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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02257/20.1BEPRT-S2
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/23/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:MEIOS DE PROVA; PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL, PERICIAL E POR INSPEÇÃO JUDICIAL INDEFERIDA;
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO

Nos presentes autos em que é Autora PP--- e Réu o Município (...), ambos neles melhor identificados, foi proferido o seguinte Despacho:

Requerimento de fls. 844 SITAF: considerando a data do requerido, posterior ao despacho de 09.06.2021, o qual, todavia, só foi notificado às partes em 23.06.2021, e mais atendendo a que o conteúdo do requerido pela autora entronca no decidido naquele despacho, considera-se prejudicada a sua apreciação, para onde se remete, quer quanto ao alegado acto processual disforme, quer quanto à junção do processo administrativo.
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Considerando a causa de pedir, a posição das partes manifestada nos articulados e os documentos constantes dos autos, não existe matéria de facto controvertida com relevância para a decisão da causa, pelo que se julga desnecessária a produção da prova testemunhal, pericial e por inspecção judicial requerida, nos termos dos n.ºs 1 e 3 do artigo 90.° do CPTA.
Notifique.
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Nos termos do n.° 2 do artigo 87.°-B do CPTA, dispenso a realização de audiência prévia uma vez que a mesma apenas se destinaria ao fim previsto nas alíneas b) e d) do n.° 1 do artigo 87.°-A.
Notifique.
Deste, na parte que julgou desnecessária a produção de prova testemunhal, pericial e por inspecção judicial, vem interposto recurso.

Alegando, a Autora concluiu:

1. O despacho recorrido não cumpre as exigências legais, na medida em que não se mostra devidamente fundamentado pois não permite perceber as razões pelas quais a prova requerida se mostra claramente dilatória, desnecessária, assente ou irrelevante, nem incide sobre realidade onde seja evidente a desnecessidade de produção de prova testemunhal, o que tornava imprescindível essa fundamentação.
2. A prova testemunhal requerida pela Recorrente visa a prova dos factos constantes, nomeadamente, dos artigos 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 24º, 25º, 26º, 27º, 30º, 31º, 33º, 34º, 35º, 36º, 37º, 39º, 41º, 42º, 45º, 47º, 48º, 50º, 61º, 68º, 74º, 77º, 78º, 80º, 81º, 82º, 83º, 84º, 86º, 87º, 89º, 92º, 93º, 94º, 95º e 96º da p.i., e, a prova pericial tinha por objecto a matéria vertida nos artigos 2º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 15º, 16º, 17º, 18º a 24º, 29º a 31º, 33º a 37º, 39º, 41º a 45º, 47º, 48º, 49º, 61º, 66º, 67º, 68º, 77º a 96º da p.i..os quais contêm matéria de facto que foi impugnada e que não se encontra integralmente reflectida nos documentos juntos aos autos e ao processo instrutor, para além de que até contradizem elementos / informações documentais.
3. O tribunal a quo não fez correcta aplicação da lei porquanto atendendo às questões em causa e aos factos invocados pela Recorrente na sua p.i., a inquirição das testemunhas arroladas pela ora Recorrente e a prova pericial, revelam-se indispensáveis para a correcta decisão do pleito e para a garantia do princípio da tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos e interesses legítimos.
4. A norma em causa (90º, nºs 1 e 3 do CPTA) não diverge, na essência, da norma contida nos artigos 410º e 411º do Código de Processo Civil (CPC), ou seja, a recusa da produção de prova pelo juiz só pode ocorrer quando seja manifestamente impertinente ou dilatória, o que não é o caso, nem foi fundamentado.
5. O despacho recorrido não fundamenta minimamente o seu juízo sobre a desnecessidade de prova, sendo certo que no caso a prova não é manifestamente desnecessária, impertinente ou dilatória, ou seja, o despacho recorrido não fundamenta minimamente o juízo absolutamente conclusivo que nele é feito sobre a suficiência da prova, não permitindo ao seu destinatário compreender o itinerário valorativo e cognoscitivo contido em tal decisão, o que, no entender da ora Recorrente, viola claramente o artigo 90º, nº 1 e 3 do CPTA e também o artigo 154° do CPC.

6. As normas processuais não podem deixar de ser interpretadas em conformidade com este direito à prova constitucionalmente garantido, restringindo-se ao máximo as limitações ao direito em causa.
7. O entendimento subjacente ao despacho recorrido, ou seja, de que a interpretação e aplicação do artigo 90º, nº 1 e 2 do CPTA permite a dispensa de prova testemunhal e/ou pericial requerida pela ora Recorrente (e de forma discricionária), constitui uma violação profunda do direito à tutela jurisdicional efectiva constitucionalmente consagrados nos artigos 20°, n.ºs 1 e 4 e 268°, nº 4 da Constituição da República Portuguesa e 6º da CEDH.
8.A produção de prova testemunhal, pericial e/ou outra, eram e são no caso essenciais para a descoberta da verdade material e a realização da Justiça e há factos controvertidos que carecem de prova, pelo que terá que se abrir o necessário e respectivo período de instrução, sob pena de os factos alegados pela Recorrente e as várias soluções plausíveis para as várias questões de direito que se levantam, ficarem prejudicadas, o que é uma violação insuportável do direito constitucional e comunitário à tutela jurisdicional efectiva.
9. Deve aquela decisão da Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” ser revogada e substituída por outra que ordene a produção de prova, procedendo-se à selecção da matéria de facto, temas da prova e se dê lugar à apreciação e admissão dos respectivos requerimentos probatórios, sob pena de violação dos artigos 2º, 7º, 7º-A, 8º, 87º, nº 1, 90º do CPTA e 410º, 411º, 412º, 413º, 414º, 445º, 607º do CPC, sendo que, o referido despacho é ainda nulo atento o artigo 615º, nº 1 alínea b) e d) do CPC, com as legais consequências.
10. A subsistência de matéria de facto controvertida carecida de prova e a não admissão da realização dos actos instrutórios requeridos traduz-se numa violação ao princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado na Constituição da República Portuguesa, mas também, no plano internacional, na Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, vulgo Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no Tratado da União Europeia, na Carta Direitos dos Direitos Fundamentais da União Europeia e reconhecido pela jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da União Europeia.
11. E, se dúvidas houver relativamente à interpretação a dar ao artigo 6º do Tratado da União Europeia e ao artigo 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, caberá ao Tribunal ordenar, ao abrigo do artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, questionando-o se aqueles artigos deverão ser interpretados no sentido de não admitir, sob pena de violação do direito fundamental a um processo equitativo, que os órgãos jurisdicionais não permitam, em sede de instrução, que as partes ofereçam e realizem a prova requerida. E, ainda, por outro lado, qual a interpretação daqueles mesmos artigos no caso de o Tribunal dispensar a fase de produção de prova quando há factos controvertidos e ainda quando os factos a provar sejam essenciais e/ou indispensáveis ao apuramento de factos alegados pelas partes e que ainda não se considerem provados pela prova realizada até essa fase processual.
12. A ilustre Juiz “a quo” sempre o teria de fundamentar de modo a elucidar as partes sobre as razões pelas quais, no seu entender, se verificaria naquele caso concreto, uma putativa e “clara desnecessidade da prova requerida”.
13. A Mmº Juiz “a quo” errou pois deveria ter sido aberto período de produção de prova quanto à matéria de facto vertida nos artigos 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 24º, 25º, 26º, 34º, 35º, 36º, 37º, 39º, 41º, 42º, 45º, 47º, 48º, 50º, 61º, 80º, 81º, 82º, 83º, 84º, 86º, 87º, 89º, 92º, 93º, 94º, 95º e 96º da p.i., matéria que é relevante para a boa decisão da causa.
14. No caso vertente, terá ocorrido um vício formal sancionado com nulidade, nos termos do artigo 195º do CPC, o qual se aplica subsidiariamente.
15. A falta ou insuficiente e deficitária fundamentação de um despacho que indefira ou que se pronuncie pela inadmissibilidade da prova (testemunhal/pericial) requerida, é sancionada com nulidade e não tendo havido lugar àquele meio de prova que foi requerido, nem a despacho fundamentado quanto à sua não admissão, o conhecimento integral da causa ficou, liminarmente, comprometido.
16. Além do exposto, houve a fls., a omissão de um acto e formalidade que a lei prescreve, com influência no exame e decisão da causa, o que, gera nulidade, que expressamente se invoca nos termos do artigo 195º do CPC e incorreu ainda em omissão de pronúncia, o que gera a nulidade da sentença recorridos. (artigo 615º nº d) do CPC).

Termos em que deve o presente recurso ser provido e julgado procedente com as legais consequências e, em consequência, ser conhecida e declarada a nulidade ao abrigo do artigo 615º, b) e d) do CPC decorrente da omissão, preterição suscitada e ser o douto despacho recorrido revogado, com as legais consequências, como é de
JUSTIÇA!!!

Não foram juntas contra-alegações.

O MP, notificado ao abrigo do disposto no artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
DE FACTO -
Mostra-se apurada a seguinte factualidade:
1-O Tribunal a quo, por despacho, julgou desnecessária a produção de prova testemunhal, pericial e por inspecção judicial;
2.Desse despacho, que julgou desnecessária a produção de prova, vem interposto recurso.

DE DIREITO -
Como se vê, o Tribunal a quo julgou desnecessária a produção de prova testemunhal, pericial e por inspecção judicial.
Desse despacho foi interposto recurso.
Aquele despacho recorrido traduz uma decisão de rejeição de um meio de prova, e por isso, é susceptível de recurso, nos termos do artigo 644.º, nº 2, alínea d) do Código de Processo Civil (CPC).
Assim, o presente recurso vem interposto daquele despacho segundo o qual “considerando a causa de pedir, a posição das partes manifestadas nos articulados e os documentos constantes dos autos, não existe matéria de facto controvertida com relevância para a decisão da causa, pelo que se julga desnecessária a produção da prova testemunhal, pericial e por inspecção judicial requerida, nos termos dos nºs 1 e 3 do artigo 90º do CPTA”.
Vejamos,
Atento o disposto no artº 90º/1 do CPTA a realização de uma fase de instrução (e os termos da mesma) é livremente decidida pelo juiz: “No caso de não poder conhecer do mérito da causa no despacho saneador, o juiz ou relator pode ordenar as diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade”.
Como resulta expressamente do preceito, a promoção de tais diligências constitui uma mera possibilidade (um poder/dever), não uma obrigatoriedade ou, em rigor, um poder legal de exercício judicialmente vinculado (neste sentido e dando nota, de modo claro, da faculdade que os tribunais dispõem de se poderem abster de abrir uma fase de instrução ou de realizar diligências suplementares necessárias para a descoberta da verdade material vide Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha, em Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed. revista, Almedina, 2010, págs. 600/601).
Trata-se de uma faculdade probatória típica de um processo em que o princípio do inquisitório é prevalecente, constituindo, pois, uma das manifestações mais marcantes da maior responsabilização e confiança atribuídas ao juiz pelo CPTA (Rui Machete em “Poderes do Tribunal: O Juiz” in A Nova Justiça Administrativa, Centro de Estudos Judiciários, Coimbra Editora, 2006, págs. 129/130).
O mesmo artigo 90º do CPTA, no nº 2, é elucidativo ao considerar que tal normativo autoriza o juiz a “indeferir, mediante despacho fundamentado, requerimentos dirigidos à produção de prova sobre certos factos ou recusar a utilização de certos meios de prova, quando o considere claramente desnecessário”.
Pretende-se, deste modo, evitar, nas palavras de Mário Aroso, “que os requerimentos de prova possam ser utilizados como um expediente manifestamente dilatório, exigindo do juiz que avalie, em cada caso, da necessidade dos meios de prova a adoptar em função das especificidades próprias do objecto típico dos processos da acção administrativa especial, que, quando neles não sejam cumulados pedidos que corresponderiam à forma da acção administrativa comum, apenas visam a fiscalização da legalidade da emissão (ou omissão) de actos administrativos ou normas regulamentares, e, por isso, na maioria dos casos, são processos em que a demonstração dos factos relevantes para a sua apreciação se basta com a produção de prova documental” (em Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2010, pág. 376).
Nesta mesma linha, Carlos Cadilha afirma, por reporte à fase instrutória:
“O juiz pode entender, no entanto, que não existem factos controvertidos necessitados de prova (mormente por considerar que a prova documental existente no processo é suficiente para fixar os factos materiais da causa), e remeter o processo directamente para alegações (visto que as partes delas não prescindiram), indeferindo os requerimentos de prova que eventualmente tenham sido deduzidos nos articulados (artigo 90.º, n.º 2)” (in Dicionário de Contencioso Administrativo, Almedina, 2006, pág. 288).
Querer impor ao Tribunal a quo a selecção de meras realidades de índole conclusiva e querer, inclusivamente, impor a produção de outros meios de prova (para além da prova documental) que, na situação concreta, manifestamente não se justificam, porquanto o que está em causa é apenas aferir da validade de um acto administrativo, é solução juridicamente inadmissível que, desse modo, não pode ser atendida.
Por outras palavras, o CPTA não estabelece a obrigatoriedade de produção de prova (testemunhal ou outra), antes confere ao juiz o poder de avaliar/ajuizar da necessidade da sua realização.
A produção de prova testemunhal (ou outra) está dependente da constatação da sua “necessidade” para a decisão da causa segundo o juízo de aferição do julgador, pelo que, não constitui uma formalidade vinculada e imposta por lei.
Está, pois, em causa o princípio do inquisitório na busca da verdade material. O julgador, na averiguação da verdade material, não está limitado aos meios de prova requeridos pelas partes. Isto significa que poderá ordenar diligências de prova que não lhe foram requeridas, desde que as considere necessárias, e também, que poderá recusar diligências probatórias que lhe foram apresentadas, desde que as repute dispensáveis.
Na situação presente, o Tribunal decidiu, por despacho no qual não vislumbramos qualquer erro, indeferir a produção de prova testemunhal, pericial e por inspecção, uma vez que vista a causa de pedir, a posição das partes manifestadas nos articulados e os documentos constantes dos autos, não existe matéria de facto controvertida com relevância para a decisão da causa, pelo que se julga desnecessária a produção de tal prova.
Revemo-nos, pois, nesta leitura.
“A prova testemunhal requerida visa a prova dos factos
constantes, mormente, dos artigos 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 15º, 16º,17º,18º,
19º,20º,21º,24º, 25º,26º,27º,30º,31º,33º,34º,35º,36º,37º,39º,41º,
42º,45º,47º,48º, 50º,61º,68º,74º,77º,78º,80º,81º,82º,83º,84º,86º,
87º,89º,92º,93º, 94º, 95º e 96º da p.i., e, a prova pericial tinha por objecto
a matéria vertida nos artigos 2º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 15º, 16º, 17º, 18º a 24º, 29º a 31º, 33º a 37º, 39º, 41º a 45º, 47º, 48º, 49º, 61º, 66º, 67º, 68º, 77º a 96º da p.i.” - aponta a Recorrente.
Ora, analisada esta matéria constata-se que não tem substrato factual (ou é matéria conclusiva ou de Direito) passível de realização de prova pelas vias requeridas.

Tal equivale a dizer que as diligências solicitadas se revelam desnecessárias e inúteis.
A prova documental tem virtualidade para alcançar o desiderato que com estas se visa conseguir.
A necessidade de procurar a verdade material tem que ser analisada em confronto com exigências de celeridade e economia processuais e de boa gestão processual; devem/têm de ser evitadas diligências impertinentes e inúteis.
Termos em que se arreda a realização das faladas diligências.
Ademais, ainda que mínima, a fundamentação do despacho recorrido permite aos destinatários perceber as razões da desnecessidade de realização de provas acrescidas: a inexistência de matéria de facto controvertida com relevância para a decisão da causa, atendendo à causa de pedir, posição das partes manifestada nos articulados e documentos constantes dos autos.

Improcedem, desta feita, as Conclusões das alegações.

DECISÃO
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Notifique e D.N.

Porto, 23/6/2022


Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Alexandra Alendouro