública.”
Na sua fundamentação, e quando em abstrato, este Acórdão se dedica a discorrer acerca do sentido e do alcance da norma, conclui: “assim sendo, considerando a letra do preceito e a sua razão de ser, afigura-se claro poder retirar-se do preceito que o mesmo deve ser interpretado no sentido de a CGA estar impedida de inscrever como subscritor aquele funcionário/agente que pela primeira vez venha a ser titular de relação jurídica pública”.
A referência que este Acórdão faz em relação à (des)continuidade temporal entre vínculos de emprego público surge, apenas, no contexto de aplicação dessa norma ao caso concreto e tendo em conta a sua factualidade própria. Veja que o julgador refere: “para além do mais, considerando que, no caso, não tendo havido sequer hiato temporal nem sequer descontinuidade na prestação do trabalho, a prevalecer a interpretação sufragada no Acórdão recorrido a mesma conduziria a um resultado desproporcionado e a ruturas fraturantes não desejadas pelo legislador, atenta a razão de ser das normas em causa”.
Efetivamente, à situação profissional da Autora não é de aplicar o disposto no artº 2º, n.º 2 da Lei n.º 60/2005, uma vez que o início das suas funções docentes ocorreu em data anterior a 1 de janeiro de 2006.
A descontinuidade temporal verificada nos seus vínculos de emprego público a termo não pode ser imputada à Autora.
Como é do conhecimento público, fruto do regime de recrutamento e contratação de docentes que vigorou nos últimos anos, no período em questão milhares de docentes, tal como a Autora, foram sempre opositores ao concurso nacional, mas não obtiveram colocação anual (com início a 1 de setembro e término a 31 de agosto de cada um daqueles anos letivos).
As interrupções entre alguns desses contratos não impediram que a Autora voltasse a exercer funções e às quais correspondia o direito de manter a sua inscrição no regime social convergente.
O Supremo Tribunal Administrativo assim julgou nos Acórdãos proferidos em 09/06/2022, no Proc. n.º 099/21.6BEBRGe e em 22/09/2022, nos Procs. n.ºs 877/21.6BEBRG e 1974/20.0BEBRG, ao não admitir os recursos interpostos pela CGA e pelo Ministério da Educação em processos de docentes que tiveram hiatos temporais entre contratos, tendo confirmado as decisões judicias que reconheceram o direito daqueles docentes em manter o direito de inscrição na CGA, com efeitos retroativos.
Idêntica interpretação tem sido feita por este Tribunal Central Administrativo do Norte, sempre que tem sido chamado a interpretar o sentido e o alcance do artigo 2º da Lei nº 60/2005, de 29 de dezembro e aplicar esta norma a situações de facto idênticas à da Autora.
Com efeito, os nºs 1 e 2 do artigo 2º da Lei nº. 60/2005, de 29 de dezembro, preconizam a inadmissibilidade de novas inscrições na Caixa Geral de Aposentações, e, bem assim, a obrigatoriedade de inscrição no regime geral de segurança social de todo o pessoal que “inicie funções” a partir 1 de janeiro de 2006, ao qual, nos termos da legislação vigente, fosse aplicável o regime de proteção social da função pública em matéria de aposentação, em razão da natureza da instituição a que venha a estar vinculado, do tipo de relação jurídica de emprego de que venha a ser titular ou de norma especial que lhe conferisse esse direito.
Na determinação do que se deve entender relativamente à previsão “iniciem funções” contida nos nºs 2 do artigo 2º da Lei nº. 60/2005, dever-se-á atender ao teor da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, espraiada, entre muitos outros, no aresto de 06/03/2014, no âmbito do processo nº. 0889/13, que, quanto a esta temática, considerou que o disposto no nºs.1 e 2 do artigo da Lei nº. 60/2005 visa apenas abranger o pessoal que inicie absolutamente funções.
Como aí se sinalizou, por razões atinentes a uma interpretação harmoniosa com a letra e a teleologia intrínseca do artº 2º da Lei nº 60/2005, a eliminação da subscrição do trabalhador em funções públicas decorrente da cessação do exercício do seu cargo prevista no nº. 1 do artigo 22º do EA só ocorrerá se este não for investido noutro cargo a que antes de 01.01.2006 correspondesse direito de inscrição.
Os Acórdãos proferidos por este Tribunal Central Administrativo Norte, em 2022/01/28, no Processo nº 01100/20.6BEBRG, e em 2022/04/08, no Processo nº 00307/19.3VBEBRG concretizam que: “Verificando-se que antes de 01/01/06, a Autora estava inscrita na CGA e que posteriormente a essa data foi investida, através da celebração de sucessivos contratos com o Ministério da Educação, em cargo a que antes de 01.01.2006 correspondia o direito de inscrição na CGA, a mesma tem o direito à sua reinscrição, de acordo com o disposto no artigo 2º da Lei nº 60/2005.”.
Sistematicamente também assim temos decidido.
Em suma,
Considerar, tal como a Ré/Recorrente o faz, que a Autora está a iniciar funções nos termos desta disposição legal apresenta-se uma interpretação que não cabe na letra do artigo 2º, n.º 2, da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro;
A Autora não estava pela primeira vez a exercer funções públicas na data em que foi erradamente inscrita no regime geral da segurança social;
O artigo 22º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 09 de dezembro prevê as situações em que se verifica a “eliminação do subscritor”, com o respetivo cancelamento da inscrição:
“1. Será eliminado o subscritor que, a título definitivo, cesse o exercício do seu cargo, salvo se for investido noutro a que corresponda igualmente direito de inscrição.
2. O antigo subscritor será de novo inscrito se for readmitido em quaisquer funções públicas previstas nos artigos 1.º e 2.º e satisfizer o disposto no artigo 4.º.”;
Determina-se neste preceito que assiste ao ex subscritor o direito de ser de novo inscrito, caso pretenda voltar a ingressar em funções públicas, resultando que, o cancelamento da inscrição do subscritor ocorre caso exista cessação definitiva do exercício do cargo, assistindo-lhe, porém, o direito de ser de novo inscrito, se voltar a ingressar no exercício de funções públicas;
In casu, não se pode dizer que a Autora/Recorrida por ter celebrado, na Administração Pública e em anos sucessivos contratos com o mesmo empregador - o Ministério da Educação -, estivesse a iniciar funções nos termos e para os efeitos do artigo 2º, n.º 2 da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro;
Tal norma visa a proibição de entrada de novos subscritores e não a eliminação daqueles que já integravam a CGA;
Neste sentido é irrelevante a existência de interrupções temporais entre contratos, quer se trate de uma interrupção de dias ou anos do exercício de funções públicas docentes. O limite subjacente na norma prende-se unicamente com a entrada de novos subscritores para o regime social convergente, no sentido de que sejam aqueles que, primeira vez, exercem funções às quais corresponda o direito de inscrição;
Como bem refere a sentença recorrida,
No caso em apreço, a Autora exerce funções como docente, desde 01/09/1999 (antes, portanto, de 01/01/2006) até ao presente, tendo transitado entre escolas/agrupamentos de escolas, mediante a celebração sucessiva de contratos de trabalho em funções públicas, em cargos a que antes de 01/01/2006 correspondia o direito de inscrição na CGA, independentemente dos hiatos temporais decorridos entre os diversos contratos celebrados.
Neste sentido, quando a Autora constituiu novo vínculo de trabalho em funções públicas com o Ministério da Educação, no ano letivo de 2007/2008, tinha direito a manter-se como subscritora da CGA, a efetuar descontos para tal entidade, ao abrigo do disposto no artigo 2.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, em conjugação com o disposto no artigo 22.º do Estatuto de Aposentação.
Em face do exposto, assiste à Autora o direito à manutenção da sua inscrição e vínculo na CGA e da qualidade de subscritora da CGA, com efeitos à data em que passou a estar ilegalmente inscrita no regime geral da Segurança Social, ou seja, desde setembro 2007, devendo os Réus ser condenados praticar os atos materiais conducentes à reposição da legalidade, isto é, que sejam necessários à manutenção/reinscrição da Autora como subscritora da CGA, desde setembro de 2007, integrando-a no regime de proteção social convergente.
Não é, pois, admissível à luz do mais elementar sentido de justiça que seja prejudicada no direito à sua reinscrição como beneficiário da Caixa Geral de Aposentações;
Bem andou, pois, a decisão recorrida, que condenou as Entidades Demandadas nos pedidos, em conformidade, repete-se, com a posição da jurisprudência que defende que a proibição constante do nº 2 do artº 2º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, se aplica a novos subscritores que iniciem ex novo funções públicas, a partir de 1 de janeiro de 2006;
Nessa medida, a Autora não é ex subscritora da CGA, ao abrigo do disposto no artº 22º do Estatuto de Aposentação.
Improcedem as Conclusões das alegações.
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Notifique e DN.

Porto, 07/3/2025

Fernanda Brandão
Paulo Ferreira de Magalhães
Rogério Martins