Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00444/15.3BECBR-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/06/2015
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:PEDIDO DE INTERVENÇÃO ACESSÓRIA
Sumário:Nos termos do Artigo 322.º CPC (art.º 331.º CPC 1961), o despacho que incida sobre pedido de chamamento de parte à Ação, indeferindo-o ou deferindo-o, é atualmente irrecorrível.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Centro Hospitalar e Universitário de C...,
Recorrido 1:DCM
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Reclamação
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
O Centro Hospitalar e Universitário de C..., “(…) não se conformando com despacho que não admitiu o recurso interposto para o Tribunal Central Administrativo do Norte, vem dele reclamar ao abrigo do disposto no Artº 144º nº 3 CPTA”.

Efetivamente, argumenta-se na aludida Reclamação do CHUC (Cfr. Fls. 3v a 5 Procº físico):
“O Centro Hospitalar e Universitário de C..., E.P.E., Réu nos autos supra referenciados, notificado do despacho de 15.06.2015 que não recebeu o recurso interposto para o Tribunal Central Administrativo do Norte, vem dele reclamar, nos termos do art. 144° n.° 3 do CPTA, o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:

1. O processo supra referenciado foi proposto pela Autora contra o Hospital Réu por alegada má prática médica de três médicos seus funcionários. O artigo 8° n.° 1 e 3 da Lei n.° 67/2007 de 31 de dezembro determina que o Estado e demais Entidades Coletivas Públicas têm direito de regresso sobre os seus servidores, em caso de serem obrigados a indemnizar alguém por danos causados pelos seus servidores com dolo ou negligência grave (revelada em diligência manifestamente inferior à devida em razão do cargo), pelo que requereu este Centro Hospitalar a intervenção provocada acessória dos médicos envolvidos no caso concreto.
2. Isto porque a Autora alegou na sua PI, entre outros factos, que quando acordou da cirurgia efetuada pelos clínicos "estava toda cortada", que durante meses apenas foi assistida pelos clínicos por sua insistência e pela da sua filha e que dos médicos optou pelos procedimentos cirúrgicos não por serem as abordagens cirúrgicas adequadas à sua situação clínica mas porque "ia perder imenso tempo e o tempo que estava a fazer esse enxerto posso fazer outras coisas". Acrescentou ainda que os danos peticionados se ficaram a dever "a negligência dos agentes intervenientes nos atos médicos a que a autora foi sujeita, não tendo os mesmos respeitado minimamente as legis artis". (sublinhado e negrito nosso).
3. Por despacho proferido em 15 de junho de 2015, o Tribunal “a quo”, por considerar que a Autora não alegou que os danos peticionados se tenham ficado a dever a uma atuação dolosa ou gravemente negligente dos chamados, indeferiu o pedido de intervenção acessória realizado pelo CHUC nos termos do art. 322° n.° 2 do CPC.
4. E foi deste despacho que o Hospital Réu interpôs recurso porquanto o art 8° n.°1 da Lei 67/2007 de 31 de dezembro determina expressamente que "Os titulares de órgãos, funcionários e agentes são responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, por eles cometidas com dolo ou com diligência e zelo manifestamente inferior àqueles em que se encontravam obrigados em razão do cargo", acrescentando o seu n.° 2, nestes casos, a responsabilidade solidária do Hospital.
5. Ora, a diligência e zelo manifestamente inferior àqueles em que se encontravam obrigados em razão do cargo pressupõem uma atuação negligente por parte dos clínicos visados, sendo que da leitura pormenorizada da PI facilmente se conclui que na configuração que a Autora deu à lide, são alegadas atuações por parte dos clínicos assistentes que, a ser verdade, preencheriam um grau de culpa substancialmente mais grave do que o que integra a culpa leve, sendo posteriormente o Hospital Réu obrigado a exercer o direito de regresso contra os clínicos, nos termos do art. 6° da supracitada Lei.
6. O campo de aplicação do incidente de intervenção acessória provocada consta do artigo 321° do CPC que determina que “O réu que tenha ação de regresso contra terceiros para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal." Ora,
7. O recurso foi proposto nos termos do art. 644° n.° 2 al h) do CPC, aplicável por remissão do art. 144° n.° 3 do CPTA, uma vez que a impugnação do despacho de indeferimento do chamamento dos médicos com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil.
8. Tal interposição foi rejeitada, por despacho proferido a 15.06.2015, por entender o tribunal “a quo” que:
"Nos termos do art 142° n.° 5 do CPTA as decisões interlocutórias devem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final, exceto nos casos de subida imediata previstos no CPC.
9. Contudo, se assim fosse, como poderiam os chamados auxiliar na defesa de um processo cuja prova já se encontra totalmente produzida? Se o despacho de indeferimento apenas pudesse ser impugnado com a decisão final e porventura viesse o Tribunal Central Administrativo do Norte a entender que efetivamente a intervenção provocada acessória dos médicos deveria ter sido deferida voltaria a repetir-se todo o julgamento?
10. Não se compreende o recurso ao art. 142° n.° 5 do CPTA, para afastar o regime previsto no art. 644° n.° 2 al. h) do CPC, quando o n.° 2 do mesmo artigo regula a sua previsão.
11. De facto, estamos perante uma decisão que a ser impugnada com o recurso final, o seu resultado seria absolutamente inútil.
12. O recurso é proposto com base numa previsão da lei civil, mas aplicável por remissão de uma norma processual administrativa relativas ao regime dos recursos pelo que não se compreende como se pôde indeferir o sobredito chamamento, afastando uma prerrogativa expressamente prevista no CPTA.
13. Neste conspecto, e por se encontrarem preenchidos os dois pressupostos de que depende a admissibilidade do recurso, não poderia o mesmo ter sido rejeitado como foi.
14. Pelo que, entende o aqui reclamante, que nunca poderia o tribunal “a quo" lançar mão do n.° 5 do art. 142 do CPTA para rejeitar o recurso. TERMOS EM QUE,
Por tudo o que foi exposto, nos termos do art. 144° n.° 3 do CPTA, e por se aplicar ao caso sub iudice o art. 644° n.° 2 al. h) do CPC, por remissão do art. 142° n.° 3 do CPTA requer-se a V. Ex.ª se digne a admitir o recurso interposto, pois só assim se fará a tão costumada JUSTIÇA!”

Notificada a contraparte nada veio esta dizer, contra-alegar ou requerer.
* * *
Efetivamente, o pedido do CHUC de intervenção provocada acessória de clínicos que participaram na cirurgia que determinou o pedido indemnizatório, foi indeferido por despacho de 15.06.2015, pelo juiz titular do Processo no TAF de Coimbra, nos seguintes termos:
“O Réu CHUC invoca os termos do artigo 8º da lei nº 67/2007 de 31/12 e o direito de regresso ali previsto para alegar que estão reunidos os pressupostos para a intervenção acessória provocada dos sobreditos profissionais.
Resulta dos termos dos artigos 7º e 8º da Lei nº 67/2007 de 31/12 que o Estado e as pessoas coletivas públicas não têm direito de regresso sobre os seus servidores em caso de serem obrigados a indemnizar alguém por danos causados pelos seus servidores com culpa leve.
Tal direito de regresso só existe se os danos forem devidos a dolo ou negligência grave (revelada em diligência manifestamente inferior à devida em razão do cargo), cf. artigo 8º nºs 1 a 3.
O Autor não alega que os alegados danos se devam a uma atuação dolosa ou gravemente negligente dos chamandos.
Por sua vez, o Réu sustenta na contestação expressamente o contrário disso (artigos 196º e 197º da contestação).
Portanto, do ponto de vista do Autor, não tem consistência alguma um qualquer direito de regresso sobre os seus empregados, sob pena de estar a litigar de má-fé, pois quem afirma um facto (de boa-fé), não pode admitir, mesmo à cautela, o seu contrário.
Resulta do nº 2 do artigo 322º nº 2 do CPC que o pedido de intervenção acessória só é deferido se, além do mais, uma ação de regresso se mostrar viável.
Como assim, nos termos desta norma indefiro o pedido de intervenção acessória dos acima indicados servidores do Réu CHUC.”

Estabilizemos cronologicamente a seguinte factualidade:
1 – O CHUC na contestação da Ação (Procº nº 444/15BECBR), requereu a “intervenção provocada assessória” dos três clínicos participantes na cirurgia determinante do pedido indemnizatório apresentado;
2 – O Juiz titular do Processo despacha em 15-06-2015, no sentido do indeferimento da requerida intervenção provocada assessória. (Cfr. Fls. 15v e 16 Procº físico);
3 – O CHUC recorre do despacho referido no precedente facto, em 2 de Julho de 2015 (SITAF) - (Cfr. Fls. 8v a 14 Procº físico);
4 - O Juiz titular do Processo despacha em 07-07-2015 (SITAF), (15-06-2015 no Processo físico!!), no sentido da não admissão do recurso interposto pelo CHUC relativamente ao indeferimento da requerida intervenção provocada assessória – Ato aqui Reclamado - (Cfr. Fls. 7v Procº físico);
5 – Em 16 de Outubro de 2015 (SITAF/TCAN) o CHUC reclama para este TCAN do Despacho referido no precedente facto, nos termos do Artº 144º nº 3 CPTA.
* * *
Analisemos o suscitado:
Com efeito, o TAF de Coimbra, por despacho proferido em 15 de junho de 2015, indeferiu o pedido de intervenção acessória apresentado pelo CHUC, nos termos do art. 322° n.° 2 do CPC.

Independentemente da bondade das razões invocadas, que aqui não relevam, importa atender à nova redação do referido Artº 322º nº 2 CPC, relativo à dedução do chamamento, decisiva para a decisão a proferir.
Aí se diz, no que aqui importa (sublinhado nosso):
Artigo 322.º (art.º 331.º CPC 1961)
“Dedução do chamamento
1 – (…)
2 - O juiz, ouvida a parte contrária, aprecia, em decisão irrecorrível, a relevância do interesse que está na base do chamamento, deferindo-o quando a intervenção não perturbe indevidamente o normal andamento do processo e, face às razões invocadas, se convença da viabilidade da ação de regresso e da sua efetiva dependência das questões a decidir na causa principal.”

Era a seguinte a anterior redação do correspondente Artº 331 CPC, no que aqui releva:
“Artigo 331.º
Dedução do chamamento
1 – (…)
2 - O juiz, ouvida a parte contrária, deferirá o chamamento quando, face às razões alegadas, se convença da viabilidade da ação de regresso e da sua conexão com a causa principal.

Aliás, o Desembargador António Martins, em anotação ao novel Artigo 322º (CPC 2013 – Comentários e anotações práticas – Almedina 2013), refere sintomaticamente:
“Corresponde ao Artº 331º CPC revogado com … significativas diferenças: (…) a decisão que defere ou indefere o chamamento é irrecorrível”.

Mostra-se assim que a decisão que incida sobre pedido de chamamento é agora irrecorrível, por opção expressa e explicita do legislador, independentemente das razões que a determinaram.

Assim, resta a este Tribunal reconhecer essa circunstância, em face do que, ainda que com base em diversa argumentação, importa confirmar o despacho do TAF de C... de 07-07-2015 (SITAF), (erradamente identificado como sendo de 05-06-2015 no Processo físico), que não admitiu o recurso do CHUC, face ao despacho que indeferiu o requerimento de intervenção acessória provocada, por ser aquele inadmissível, nos termos da nova redação do nº 2 do Artº 322º CPC
* * *
Em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, julgar improcedente a Reclamação apresentada face ao Despacho de não admissão do Recurso.

Porto, 6 de Novembro de 2015
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Luís Migueis Garcia