Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02537/10.4BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/24/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:CRISTINA DA NOVA
Descritores:ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO E DIREITO;
NOTAS DE CRÉDITO, ORIGINAIS;
DESCONTOS, REGULARIZAÇÃO DO IVA;
Sumário:
1-“A cooperação comercial” entre a recorrida e fornecedores estrangeiros, na medida em que dá acesso e fornece informação de bases de dados de clientes, proporciona lançamento de novos produtos, acesso ao programa de eficiência administrativa, gestão de categorias não constituem o conceito residual de prestações de serviços para efeitos do art. 4.º, e art. 16.º, n.º1, do CIVA;

2- Os elementos essenciais da transação devem ser identificados de forma a determinar se o sujeito passivo está a fornecer ao consumidor várias prestações de serviços principais ou uma prestação de serviço única. A jurisprudência considera que se está perante uma prestação única (ainda que composta), no caso em que um ou vários elementos devem ser considerados prestação principal ao passo que, inversamente, um ou vários elementos devem ser considerados prestações acessórias que partilham do mesmo tratamento fiscal da prestação principal, numa aplicação da regra accessorium sequitur principale. Os elementos que compõem uma prestação podem ser parte integrante da mesma ou serem meramente acessórios.

3- No caso dos autos tem aplicação tal jurisprudência, na medida em que acoplado a uma transmissão de bens está também, a título acessório ou dependente, um serviço que beneficia, em boa medida, ambas as partes, proveniente de uma ação que promove ou potencia, o negócio, vender mais e mais barato e quem fornece aumenta exponencialmente as suas vendas ou fornecimento de bens, afastando, outros concorrentes com produtos similares, por sua vez, o adquirente dos bens, vai vender mais barato no quadro da concorrência, sem que se destaque uma prestação de serviço, em sentido autónomo, pois, não se figura entre a concreta prestação de serviço e o contravalor recebido (no caso o aumento das vendas na esfera do fornecedor) qualquer nexo direto entre o serviço prestado e o benefício auferido pela contraparte.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência a Subsecção Comum do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1.RELATÓRIO

A Fazenda Pública inconformada com a sentença que julgou procedente a impugnação judicial da liquidação adicional do IVA do exercício de 2003 e correspondentes juros compensatórios.
*
A recorrente, formula nas respetivas alegações (fls. 1260-1262) as seguintes conclusões que se reproduzem:

«A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), referente aos períodos 03/01 a 03/06 (janeiro a junho do ano de 2003) e correspondentes juros compensatórios, no montante global de €565.737,66 Atendendo a que em sede de reclamação graciosa foi deferido parcialmente o pedido da reclamante, ora impugnante, que determinou a correção da liquidação n.º ...58 referente ao período de imposto de Fevereiro no montante de €71.569,15 para o montante de €71.479,15 (diferencial de €90), o valor impugnado enferma em erro (por excesso)..
B. Salvo o devido respeito por melhor opinião, a Fazenda Pública considera que a sentença proferida, enferma de erro de julgamento de facto e de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação das normas legais, enferma igualmente de erro na seleção da matéria de facto bem como nos factos dados como assentes infra mencionados, determinante da sua revogação e substituição por outra decisão que considere os alegados vícios em causa improcedentes.
C. Entende a Fazenda Pública que a Administração Tributária logrou fazer prova de que estavam verificados os pressupostos legais que legitimaram a sua atuação, como observa o TCA Sul, em acórdão de 24.01.2012, proc. 05079/1 e o STA, assinala em acórdão de 17.04.2002, proc. 026635.
D. Era à impugnante, que pretendia beneficiar de isenção ou do direito à regularização do IVA, invocando explícita ou implicitamente o respetivo direito, que cabia alegar e provar, nos termos citados, como fundamento do direito que pretendia ver reconhecido, os factos de que concretamente decorria esse direito.
E. O douto Tribunal à quo valorou indevidamente a prova testemunhal apresentada pela impugnante (sendo todas as testemunhas ex-funcionários da [SCom01...] ou do «Grupo 1...»), nomeadamente deu como provado factos que só o poderiam ter sido mediante prova documental, que não foi efetuada, não sendo manifestamente suficientemente consistente para legitimar a sua pretensão. A impugnante efetuou apenas uma tentativa de prova genérica, não individualizada por operação controvertida.
F. Os factos plasmados nos pontos 13 e 14 do probatório encontram-se insuficientemente provados, a impugnante juntou aos autos apenas 5 notas de crédito emitidas pela fornecedora “[SCom02...]” do total do rol de 36 em crise (cfr. notas de créditos de fls. 574 a 584 dos presentes autos físicos),
G. verifica-se um erro no facto dado como provado no ponto 14 do probatório, porquanto as notas de crédito n.ºs 18675, 18652 aí mencionadas são do Fornecedor “[SCom03...]” e não da “[SCom02...]” (cfr. notas de créditos de fls. 574 a 584 dos presentes autos físicos),
H. os factos plasmados nos pontos 15 e 16 do probatório encontram-se insuficientemente provados, a impugnante juntou aos autos apenas 6 notas de crédito emitidas pela fornecedora “[SCom02...]” do total do rol de 36 em crise e apenas 6 das correspondentes notas de débito emitidas pela impugnante do total do rol de 36 em crise (cfr. notas de débito e crédito juntas de fls. 648 a 667 dos presentes autos físicos),
I. e não se poderiam ter dado como provados os factos plasmados nos pontos 21 e 22 do probatório na medida em que as alegadas notas de crédito emitidas pela [SCom01...] à “[SCom04...]” não são as originais mas sim DUPLICADOS, não possuindo, como bem é sabido, a devida força probatória para efeitos de IVA,
J. nesta medida não se poderiam dar como provados os factos mencionados nos pontos 13, 14, 15, 16, 21 e 22.
K. No douto acórdão do TCAS proferido no processo 03012/09 datado de 20/10/2009 foi decidido que “Em sede de IVA para provar o direito à dedução do imposto apurado em certo período, ou para provar que certas operações (vendas) beneficiam do imposto à taxa zero, a mesma só pode ser efetuada pelas pertinentes faturas ou documentos equivalentes, passadas na forma legal, emitidas pelos vendedores dos bens ou prestadores dos serviços. E tal ónus probatório cabe ao sujeito passivo do imposto quando é este que invoca os factos neles evidenciados como constitutivos do seu direito à anulação da liquidação”.
L. As “rubricas” respeitantes a Receitas Diversas Comerciais (RDC) e Cooperação Comercial (CC) a fornecedores estrangeiros, corrigidas pelos SIT, correspondem a prestações de serviços localizadas no território nacional, nos termos do n.º 4 do art.º 6.º do CIVA pelo que, tais prestações de serviços são sujeitas a IVA e dele não isentas, cometendo a empresa uma irregularidade tributária ao não proceder à respetiva liquidação do imposto nos documentos emitidos a fornecedores estrangeiros.
M. A impugnante tratou contabilisticamente quer as Receitas Diversas Comerciais (RDC) quer a Cooperação Comercial (CCC) como Proveitos suplementares – conta 737 do POC, e não como descontos.
N. Ademais, mesmo que de descontos se tratasse, quer nos proveitos relativos a RDC quer nos proveitos relativos a CCC, haveria sempre lugar a liquidação de IVA: nesse sentido vai a jurisprudência vertida na sentença proferida no processo de impugnação n.º 838/04.0 BEPRT.
O. Sendo certo que as “indemnizações por lucros cessantes” estão sujeitas a IVA, na medida em que têm subjacente a contraprestação de uma operação tributável – prestação de serviços, como decorre do art.º 16.º conjugado com a alínea a) do n.º 1 do art.º 1.º e com o art.º 4.º, todos do Código do IVA, sendo tributadas à taxa normal prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º 18.º do referido código,
P. não poderia o douto Tribunal a quo, ter considerado provado genericamente e em abstrato que as penalizações e indemnizações em análises (sem a devida análises factual de cada operação em concreto nem a devida prova documental) encontravam-se todas não sujeitas a IVA!!
Q. Considera a Fazenda Pública que: proporcionar o acesso e fornecimento de informação de bases de dados de clientes, proporcionar o acesso ao lançamento de novos produtos, proporcionar acesso ao programa de eficiência administrativa, proporcionar o acesso a um programa de gestão de categorias (etc..); integram o conceito residual de prestação de serviços, ínsito no art. 4° do CIVA (estando aqui em causa um direito, “o acesso a”).
R. Não existe nenhum óbice legal a que uma prestação de serviços seja indexada a um resultado obtido (método indireto).
S. Quer relativamente aos documentos emitidos às empresas [SCom02...] e [SCom03...], quer às notas de crédito emitidas à [SCom04...], consideraram os SIT, e bem entende a Fazenda Pública, que a impugnante não tinha direito à regularização do IVA uma vez que não estavam preenchidos os pressupostos do n° 5 do art. 7l.º do CIVA.
T. A impugnante não tinha na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação do imposto.
U.Consideraram os SIT que a emissão por parte da impugnante de notas de débito de serviços prestados de cooperação comercial, taxados à taxa normal de IVA, era o procedimento correto.
V. Na medida em que as regularizações consignadas no n° 2 do art. 71º do CIVA são uma faculdade concedida ao sujeito passivo/impugnante e não uma obrigatoriedade, competia ao sujeito passivo/impugnante fazer a prova exigida no n° 5 do art. 7l.º do CIVA para legitimar a respetiva regularização do IVA, prova que não logrou efetuar.
W. Por tudo exposto, considera a Fazenda Pública que se mostram legais as liquidações adicionais efetuadas, mostrando-se igualmente legais as liquidações de juros compensatórios, liquidados nos termos do art. 89° do CIVA e art. 35° da LGT por ter sido retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo.
X. Padecendo a douta decisão recorrida de erro de julgamento, porquanto assentou em prova manifestamente insuficiente e, daquela que levou ao probatório, não procedeu ao seu devido enquadramento e valoração, ocorre nos presentes autos, sempre com o devido respeito, erro de julgamento no tocante à matéria de facto e de direito.
Y. Considera igualmente a Fazenda Pública, ao contrário do entendimento do meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, que se encontram preenchidas todas as condições previstas no art. 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), pois, a causa não foi de complexa decisão, não houve incidentes, nem má conduta processual das partes,
Z. acrescendo dizer que nem sequer houve inquirição de testemunhas (houve aproveitamento de prova testemunhal produzida no processo 2536/10.6BEPRT), pelo que se impõe a revogação da decisão de não dispensa do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do disposto no n.º 7 do art. 6.º do RCP.
Sem conceder,
subsidiariamente se doutamente assim não se entender,
AA. ainda assim andou mal o Juiz do Tribunal a quo, no que diz respeito à primeira correção impugnada quando, de acordo com as suas ilações, deveria apenas ter determinado a sua anulação parcial.
BB. Pese embora o meritíssimo Juiz do Tribunal a quo ter entendido que “Quanto às demais rúbricas - “linear secção”, “referenciação”, “check-out” e “outros” -, não deverá proceder o alegado pela Impugnante, devendo manter-se a correção efetuada pela AT quanto às mesmas.”,
CC. no entanto, e atenta a procedência meramente parcial das ilegalidades imputadas à correção em causa, decidiu que não era possível a anulação parcial de tal correção.
DD. O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, quando considerou que não se estava perante uma correção meramente aritmética.
EE. Com tal conclusão não podemos concordar, com efeito o ato tributário, enquanto ato divisível, tanto por natureza como por definição legal, é suscetível de anulação parcial. Neste tocante, chama-se à colação o decidido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 30/04/2013, proferido no processo 01374/12, bem como a jurisprudência pacífica recentemente afirmada pelo Pleno da secção de Contencioso Tributário do STA (cfr. Acórdão do Pleno de 10 de abril de 2013, proferido no recurso n.º 298/12).
Termos em que, e nos melhores de direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente recurso, e ser revogada a douta sentença recorrida, com as inerentes consequências legais, com o que se fará inteira JUSTIÇA.»

*
A recorrida, [SCom05...], S.A. contra-alegou, ampliando o âmbito do recurso para o caso de proceder o da recorrente, do seguinte modo:
«1. A Recorrente/FP impugna o julgamento da matéria de facto.
2. Para além do erro evidente da Recorrente/FP (de que falaremos abaixo), importa desde já dizer que a impugnação do julgamento da matéria de facto obedece a regras processuais, condensadas no artigo 640º do CPC (Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto).
3. Ora, como se denota da alegação da Recorrente/FP, esta não cumpriu o sobredito ónus de especificação, pelo que deve ser rejeitada a impugnação do julgamento da matéria de facto que ensaiou.
4. Por outro lado, se o que a Recorrente/FP pretendia era impugnar os documentos, então deveria ter obedecido ao disposto nos artigos 444º e ss. do CPC - o que a Recorrente/FP também não fez.
5. Sendo certo que não se vislumbra qualquer fundamento legal para não conferir relevo a documentos designados como "duplicados".
6. Tão pouco do CIVA resulta que os documentos denominados "duplicados" não têm qualquer força probatória para efeitos de IVA.
7. Antes pelo contrário, nos termos do artigo 36º nº 4 do CIVA as facturas ou documentos equivalentes (designadamente notas de débito ou notas de crédito) devem ser processados em duplicado.
8. Sendo certo que a força probatória material dos documentos é aquela que advém do disposto nos artigos 362º e ss. do CC.
9. E que processualmente vigora o princípio geral da livre apreciação das provas pelo Tribunal, conforme decorre do disposto no artigo 607º nº 5 do CPC.
10. Finalmente, não se percebe porque é que a Recorrente/FP afirma que seria necessário que a Recorrida/Impugnante tivesse junto 36 de notas de crédito - nem a Recorrente/FP o justifica.
11. A Recorrida/Impugnante junta os documentos que entende e em número que reputar conveniente — inexistindo qualquer disposição legal que a obrigue a juntar documentos em número pré-determinado, muito menos no número infundadamente considerado "necessário" pela Recorrente/FP.
12. Em suma, não se percebe a argumentação da Recorrente/FP no âmbito da "impugnação" da decisão relativa à matéria de facto que aquela terá procurado (?) fazer.
Sem prescindir,
Quanto à correcção de Euro 87.967,47, relativa a IVA não liquidado em pretensos serviços prestados a fornecedores não residentes
13. Aqui estão em causa débitos efectuados a fornecedores comunitários, não residentes, com o seguinte "descritivo": "penalizações logística, penalizações comerciais genéricas, penalizações controlo qualidade, penalizações etiquetagem/rotulagem, débitos de compensação de margens, linear secção, referenciação, análises laboratoriais, check out, débitos de reacção a shopping e outros" (cfr. 2. da factualidade provada).
14. Diz a Recorrente/FP que a [SCom01...] (bem como a Recorrida/Impugnante, incorporante por fusão da [SCom01...] — cfr. 1. da factualidade provada) "liquidava IVA nas prestações de serviços similares a fornecedores nacionais".
15. Ora, para além da Recorrente/FP não fundamentar essa sua asserção, essa factualidade não foi dada por provada, nem a Recorrente/FP impugna o julgamento da matéria de facto provada neste segmento (neste caso por omissão).
16. Não podendo assentar as suas alegações em factualidade que não foi dada por provada.
17. Já para não falar da circunstância de se tratar de factualidade irrelevante para a decisão de mérito segundo as diferentes soluções plausíveis — pois o que estava em questão eram débitos a fornecedores estrangeiros, conforme resulta inequivocamente dos sinais dos autos (cfr. designadamente o ponto 34. da factualidade provada).
18. Pelo que a sobredita factualidade não foi nem tinha de ser conduzida à factualidade provada ou não provada.
Acresce que,
19. Considera a Recorrente/FP que aos débitos da [SCom01...] aqui concretamente em questão estão subjacentes serviços prestados pela [SCom01...] aos seus fornecedores estrangeiros.
20. Importa desde logo dizer que, contrariamente ao considerado pela Recorrente/FP, no âmbito desta correcção não estão em causa quaisquer alegados serviços de "cooperação comercial" ("CC", segundo lhes chama a Recorrente/FP).
21. Mas tão só os débitos das RDC's ("Receitas Diversas Comerciais") acima elencadas em 32, conforme resulta dos sinais dos autos, designadamente dos pontos 2, 7 e 8 matéria de facto provada.
22. Com efeito, quanto ao IVA não liquidado em pretensos serviços de cooperação comercial ("CC", para a Recorrente/FP) prestados a fornecedores não residentes reporta-se outra correcção (de Euro 98.187,58) que não esta — e que será abordada oportunamente (ver infra).
23. Conforme resulta dos sinais dos autos, designadamente de 9 e 10 da factualidade provada.
24. A Recorrente/FP mistura erradamente as correcções de IVA em confronto e que são autónomas, tal como resulta do próprio relatório inspectivo,
25. procurando dessa forma iludir insidiosamente o leitor, tentando induzi-lo em erro conferindo o mesmo enquadramento jurídico a factualidade distinta - que a própria AT autonomizou no relatório inspectivo, como dele consta (cfr. 33. e 34. da factualidade provada e o relatório inspectivo mencionado nesses pontos).
26. A Recorrente/FP lavra pois em erro intencional, para com isso tentar alcançar erro interpretativo do julgador - o que, no mínimo, é lastimável.
Por outro lado,
27. Como acima se disse, estão em causa "penalizações logística, penalizações comerciais genéricas, penalizações controlo qualidade, penalizações etiquetagem/rotulagem, débitos de compensação de margens, linear secção, referenciação, análises laboratoriais, check out, débitos de reacção a shopping e outros".
28. Considera a Recorrente/FP que aos débitos da [SCom01...] aqui concretamente em questão estão subjacentes serviços prestados pela [SCom01...] aos seus fornecedores estrangeiros.
29. Invocando a Recorrente/FP que as sobreditas rubricas aqui em causa "Como bem explica o RIT, trata-se uma de uma receita diversa mas não de uma receita de publicidade".
30. Ora, não se retira essa matéria de facto da factualidade provada — e a Recorrente/FP não impugnou o julgamento da matéria de facto, não cumprindo o ónus jurídico que lhe competia, como acima se referiu (vide supra).
31. Com efeito, o que se denota é que a Recorrente/FP, ao invés de se insurgir contra a douta Sentença recorrida, como deveria — pois está em causa um recurso jurisdicional interposto da Sentença - insiste até à exaustão na argumentação do relatório inspectivo, fazendo "tábua rasa" da douta Sentença proferida, como se esta não existisse.
32. E, tal como se afirma na douta Sentença recorrida, o que ficou provado foi que as rubricas "penalizações logística", "penalizações comerciais genéricas", "penalizações controlo qualidade", "penalizações etiquetagem/rotulagem" e "análises laboratoriais" "(...) correspondem a montantes debitados pela [SCom01...] para compensar prejuízos por defeitos ou falta de qualidade dos produtos, atrasos nos fornecimentos, erros nos produtos fornecidos, erros de etiquetagem ou outros (...) (cfr. ponto 7 do probatório)." (cfr. fls. 43 da douta Sentença; sublinhado nosso).
33. A Recorrente/FP não impugnou o julgamento da matéria de facto que consta do ponto 7 do probatório - não cumprindo o ónus jurídico que lhe competia, como acima se referiu, com as consequências acima aludidas (vide supra).
34. Mais se afirmando na douta Sentença que "Os débitos lançados pela [SCom01...] para cobrança destes montantes correspondem, portanto, a quantias devidas por incumprimentos contratuais parciais, estando a obrigação indemnizatória, assim como o próprio quantum indemnizatório, desde logo fixado nos contratos (...) (cfr. ponto 7 do probatório) (...)." (cfr. fls. 43 da douta Sentença).
35. Considerando ainda a douta Sentença recorrida que as indemnizações contratualmente estipuladas aqui em análises não visavam "substituir o cumprimento ou a indemnização", tão pouco resultou "da concatenação das cláusulas contratuais (pontos 4 e 5 do probatório) com os depoimentos prestados pelas testemunhas "que as partes pretendessem compulsar o fornecedor ao cumprimento contratual, prevendo uma "pena" que viesse a cumular com uma indemnização pelos prejuízos ou com o cumprimento integral" (cfr. fls. 45 da douta Sentença).
36. Pelo contrário, entendeu a douta Sentença recorrida (fls. 45) "que os incumprimentos penalizados correspondem ou à mora no cumprimento ou a cumprimentos defeituosos ou imparciais dos fornecimento que havia sido contratado, não estando contratualmente prevista a possibilidade de ser exigida, cumulativamente, outra indemnização ou o perfeito cumprimento" (cfr. fls. 45 da douta Sentença).
37. Mais afirmando a douta Sentença recorrida que "Desde já se diga que entendemos corresponder o débito destes montantes ao cumprimento de verdadeiras cláusulas penais, nos termos do art. 810.2, n.° 1, do CC. De acordo com este preceito, "As partes podem, porém, fixar por acordo o montante da indemnização exigível: é o que se chama cláusula penal (...) Pelo contrário, na maioria das situações, à Impugnante assistia o direito de devolver os produtos fornecidos, recebendo apenas a indemnização pré-determinada (ponto 5 do probatório), Assim sendo, as indemnizações estabelecidas, visadas pelas rubricas correspondentes a "penalizações", pretendiam apenas ressarcir a [SCom01...] do cumprimento defeituoso ou tardio da obrigação de fornecimento assumida, nos termos contratualmente previstos. Não se entende que tal cláusula visasse remunerar uma contrapartida de um qualquer serviço de fornecimento" (cfr. fls. 43 a 45 da douta Sentença).
38. Mesmo em relação às "análises laboratoriais" (cfr. ponto 5 — cláusula 2.3.11 - e ponto 7 da factualidade provada), considerou a douta Sentença que "tais valores não devem ser considerados como uma contrapartida prestada pela [SCom01...]. Trata-se sempre de um prejuízo em que ela não incorreria não fosse o incumprimento do fornecedor, sendo tal prejuízo precisamente aquilo que a indemnização pretende compensar" (cfr. fls. 46 da douta Sentença).
39. Para concluir que não estão em causa quaisquer "contrapartidas de serviços prestados" pela [SCom01...] (de facere ou non facere), veja-se ainda a extensa doutrina e Jurisprudência, inclusivamente do TJUE, citada de fls. 37 a 47 da douta Sentença recorrida.
40. Rematando a douta Sentença, concretamente quanto a estas rubricas de RDC's - "penalizações logística", "penalizações comerciais genéricas", "penalizações controlo qualidade", "penalizações etiquetagem/rotulagem" e "análises laboratoriais",
41. que "(...) não existe quanto às indemnizações descritas, uma qualquer actividade ou inactividade da [SCom01...] que lhes corresponda, como contrapartida económica, devendo considerar-se que as quantias recebidas ao abrigo de tas rubricas se encontram fora do âmbito de aplicação objectivo do IVA (arts. 1.9 e 4.9 do OVA). Assim, os débitos em causa funcionam como uma pura indemnização, com vista ao ressarcimento dos prejuízos sofridos, não sujeita a IVA" (cfr. fls. 47 da douta Sentença).
42. Como acima se disse, perante o assim decidido a Recorrente/FP, ao invés de se insurgir contra a douta Sentença recorrida - como deveria -, repete à exaustão a argumentação do relatório inspectivo — não imputando, directa e especificadamente, à douta Sentença recorrida, qualquer erro no julgamento de facto e/ou de Direito (para além de meras afirmações genéricas não fundamentadas).
43. Pelo que a Recorrente/FP, em substância, não produziu alegações e conclusões de recurso jurisdicional interposto contra a decisão judicial em apreço — limitando-se a reproduzir o relatório inspectivo.
44. Ao não contrariar, de forma fundamentada e circunstanciada, a fundamentação de facto e de Direito da douta Sentença recorrida (eventualmente por comodismo), as alegações de recurso da Recorrente/FP estão inelutavelmente votadas ao fracasso,
45. Não bastando afirmações vagas e genéricas, infundadas e não fundamentadas, de que a douta Sentença padece de "erro de facto", de "erro de direito" ou de "erro de julgamento".
46. Ao invés, como resulta da douta Sentença recorrida e tal como se extrai da factualidade provada — contra a qual a Recorrente não cumpriu com o respectivo ónus jurídico de impugnação especificada do julgamento da matéria de facto (vide supra),
47. estão essencialmente em questão indemnizações e penalizações debitadas aos fornecedores não residentes, destinadas a compensar prejuízos causados pelos fornecedores, designadamente ao nível de defeitos ou falta de qualidade dos produtos fornecidos, de atrasos no fornecimentos, de deficiências e erros no acondicionamento e conservação dos produtos, de erros nos produtos fornecidos, erros de etiquetagem, etc..
48. Não se tratando, com estes débitos indemnizatórios, de remunerar quaisquer serviços ou outras operações tributárias efectuadas pela [SCom01...].
49. Mas tão só de compensar prejuízos causados à [SCom01...] pelos fornecedores.
50. Com efeito, tal como se afirma na douta Sentença recorrida aqueles débitos indemnizatórios não têm subjacente qualquer serviço (ou qualquer outra operação tributável em IVA) prestado pela [SCom01...] aos seus fornecedores.
51. Destinam-se simplesmente a ressarcir prejuízos e danos causados à [SCom01...].
52. Foi isso que resultou da matéria de facto e, em consonância, considerou bem a douta Sentença recorrida que não havia lugar à liquidação de IVA em tais débitos indemnizatórios.
53. Aliás, a própria AT, nas várias Informações anexas ao projecto de indeferimento parcial da reclamação graciosa (cfr. 40 dos factos provados e documentação aí referida), considera igualmente, à semelhança da douta Sentença recorrida, que não lugar a liquidação de IVA nos casos de indemnizações.
54. De facto é precisamente isso que resulta, designadamente, da Informação Vinculativa a fls 44 e ss. desse projecto decisório.
55. E da Informação Vinculativa de fls. 48 e ss. do mesmo projecto decisório.
56. De facto, as indemnizações estão fora do campo do IVA, não são sujeitos a IVA, pois não têm subjacente qualquer serviço ou outra operação tributável praticada pela [SCom01...] a favor dos fornecedores aqui concretamente em causa (comunitários, não residentes).
57. E tais indemnizações não representam quaisquer "obrigações de conteúdo negativo", tão pouco traduzem-se em contraprestações de qualquer operação sujeita a IVA — conforme afirma a douta Sentença recorrida.
58. Sintomático disso, veja-se que a Recorrente/FP não identifica um único concreto serviço ou transmissão de bens, efectuadas pela [SCom01...] a favor dos seus fornecedores intracomunitários, relativamente aos quais tais indemnizações constituíssem contraprestações devidas à [SCom01...] por esses mesmos fornecedores intracomunitários.
59. Aliás, o absurdo da questão reside em considerar que uma indemnização pode constituir o correspectivo de uma qualquer prestação.
60. Uma indemnização, outrossim, é uma prestação compensatória de um dano incorrido.
61. Mesmo o conceito residual de prestações de serviços previsto no artigo 4º do CIVA pressupõe, obviamente, que existam, de facto, quaisquer operações ou "prestações" efectivamente e de facto praticadas pelo contribuinte, o que não sucede in casu.
62. Sendo certo, a este propósito, que de nada relevam quaisquer orientações administrativas da AT, designadamente da 061, pois não são lei.
63. De todo o modo, afirma-se, claramente, em Informação Vinculativa, averbada de despacho concordante do Subdirector-Geral dos Impostos, de 2007.11.12, no Processo V...3 2007....5, que "As penalidades contratuais por incumprimentos diversos, a debitar pelo cliente ao fornecedor, que sancionam o incumprimento de uma obrigação contratual ou, em geral, a lesão de qualquer interesse, não são tributáveis em IVA.".
64. Mais: "...De qualquer modo, e porque o que está em causa é o valor de operações tributáveis, não devem ser tributadas as indemnizações, ainda que decorrentes de responsabilidade contratual, quando nenhuma operação tenha existido." (cfr. Informação nº ...24, do Serviço de Administração do IVA, de 23 de Maio de 1989).
65. Sendo certo que a AT está juridicamente vinculada às informações que presta aos contribuintes a propósito da interpretação das normas fiscais (cfr. artigo 68º-A da LGT).
66. No mesmo sentido o Acórdão do STA, 2º Secção, de 18.06.2008, Proc. 01144/06, in www.dgsi.pt; ainda no mesmo sentido, o Acórdão do STA, 2º Secção, de 03.03.2009, Proc. 02507/08, in www.dgsi.pt).
67. Sendo que, por imposição do princípio da boa-fé e da protecção da confiança (artigos 10º do CPA e 266º nº 2 da CRP), a AT está juridicamente vinculada aos seus próprios entendimentos e interpretações que faz das leis tributárias (cfr. artigos 68º-A da LGT e 55º do CPPT).
68. A Recorrente/FP faz insistentemente referência a "receitas de publicidade" que não foram sequer dadas por provadas douta Sentença recorrida.
69. As alegações e conclusões de recurso da Recorrente/FP denotam total alheamento em relação à douta Sentença recorrida.
70. Com efeito, tal como resulta do ponto 1 dos "factos não provados" (fls. 26 e 27 da douta Sentença recorrida), a douta Sentença recorrida considerou que não ficou provado que as rubricas de RDC's ("Receitas Diversas Comerciais") "linear secção", "referenciação", "análises laboratoriais", "check out" e "outros" correspondessem a remunerações de serviços de publicidade.
71. Pelo que de todo não se percebe a insistência da Recorrente/FP em "receitas de publicidade" que foram dadas por "não provadas".
72. Sendo que o objecto do recurso que interpôs era naturalmente a douta Sentença recorrida — e não os actos de liquidação impugnados.
73. Exemplo disso, concretamente quanto às rubricas de "débitos de compensação de margens" de "débitos de reacção ao shopping", a Recorrente/FP não lhes faz qualquer referência.
Sendo que,
74. Quanto a estas 2 rubricas de RDC's ("Receitas Diversas Comerciais"), a douta Sentença recorrida considerou que não ficou provado que as mesmas resultassem de incumprimento contratual (cfr. ponto 2 dos "factos não provados").
75. Quanto a estas duas rubricas, a douta Sentença recorrida considerou outrossim que as mesmas dizem respeito a "montantes debitados pela [SCom01...] aos fornecedores, em decorrência da verificação de preços praticados pelas empresas concorrentes".
76. E é isso, de facto, o que se retira da matéria de facto provada especificada em 8 dos "factos provados".
77. Diz ainda a douta Sentença recorrida que a Impugnante/Recorrida não logrou provar que as rubricas de RDC's "linear secção", "referenciação", "check out" e "outros" correspondessem à remuneração de serviços de publicidade.
78. É isso, com efeito, que se retira do ponto 1 dos "factos provados" — como acima se referiu.
79. Não obstante, a douta Sentença recorrida anulou igualmente os valores de IVA corrigidos relativamente às RDC's sob as rubricas "débitos de compensação de margens", "débitos de reacção ao shopping", "linear secção", "referenciação", "check out" e "outros" — com a consequente anulação integral da correcção de Euro 87.967,47,
80. porquanto, segundo a douta Sentença recorrida "Não estamos perante uma correcção meramente aritmética, que possa permitir a anulação parcial do acto", sendo necessário apelar "aos elementos contabilísticos da [SCom01...]".
81. Ou seja, ao contrário do que entende a Recorrente/FP não está em causa a divisibilidade (ou indivisibilidade) do acto de liquidação — divisibilidade e consequente anulabilidade meramente parcial aliás expressamente reconhecidas na douta Sentença recorrida (cfr. fls. 50).
82. O que está em causa, conforme claramente refere a douta Sentença recorrida, é que o Tribunal não se pode substituir à AT na análises aos elementos contabilísticos do contribuinte, competindo outrossim à AT quantificar e subdividir a correcção em causa por cada uma das rubricas em questão, em função dos valores contabilizados pelo contribuinte relativamente a cada uma das rubricas,
83. o que a AT não fez, conforme decorre do relatório inspectivo (cfr. 34 dos factos assentes), e o Tribunal não pode fazer em substituição da AT — conforme bem se afirma na douta Sentença recorrida.
84. Isto, porque, conforme se refere na douta Sentença, o processo de Impugnação Judicial é um contencioso de mera anulação e não um contencioso de plena jurisdição (conforme é entendimento unânime) — vide fls. 47 a 52 da douta Sentença e a Doutrina e Jurisprudência aí doutamente discriminadas.
85. Sendo que, nos termos do artigo 1002 nº 1 do CPPT, "Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado".
86. Pelo que bem andou o Tribunal a quo ao anular na íntegra a correcção em questão.
87. E concretamente quanto a isto a Recorrente/FP não se insurgiu, não contrariando a douta Sentença recorrida, conforme decorre das suas alegações e conclusões de recurso — pelo que este segmento decisório deve ter-se por transitado em julgado.
88. Se a douta Sentença recorrida teve outros fundamentos para além que foram "atacados" pela Recorrente, não pode a douta Sentença recorrida deixar de proceder pelo menos com base naqueles que não foram impugnados pela Recorrente — pois nessa parte transitou em julgado.
89. A Recorrente/FP não contrariou a douta Sentença in totum, ou seja, na totalidade da sua fundamentação, limitando-se na esmagadora maioria das vezes a meras afirmações vagas e genéricas, infundadas e não objectivadas, repetindo o que já constava do relatório inspectivo.
Sem prescindir, a título subsidiário, por mera cautela de patrocínio,
90. Contrariamente ao decidido, a matéria de facto constante dos pontos 1. e 2 dos "factos não provados" deveria outrossim ter sido dado como provada (cfr. artigo 636º do CPC).
91. Com efeito, deveria ter sido dado por provado que os montantes das rubricas de "Receitas Diversas Comerciais (RDC's) respeitantes a "linear secção", "referenciação", "check out" e "outros" correspondem a remunerações de serviços de publicidade.
92. E deveria ter sido dado por provado que que os montantes das rubricas de "Receitas Diversas Comerciais (RDC's) respeitantes "débitos de compensação de margens" e "débitos de reacção ao shopping" são indemnizações compensatórias obtidas dos fornecedores resultantes de incumprimentos contratuais por parte dos fornecedores.
93. Tal como resulta do depoimento da testemunha «AA», registado em cd/dvd, rotações de 00:37:35 a 03:00:55, conforme consta da respectiva acta de inquirição de testemunhas.
Quanto à correcção de Euro 98.187,58, relativa a lVA não liquidado em pretensos serviços de cooperação comercial prestados a fornecedores não residentes
94. No que concerne a esta correcção (relativa a "CC" ou "CCC", segundo diz a Recorrente/FP) afirma a Recorrente/FP que "a empresa informou que, tal como refere o MT, os serviços de cooperação comercial consubstanciam vantagens dadas aos fornecedores na preferência que a [SCom01...] dá aos produtos desse fornecedor, na possibilidade de difusão dos produtos por todo o território nacional, bem como outras vantagens que se revelaram que se revelaram consubstanciar consubstanciar serviços prestados".
95. Ora, não se retira essa matéria de facto da factualidade provada — e a Recorrente/FP não impugnou o julgamento da matéria de facto, não cumprindo o ónus jurídico que lhe competia (vide supra).
96. Com efeito, o que se denota é que a Recorrente/FP, ao invés de se insurgir contra a douta Sentença recorrida, como deveria — pois está em causa um recurso jurisdicional interposto da Sentença - insiste até à exaustação na argumentação do relatório inspectivo, fazendo "tábua rasa" da douta Sentença proferida, como se esta não existisse.
97. Diz ainda a AT, quanto a esta "cooperação comercial", que "não estamos perante qualquer alegado desconto mas sim uma receita, sendo certo que igualmente às denominadas RDC supra referidas, não abatiam à conta de compras e não influenciavam a margem bruta, era registadas nas contas 737xxx de proveitos suplementares".
98. Ora, mais uma vez essa matéria de facto não consta da da factualidade provada — e a Recorrente/FP não impugnou o julgamento da matéria de facto segundo as regras processualmente aplicáveis, não cumprindo de forma cabal o ónus jurídico que lhe competia (vide supra).
99. Ter sido dado por provado que do relatório inspectivo constavam determinadas afirmações da AT (cfr. 34 dos factos provados) não significa que tenham sido dados por provados os factos relatados no relatório inspectivo, tal e qual a AT aí os configurou e enquadrou juridicamente — uma coisa é provar que do relatório inspectivo consta o relato de determinados factos; outra, bem distinta, é provar esses mesmos factos.
100. Mais uma vez o que se denota é que a Recorrente/FP, ao invés de se insurgir contra a douta Sentença recorrida, como deveria — pois está em causa um recurso jurisdicional interposto da Sentença - insiste à exaustação na argumentação do relatório inspectivo, como se a douta Sentença recorrida fosse um "vazio".
101. Fazendo a Recorrente/FP apelo a rubricas como a "animação promocional" que aqui não estão em questão (cfr. relatório inspectivo, mencionado em 33 e 34 dos factos provados e documentação aí referenciada) — pelo que não se percebem as razões pelas quais foram trazidas à colação.
102. Afirmando ainda a Recorrente/FP, também sem fundamentar, que "a animação promocional, fazendo parte da cooperação comercial (?), traduz-se na possibilidade do fornecedor que acorda essa cláusula contratualmente, no CGF, poder "alugar" o espaço", ou seja, aquela "animação promocional, segunda alega a Recorrente/FP, traduzir-se-ia numa "prestação de serviços sujeita a IVA" — ora, nada disto ficou provado nos presentes autos, sequer aflorado na douta Sentença recorrida, tão pouco se retira dos sinais dos autos.
103. Aliás, para este efeito – rubrica “animação promocional”, que não está em causa nos presentes autos – a recorrente/FP faz apelo documentos (CGF) que não estão juntos aos presentes autos de impugnação, tão pouco se reportam ao procedimento de inspecção externa ou ao relatório de inspecção tributária concretamente em causa nos presentes autos.
104. A Recorrente/FP faz ainda uma distinção, incompreensível, entre o "poder utilizar o espaço" e o "próprio uso do espaço", afirmando que ambas seriam prestações de serviços, ainda que distintas - nada disto ficou provado nem se retira dos sinais dos autos.
105. Aliás, o "poder utilizar o espaço" e o "próprio uso do espaço" são questões totalmente desajustadas ao caso - não estão em causa nos presentes autos e não foram sequer afloradas na douta Sentença recorrida, pelo que de todo não se percebe a referência às mesmas nas alegações e conclusões de recurso jurisdicional da Recorrente/FP.
106. Afirmando ainda a Recorrente/FP que "alguns (?) fornecedores tratavam esses descontos como serviços" — mais uma vez, a Recorrente/FP faz afirmações de factos não provados, não cuidando sequer de especificar a que "descontos" ou "fornecedores" concretamente se refere, muito menos fundamentando, de forma minimamente objectiva, as suas alegações (e conclusões) de recurso.
107. Como se disse, a Recorrente/FP, ao invés de se insurgir contra a douta Sentença recorrida, como deveria — pois está em causa um recurso jurisdicional interposto da Sentença - insiste à exaustação na argumentação do relatório inspectivo, como se a douta Sentença não existisse.
108. Quando a esta correcção (de Euro 98.187,58) entendeu a douta Sentença recorrida que os débitos emitidos pela [SCom01...] aos fornecedores relativos a cooperação comercial - a única rubrica que aqui está concretamente em questão, e não outras, como erradamente considerada a Recorrente/FP -,
109. respeitam a meros descontos de quantidade (sobre os preços dos fornecimentos contratados), paralelamente ao rappel, que os fornecedores da [SCom01...] concedem à [SCom01...], em função das quantidades vendidas pelos fornecedores à [SCom01...] — não constituindo, pois, a contrapartida de quaisquer serviços prestados pela [SCom01...] aos fornecedores.
110. Tudo conforme resulta da conjugação factualidade provada em 4, 5, 6, 9 e 10 dos "factos provados".
111. Ou seja, segundo a douta Sentença recorrida, os débitos de "cooperação comercial" em questão "mais não são do que um desconto de quantidade globalmente negociado, obtido de todos os fornecedores e aplicado à totalidade de compras efectuadas, não existindo qualquer serviço autónomo subjacente que se pretenda remunerar" (sublinhado nosso).
112. Como tal, e tendo em conta o disposto no artigo 4º, nº 1, do CIVA, em conjugação com o preceituado no artigo 16º nº 6 b) do mesmo diploma legal (redacção de 2003), segundo a douta Sentença recorrida tais descontos devem ser excluídos do valor tributável para efeitos de IVA, não sendo, por isso, sujeitos a IVA.
113. Para assim concluir invoca a douta Sentença recorrida, entre outros, o princípio da prevalência da substância económica sobre a forma (artigos 11º nº 3 da LGT e 36º nº 4 da LGT), que tanto vale a favor da AT, como a favor do contribuinte, por imposição do princípio da legalidade (artigo 266º nº 2 da CRP e 3º do CPA).
114. O mesmo princípio vem reflectido no disposto no artigo 38º nº 1 da LGT, no qual, mais uma vez, é dada prevalência aos "efeitos económicos pretendidos pelas partes".
115. E é, aliás, um princípio contabilístico fundamental segundo o POC, aprovado originariamente pelo DL nº 47/77, de 7/2 (e alterações legislativas subsequentes) em vigor à data dos factos (2003), conforme alínea f) do ponto 4 (Princípios Contabilísticos) - "f) Da substância sobre a forma: As operações devem ser contabilizadas atendendo à sua substância e à realidade financeira e não apenas à sua forma legal”.
116. Convocou ainda a douta Sentença recorrida o entendimento segundo o qual "a mera disponibilização dos serviços promocionais" elencados nos contratos não constitui, de per si, serviços autónomos e individualizáveis com "substracto económico autonomizável dos fornecimentos dos bens",
117. tudo reforçado por ausência de estipulação ab initio dos preços das vantagens alegadamente concedidas aos fornecedores, tudo dependendo outrossim de negociações casuísticas posteriores entre as partes e da concreta força negociai relativa entre as partes — tudo a processar-se após a celebração dos contratos gerais de fornecimento (cgf's)e na execução dos mesmos, independentemente das "vantagens" desde logo estipuladas de forma standard em todos os cgf's.
118. Reforçando a douta Sentença recorrida que a estipulação de tais vantagens tem intuitos meramente comerciais, ou seja, obedecem a estratégias comerciais no intuito de obter descontos adicionais junto dos fornecedores, dessa forma cativando os fornecedores à prática de preços mais competitivos nos fornecimentos à [SCom01...] — não representando, pois, quaisquer serviços autónomos, prestados pela [SCom01...] aos seus fornecedores, sob pena de duplicação de remuneração dos mesmos pretensos serviços, o que não faz sentido,
119. sendo certo que as declarações negociais devem ser interpretadas no sentido de prevalecer o sentido que confira maior equilíbrio das prestações, nos termos do artigo 2372 do CC.
120. Salienta ainda a douta Sentença recorrida a ausência dos elementos essenciais que a Jurisprudência do TJUE tem reiteradamente elencado para que se possa estar perante uma prestação de serviços — designadamente a ausência de um "serviço autónomo eu individualizável"; a ausência de uma contrapartida que tenha um valor subjetivo, não podendo ser calculada segundo critérios objectivos (uma percentagem sobre as vendas/compras, por exemplo); e a ausência de um nexo directo entre as vantagens concedidas aos fornecedores e o contravalor recebido dos fornecedores.
121. Como bem salienta a douta Sentença recorrida, se o entendimento da AT fosse o correcto, os serviços prestados da [SCom01...], por estarem indexados ao valor das compras (que podem não ocorrer), apenas seriam remunerados se a [SCom01...] fizesse encomendas (que podem não ocorrer) e seriam remunerados apenas e sempre na medida dessas encomendas,
122. o que, para além de não fazer sentido, afasta desde logo o sobredito nexo directo entre o serviço alegadamente prestado e o valor recebido — nexo directo, esse, cuja existência efectiva, nos termos da Jurisprudência reiterada do TJUE, tem sido elencado como um dos elementos essenciais para aferir da existência de uma verdadeira prestação de serviços.
123. Para a conclusão, acertada, da douta Sentença recorrida, contribui ainda o facto deste duto aresto ter constatado a "inexistência de uma intenção de remunerar um determinado conjunto de meios humanos ou materiais afectos a determinados serviços. Os descontos serão tanto maiores quanto mais importante for para o fornecedor escoar os seus produtos junto da [SCom01...], não estando o seu valor minimamente relacionado com a obtenção efectiva de determinados serviços.".
124. Ressalva ainda a douta Sentença recorrida que a circunstâncias dos valores de cooperação comercial em questão serem debitados (em notas de débito) pela [SCom01...] aos seus fornecedores (cfr. 11 dos "factos provados") em nada belisca a conclusão da mesma Sentença — de que se trata de meros descontos de quantidade concedidos pelos fornecedores, e não da remuneração de quaisquer serviços prestados pela [SCom01...] aos seus fornecedores.
125. Porquanto, como bem refere a douta Sentença recorrida, denotando conhecimento efectivo da realidade, "é facto público e notório, nos termos do art. 412.º, n.º 1, do CPC, que o recurso a notas de débito e de crédito constitui prática generalizada para acertos de fluxos financeiros entre as sociedades comerciais. Assim sendo, e uma vez que os descontos em causa são calculados a partir das compras, esta é apenas uma forma, tão legítima como seria a emissão de uma nota de crédito em montante equivalente por parte do fornecedor dos produtos. ".
126. Concluindo a douta Sentença recorrida, e bem, que se está perante "verdadeiros descontos, concedidos pelos fornecedores à [SCom01...], em virtude da globalidade das vantagens que (os fornecedores) auferirão, em que se inclui desde logo o facto de estarem a fornecer um grupo económico com uma dimensão significativa e uma rede alargada de fornecedores.".
127. Veja-se igualmente a Doutrina e, sobretudo, a extensa Jurisprudência, designadamente do TJUE (inteiramente pertinente, pois o 1VA, como é sabido, é um imposto de matriz Europeia) citadas na douta Sentença recorrida de fls. 52 a 64.
128. Como acima se disse, também quanto a esta correcção verifica-se que a Recorrente/FP, ao invés de se insurgir contra a douta Sentença recorrida, como deveria — pois está em causa um recurso jurisdicional interposto da Sentença - insiste até à exaustação na argumentação do relatório inspectivo, fazendo "tábua rasa" da douta Sentença proferida, como se esta não existisse,
129. invocando matéria de facto que não consta da factualidade provada - cfr. por exemplo a factualidade elencada pela Recorrente/FP em 46. e 47 das suas alegações de recurso, sem qualquer fundamento minimamente objectivo, cujo elenco apenas se explica pela criatividade e imaginação da Recorrente/FP, pois em nada se retira dos sinais dos autos,
130. sendo que a Recorrente/FP não impugnou o julgamento da matéria de facto segundo as regras processualmente aplicáveis, não cumprindo de forma cabal o ónus jurídico que lhe competia (vide supra).
131. Invoca ainda a Recorrente/FP a ocorrência de alegados "serviços promocionais", que em lado nenhum foram dados por provados nem se retiram dos sinais dos autos.
132. Não deixando, contudo, curiosamente, de referir-se aos "descontos associados designadamente a cooperação comercial" (cfr. 45. das alegações de recurso).
133. Invocando também a Recorrente/FP descontos associados a "competitividade de preço" e "animação promocional" — rubricas que claramente não estão em causa nos presentes autos (cfr. relatório inspectivo e 34 dos factos provados).
134. Invocando também a Recorrente/FP alegados relatórios da Autoridade da Concorrência de 2010 (muito posteriores, portanto, ao ano em questão, 2003), cujo teor se desconhece mas que naturalmente não são lei e não têm nem podem ter quaisquer implicações em matéria tributária — mais concretamente, em matéria de incidência de IVA, a questão que aqui especificamente nos ocupa e constitui o objecto desta Impugnação Judicial.
135. Invocando também a Recorrente/FP Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto e da Relação de Lisboa que em nada contrariam a douta Sentença recorrida, muito menos se debruçam sobre a questão fiscal da incidência do IVA sobre os descontos de "cooperação comercial" aqui concretamente em apreço.
136. Conforme resulta da factualidade provada, a actividade da [SCom01...] consistia na centralização das compras e armazenamento das mercadorias comercializadas pelas empresas distribuidoras do «Grupo 1...» nos respectivos supermercados e hipermercados espalhados pelo país, designadamente "«Marca 1...»" e "«Marca 2 ...»".
137. Atenta esta actividade centralizadora, a [SCom01...] concentrava na sua esfera elevadíssimos volumes de compras, algumas a fornecedores intracomunitários.
138. Atentos esses elevados volumes de compras, ficava expressamente estabelecido com todos os fornecedores, em "contratos gerais de fornecimento" com eles celebrados, que a [SCom01...] tinha direito a descontos definidos por percentagens fixas aplicadas ao volume total de compras efectuadas ao longo do ano.
139. Nada tendo que ver, portanto, com quaisquer "serviços" prestados aos fornecedores.
140. Porque é matéria do seu interesse, a [SCom01...] não ficava à espera que os fornecedores emitissem notas de crédito dos descontos concedidos,
141. optando por emitir ela própria notas de débito desses mesmos descontos (obtidos), como é o caso dos descontos aqui em causa — os descontos designados por "cooperação comercial".
142. Em algumas situações, contudo, eram os próprios fornecedores a emitir notas de crédito destes descontos, como sucedeu com os fornecedores do grupo [SCom02...], [SCom03...] (cfr. 9, 13 e 14 dos factos provados) e [SCom06...] - que os consideram, correctamente, como descontos concedidos sobre vendas efectuadas à [SCom01...].
143. Contudo, em geral, a [SCom01...] substitui-se aos fornecedores, emitindo, ela própria, notas de débito por descontos obtidos e negociados com os fornecedores, não aguardando que os fornecedores emitam notas de crédito pelos descontos concedidos à [SCom01...].
144. Sendo totalmente igual, para efeitos contabilísticos ou fiscais, que os fornecedores emitam os créditos ou que a [SCom01...] emita os débitos — como bem entende a douta Sentença recorrida.
145. Tudo se passa como se fossem os próprios fornecedores a emitir notas de crédito dos descontos concedidos.
146. Simplesmente, por razões operacionais, a [SCom01...] não podia ficar à espera que os fornecedores se lembrem de emitir esses créditos.
147. Assim, os débitos relativos a "cooperação comercial" respeitam, em substância, a meros descontos obtidos sobre as compras efectuadas pela [SCom01...], não lhe tendo subjacentes quaisquer serviços prestados aos ditos fornecedores.
148. Esses descontos de quantidade são debitados periodicamente aos fornecedores, em função de uma percentagem fixa sobre o volume de compras negociada com cada fornecedor, o que é sintomático da inexistência de quaisquer serviços subjacentes.
149. Como se poderiam remunerar serviços com base em percentuais fixos sobre os volumes de compras, ou seja, com base em valores aleatórios e muito variáveis ?
150. A resposta da [SCom01...], anexo V ao relatório inspectivo (cfr. 34. dos factos provados e documentos aí referidos), explicita claramente que se trata apenas de descontos de quantidade debitados aos fornecedores.
151. São descontos como estes que são decisivos para a formação de preços altamente competitivos junto dos consumidores finais.
152. Com efeito, como bem considera a douta Sentença recorrida, não se vislumbram quaisquer serviços prestados pela [SCom01...], mesmo atendendo ao conceito residual constante do artigo 4º do CIVA.
153. Estão em causa receitas, mais concretamente descontos obtidos pela [SCom01...] enquanto entidade que centraliza as compras para todos os hipermercados e supermercados do sector da distribuição do «Grupo 1...».
154. Receitas, essas, obtidas pela [SCom01...] junto dos fornecedores em virtude das grandes quantidades de mercadorias àqueles adquiridas.
155. Por sua vez, a [SCom01...] "repassa" estes descontos obtidos para as empresas distribuidoras, designadamente para a [SCom05...], SA ([SCom05...]), entre outras (cfr. 12 dos factos provados).
156. Tratando-se de descontos obtidos, os mesmos não estão sujeitos a IVA (cfr. artigo 16º nº 6 b) do CIVA), como bem entende a douta Sentença recorrida.
157. Importa atender ao douto Parecer do Professor Xavier de Basto junto à PI como doc. 3.
158. Em matéria de descontos, importa também referir o óbvio: que a [SCom01...] não retirou qualquer vantagem da pretensa não liquidação de IVA em alegados serviços prestados aos seus fornecedores.
159. Por uma razão muito simples: o IVA é neutral nas relações entre agentes económicos, visando, outrossim, tributar apenas o consumidor final e a capacidade contributiva por este revelada com os consumos que efectua.
160. Com efeito, se, por mera hipótese, a [SCom01...] tivesse efectivamente prestado serviços aos seus fornecedores, o IVA que liquidaria nesses pretensos serviços seria entregue ao Estado, é certo, mas seria recebido dos fornecedores, por via da sua repercussão junto desses mesmos fornecedores ficando tudo na mesma.
161. Sendo, por isso, totalmente inócua, do ponto de vista financeiro, a alegada não liquidação de IVA nos pretensos serviços prestados aos fornecedores.
162. Conforme resulta matéria de facto provada e dos depoimentos das testemunhas «AA» e «BB», à semelhança do "rappel", a "cooperação comercial" é igualmente um desconto de quantidade sobre as compras, quantificado segundo um percentual aplicado às compras aos fornecedores — conforme reconhece a douta Sentença recorrida,
163. sendo certo que não tem tem subjacente quaisquer operações activas, ou qualquer actuação operacional da [SCom01...] a favor dos seus fornecedores - inexistindo, por isso, quaisquer serviços prestados aos fornecedores, nacionais ou não nacionais.
164. A [SCom01...], note-se, tinha milhares de fornecedores.
165. A dimensão da [SCom01...], e os elevadíssimos volumes de compras que eram efectuados aos fornecedores, permitiam à [SCom01...] contratualizar descontos diversificados nas compras aos fornecedores — com reflexo a jusante, em preços mais baixos junto do grande público, num acréscimo de clientela e, consequentemente, na melhoria da rentabilidade das várias sociedades retalhistas do grupo, designadamente da [SCom05...].
166. Neste contexto, a [SCom05...], a [SCom01...] e todas as demais sociedades retalhistas do grupo, todos os anos, celebravam contratos gerais de fornecimento (designados como "cgf") com todos os seus fornecedores, onde estipulavam, entre outros, os descontos de quantidade a conferir pelos fornecedores — sintomático de que tais descontos estavam relacionados precisamente com a relação comercial de fornecimento de mercadorias, e não com quaisquer serviços prestados aos fornecedores.
167. Eram aí (e continuam a ser) acordados descontos de quantidade, como aqueles que aqui estão em causa, com todos os fornecedores, variando, contudo, de fornecedor para fornecedor.
168. Os descontos de quantidade concedidos pelos fornecedores constituíam e constituem uma prática comercial usual do sector, em função dos elevados volumes de vendas a clientes como a [SCom05...] ou a [SCom01...].
169. Independentemente do texto dos cgf's, a realidade dos factos demonstra que, às dezenas de rubricas de descontos de quantidade cobrados aos fornecedores (entre eles aqueles que aqui estão em discussão) não subjaz qualquer operação económica activa da [SCom05...] ou da [SCom01...], muito menos qualquer serviço prestado aos seus fornecedores — ainda menos na exacta medida dos descontos de quantidade obtidos dos seus fornecedores.
170. Os descontos em causa, entre outros, eram cobrados pela [SCom01...] aos seus fornecedores no interesse da própria [SCom01...] (e no interesse de todas a demais sociedades retalhistas do grupo, como a [SCom05...]), como é por demais óbvio.
171. Simplesmente, os seus fornecedores eram beneficiados reflexamente, "por tabela", pois, ao vender mais junto do grande público, a [SCom01...] tinha a necessidade de comprar mais aos seus fornecedores — daí que estes estivessem na disposição de conceder descontos de quantidade à [SCom01...], designadamente aqueles que aqui estão em questão (entre muitos outros).
172. A [SCom05...], a [SCom01...], bem como as demais sociedades retalhista do grupo, tinham, pois, a "maior montra" do país, constituindo, por isso, um canal privilegiado de escoamento de produtos, de que "beneficiavam" por consequência os fornecedores — isso constitui "serviços" prestados aos fornecedores ? É evidente que não !
173. A [SCom01...] procedia à discriminação dos descontos em causa por rubricas e siglas diferenciadas por razões de controlo interno, para diferenciar diferentes famílias de produtos,
174. além de o fazer por razões de estratégia comercial e necessidade de controlo de gestão das compras e aprovisionamentos.
175. Com efeito, há todo o interesse negociai em obter mais e mais descontos junto dos fornecedores, por pressão concorrencial — independentemente das rubricas de descontos concretamente utilizadas, o que releva são os percentuais de descontos sobre as compras que as equipas comerciais conseguiam negociar com o fornecedor.
176. E, do ponto de vista da negociação desses descontos, é diferente negociar com o fornecedor um desconto de quantidade de 30%, em vez de negociar 30 descontos de quantidade com designações distintas, de 1% cada — daí a necessidade da sua diferenciação por designações e siglas diferenciadas.
177. Aliás, os fornecedores aferiam da competitividade da [SCom01...], bem como das demais sociedades retalhistas do grupo, precisamente em função dos descontos de quantidade que lhes concediam.
178. Mais: determinavam os preços de venda à [SCom01...] em função dos descontos que lhe concediam.
179. A diferenciação das designações das diversas rubricas de descontos de quantidade cobrados aos fornecedores, designadamente "rappel" e "cooperação comercial", também se justificava por razões da própria confidencialidade do negócio da [SCom05...], [SCom01...] e demais sociedades retalhistas do grupo.
180. As designações e "descrições" diferenciadas das diferentes rubricas de descontos apenas tinham e têm por finalidade obter mais e mais descontos nas negociações com fornecedores — na realidade, não têm subjacentes quaisquer operações/serviços a favor dos fornecedores.
181. As diferentes rubricas, em suma, não passavam de "rappeis" adicionais, que são negociados todos os anos e variam de fornecedor para fornecedor.
182. Por exemplo, se o fornecedor pretendia introduzir no mercado um produto novo, a [SCom01...], tendencialmente, conseguiria negociar mais descontos.
183. Contudo, se o fornecedor for a [SCom07...] ou a [SCom08...], por exemplo, tendencialmente, e dada a posição oligopolista destas, a [SCom01...] não conseguiria negociar muitos descontos — sendo que não podem deixar de comprar àqueles fornecedores, por razões óbvias.
184. Ao nível do recebimento destes descontos de quantidade, e sintomático da sua relação indissociável com os fornecimentos de mercadorias (dos fornecedores à [SCom01...] e demais sociedades retalhistas do grupo), e não com quaisquer serviços prestados, esse recebimento era feito por compensação com o preço devido aos fornecedores, por virtude dos fornecimentos de mercadorias.
185. Independentemente do texto dos cgf's, do complexo de relações comerciais concretamente estabelecidas, entre a [SCom05...], a [SCom01...] e os seus fornecedores não existiam nem existem, na prática, quaisquer "prestações de serviços".
186. Os descontos de quantidade em questão não tinham nem têm qualquer conexão, qualitativa ou quantitativa, com quaisquer serviços prestados pela [SCom05...] ou pela [SCom01...] aos seus fornecedores.
187. Outrossim, esses descontos obtidos apenas tinham e têm conexão, qualitativa e quantitativa, com o fornecimento de mercadorias dos fornecedores à [SCom01...] - ou seja, com as operações tributáveis "transmissões de bens", dos fornecedores para a [SCom01...] e demais sociedades retalhista do grupo.
188. Por outro lado, situações existiam e existem, na esfera da [SCom05...] e [SCom01...], em que as mesmas, pontualmente, prestavam e prestam serviços aos seus fornecedores, cobrando-lhes um preço fixo por esses mesmos serviços prestados, totalmente independente dos volumes de compras que lhes efectuam e negociado casuisticamente — nesses serviços, aí sim, aquelas sociedades liquidavam e liquidam IVA
189. .Disso são exemplos a publicitação, em folhetos ou topos de loja, de produtos dos fornecedores, ou a cedência ao fornecedor de um determinado espaço na loja, para o mesmo aí evidenciar e promover os seus produtos - mas que nada têm que ver com as rubricas de descontos de quantidade aqui em causa.
190. Naqueles casos, a [SCom01...] cobrava um preço fixo (e não uma percentagem sobre as compras aos fornecedores) por essa divulgação ou cedência de espaço, e liquidava IVA sobre esses mesmos serviços.
191. Contudo, essas situações nada têm que ver com a rubrica de descontos de quantidade cobrados aos fornecedores, designadamente com a rubrica aqui concretamente em discussão — a "cooperação comercial".
192. A "cooperação comercial" cobrada aos fornecedores não constituía o preço de quaisquer serviços prestados pela [SCom01...].
193. Note-se, como referido, que os descontos em causa estavam e estão previstos em contratos de fornecimento — ou seja, "transmissões de bens" à luz do IVA.
194. Não se está perante descontos de quantidade cobrados pontualmente deste ou daquele fornecedor — outrossim, de descontos de quantidade contratualizados com todos os fornecedores (embora variando de caso para caso, em função das condições concretamente negociadas em cada ano).
195. Não se está perante descontos de quantidade cobrados aos fornecedores sem que haja qualquer razão justificativa para os mesmos - outrossim, há uma relação de transmissão/compra e venda anterior que fundamenta e quantifica esses mesmos descontos.
196. Não são obtidos quaisquer descontos dos fornecedores caso não existam antes compras a esses mesmos fornecedores — há, assim, uma relação de causa e efeito, qualitativa e quantitativa, entre as compras aos fornecedores e os descontos de quantidade a estes cobrados.
197. Em suma, não há, na realidade dos factos, qualquer relação entre estas rubricas de descontos de quantidade cobrados aos fornecedores (como é o caso do desconto de quantidade "cooperação comercial"), e quaisquer serviços prestados pela [SCom05...] ou pela [SCom01...] aos seus fornecedores.
198. Os descontos de quantidade em questão eram e são devidos pelos fornecedores no momento em que as mercadorias adquiridas aos fornecedores entravam nos armazéns da [SCom01...] — sintomático da relação indissociável desses descontos com os fornecimentos das mercadorias, e não com quaisquer serviços prestados aos fornecedores.
199. Nem a [SCom05...], nem a [SCom01...], dispunham ou dispõem de quaisquer activos, humanos ou materiais, afectos à prestação dos serviços ficcionados pela AF.
200. A [SCom01...] debitava os descontos em questão aos seus fornecedores e, depois, creditava-os (repassava-os) às demais sociedades do mesmo grupo do sector da distribuição, designadamente [SCom05...], [SCom09...], [SCom10...], [SCom01...], [SCom11...], [SCom12...], [SCom13...], etc. - exactamente pelos mesmos valores cobrados dos fornecedores (cfr. 12 dos factos provados).
201. Nesta medida, a [SCom01...] servia apenas de "ponto de passagem" entre os fornecedores e as demais sociedades retalhistas do grupo - quer quanto aos fornecimentos, quer no que concerne aos respectivos descontos.
202. Logo, se serviços existissem, o que não se concede, no caso das repassagens de descontos, teria a [SCom05...], por exemplo, prestado serviços à [SCom01...] ?
203. Sendo que os descontos em causa haviam sido simplesmente creditados/repassados pela [SCom01...] à [SCom05...], entre outras, por dizerem respeito a compras de mercadorias que se destinaram aos estabelecimentos daquelas outras sociedades retalhistas.
204. Cabe perguntar: na medida dos descontos repassados a outras sociedades do grupo, afinal quem prestou, e a quem foram prestados, os pretensos serviços em causa ?
205. Quem prestou esses serviços: foi a [SCom05...] ? foi a [SCom01...] ? foram ambas ?
206. E, no caso da [SCom01...], a quem é que esta prestou os famigerados serviços ? à [SCom05...] ? aos fornecedores ? ou a ambos ?
207. E fará sentido que seja a [SCom01...] a definir, unilateralmente, nas notas de débito dos descontos em causa, emitidas aos fornecedores, os preços dos serviços que alegadamente lhe presta, em função das quantidades de mercadorias que lhes adquire ?
208. É óbvio que não.
209. As rubricas de descontos de quantidade em questão, entre várias outras, eram debitadas aos fornecedores pela [SCom01...] com a seguinte menção: "Sem IVA. N.° 2 do art.º 71.º do CIVA.".
210. E porquê ? Porque a [SCom01...] optava pela faculdade legal, consagrada naquele preceito legal, de não regularizar o IVA anteriormente liquidado pelos fornecedores nos fornecimentos de mercadorias, em virtude dos descontos concedidos - com a inerente redução do valor tributável inicial das transmissões das mercadorias (cfr. artigo 16º nº 6 b) do CIVA) (cfr. o Parecer do Prof. Xavier de Basto junto à PI como doc. 3).
211. O procedimento de emissão periódica de notas de débito aos fornecedores, por parte da [SCom01...], para cobrar estes descontos aos fornecedores, era um procedimento que estava contratualizado entre as partes, nos sobreditos cgf's,
212. era procedimento adoptado, de modo uniforme, nas empresas congéneres do sector,
213. e era o procedimento desde sempre adoptado pela [SCom01...] e demais sociedades retalhistas do grupo, desde sempre aceite pela AF.
214. A opção, pro via de regra, pela emissão de notas de débito, por parte da [SCom01...], aos seus fornecedores, em detrimento da opção pela emissão de notas de crédito pelos fornecedores, advém de razões óbvias: o interesse na obtenção dos descontos é da [SCom01...]; é esta que, ao efectuar as compras aos fornecedores, dispõe mais precocemente dos elementos necessários para determinar o momento em que nasce o direito ao desconto, bem como para determinar o "quantum" exacto de descontos que lhe são devidos; evita-se o protelamento do processamento do desconto pelo fornecedor, pelo atraso no envio da nota de crédito correspondente; evita-se os riscos relativos ao cancelamento ou cessação dos contratos de fornecimento; obtém-se um comprovativo imediato de justificação do "preço de compra efectivo", para apresentar no decurso das frequentes auditorias à formação dos preços efectuadas pelas autoridades económicas; etc..
215. De todo o modo, a emissão de nota de crédito, pelo fornecedor, era e é em tudo equivalente à emissão de notas de débito pela [SCom01...] — aliás, a emissão de notas de crédito é o procedimento seguido por alguns fornecedores, como se dirá abaixo.
216. Seja como for, do teor dos ditos cgf's não se retira que as rubricas de descontos de quantidade em questão estejam necessariamente relacionados com quaisquer serviços prestados aos fornecedores - ao contrário do que preconiza a AF.
217. Com efeito, das "legendas" que constam dos anexos I aos cgf's resulta claramente que a "cooperação comercial" é aí enquadrada como "tipos desconto (type of discount)" (cfr. doc. 2 junto às alegações escritas pré Sentença, a título meramente exemplificativo),
218. pelo que a contraparte nesses contratos, os fornecedores, sabem ou, pelo menos, tinham a obrigação de saber, que a rubrica aqui concretamente em questão é um descontos de quantidade (e, não, serviços prestados).Desses mesmos cgf's, mais concretamente dos respectivos anexos I, resulta claramente que tal rubrica representa "Rappel (Rebate)" e um "Desconto (Discount)" percentual sobre a totalidade das compras.Nem mesmo das cláusulas 1.6, 1.7 e 2.2.1 a 2.2.8 dos cgf's se pode retirar, sem mais, que a rubrica de desconto de quantidade aqui concretamente em questão tem necessariamente subjacentes serviços prestados aos fornecedores.
219. Com efeito, e conforme depoimentos testemunhais, o cgf é um contrato "quadro", de cariz genérico, nele se estipulando não só os descontos de quantidade devidos pelo fornecedor, como a possibilidade da [SCom05...], [SCom01...] e demais sociedades retalhistas do grupo prestarem serviços aos fornecedores.
220. Aliás, e como é óbvio, o facto de estarem estipuladas determinadas obrigações contratuais — para ambas as partes, note-se — tal não significa, sem mais, que, na prática, lhes correspondam quaisquer serviços prestados pela [SCom01...] aos seus fornecedores.
221. De facto, o IVA tributa a realidade dos factos, e não clausulados contratuais.
222. Note-se que os clausulados dos cgf's, que são estandardizados, foram gizados para "cativar" os fornecedores à sua celebração — por razões óbvias de estratégia negociai e comercial, no intuito de obter o maior número de descontos de quantidade possível junto dos fornecedores.
223. O que não significa que, na prática, aos descontos de quantidade cobrados aos fornecedores, como o desconto "cooperação comercial", estejam associadas quaisquer operações activas, muito menos serviços prestados, a favor dos fornecedores.
224. Os descritivos contratuais, estipulados nos cgf's, apenas pretendem ser formalmente benéficos, do ponto de vista meramente negociai, para a [SCom05...], [SCom01...] e demais sociedades retalhistas do grupo, pois, na realidade, às rubricas em causa não estão subjacentes quaisquer serviços prestados; trata-se apenas de tentar convencer os fornecedores a concederem mais e mais descontos de quantidade — como bem denotou a douta Sentença recorrida.
225. Note-se que o negócio da distribuição é altamente competitivo e concorrencial, residindo a principal vantagem competitiva precisamente na obtenção do maior número de descontos possível junto dos fornecedores — um simples desconto adicional de meio ponto percentual sobre as compras pode fazer toda a diferença.
226. Não existe qualquer actividade económica ou comercial na qual a remuneração dos serviços prestados a terceiros seja definida em função do volume das quantidades de mercadorias adquiridas pelos prestadores de serviços a esses terceiros.
227. Nem faz sentido que fosse a [SCom01...] a, unilateralmente, definir os preços dos serviços que alegadamente estaria a prestar aos seus fornecedores — como acima se referiu.
228. Será que a [SCom01...] presta tantos mais serviços quantas mais mercadorias comprar aos seus fornecedores ?
229. Tendo presente que, nos termos da cláusula 1.6 dos cgf's, a [SCom05...], [SCom01...] e demais sociedades retalhistas do grupo, não são obrigadas a comprar aos fornecedores, isso significa que se nada comprarem nenhum serviço lhes prestam ?
230. E o que dizer da matéria colectável que serviu de base à liquidação adicional do IVA, que é coincidente com os descontos obtidos ?
231. Ou seja, o preço dos pretensos serviços prestados aos fornecedores coincide precisamente com os valores dos descontos cobrados aos fornecedores ? Que sentido faz isto ?
232. Sendo certo que a "cooperação comercial" é determinada por percentuais sobre as compras aos fornecedores, nenhuma parte desses descontos obtidos dos fornecedores tem que ver com os volumes de compras, mas apenas com serviços prestados aos fornecedores ?
233. Conforme notas de crédito emitidas pelos fornecedores [SCom02...] e [SCom03...] (cujas cópias foram juntas agregadamente pela Recorrida/Impugnante às alegações pré Sentença como doc. 3 — vide 13 e 14 dos factos provados e documentação aí referida), respeitantes a "cooperação comercial",
234. aqueles fornecedores, exactamente como a [SCom01...], consideravam os débitos de descontos em causa (cooperação comercial) como descontos de quantidade (ao abrigo do artigo 71º nº 2 e 3 do CIVA, segundo se refere na nota de crédito), e não como serviços adquiridos.
235. De facto, se considerasse o desconto em questão como serviços adquiridos, a [SCom02...] e a [SCom03...] teriam emitido as suas notas de crédito com a taxa de IVA geral, aplicável a "serviços", e não, como efectivamente faziam, com as taxas de IVA específicas de cada produto.
236. Assim, não só se demonstra que há fornecedores que emitem notas de crédito dos descontos em questão, como se demonstra que fornecedores há que dão aos descontos exactamente o mesmo enquadramento que lhes é dado pela [SCom01...] e demais sociedades retalhistas do grupo.
237. Aliás, nesta situação (emissão de nota de crédito pelo fornecedor), acaso serviços houvessem, como pretende a AF, o que só por mera hipótese se admite, seria o fornecedor quem, unilateralmente, quantificava o preço dos serviços que lhe haviam sido prestados pela [SCom01...], e a esta devidos ?
238. Veja-se igualmente as cartas dos fornecedores [SCom14...] e [SCom15...], em resposta a pedidos de esclarecimento dos próprios serviços de inspecção tributária da AF (cfr. docs. 4 e 5 juntos às alegações pré Sentença).
239. Dessas cartas consta expressamente, entre outras, "...que as notas de débito emitidas são contabilizadas pela nossa empresa como descontos e abatimentos a vendas".
240. Ou seja, este fornecedor, à semelhança das referidas [SCom02...] e [SCom03...], considera os descontos em questão precisamente como "descontos e abatimentos a vendas", e não como o preço de quaisquer serviços adquiridos.
241. No caso da carta do fornecedor [SCom15...], também este afirma expressamente que "estas rubricas são contabilizadas numa conta 718 — descontos e abatimentos em vendas".
242. Ou seja, também este fornecedor considera os descontos concedidos como "descontos e abatimentos em vendas" à [SCom05...] ou à [SCom01...], e não como o preço de quaisquer serviços adquiridos à [SCom05...] ou à [SCom01...].
243. Como se disse, todos os anos são celebrados novos cgf's, negociadas diferentes condições negociais com os fornecedores e estabelecidas novas relações comerciais entre as partes — o negócio é dinâmico e mutável.
244. Não se provou qualquer factualidade no sentido de que a [SCom01...] prestou quaisquer serviços aos seus fornecedores, residentes ou não residentes, muito menos que serviços, em concreto, teriam sido esses.
245. Note-se que os produtos que estão nas prateleiras dos estabelecimentos de supermercado e hipermercado são propriedade da [SCom05...], [SCom01...] e demais sociedades retalhistas do grupo - foram comprados a título definitivo aos fornecedores, não estando à consignação.
246. A AF limitou-se a presumir, meramente a partir do texto dos cgf's, e abstraindo da realidade dos factos, que a [SCom01...] teria prestado serviços aos seus fornecedores.
247. Sem aferir, em concreto e na realidade, se a [SCom01...] prestou efectivamente esses serviços aos seus fornecedores, e que serviços, em concreto, teriam sido esses.
248. Na realidade, a nenhuma das rubricas de descontos, como a "cooperação comercial", correspondem quaisquer operações realizadas pela [SCom01...] em benefício dos seus fornecedores, residentes ou não residentes — ou seja, não lhe estão subjacentes quaisquer serviços prestados aos fornecedores.
249. Apesar do que se escreve nos cgf's, a realidade dos factos é esta.
250. Trata-se de meros "rappeis" ou descontos de quantidade adicionais, a acrescer ao "rappel" usual (variável em função dos diferentes escalões de compras).
251. Veja-se o douto Parecer do Ministério Público cuja cópia foi anexa pela Recorrida/Impugnante às alegações pré Sentença como doc. 6, emitido em situação em tudo idêntica à dos autos.
252. Ainda no mesmo sentido, pode ver-se o douto Parecer do Ministério Público cuja cópia foi anexa pela Recorrida/Impugnante às alegações pré-sentença como doc. 7, também ele emitido em situação idêntica à dos autos.
253. De facto, a "cooperação comercial", é um mero desconto de quantidade, determinado segundo um percentual aplicado globalmente, à totalidade das compras efectuadas ao fornecedor, de toda a sua gama de produtos.
254. Tampouco é obtido de um determinado fornecedor em particular; outrossim, é obtido de todos os fornecedores.
255. Com efeito, não está relacionado com quaisquer produtos ou bens em particular, ou com qualquer fornecedor em especial.
256. E está em causa sobretudo o interesse da [SCom01...]: vender o mais possível.
257. Não há aqui quaisquer "serviços prestados" pela [SCom01...], que não presta quaisquer "serviços" aos seus fornecedores.
258. São descontos de quantidade, na medida em que são calculados, sem excepção, em função de um percentual sobre a globalidade das compras feitas ao fornecedor.
259. A AF, como resulta do RIT, limitou-se a transcrever partes do contrato geral de fornecimento e das notas de débito/crédito,
260. sem fundamentar ou explicitar — como se lhe impunha - a realidade, a materialidade dos alegados "serviços prestados",
261. e não o fez porque, simplesmente, tais serviços não existem,
262. sendo certo que, contrariamente ao afirmado, o contrato geral de fornecimento não contém apenas "obrigações gerais" e "obrigações de cooperação e desenvolvimento", como dele decorre,
263. e sendo certo, de todo o modo, que as "designações" que as partes dão ao contrato, ou que constam do contrato, são irrelevantes na hora de qualificar os factos tributários ( Cfr. artigo 36.° n.° 4 da LGT).
264. Sendo ainda certo que vigora o princípio da prevalência da substância sobre a forma (cfr. artigos 11º nº 3 e 38º nº 1 da LGT).
265. Veja-se que a AT, conforme anexo VI ao relatório inspectivo (cfr. 34 dos factos provados e documentos aí referidos), baseia-se em contrato de 2005, o qual, para além de estar incompleto, nada tem que ver com o ano aqui em questão, 2003.
266. Sendo certo que os contratos gerais de fornecimento são contratos "quadro", onde está previsto todo o complexo de relação comerciais a estabelecer com o fornecedor, designadamente, mas não exclusivamente, os descontos a obter dos fornecedores, de que é exemplo o desconto "cooperação comercial".
267. De facto, AF não identificou, in casu, o substrato económico de quaisquer serviços prestados; não identificou, em concreto, quaisquer operações de prestação de serviços, sendo certo que o conceito legal de prestação de serviços é de natureza económica.
268. Aliás, o que decorre de tais contratos é que os débitos de "Cooperação Comercial" são descontos concedidos pelos fornecedores à [SCom01...],
269. os quais são calculados através de uma percentagem negociada com cada fornecedor, aplicada ao volume de compras que a [SCom01...] lhes fazia.
270. E que esta "transfere", entre outros, para a [SCom05...], por meio de notas de crédito a favor desta.
271. Com efeito, os descontos obtidos dos fornecedores eram debitados a estes pela [SCom01...], que depois os creditava às outras sociedades distribuidoras do mesmo grupo económico, na medida das compras imputáveis a cada uma delas.
272. A [SCom01...], em função da sua dimensão e da natureza do seu negócio, contratava com milhares de fornecedores,
273. sendo que essa dimensão fazia com que pudesse beneficiar de "economias de escala", na medida em que fosse capaz de contratualizar descontos nas aquisições de existências.
274. Neste contexto, a [SCom01...] celebrava, numa base anual, contratos de fornecimento onde eram plasmados vários tipos de descontos - de natureza financeira e comercial.
275. Estes contratos eram feitos com todos os fornecedores.
276. E com todos os fornecedores eram acordados os correspondentes descontos.
277. O desconto de quantidade é uma prática comercial usual que consiste num desconto que o fornecedor concede ao seu cliente sobre o preço dos bens transaccionados, e que é determinado em função do volume de vendas.
278. Os contratos de fornecimento também trazem vantagens para os fornecedores,
279. porquanto tais contratos lhes asseguram uma cadência regular e em larga escala de escoamento dos seus produtos no mercado, também com as inerentes economias de escala e reduções de custo total médio por unidade vendida — tal como sucede com a [SCom01...].
280. No entanto, nem por isso essas vantagens advêm de quaisquer serviços prestados pelas [SCom01...].
281. Com efeito, o retalhista que compra os produtos, neste caso a [SCom01...] e as demais retalhistas do Grupo, ao conseguir vender os mesmos a preços mais competitivos — através do desconto atribuído pelo fornecedor — vai, naturalmente, dinamizar o consumo desses produtos, no seu óbvio interesse,
282. fidelizando a clientela dos mesmos ou cativando a atenção de novos clientes,
283. tudo em benefício do próprio retalhista — que vê as suas vendas aumentarem — e, reflexamente, no interesse do fornecedor — que, como é óbvio, com a crescente popularidade dos seus produtos, vai ter mais facilidade de escoar os mesmos no mercado.
284. Destarte, podemos concluir, com segurança, que o desconto interessa tanto ao fornecedor quanto ao retalhista.
285. Aliás, se assim não fosse, naturalmente que as partes não teriam acordado esses mesmos descontos...
286. É essa, também, a posição defendida pela nossa Doutrina e corporizada no parecer do Prof. Dr. José Guilherme Xavier de Basto em anexo, de que se juntou cópia à PI como doc. 3.
287. E conforme resulta igualmente do douto Parecer do Prof. António Carlos dos Santos, cuja cópia foi junta pela Recorrida/Impugnante às alegações pré Sentença como doc. 8.
288. A questão reside em saber se as vantagens atribuídas aos fornecedores são suficientemente autónomas para que possam ser consideradas como prestações de serviços.
289. É evidente que não, conforme resulta dos depoimentos das referidas testemunhas.
290. As vantagens dos fornecedores reconduzem-se exclusivamente à maximização dos seus fluxos de vendas, atenta a grande "montra" de hipermercados e supermercados espalhados pelo país que o Grupo a que a [SCom01...] pertencia dispunha e dispõe.
291. O preço desses pretensos "serviços" estaria dependente, única e exclusivamente, do volume de mercadorias adquiridas pela [SCom01...] ao fornecedor,
292. pelo que, na óptica da AF, quanto maior o volume de compras da [SCom01...], maior o preço a pagar pelos alegados serviços ...
293. Sendo claro que o benefício é de ambos, é imperativo tornar ainda mais claro que a [SCom01...], com o desconto obtido, pretende potenciar as suas próprias vendas!
294. Simplesmente, ao potenciar as suas próprias vendas, a [SCom01...] estava a efectuar mais encomendas aos seus fornecedores, que, por isso, eram indirectamente beneficiados, por aumentos também nas suas vendas.
295. Mais: o cálculo da contrapartida pelos alegados serviços prestados - o desconto — não tem qualquer ligação, mínima que seja, com o valor desses pretensos "serviços",
296. sendo que - segundo a tese da AF - o preço a pagar, o desconto, não é obtido por acordo com os beneficiários desses alegados serviços, mas, como se disse, unilateralmente pelo próprio prestador: basta-lhe tão só comprar mais ao fornecedor para lhe prestar e cobrar também mais "serviços" (?),
297. uma vez que, a ser assim, tal contrapartida seria fixada com base numa percentagem das compras do alegado prestador,
298. e não, como se impunha face à posição defendida pela AF, tendo por base a substância do concreto serviço prestado e do benefício ou valor acrescentado daí decorrente para o fornecedor.
299. Esse benefício — o alegado "incremento de vendas" (a alegada contrapartida dos descontos) - não tem suficiente autonomia para que se possa afirmar que estamos perante uma prestação de serviços,
300. uma vez que essa pretensa contrapartida é perfeitamente indissociável do contrato de fornecimento (dos fornecedores à [SCom01...]).
301. Ou seja, o "incremento das vendas" é, logicamente, um interesse primordial da [SCom01...]; é também um interesse do fornecedor, mas o interesse deste está dependente da maximização do interesse da [SCom01...].
302. Seja como for, essa "vantagem" — incremento das vendas — no caso não tem autonomia, pois é inseparável do contrato de fornecimento de onde resulta,
303. uma vez que, caso a [SCom01...] nada adquira ao fornecedor, então nenhum "serviço" lhe prestará e, por outro lado, prestará tantos mais "serviços" quanto mais produtos lhe adquirir.
304. Nos termos do artigo 42 nº 1 CIVA, será considerada como prestação de serviços toda a operação onerosa que não seja enquadrável como transmissão de bens, aquisição intracomunitária de bens ou importação.
305. Contudo, tal não significa, nem pode significar, como é óbvio, que todo o facto jurídico — que não "transmissão de bens", "aquisição intracomunitária de bens" ou "importação" - possa, por esse motivo, ser transformado em facto tributário — mormente em "prestação de serviços", como pretende a AF,
306. porquanto ao conceito jurídico-fiscal de "prestação de serviços" são inerentes determinadas características que, afora o carácter residual, lhe conferem singularidade como facto tributário gerador da obrigação de liquidação de IVA.
307. Sobretudo, não pode a AF considerar terem ocorrido "prestações de serviços", para efeitos de IVA, tendo apenas por base meras transcrições contratuais, sem identificar, em concreto, quais os concretos serviços efectivamente prestados aos fornecedores, como se denota do teor do RIT.
308. Com efeito, mesmo no caso das "prestações de serviços", tem necessariamente de haver um mínimo de materialidade e factualidade reveladoras da existência de uma qualquer operação económica activa.
309. Com efeito, o conceito de "prestação de serviços" não é uma espécie de "saco", onde cabe tudo o que não integre os demais factos tributários elencados na lei.
310. Como constitui Jurisprudência uniforme do TJUE, a prestação de serviços "pressupõe a existência de um nexo directo entre o serviço prestado e o contravalor recebido" ( Sic, acórdão APPLE and PEAR, 8 de Março de 1988, (proc. 102/86 in Co!. 1988 — disponível em http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:61986J0102: PT:HTML), sublinhado nosso.),
311. sendo que «Uma atribuição patrimonial feita por um sujeito passivo não pode ser considerada, sem mais, como contrapartida de um serviço.» ( Sic, José Guilherme Xavier de Basto, A Tributação do Consumo e a sua Coordenação Internacional, Cadernos CTF n.° 164, CEF/DGCI, 1991, p. 173, sublinhado nosso).
312. Com efeito, é evidente que tem de ser identificado, em concreto, o serviço prestado que conduziu a essa atribuição patrimonial - o que, in casu, a AF não logrou fazer,
313. pela simples razão de que os descontos obtidos não advêm de quaisquer serviços prestados aos fornecedores, porque tais serviços, pura e simplesmente, não existem.
314. Se não existir bilateralidade, ou se apenas existir uma mera correspectividade indirecta, não existe prestação de serviços tributável em IVA,
315 o que vale por dizer, como afirma o TJUE, que não estão preenchidas as condições de uma prestação de serviços efectuada a título oneroso, se não existir "contrapartida que tenha valor subjectivo e nexo directo com o serviço prestado" ( Vide ponto 17 do acórdão do TJCE, de 16 de Outubro de 1997, C-258/95, Juffus F. Sohne, sublinhado e destaque nossos.).
316. Como se disse acima, a atribuição patrimonial em questão — os referidos descontos obtidos — não têm qualquer conexão, qualitativa ou quantitativa, com quaisquer serviços prestados.
317. Outrossim, esses descontos obtidos têm conexão, qualitativa e quantitativa, com o fornecimento de mercadorias - i.e., com as operações tributáveis "transmissão de bens" dos fornecedores para a [SCom01...].
318. Do mesmo modo, a Jurisprudência Comunitária é unânime no sentido de que "a matéria colectável na entrega de um produto ou na prestação de um serviço é constituída pela contrapartida realmente recebida para esse efeito. Esta contrapartida constitui, portanto, o valor subjectivo, isto é, realmente recebido, e não um valor calculado segundo critérios objectivos" ( Cfr. o ponto 13 do acórdão Julius F. Sohne , sublinhado e destaque nosso) (por exemplo, segundo uma percentagem sobre o volume total de compras).
319. Se assim é, ou seja, se para estarmos perante uma verdadeira prestação de serviços o nexo entre a prestação e o contravalor recebido deve ser directo, legítimo se torna concluir que, in casu, não existe qualquer prestação de serviços,
320. pois que só de forma indirecta o fornecedor beneficia do desconto concedido.
321. Acresce que, dando como assente que o contrato de fornecimento beneficia ambas as partes, a vantagem recebida pelos fornecedores não tem suficiente autonomia para que se possa afirmar que estamos perante uma prestação de serviços,
322. uma vez que tal vantagem é perfeitamente inseparável e indissociável do contrato de fornecimento - sem o qual, de resto, não subsiste!
323. Ninguém é remunerado pelos serviços prestados em função de um percentual sobre o volume de compras que o próprio efectua — o que é um verdadeiro contra-senso.
324. A AF não prova que os descontos recebidos sejam o correspectivo de quaisquer serviços prestados.
325. Com efeito, o desconto não é o preço de quaisquer serviços prestados.
326. E a [SCom01...] também é beneficiária de tais "serviços".
327. Ou seja: afinal ela receberia um preço (o desconto) por um "serviço" de que seria a primeira beneficiária (poder vender os produtos comprados a um preço muito competitivo, usufruindo assim de uma vantagem competitiva)?
328. Não faz qualquer sentido...
329. O cálculo do desconto nada tem a ver com o valor de um serviço prestado, pois a tal alegada contrapartida (o desconto) é resultante do aumento das compras da [SCom01...], sendo fixada por critérios objectivos, que consistem numa percentagem das compras aos fornecedores.
330. E, não, por critérios subjectivos de valoração, pelas partes, de qualquer serviço prestado pela [SCom01...], como exige a dita Jurisprudência do TJUE, para que ocorra um "serviço".
331. O aludido "incremento das vendas" é, antes do mais, um interesse da própria [SCom01...] e do Grupo a que pertencia, por motivos óbvios, pelo que não faria sentido que, ainda por cima, fosse remunerada por isso.
332. Aliás, só com muito esforço imaginativo pode ser associado ao dito "incremento das vendas" um qualquer "serviço prestado".
333. Estamos, sim, perante efectivos "descontos" na verdadeira acepção da palavra: abatem às vendas à [SCom01...] e o respectivo "pagamento" é feito por compensação (abate) ao preço dos fornecimentos à [SCom01...] — como, aliás, a própria AF reconhece no RIT.
334. Esses descontos abatem aos preços dos fornecimentos, de modo que a [SCom01...] só paga aos fornecedores o líquido — ou seja, a diferença entre os preços dos fornecimentos e os descontos concedidos.
335. Sintomático, portanto, de se tratar de verdadeiros descontos.
336. Note-se que a [SCom01...] era um entreposto logístico, de armazenamento e transporte; não era um retalhista, como o era e é, ainda hoje, a [SCom05...].
337. Seja como for, e de acordo com a Jurisprudência firmada pelo TJUE, para existir uma "prestação de serviços", têm de estar reunidas cumulativamente as seguintes características:
- individualização (relação particular com o fornecedor X ou Y),
- relação directa (com um fornecedor, sem que haja qualquer outra causa - no caso, há uma relação de compra anterior que fundamenta a existência dos descontos);
- relação autónoma (existe independentemente de quaisquer outras relações — no caso, os descontos não existem se não existirem antes compras);
- avaliável autonomamente (possibilidade de definir um preço dessa relação de "prestação de serviços", sem necessidade de se fundamentar noutra qualquer relação susceptível de valorização — no caso, os descontos não são avaliáveis autonomamente, no sentido de que possa ser feito um preço sem que existam antes as compras aos fornecedores).
338. Estas são, pois, as características que o TJUE tem considerado como sendo determinantes para que se possa falar na existência de uma verdadeira "prestação de serviços".
339. E nenhuma delas se verifica no caso concreto- como bem salienta a douta Sentença recorrida.
340. Assim, feita a concatenação entre os factos e o direito comunitário, pode concluir-se que os descontos em questão traduzem-se em: (i) montantes que são estabelecidos de forma não individualizada; (ii) não há relação directa entre o desconto e uma qualquer contraprestação de um serviço prestado; (iii) os descontos não são autónomos, isto é, existem apenas porque existe uma relação de compra anterior; (iv) estes descontos não são avaliáveis autonomamente porque afinal resultam todos de um percentual sobre a generalidade das compras anteriormente efectuadas.
341. Mais ainda, a qualificação de uma operação para efeitos de IVA é uma questão objectiva que não pode ser, pura e simplesmente, extraída da qualificação dada pelas partes.
342. Esta qualificação é apenas um indício, entre outros, para permitir chegar à verdadeira qualificação.
343. Esta é, aliás, a orientação da LGT, que recebe, neste particular, a doutrina desde há muito dominante.
344. Assim, de acordo com a LGT, "a qualificação do negócio jurídico efectuada pelas partes, mesmo em documento autêntico, não vincula a administração tributária"( Cfr. O nº do artigo 36º da LGT).
345. E, de facto, se nos recordarmos que o nexo entre a prestação de serviços e o contravalor recebido deve ser directo, e que o contravalor não deve ser calculado de forma objectiva, só podemos concluir que, neste caso, estamos perante um verdadeiro desconto - não sujeito a IVA - e não perante uma contraprestação de um serviço.
346. Sendo certo que os descontos em questão são devidos pelos fornecedores precisamente no momento em que a operação se realiza, ou seja, no momento em que são processados os fornecimentos à Impugnante.
347. Não estão, pois, em questão, quaisquer serviços, integráveis no artigo 4.º do CIVA, mas apenas descontos sobre os volumes de compras,
348. pelo que a única operação tributável em IVA é a transmissão de bens dos fornecedores para a [SCom01...] ( Artigo 3.º nº 1 do CIVA),
349. sendo certo que, nos termos do artigo 4.º n.º 1 do CIVA, apenas são consideradas prestações de serviços as operações onerosas que não constituam transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens,
350. e a [SCom01...] não dispõe, como nunca dispôs, de quaisquer activos, humanos, materiais ou financeiros, afectos à prestação dos imaginários serviços pretendidos pela AF.
351. Com efeito, não há prestações de serviços sem custos, pelo que cabe perguntar: quais foram, então, os custos incorridos (humanos, financeiros, materiais, etc.) com os pretensos serviços prestados aos fornecedores?
352. Em suma, os descontos cobrados aos fornecedores têm por correspectivo tão só e apenas o maior volume de compras a estes efectuadas, e não qualquer "actuação operacional" da [SCom01...],
353. pelo que a única motivação para a concessão dos descontos, por parte dos fornecedores, reside na maximização do seu fluxo de vendas, i.e., no maior escoamento dos seus produtos e inerentes economias de escala associadas: quanto maior o volume de fornecimentos, menor o custo unitário médio de cada mercadoria vendida, o que se traduz num benefício económico-financeiro único e exclusivo do fornecedores.
354. Por isso, e só por isso, estes estavam dispostos a conceder descontos à [SCom01...].
355. E também precisamente por isso é que o desconto obtido, pela [SCom01...], é indissociável e indistinguível da relação de fornecimento, sendo, por conseguinte, e sempre, um desconto sobre o volume das vendas (...).
356. Não há, assim, qualquer "serviço prestado" aos fornecedores.
357. Sem prejuízo, ainda que, por mera hipótese, estivessem correctamente qualificados os factos tributários — o que, reitera-se, não estão — nunca a matéria colectável poderia ser constituída pelo montante global de desconto obtido.
358. Com efeito, não demonstrou a AF que os valores daqueles descontos obtidos correspondem ao preço dos pretensos serviços prestados.
359. Aliás, a AF não fundamenta, sequer, por que motivo o imposto incide sobre esta matéria tributável.
360. Com efeito, a AF, na realidade, não apurou o concreto "valor da contrapartida" dos alegados serviços prestados; limitou-se a tributar todo o valor dos descontos obtidos,
361. sem identificar, em concreto, quais os serviços prestados aos fornecedores,
362. e sem descortinar, sequer, se aqueles valores de descontos efectivamente se reflectiram, e em que medida, nos preços finais dos produtos vendidos ao público.
363. É que, não podemos olvidá-lo, os descontos em causa são calculados — todos, sem excepção - com base numa percentagem aplicada ao volume total das compras,
364. pelo que, ainda que a AF pretendesse tributar as alegadas prestações de serviços, teria de:
- determinar a parte desses descontos que se relaciona com o volume de compras;
- e aqueloutro que se relaciona com a contrapartida dos alegados serviços.
365. Ao assim não proceder, incorreu a AF em errada quantificação da matéria tributável.
366. Assim, esta correcção padece de erro nos pressupostos de facto e vício de violação de lei — conforme bem refere a douta Sentença recorrida.
367. Sem prescindir, certo é que, nos termos do artigo 100º nº 1 do CPPT, sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.
Acresce que,
368. Chegou entretanto ao conhecimento da Impugnante/Recorrida a publicação, no site da Autoridade Tributária e Aduaneira (em www.portaldasfinancas.gov.pt), de diversas "fichas doutrinárias" em sede de impostos sobre o consumo — mormente relativas a Imposto sobre o Valor Acrescentado — em cumprimento, embora extemporâneo, do disposto no artigo 68º nº 17 da LGT.
369. Concretamente, foram publicadas, entre muitas outras, as informações vinculativas concedidas nos processos nº 544, de 01.04.2010, e nº 946, de 30.07.2010, sufragadas por despachos concordantes do Exmo. Subdirector Geral da Direcção de IVA (docs. 1 e 2 juntos às alegações recursivas apresentadas em 22.02.2016).
370. Estas informações e despachos administrativos versam sobre a mesma matéria dos presentes autos e foram emitidas pela entidade que tem por incumbência a administração do imposto em causa (o IVA) — mormente promovendo a correcta liquidação do imposto (cfr. artigo 3º d) do Decreto Regulamentar nº 16/85, de 02.02).
371. Importa ainda atentar na Informação da AT nº 7709, averbada de despacho concordante da AT de 17.06.2015, junto às alegações recursivas de 22.02.2016 como doc. 3, emitida pela AT no âmbito do mesmo ramo de negócio da [SCom01...] (em 2003) e da [SCom05...],
372. segundo a qual os descontos concedidos pelos fornecedores dos hipermercados podem processar-se através de notas de débitos emitidas pelos compradores, ou seja, mediante notas de débito emitidas pelas sociedades adquirentes tal como sucedia in casu.
373. Estas informações vinculativas, embora respeitantes a outros sujeitos passivos de imposto, versam, respectivamente, sobre as temáticas "Desconto — Vales-bónus na compra de artigos — Cartão de fidelização de clientes", e "Regularizações — Descontos efectuados após a emissão de facturas".
374. E sustentam o entendimento aqui propugnado pela Impugnante/Recorrida, como delas se extrai.
375. Note-se que aquelas Informações e Despachos foram alvo de publicação pela AT apenas em 2012 e 2015.
376. Tratando-se, pois, de informações doutrinárias da AT de conhecimento superveniente pelo contribuinte.
377. Contudo, delas resulta que a regularização do IVA correspondente a descontos concedidos em fornecimentos de bens e serviços é meramente facultativa.
378. Daquelas informações vinculativas também advém que o valor correspondente ao desconto concedido deve ser excluído do valor tributável para efeitos de IVA, nos termos do artigo 16º nº 6 b) do CIVA.
379. E delas decorre também que a rectificação do valor tributável, por virtude da concessão de descontos, embora por via de regra seja feito mediante nota de crédito emitida pelo fornecedor, pode ser feita através da emissão de nota de débito pelo adquirente.
380. Razão pela qual a [SCom01...], como se disse, usava dessa mesma faculdade, consagrada no artigo 78º nº 2 do CIVA, emitindo débitos sem IVA aos fornecedores, relativamente aos descontos que deles obtinha.
381. Por outro lado, contrariamente ao que tem vindo a veicular, a AT não atendeu a um princípio fundamental da Directiva Comunitária do IVA, segundo o qual "O sistema comum do IVA deverá, ainda que as taxas e isenções não sejam completamente harmonizadas, conduzir a uma neutralidade concorrencial, no sentido de que, no território de cada Estado-Membro, os bens e os serviços do mesmo tipo estejam sujeitos à mesma carga fiscal, independentemente da extensão do circuito de produção e de distribuição" (cfr. Informação nº ...78, de 13 de Julho de 2013, junto às alegações recursivas apresentadas em 22.02.2016 como doc. 5).
382. Escusado será dizer que a AT, por força do princípio legal da boa-fé (artigo 10º do CPA), não pode actuar em contravenção com a sua própria doutrina interpretativa, conforme advém do disposto nos artigos 68º-A da LGT e 55º do CPPT - estando juridicamente vinculada à doutrina que a própria professa acerca da interpretação das normas tributárias.
Quanto à correcção de Euro 210.161,68, relativa à regularização de 111A em documentos emitidos pela [SCom01...] à [SCom02...] e à [SCom03...]
383. O que está aqui concretamente em questão é que a AF entendeu que a [SCom01...], indevidamente, regularizou IVA a seu favor sem ter na sua posse a prova de conhecimento mencionada no artigo 71º nº 5 do CIVA.
384. Sendo que, como acima se referiu e demonstrou, a [SCom01...] não prestava quaisquer "serviços de cooperação comercial" aos seus fornecedores.
385. Não lhes concedeu quaisquer "vantagens, preferência ou possibilidade de difusão" dos produtos dos fornecedores.
386. Esses valores, assim debitados pela [SCom01...] aos seus fornecedores, respeitavam, outrossim, a descontos obtidos e negociados com os fornecedores, definidos em função de um percentual sobre o volume de compras e motivados pelos elevados volumes de compras.
387. Não lhes estando subjacentes, em substância, quaisquer "serviços" prestados aos fornecedores.
388. Se a [SCom01...] efectivamente prestasse serviços aos seus fornecedores, os débitos desses "serviços" não aguardariam, como aguardam, que os fornecedores facturassem os seus fornecimentos de bens e produtos.
389. À semelhança do que fazia com os demais fornecedores, também em relação aos sobreditos fornecedores [SCom02...] e [SCom03...] a [SCom01...] emitia-lhes débitos dos descontos obtidos e com eles negociados.
390. Simplesmente, estes fornecedores, [SCom02...] e [SCom03...], optavam (e continuam a optar) por emitir, também eles, notas de crédito desses mesmos descontos.
391. Os débitos emitidos pela [SCom01...] não eram inteiramente coincidentes com os créditos emitidos pela [SCom02...] e [SCom03...] porque a [SCom01...] calculava os débitos com base nos volumes de mercadorias efectivamente recepcionadas.
392. Enquanto estes fornecedores emitiam as suas notas de crédito com base nas facturas por si anteriormente emitidas (dos fornecimentos de mercadorias).
393. E, por vezes, verificavam-se divergências nas quantidades de mercadorias efectivamente recepcionadas, verificadas em sede de conferência, na esfera da [SCom01...].
394. No entanto, tais divergências eram mínimas.
395. Com efeito, as relações entre as empresas eram relações normais de cliente/fornecedor, decorrentes de uma actividade comercial perfeitamente normal.
396. A [SCom02...] e a [SCom03...] tratavam da mesma forma, para efeitos de IVA, os descontos concedidos de rappel e de "cooperação comercial": como descontos de quantidade (como se afirma no próprio relatório inspectivo, cfr. 34 dos factos provados).
397. E faziam-no correctamente, já que uns e outros não passam, de facto, de meros descontos de quantidade, calculados e obtidos em função do elevado volume de mercadorias fornecidas.
398. A [SCom01...], repete-se, não presta quaisquer serviços de "cooperação comercial" a estes fornecedores, ou a quaisquer outros (vide supra, correcção anterior).
399. Motivo pelo qual, como se afirma no relatório dos SIT (cfr. 34 dos factos provados), a [SCom02...] e a [SCom03...], tal como os demais fornecedores, não "assumem" que a [SCom01...] lhes esteja a prestar quaisquer serviços, sejam eles quais forem.
400. Como é evidente, não tem qualquer substância, ou adesão à realidade, que a [SCom01...] preste aos seus fornecedores serviços consistentes na "possibilidade de difusão dos produtos por todo o território nacional".
401. Outrossim, os créditos/débitos em questão, relativos a "cooperação comercial", mas não são do que descontos motivados pelos volumes de compras efectuados.
402. Ora, no âmbito do normal relacionamento comercial com estes dois fornecedores, em termos documentais o que se passava era o seguinte:
403. O sistema informático da [SCom01...] começava por emitir automaticamente à [SCom02...] e à [SCom03...] débitos dos descontos a receber destes fornecedores, pois por sistema não aguardava que os fornecedores emitissem os correspondentes créditos — tal e qual como sucedia por sistema com todos os fornecedores.
404. De facto, na esfera da [SCom01...], todo o processo documental é informatizado, pois estamos perante milhares de fornecedores, dezenas de milhares de referências de produtos e milhares de débitos emitidos todos os meses, não havendo grandes possibilidades de "ajustamentos manuais".
405. Assim, sempre que um determinado fornecedor, seja ele qual fosse, atingisse determinado volume de vendas à [SCom01...], era-lhe automaticamente emitido o correspondente débito de rappel, cooperação comercial ou qualquer outro desconto de quantidade.
406. Simplesmente, porque se sabia que, no caso daqueles dois fornecedores, os mesmos emitiram os correspondentes créditos, aqueles débitos da [SCom01...] não saíam para a [SCom02...] e para a [SCom03...].
407. Com efeito, estes fornecedores emitiam notas de crédito dos mesmos descontos, a favor da [SCom01...], enviando-lhe essas notas de crédito.
408. Em função disso, a [SCom01...] anulava internamente os débitos de descontos obtidos inicialmente efectuados à [SCom02...] e à [SCom03...], por via da emissão interna de notas de crédito (com as mesmas datas e valores dos débitos iniciais), que, também elas, não eram enviadas àqueles fornecedores.
409. Como se pode verificar pela resposta da [SCom01...] de 05.04.2006, e correspondente quadro anexo (constante do anexo VII ao relatório dos SIT, cfr. 34 dos factos provados),
410. estes débitos e créditos emitidos pela [SCom01...] (os créditos precisamente no valor dos débitos, destinados a anulá-los) não foram registados contabilisticamente por estes dois fornecedores, pois não lhes foram enviados.
411. Desta forma, acabam por subsistir apenas as notas de crédito emitidas pela [SCom02...] e pela [SCom03...] à [SCom01...], e por esta aceites, cujo IVA, nelas liquidado, é naturalmente regularizado pela [SCom01...] a favor do Estado.
412. Sendo que os documentos emitidos pela [SCom01...] — notas de débito iniciais e notas de crédito destinadas a anular essas notas de débito — não são remetidos à [SCom02...], nem à [SCom03...], como se disse.
413. Motivos pelos quais os uns e outros (que foram juntos agregadamente pela Impugnante/Recorrida às suas alegações pré Sentença, como doc. 9) permanecem na esfera da [SCom01...].
414. Como as notas de débito iniciais emitidas pela [SCom01...] contêm IVA liquidado, entregue ao Estado, as notas de crédito que a mesma emite, nos mesmos montantes e especificamente destinadas a anular aqueles débitos, contém igualmente IVA, que a [SCom01...] regulariza a seu favor.
415. Assim, o IVA liquidado a favor do Estado e regularizado a favor do contribuinte é exactamente o mesmo, pelo que o Estado em nada é prejudicado.
416. Aliás, o Estado é duplamente beneficiado: o IVA é inicialmente entregue ao Estado, pela [SCom01...], à taxa geral de 23%, e só mais tarde é reduzido, ainda por cima às taxas reduzidas de IVA das notas de crédito emitidas pela [SCom02...] e pela [SCom03...].
417. Nem a [SCom02...], nem a [SCom03...], têm conhecimento das notas de débito e subsequentes notas de crédito emitidas pela [SCom01...], já que, nem umas, nem outras, lhes são enviadas.
418. Motivos pelos quais esses documentos não foram contabilizados por estes fornecedores.
419. A [SCom02...] e a [SCom03...] apenas recepcionaram documentos de pagamento emitidos pela [SCom01...], onde aquelas notas de débito inicialmente emitidas pela [SCom01...] são mencionadas, juntamente com muitas outras (cfr. anexo VIII junto ao relatório inspectivo, cfr. 34 dos factos provados).
420. Estes documentos de pagamento contêm todos os documentos, emitidos pela [SCom01...] e pelos seus fornecedores, apurando-se um saldo líquido, que é pago pela [SCom01...].
421. Contudo, as próprias notas de débito e as subsequentes notas de crédito, emitidas pela [SCom01...], nunca foram, nem são, enviadas à [SCom02...] e a [SCom03...], pelo que não podem ter sido contabilizadas por estas, designadamente no que concerne ao IVA naquelas contido.
422. Com efeito, este pressupõe que o débito inicial com IVA liquidado haja sido remetido e contabilizado (em IVA dedutível) pelo destinatário desse mesmo débito.
423. O que, no caso, não se verificou, conforme resulta da factualidade provada.
424. Com efeito, os débitos iniciais, com IVA liquidado (e entregue ao Estado pela [SCom01...]), não chegaram a ser enviados àqueles fornecedores, pelo que estes não os contabilizaram e, consequentemente, não deduziram esse mesmo IVA.
425. Assim, o fornecedor, porque não deduziu inicialmente qualquer IVA, não tinha que ter conhecimento do crédito posteriormente emitido pela [SCom01...], destinado a anular aquele débito inicial.
426. Pois o fornecedor não tinha de regularizar, a favor do Estado, um IVA que inicialmente não havia deduzido, pelo facto do débito inicial não lhe ter sido enviado e, por isso, por ele não ter sido contabilizado.
427. A [SCom01...] simplesmente contabilizava os seus débitos iniciais (onde liquida e entrega IVA ao Estado), os seus créditos posteriores (com base nos quais regulariza esse IVA a seu favor) e os créditos emitidos pela [SCom02...] e [SCom03...] (com base nos quais regulariza e entrega o correspondente IVA ao Estado).
428. Não nos parece, por conseguinte, que os fornecedores em questão tivessem de tomar conhecimento da regularização efectuada pela [SCom01...], para que esta fosse legítima.
429. Aliás, se tivessem tido conhecimento e contabilizado essas notas de crédito, emitidas pela [SCom01...], os fornecedores iriam regularizar IVA, a favor do Estado, que inicialmente não haviam deduzido (por os débitos iniciais não lhes terem sido emitidos), o que seria um absurdo.
430. Note-se que as notas de crédito emitidas pela [SCom01...] destinam-se precisamente a anular as suas notas de débito iniciais, por descontos obtidos junto dos fornecedores [SCom02...] e [SCom03...].
431. As notas de crédito emitidas pela [SCom01...] são emitidas com as mesmas datas das notas de crédito emitidas por estes fornecedores.
432. E a [SCom01...] só lança contabilisticamente as suas notas de crédito quando recepciona e contabiliza as notas de crédito emitidas pela [SCom02...] e [SCom03...].
433. Embora não se tratando de "lançamentos de estorno" (o sistema informático contabilístico não permite movimentos contabilísticos de "sinal contrário", obrigando à emissão de um novo documento), os lançamentos contabilísticos dos documentos emitidos pela [SCom01...] são em tudo equivalentes a "lançamentos de estorno", pois trata-se simplesmente de anular movimentos contabilísticos anteriormente efectuados.
434. No entanto, as notas de crédito em questão, emitidas pela [SCom01...], poderiam muito bem chamar-se "estornos", "anulações" ou simplesmente "avisos de lançamento", sendo que a sua finalidade seria sempre a mesma — anular os débitos iniciais — e, nessas circunstâncias, talvez a AF já não tivesse levantado problemas.
435. Como se refere no relatório dos SIT (cfr. 34 dos factos provados), a [SCom02...] e a [SCom03...] emitiam as suas notas de crédito à taxa reduzida de IVA de 5% ou normal, em função das diferentes taxas de IVA a que eram tributados os produtos a que respeitavam — prova inequívoca, portanto, de que estes fornecedores consideravam estes débitos da [SCom01...] como descontos em vendas, tratando estas situações, correctamente, como descontos concedidos — e não como serviços prestados, caso em que usariam sempre a taxa normal de IVA (23%).
436. IVA, aquele, das notas de crédito emitidas pela [SCom02...] e pela [SCom03...], que a [SCom01...], receptora dessas notas de crédito, regularizou a favor do Estado e entregou junto dos cofres do Estado.
437. Em lugar algum estes fornecedores consideram o rappel ou a "cooperação comercial" como serviços prestados pela [SCom01...] — se o fizessem, as respectivas notas de crédito apenas conteriam IVA à taxa normal de 23%, por serviços adquiridos à [SCom01...], o que, manifestamente, não é o caso.
438. Note-se que os débitos inicialmente emitidos pela [SCom01...] continham IVA liquidado a favor do Estado e esse IVA não foi anulado pela AF, apesar de tais documentos não terem sido remetidos aos fornecedores em questão.
439. Com efeito, se AF não aceita a regularização desse IVA a favor da [SCom01...], com base nas notas de crédito emitidas para anular esses débitos, então, por elementares razões de justiça e proporcionalidade, deveria igualmente ter anulado o IVA liquidado (e entregue ao Estado) nesses débitos iniciais, o que não fez.
440. O que se constata, de todo o referido, é que a AF em nada foi prejudicada, pois os débitos e créditos emitidos pela [SCom01...] não produziram quaisquer efeitos externos, junto dos fornecedores em questão.
441. pelo contrário, ficou temporariamente com IVA a taxas superiores (o IVA liquidado nos débitos inicialmente emitidos àqueles fornecedores) às taxas de IVA liquidadas pelos fornecedores em questão.
442. O entendimento da AT conduz à situação da [SCom01...], além de ter de entregar ao Estado o IVA que, à taxa geral de 23%, liquidou nos seus débitos iniciais àqueles fornecedores,
443. ter ainda de entregar, adicionalmente (ao Estado), o IVA que esses mesmos fornecedores, [SCom02...] e [SCom03...], liquidaram nas notas de crédito por estes emitidas a favor da [SCom01...] - com a consequente duplicação de tributação e colecta de IVA sobre a mesma operação, de todo inadmissível.
444. Esta correcção padece, assim, de erro nos pressupostos de facto e de vício de violação de lei.
Posto isto
445. Como se afirmou e é confirmado na douta Sentença recorrida, estes fornecedores ([SCom02...] e [SCom03...]), ao emitirem as respectivas notas de crédito a favor da [SCom01...], consideravam os valores de creditados à [SCom01...] como descontos concedidos à [SCom01...] (ou seja, descontos sobre o preço dos fornecimentos) e, portanto, como uma correcção/rectificação para menos do valor tributável (preço) dos anteriores fornecimentos da [SCom02...] e [SCom03...] à [SCom01...] — e, por conseguinte, não sujeitos a IVA, nos termos do artigo 16º nº 1 e nº 6 b) do CIVA.
446. Optando aqueles fornecedores pela faculdade de regularizarem o respectivo IVA (dos fornecimentos anteriormente efectuados à [SCom01...]), ao abrigo do artigo 71º nº 2 e 5 do CIVA (conforme consta das notas de crédito por eles emitidas) (cfr. o Parecer do Prof. Xavier de Basto, doc. 3 junto à PI).
447. Tendo recebido aquelas notas de crédito, a priori competia à [SCom01...], por sua vez, regularizar o respectivo IVA a favor do Estado - ou seja, regularizar a favor do Estado o IVA (na parte correspondente aos descontos concedidos pelos fornecedores em questão) que anteriormente deduziu e lhe foi liquidado por aqueles fornecedores nos anteriores fornecimentos de mercadorias, nos termos do artigo 71º nº 4 do CIVA.
448. Contudo, pois a [SCom01...] já regularizava ela própria o IVA a favor do Estado (ou seja, nas quais liquidava IVA a favor do Estado), por meio de notas de débito por si inicialmente emitidas - as quais eram emitidas automaticamente, por erro do seu sistema informático, pois estavam em causa descontos obtidos daqueles fornecedores, que não eram sujeitos a IVA (vide supra).
449. Por isso é que, tal como se afirma na douta Sentença recorrida, a [SCom01...] emitia notas de crédito para anular simultaneamente aquelas notas de débito,
450. e nem as notas de débito, nem as notas de crédito (que anulavam aquelas notas de débito) emitidas pela [SCom01...] aos fornecedores [SCom02...] e [SCom03...] chegavam a ser enviadas a estes fornecedores — pelos que estes fornecedores nunca tiveram conhecimento daqueles documentos, que continham IVA.
451. Limitando-se a [SCom01...], por conseguinte, a regularizar a favor do Estado o IVA contido nas notas de crédito emitidas pelos seus fornecedores [SCom02...] e [SCom03...] e que chegavam à [SCom01...].
452. Tudo conforme resulta da conjugação da factualidade provada em 11 e 13 a 16 dos factos provados.
453. Pelo que a situação factual em apreço não se enquadrava no artigo 71º nº 2, 5 e 6 do CIVA, como bem afirma a douta Sentença recorrida.
454. Ora, pelo facto das notas de débito e de crédito emitidas pela [SCom01...] não lhes serem enviadas, aqueles fornecedores não tinham conhecimento das mesmas - pelo que esses mesmos fornecedores não deduziram a seu favor nem liquidaram a favor do Estado, respectivamente, o IVA contido naquelas notas de débito e de crédito emitidas pela [SCom01...].
455. Daí que a situação factual em apreço não se enquadra no artigo 71º nº 2 e 5 do CIVA, como bem afirma a douta Sentença recorrida.
456. Com efeito, naquelas circunstâncias — não envio aos fornecedores das notas de débito e de crédito emitidas pela [SCom01...] —, como bem considera a douta Sentença recorrida não era obviamente exigível à [SCom01...] que tivesse na sua posse prova de que os fornecedores tiveram conhecimento das regularizações de IVA efectuadas pela [SCom01...] a favor do Estado (em decorrência das notas de débito por si emitidas) e a seu favor (em decorrência das notas de crédito por si emitidas em simultâneo, precisamente para anular de imediato aquelas notas de débito, que erradamente saíam de forma automática do seu sistema informático).
457. Como bem se afirma na douta Sentença recorrida, a preocupação do legislador com esta prova de conhecimento pela contraparte reside em evitar a dupla dedução de IVA a favor do contribuinte - ficando a contraparte ciente de que, se de um lado houve regularização de IVA a favor do contribuinte, a contraparte, por sua vez, tem de regularizar o mesmo IVA a favor do Estado.
458. Ora, como também bem se afirma na douta Sentença recorrida, os fornecedores não deduziram o IVA liquidado ab initio pela [SCom01...] nas notas de débito que esta erradamente emitiu de forma automática — pela simples razão de que essas notas de débito não chegaram a ser enviadas aos fornecedores.
459. Logo, não fazia sentido exigir à [SCom01...] que tivesse prova de que aqueles mesmo fornecedores tiveram conhecimento da regularização de IVA que a [SCom01...] simultaneamente fez a seu ([SCom01...]) favor, através da emissão simultânea, pela [SCom01...], das sobreditas notas de crédito (que também não foram enviadas aos fornecedores) - destinadas a anular de imediato aquelas notas de débito,
460. estando assim plenamente salvaguardado que ninguém deduziu IVA em duplicado.
461. Importando ainda atender à Jurisprudência invocada de fls. 65 a 71 da douta Sentença recorrida.
462. Bem como na Jurisprudência cuja cópia foi junta às alegações pré Sentença como doc. 10.
463. Mais uma vez, também aqui a Recorrente/FP invoca matéria de facto que não foi provada.
464. E também aqui a Recorrente/FP não impugnou o julgamento da matéria de facto, não cumprindo o ónus jurídico que lhe competia, como acima se referiu (vide supra).
465. Limitando-se a fazer afirmações vagas e genéricas, tais como "o douto Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, por errada seleção e valoração da prova, afetando em consequência o julgamento de direito subsequente" — sem especificar nem fundamentar objectivamente semelhantes asserções, o que é manifestamente insuficiente para cumprir o ónus jurídico consignado no artigo 640º do CPC,
466. com as consequências assinaladas no mesmo preceito legal: rejeição da impugnação do julgamento da matéria de facto que foi feita pelo Tribunal a quo.
467. Com efeito, o que se denota é que a Recorrente/FP, ao invés de se insurgir contra a douta Sentença recorrida, como deveria — pois está em causa um recurso jurisdicional interposto da Sentença - insiste até à exaustão na argumentação do relatório inspectivo.
468. Pelo que as respectivas alegações estão inelutavelmente votadas ao insucesso.
466. A Recorrente/FP invocou e juntou a decisão proferida em 12 Instância no processo de Impugnação nº 838/04.0BEPRT.
470. Ora, essa Sentença não transitou em julgado no segmento decisório mencionado pela Recorrente/FP, nem se vê onde é que esse segmento decisório contende com a douta Sentença aqui concretamente em apreço.
471 Com efeito, a FP/Recorrente retirou ilações dessa Sentença que manifestamente dela não resultam.
472. Para além disso, o conteúdo da douta Sentença junta aos autos pela FP em nada infirma as alegações de facto e de Direito produzidas e demonstradas pela Impugnante/Recorrida nos presentes autos.
473. Sendo certo que, nos termos do artigo 621º do CPC, a Sentença, se e quando tal vier a suceder, constitui caso julgado apenas e só "nos precisos limites e termos em que julga" - não sendo de todo legítimo retirar daquela decisão as ilações e conclusões expressas pela FP/Recorrente nas suas alegações, na mera hipótese da mesma vir a transitar em julgado nos seus precisos termos.
474. Aliás, este TAF do Porto, U0 3, no processo de Impugnação nº 837/04.1BEPRT, igualmente relativo à Impugnante/Recorrida, proferiu douta Sentença, em 29.01.2016 (ainda não transitada em julgado), que sufraga igualmente - à semelhança da douta Sentença iá proferida nos presentes autos - o entendimento aqui propugnado pela Impugnante,
475. Sentença, essa, cuja cópia foi junta aos presentes autos em 06.05.2016.
Quanto à correcção de Euro 108.672,68, relativa à regularização de IVA em NC emitidas pela[SCom01...] à [SCom04...]
476. Aqui, a AF também entendeu que a [SCom01...], indevidamente, regularizou IVA a seu favor (relativo a notas de crédito emitidas à "[SCom04...], Lda.") sem ter na sua posse a prova mencionada no artigo 71º nº 5 do CIVA - ou seja, pelo facto da [SCom01...] não ter na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação.
477. Ora, a AT e a Recorrente/FP interpreta e aplica indevidamente o disposto no nº 5 do artigo 71º do CIVA.
478. Conforme resulta da factualidade provada (pontos 18 a 23 dos factos provados),
479. A [SCom01...] comprava carcaças de bois a fornecedores de gado escolhidos pela [SCom01...].
480. Em função dos elevados volumes de compras efectuados a estes fornecedores, como a muitos outros, obtinha e debitava-lhes descontos (obtidos), devidamente contratualizados com os fornecedores.
481. Posteriormente, a [SCom01...] vendia e facturava essas carcaças de bois à [SCom04...], SA, para que esta procedesse ao seu corte e embalagem, nos termos do contrato com esta celebrado (cfr. doc. 11 junto às alegações pré Sentença e 18 e 19 dos factos provados).
482. A [SCom04...], por sua vez, vendia a carne, devidamente cortada e embalada (bifes), às diferentes empresas distribuidoras do «Grupo 1...», designadamente à [SCom01...] e à [SCom05...].
483. Note-se que se tratava de uma situação excepcional — as sociedades retalhistas, designadamente a [SCom05...], só tinha interesse em ter nas suas prateleiras os bifes, ou seja, a carne já devidamente cortada e embalada.
484. Daí que a [SCom01...], enquanto central de compras, fazia a compra dos animais em bruto, junto dos respectivos fornecedores, mas de imediato revendia-os à [SCom04...], para que esta os desmanchasse e "convertesse" em bifes — que depois eram vendidos nos estabelecimentos de supermercado e hipermercado da [SCom05...].
485. Sucedia, contudo, que, fruto da informatização de todo o processo, os descontos obtidos junto dos fornecedores das carcaças de bois eram repassados pela [SCom01...] a todas as empresas distribuidoras do «Grupo 1...», designadamente à [SCom05...].
486. Assim, o sistema informático da [SCom01...], mensalmente, gerava notas de débito de descontos obtidos, que eram remetidas aos fornecedores dos bois, e, concomitantemente, gerava notas de crédito desses mesmos descontos a favor das empresas "clientes" da [SCom01...], designadamente a [SCom05...].
487. Deste modo "repassando" os descontos obtidos junto dos fornecedores para as empresas distribuidoras do «Grupo 1...».
488. Com efeito, a [SCom01...] centralizava as compras, armazenamento e abastecimento de todos os supermercados e hipermercados das empresas distribuidoras do «Grupo 1...», designadamente os explorados pela [SCom05...], em regime de exclusividade.
489. Revendendo-lhes os produtos que comprava aos fornecedores.
490. Assim, na medida em que a [SCom01...] revendia à [SCom04...] as carcaças de bois que adquiria junto dos fornecedores de gado, para que aquela procedesse ao corte e embalagem da carne,
491. o sistema informático vigente na [SCom01...] "assumia" automaticamente a [SCom04...] como um "cliente", à semelhança, por exemplo, da [SCom05...], da [SCom10...], da [SCom01...], da [SCom16...] e outras empresas distribuidoras do «Grupo 1...».
492. Essa "automatização" implicava que, à semelhança do que sucedia com as demais "clientes" da [SCom01...], saiam automaticamente notas de crédito, a favor da [SCom04...], com os descontos obtidos pela [SCom01...] junto dos fornecedores do gado.
493. Notas de crédito, estas, aqui em questão, com IVA liquidado, a regularizar a favor da [SCom01...].
494. Note-se, mais uma vez, que não estão em causa quaisquer serviços prestados pela [SCom01...], aos seus fornecedores ou clientes, mas apenas e tão só descontos obtidos pela [SCom01...] junto dos seus fornecedores, posteriormente creditados às suas clientes - a [SCom05...] e outras empresas distribuidoras do «Grupo 1...».
495. Sucede, contudo, que a [SCom04...], ao contrário das demais clientes da [SCom01...], não pertencia ao «Grupo 1...», e, por via disso, não tinha direito à repassagem de quaisquer descontos obtidos pela [SCom01...] junto dos seus fornecedores.
496. Por outro lado, o valor acrescentado pretendido da [SCom04...] era tão só o serviço de embalagem e corte da carne, serviço este pelo qual, aliás, era remunerada, não tendo direito a qualquer outra remuneração adicional (cfr. doc. 11 junto às alegações pré Sentença e 18 e 19 dos factos provados).
497. Com efeito, a venda das carcaças à [SCom04...] era feita a única e exclusivamente para que esta as cortasse e embalasse, colocando-as, já transformadas em bifes, junto dos hipermercados e supermercados do «Grupo 1...».
498. Não era, por isso, um "cliente" da [SCom01...] à semelhança dos seus demais clientes, como por exemplo a [SCom05...], a quem as mercadorias eram revendidas para que esta as colocasse de imediato nas prateleiras de venda ao público, em supermercados e hipermercados.
499. A [SCom04...] era remunerada única e exclusivamente pelo serviço de corte e embalagem que prestava, não tendo direito a quaisquer descontos obtidos pela [SCom01...] junto dos fornecedores da carne ou de quaisquer outros fornecedores (cfr. doc. 11 junto às alegações pré Sentença e 18 e 19 dos factos provados).
500. Conforme, aliás, resulta do contrato celebrado com a [SCom04...], que não contempla o direito da [SCom04...] a quaisquer descontos (nem a obrigação da [SCom04...] conceder quaisquer descontos), designadamente aos descontos obtidos pela [SCom01...] junto dos fornecedores do gado (cfr. doc. 11 junto às alegações pré Sentença e 18 e 19 dos factos provados).
501. Aliás, os clientes não concedem descontos, pelo que a [SCom04...] não concede quaisquer descontos à [SCom01...].
502. A [SCom04...] não é um "cliente" da [SCom01...] com os mesmos direitos dos demais clientes (empresas distribuidoras do «Grupo 1...»); não é uma empresa do «Grupo 1...».
503. Assim, as notas de crédito emitidas pela [SCom01...] a favor da [SCom04...], fruto da informatização de todo o sistema, eram emitidas erradamente.
504. Por esse motivo, as notas de crédito automaticamente emitidas a favor da [SCom04...] não chegavam a sair da esfera da [SCom01...], pelo que não chegavam a ser contabilizadas pela [SCom04...], designadamente ao nível do IVA liquidado.
505. Para corrigir esta situação, a [SCom01...] não tinha outro remédio (o seu sistema informático e contabilístico não permitia outra forma de rectificar o erro) senão emitir notas de débito a favor da [SCom04...], com os mesmos valores e com as mesmas datas das notas de crédito inicialmente emitidas, destinadas precisamente a anular essas notas de crédito.
506. De facto, aqui, e ao contrário da situação anterior, as notas de débito é que visavam anular as notas de crédito.
507. Sendo que, também estas notas de débito não eram enviadas à [SCom04...], pelo que esta também não as contabilizou, designadamente ao nível do IVA
508. Nestas notas de débito, a [SCom01...] naturalmente liquidava e repunha junto do Estado o IVA que inicialmente havia regularizado a seu favor (com base nas notas de crédito que por erro haviam sido inicialmente emitidas a favor da [SCom04...]).
509. Assim, o IVA inicialmente regularizado a favor da [SCom01...] era depois liquidado e regularizado a favor do Estado.
510. Sendo que, nas notas de crédito iniciais, relativas a descontos concedidos, tinha sido erradamente liquidado IVA, já que estavam em causa descontos.
511. No entanto, esse erro implicou que as notas de débito, para anularam na íntegra esses créditos iniciais, tivessem que ser emitidas com igual liquidação de IVA.
512. Assim se repondo a situação, no próprio período (mês) da emissão, errada, das notas de crédito a favor da [SCom04...], como se estas nunca tivessem sido emitidas.
513. Com efeito, note-se que as notas de débito eram emitidas com as mesmas datas das notas de crédito.
514. Tudo efectuado e processado na esfera interna da [SCom01...], sem quaisquer repercussões junto da [SCom04...], e sem que a Fazenda Pública fosse minimamente lesada.
515. No caso, as notas de débito é que "regularizam" as notas de crédito inicialmente emitidas, anulando-as.
516. Pelo que, manifestamente, não se compreende que a AF liquide adicionalmente este IVA, já liquidado e entregue ao Estado pela [SCom01...], com base nas referidas notas de débito (anulatórias das notas de crédito).
517. As liquidações adicionais de IVA e de JC em questão representam, pois, uma verdadeira duplicação de colecta.
518. Com efeito, o IVA regularizado a favor do contribuinte, naquelas notas de crédito inicialmente emitidas, já foi regularizado, pelo contribuinte, a favor do Estado, com base nas ditas notas de débito.
519. Note-se que as notas de crédito em questão não se reportam a qualquer "regularização" ou rectificação de IVA.
520. Nem a qualquer rectificação do valor tributável de qualquer operação ou do respectivo imposto.
521. Pelo que, ao contrário do entendimento da Recorrente/FP, também quanto a esta correcção é inaplicável o disposto no artigo 71º nº 5 do CIVA - à semelhança do verificado no caso da correcção precedente (notas de débito e notas de créditos emitidas pela [SCom01...] à [SCom02...] e à [SCom03...]),
522. conforme entendeu, e bem, a douta Sentença recorrida, que deu por reproduzida a fundamentação decisória utilizada no caso da correcção precedente.
523. Com efeito, tal como afirma a douta Sentença recorrida, o procedimento descrito salvaguardou a neutralidade fiscal do IVA, evitando a dupla dedução de IVA — na medida em que a [SCom04...] nunca teve conhecimento das notas de crédito e de débito que lhe foram emitidas pela [SCom01...], pois não lhe foram enviadas.
524. Tal como se afirma na douta Sentença recorrida "É, aliás, a própria AT que reconhece a validade deste raciocínio no relatório de inspecção tributária" (cfr. 34 dos factos assentes).
525. Com efeito, tal como afirma a douta Sentença recorrida, "Se a AT aceitava, em casos pontuais, os exemplares das notas de crédito anuladas (por notas de débito) como comprovativo válido para efeitos de regularização nos termos do art. 71.º, nº 5, (do CIVA), não pode deixar de o aceitar pelo facto de existir uma prática reiterada",
526. já que semelhante entendimento da Recorrente/FP "não tem qualquer sustento legal, na medida em que o não reconhecimento de uma regularização não é uma forma de se sancionar o comportamento tido por reprovável. A exigência deste artigo (71º nº 5 do CIVA, redacção de 2003) visa apenas garantir que o adquirente tem consciência da liquidação do imposto no valor menor, assim evitando uma dupla dedução, o que não está em causa no caso sob análises, nos termos que vêm expostos".
527. Também no sentido aqui propugnado, já anteriormente havia considerado a nossa Jurisprudência, em situação idêntica à dos autos - designadamente na douta Sentença cuja cópia foi junta, como doc. 13, às alegações pré Sentença.
528. E quanto à matéria de facto importa atender igualmente ao conteúdo do douto Acórdão deste Venerando TCAN, Secção de CT, proferido em 10.10.2013 no Processo nº 603/04.4BEPRT, entretanto transitado em julgado e igualmente respeitante às relações entre a [SCom01...] e a [SCom04...], ainda que na esfera do IRC (cfr. doc. 6 junto às alegações recursivas apresentadas em 22.02.2016 e artigo 421º do CPC).
529. Mais uma vez, também aqui a Recorrente/FP invoca matéria de facto que não foi provada.
530. E também aqui a Recorrente/FP não impugnou o julgamento da matéria de facto, não cumprindo o ónus jurídico que lhe competia, como acima se referiu (vide supra).
531. Limitando-se a fazer afirmações vagas e genéricas — sem especificar nem fundamentar objectivamente semelhantes asserções, o que é manifestamente insuficiente para cumprir o ónus jurídico consignado no artigo 640º do CPC,
532. com as consequências assinaladas no mesmo preceito legal: rejeição da impugnação do julgamento da matéria de facto que foi feita pelo Tribunal a quo.
533. Com efeito, o que se denota é que a Recorrente/FP, ao invés de se insurgir contra a douta Sentença recorrida, como deveria — pois está em causa um recurso jurisdicional interposto da Sentença - insiste até à exaustão na argumentação do relatório inspectivo.
534. Pelo que as respectivas alegações estão inelutavelmente votadas ao insucesso.
Sem prescindir, a título subsidiário, por mera cautela de patrocínio,
Quanto ao procedimento inspectivo externo,
535. Neste segmento, a douta Sentença recorrida julgou a Impugnação improcedente (cfr. artigo 636º do CPC).
536. Pois bem, neste segmento o Tribunal a quo considerou, por um lado, que os 2 actos de prorrogação do procedimento de inspecção externa estavam suficientemente fundamentados,
537. e, por outro, que (i) o facto de não constar dos 2 actos de prorrogação a indicação da data previsível do termo do procedimento de inspecção externa (conforme factualidade provada em 25 a 29 dos factos privados), bem como (ii) a circunstância do 2º acto tributário de prorrogação do procedimento inspectivo ter ocorrido apenas depois da data em que deveria ter legalmente terminado o procedimento de inspecção externa à luz do 1º acto de prorrogação (conforme matéria de facto provada em 28 dos factos provados), constituíam meras irregularidades (preterição de formalidades não essenciais), não invalidades do procedimento de inspecção externa e, consequentemente, não invalidantes das liquidações impugnadas.
538. Ora, contrariamente ao assim decidido, as ditas ilegalidades cometidas pela AT no decurso do procedimento de inspecção têm efeitos invalidantes do procedimento inspectivo e, consequentemente, das liquidações impugnadas — que são nulas por serem actos consequentes de procedimento de inspecção externa inválido.
539. Com efeito, fruto dessas ilegalidades cometidas ao longo do procedimento de inspecção externa, este estendeu-se invalidamente para além do prazo máximo permitido por lei, que é de 6 meses (cfr. artigo 36º nº 2 do RCPIT).
540. E, dado que as liquidações "sub judice" resultam de procedimento de inspecção externa eivado de ilegalidades, devem aquelas ser anuladas, por vício de forma e violação de lei.
541. Sendo certo que vigora o princípio geral da impugnação unitária do acto final do procedimento (cfr. artigo 54º do CPPT) - podendo ser invocada, por isso, na impugnação dos actos finais de liquidação, qualquer ilegalidade anteriormente cometida no procedimento tributário que lhes subjaz.
542. Se a lei assim o admite, é porque as ilegalidades cometidas previamente à prolação da "decisão final" são juridicamente relevantes e repercutem-se na invalidade dessa "decisão final" — no caso, as liquidações.
543. Tais formalidades estão prescritas na lei, e devendo a AF actuar segundo a lei, em obediência ao princípio constitucional da legalidade, aquelas formalidades têm necessariamente de ser cumpridas.
544. A preterição de tais formalidades obstou ao alcance do objectivo visado pela lei ao prescrevê-las, que é dar a conhecer ao contribuinte, alvo de uma inspecção tributária, as razões pelas quais prossegue o procedimento inspectivo.
545. Sendo certo, conforme resulta dos sinais dos autos, que não foi dado o devido conhecimento à [SCom01...] do motivo ou motivos concretos (para além de afirmação vagas e genéricas) que conduziram à prorrogação do prazo de inspecção para além do limite máximo legal — o que sucedeu por duas vezes.
546. Com efeito, quanto às notificações das 2 prorrogações do procedimento de inspecção externa por dois períodos de 3 meses cada, delas não constaram os respectivos despachos ordenando a prorrogação do procedimento de inspecção, muito menos as razões factuais concretas para essas prorrogações — sendo, por isso, totalmente omissas quanto às circunstâncias factuais e concretas elencadas nas alíneas a) a d) do nº 3 do artigo 36º do RCPIT.
547. Sendo essas prorrogações do procedimento inspectivo totalmente desprovidas de fundamentação bastante à luz da lei, as mesmas são anuláveis por falta de fundamentação — em violação dos artigos 77º da LGT e 268º nº 3 da CRP.
548. Por outro lado, tendo sido iniciado em 27.07.2005, o procedimento de inspecção externa terminou aparentemente em 05.05.2006 (data da assinatura da nota de diligência).
549. Sendo certo, contudo, que nos termos do artigo 62º nº 1 e 2 do RCPIT o procedimento inspectivo só se considera concluído com a notificação do relatório final inspectivo — o que ocorreu apenas em Junho de 2006 (cfr. 35 dos factos provados).
550. Ou seja, o procedimento de inspecção externa prolongou-se para além do prazo máximo legal previsto na lei, que é de seis meses (cfr. artigo 36º nº 2 do RCPIT).
551. Por conseguinte, a inspecção terminou muito depois do prazo legal para o efeito, pelo que, assentando as correcções precisamente no resultado desta mesma inspecção, é evidente a interligação causal entre esta e aquelas.
552. Sendo certo que o procedimento de inspecção externa terminou invalidamente depois do respectivo prazo legal de 6 meses, pois, para além da insuficiente fundamentação dos 2 actos tributários de prorrogação,
553. não constam desses mesmos 2 actos de prorrogação a indicação da data previsível do termo do procedimento de inspecção externa e o 2º acto tributário de prorrogação do procedimento inspectivo ocorreu depois da data em que deveria ter legalmente terminado o procedimento de inspecção externa — conforme decorre da factualidade provada (vide supra).
554. Logo, a invalidade dessa inspecção, porque terminada depois do prazo legal para o efeito, não pode deixar de produzir a invalidação das correcções tributárias daí emergentes.
555. As liquidações em questão, consequentes de procedimento de inspecção externa que se prolongou indevidamente para além do prazo máximo previsto na lei (em violação do referido artigo 36º nº 2 e 3 do RCPIT), padecem de nulidade ou, ao menos, de vício determinante da sua anulação (cfr. artigo 133º nº 2 i) do CPA).
556. Por conseguinte, as ditas prorrogações, porque legalmente inválidas, não produziram os efeitos jurídicos visados pela AT — a legitimação da prorrogação do procedimento de inspecção externa da Reclamante para além do prazo legal máximo previsto na lei, de 6 meses.
557. Como bem afirma este Venerando TCAN, 2ª Secção, por Acórdão de 14.07.2010, Proc. 00013/02, in www.dgsi.pt "As formalidades que a lei impõe em direito tributário são garantia da defesa e direito dos contribuintes, pelo que neste campo de direito que é gravoso para o cidadão, as formalidades se devem ter sempre como essenciais, só sendo passíveis de degenerescência (em "não essenciais" e, por isso, "preteríveis") quando a lei expressamente o consagra.".
558. Sendo certo que "Impõe-se, por isso, concluir que o procedimento de 18 de Agosto de 2005 não foi apenas de recolha de informação, antes tendo dado início à inspecção realizada ao sujeito passivo, a qual revestiu carácter externo. E visto que não foi notificada ao sujeito passivo e se prolongou por período superior ao prazo previsto na lei (Art° 36 nº 2 RCPIT), sem qualquer despacho de prorrogação, tal configura um vício gerador de anulabilidade das liquidações baseadas em tal procedimento (Art° 135 do CPA)." (cfr. Acórdão do TCAS, Secção de CT, de 09.12.2008, Proc. 02504/08).
559. Mais: "Essa inspecção revestiu carácter externo. E não foi notificada ao sujeito passivo. Prolongando-se por período superior ao prazo previsto na lei (Art° 36 nº 2 RCPIT). Sem qualquer despacho de prorrogação. Estes factos - falta de notificação prévia da inspecção externa e inspecção prolongada para além do prazo geral sem prorrogação - determinam a anulabilidade das liquidações emergentes do procedimento (Art.° 135 do CPA)." (...) Destarte, estamos de acordo com a 1V12 Juíza quando considera que o procedimento de inspecção de 10/11 de Dezembro de 2007 deu início à inspecção tributária a qual reveste carácter externo e que não foi notificada ao sujeito passivo e se prolongou por um período superior ao previsto no art° 36° n° 2 do RCPIT, sem qualquer prorrogação. Assim, porque não foi notificada ao sujeito passivo e se prolongou por período superior ao prazo previsto na lei (Art° 36 n2 2 RCPIT), sem qualquer despacho de prorrogação, tal configura um vício gerador de anulabilidade das liquidações baseadas em tal procedimento (Art° 135 doCPA). Termos em que improcedem as atinentes conclusões de recurso, prejudicadas ficando as demais questões nelas suscitadas." (cfr. Acórdão do TCAS, CT — 22 Juízo, de 20.03.2012, Proc. 04371/10, in www.dgsi.pt).
560. Como refere a Doutrina: Sendo certo que «(...) é normal que exista, fixado com carácter geral, um prazo máximo para cada actuação inspectiva (por exemplo, seis meses a contar da data do seu inicio). Este prazo só poderá ser excedido em casos de interrupção da inspecção, por motivo devidamente fundamentado ou quando, tendo em conta o âmbito da inspecção e o tipo de anomalias encontradas, for decidida a sua prorrogação em despacho fundamentado do dirigente do serviço a que pertença o inspector ou a equipa de inspecção, o qual será comunicado à entidade objecto de inspecção, com indicação da data previsível do termo da mesma.» (cfr. Martins Alfaro, in Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária Comentado e Anotado, Áreas, 2003, p. 296).
561. Padece a douta Sentença, por conseguinte, e salvo o devido respeito, de erro de julgamento e violação das referidas disposições legais.
Quanto a exigência de IVA adicional e juros compensatórios — crédito de imposto,
562. Também aqui a douta Sentença recorrida considerou a Impugnação improcedente.
563. Afirmando que nem do artigo 82º nº 1 do CIVA, nem de qualquer outro preceito legal, se pode extrair que a AT deva proceder à redução dos créditos de IVA autoliquidados pelo contribuinte nos períodos mensais de imposto em questão, ao invés de fazer liquidações adicionais de IVA e de JC.
564. Ora, conforme resulta do depoimento da testemunha «CC», registado em cd/dvd, rotações de 03:00:56 a 03:12:44, conforme a respectiva acta de inquirição de testemunhas
565. e conforme se extrai do mapa e declarações periódicas cujas cópias foram juntas agregadamente pela Recorrida/Impugnante às alegações pré Sentença como doc. 1,
566. ao longo dos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2003, a [SCom01...] autoliquidou sempre crédito de imposto, ou seja, imposto a recuperar (que reportou para os períodos de imposto seguintes), e não imposto a pagar, a entregar ao Estado - factualidade, esta, que deve ser conduzida ao probatório, porque relevante para a decisão de mérito e provada através da prova testemunhal e documental discriminadas nos 2 parágrafos antecedentes.
567. Ora, neste quadro factual não é legalmente admissível que exija imposto adicional e juros compensatórios ao contribuinte - quando não está, pois, qualquer imposto em falta.
568. É que nos períodos de imposto em causa as correcções efectuadas pela AF apenas implicam a diminuição dos valores dos reportes, i.e. traduzem-se numa mera diminuição dos créditos de IVA mensalmente autoliquidados pela [SCom01...] e reportados para os períodos mensais subsequentes,
569. permanecendo a [SCom01...] em situação de crédito de imposto relativamente a estes períodos mensais de imposto, ainda que, por mera hipótese, fossem devidas as correcções de IVA aqui em questão.
570. Efectivamente, mesmo a admitir-se, por mera hipótese, como legítimas tais correcções, nem assim existe imposto em falta que legitime uma liquidação adicional de IVA pelo valor exigido ao contribuinte, muito menos qualquer liquidação de juros compensatórios.
571. Contrariamente ao entendimento da douta Sentença recorrida, dos artigos 82º nº 1 e 89º nº 1 do CIVA e 35º nº 1 e 2 da LGT extrai-se que qualquer liquidação adicional de IVA ou juros compensatórios pressupõe que tenha havido (prévia) liquidação de imposto devido e que esta haja sido insuficiente (i.e., que subsista imposto em falta), ou então que o contribuinte haja beneficiado de reembolso efectivo superior ao devido.
572. Ora, nenhuma destas 2 circunstâncias se verificava in casu.
573. Pelo que a liquidação adicional de IVA aqui impugnada, bem como as liquidações de juros compensatórios, padecem de vício de violação das ditas disposições legais,
574. e violam também os princípios legais constitucionais da proporcionalidade, equidade e justiça (cfr. artigos 55º da LGT, 3º e 5º do CPA e 266º da CRP),
575. além de traduzirem um enriquecimento ilegítimo da FP à custa do contribuinte.
576. Com efeito, nestas situações as correcções deveriam traduzir-se, não em liquidações adicionais de IVA e JC, atento o total das correcções, mas apenas em diminuições aos créditos de IVA autoliquidados.
577. No que diz respeito ao valor de imposto aqui em causa, verifica-se que, da concatenação entre o mesmo e os montantes de IVA a recuperar pelo contribuinte — de conhecimento oficioso da AF (cfr. doc. 1 junto às alegações pré Sentença) — não existe qualquer diferença positiva a ser liquidada adicionalmente a favor do Estado.
578. Na pior das hipóteses, existiria uma redução dos créditos de IVA autoliquidados nos períodos mensais em questão e, consequentemente, uma redução dos créditos de IVA a reportar para os períodos de imposto subsequentes — como acima se referiu.
579. É este, de resto, o entendimento da nossa Jurisprudência: «(...) a liquidação adicional, como decorre do art. 820 do CIVA, é permitida quando nas declarações dos sujeitos passivos figura um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, caso em que, se procederá à rectificação das declarações, "liquidando-se adicionalmente a diferença". No caso, porém, o que está em causa é a possibilidade ou não de dedução face ao regime de enquadramento da impugnaste para efeitos de 1VA" (...) Poderia entender-se que não haveria lugar à dedução nas declarações periódicas, mas a ser assim, a conclusão a extrair seria a de considerar indevida a dedução e indeferir qualquer pedido de reembolso, mas nunca liquidar adicionalmente um valor de imposto já cobrado e notificar o sujeito passivo que o havia pago, para o pagar de novo. (...) As liquidações adicionais referidas enfermam de ilegalidade, por violarem o disposto nos artigos 99°, al. a) e c) do CPPT e 82° do CIVA, bem como o princípio da justiça material, inscrito no artigo 5° da "Lei Liberal Tributária" e devem, por tal motivo, ser anuladas. E o mesmo se diga das liquidações de juros compensatórios que também não poderão proceder, por contrariarem o disposto nos artigos 89° do CIVA e 35° da Lei Geral Tributária.» (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Secção de Contencioso Tributário, de 26.02.2008, Proc. 00917/05, in www.dgsi.pt).
580. Aliás, a própria AF reconheceu, em resposta à reclamação graciosa, que, na emissão das liquidações adicionais de IVA e JC em apreço, a AF não levou em linha de conta "as deduções de imposto a título de excessos a reportar (campo 61 da DP)"o que indevidamente foi desatendido na douta Sentença recorrida.
581. Isto, em clara violação do disposto no artigo 22º nº 4 do CIVA, segundo o qual, "sempre que a dedução de imposto a que haja lugar supere o montante devido pelas operações tributáveis, no período correspondente, o excesso é deduzido nos períodos de imposto seguintes".
582. Ou seja, se, num determinado período de imposto, o IVA deduzido (a montante) supera o IVA liquidado (a jusante), esse crédito de IVA deve ser reportado (deduzido) no período de imposto subsequente.
583. O que a AF confessadamente não considerou - apesar das correcções positivas efectuadas pela AF quanto ao IVA devido nos diversos períodos de imposto de 2003, o contribuinte permaneceu numa situação de crédito de imposto (IVA deduzido superior a IVA liquidado) em todos esses períodos.
584. Logo, a AF deveria ter considerado os inerentes reportes desses créditos de IVA, comunicáveis entre os vários períodos de imposto, nos termos referidos.
585. Assim, a douta Sentença recorrida omite indevidamente a matéria de facto acima especificada, incorrendo em erro de julgamento e violação das sobreditas disposições legais.
Quanto ao reenvio prejudicial
586 Uma vez que está em causa a aplicação de normas comunitárias, designadamente normas da Directiva n.º 2006/112/CE de 28.11. do Conselho — o IVA é um imposto de matriz comunitária e as disposições legais do CIVA têm por base o normativo comunitário,
587 antes da pronúncia de mérito deve ser colocada a seguinte questão (ou outra(s) que o Tribunal considerar conveniente(s)) ao TJUE, a título de reenvio prejudicial (cfr. artigo 267º do TFUE): "Os artigos 2º nº 1 c) e 24° nº 1 da Directiva Comunitária do IVA opõem-se a que os descontos obtidos por um retalhista junto dos seus fornecedores, segundo um percentual sobre o total das compras, sem terem subjacentes quaisquer operações activas do retalhista, constituem serviços prestados sujeitos a IVA, devendo outrossim ser excluídos de tributação, enquanto descontos de quantidade que são ?"
Nestes termos, nos melhores de Direito e com o douto suprimento de V. Exas., negando provimento ao recurso interposto pela FP/Recorrente, julgando a presente Impugnação Judicial totalmente procedente, com a consequente anulação do despacho impugnado na parte em que indeferiu a reclamação, anulando as liquidações de IVA e JC impugnadas, bem como reconhecendo à Impugnante/Recorrida o direito de ser indemnizada pela totalidade dos encargos incorridos com a prestação e manutenção da referida garantia, V. Exas., como sempre, farão inteira JUSTIÇA.
Mais se requer o reenvio prejudicial ao TJUE, nos termos do artigo 267º do TFUE, com a consequente suspensão da presente Instância, nos termos do artigo 272º nº 1 do CPC e nos demais acima aludidos.

*
O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se pelo não provimento do recurso.
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Sem vistos dos Exmos. Juízes adjuntos, por se concordar na sua dispensa, foi o processo à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR.
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações.

[a] saber se há erro de julgamento de facto e de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação das normas legais,
se a sentença incorreu em erro de julgamento na seleção dos factos, valorou a prova testemunhal quando apenas podia atender a prova documental;
Se os factos a que aludem os itens 13 e 14 estão insuficientemente sustentados por se basearem em 5 notas de crédito emitidas pela [SCom02...] num universo de 36 notas de crédito, as notas de crédito 18675 e 18652 são do fornecedor “[SCom03...]” e não [SCom02...];
Os factos provados 15 e 16, basearam-se em 6 notas de crédito emitidas pela [SCom02...] num universo de 36 e apenas 6 das correspondentes notas de débito emitidas pela impugnante do total de 36;
Os factos provados 21 e 22 não podiam ser dados como provados porque as notas de crédito emitidas pela [SCom01...] e [SCom04...], não são os originais, mas os duplicados.
[b]
Se a recorrida em matéria de receitas diversas Comerciais (RDC) quer a Cooperação Comercial (CC) a fornecedores estrangeiros não podia ser tratada como descontos, mas como prestações de serviços localizados no território Nacional, nos termos do art. 6.º, n.º 4 do CIVA, não estando isentas do IVA;
As indemnizações por lucros cessantes estão sujeitas a IVA, na medida em que tem subjacente a contraprestação de uma operação tributável, art. 16.º, 1.º, n. º1, al. a) e art. 4.º do CIVA;

Relativamente aos documentos emitidos pela [SCom02...] e [SCom03...], não estavam verificados os pressupostos de regularização do IVA de acordo com o art. 71.º, n. º5 do CIVA, pois que não tinha na posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação do imposto;
Por fim, que seja reconhecido o preenchimento dos pressupostos de dispensa do remanescente da taxa de justiça.
Subsidiariamente,
Apesar de a sentença ter entendido que na parte das demais rubricas se deveria manter a correção, deveria, então, concluir apenas pela procedência parcial, pois, nada impedia essa cisão, sendo o ato tributário divisível, tanto por natureza como por definição legal;

[c] A recorrida ao abrigo do art. 636.º, n. º2 do CPC, vem impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, para a hipótese da procedência do recurso.
1.Trata-se dos pontos 1 e 2 dos factos não provados, que no seu entendimento deveriam ser dados como provados, por assim resultar do depoimento da testemunha «AA», registado ao minuto 00:37:35 a 03:00:55;
2. Na parte respeitante ao procedimento inspetivo externo por entender, ao contrário da sentença, que os atos de prorrogação do procedimento externo não estão fundamentados, porque não foi indicada a data previsível do termo do procedimento e ainda porque o 2.º ato de prorrogação ter ocorrido depois da data em que deveria ter legalmente terminado o procedimento inspetivo, à luz do 1.º ato de prorrogação, o que acarreta a invalidade do procedimento e nulidade dos atos subsequentes;
3. Exigência de IVA adicional e juros compensatórios - crédito de imposto, a sentença julgou improcedente, no entanto do depoimento da testemunha «CC», registado ao minuto 03:00:56 a 03:12:44 em conjugação com o mapa e declarações periódicas juntas com a alegações pré sentença, verifica-se qua ao longo dos meses de janeiro a março de 2003 a [SCom01...] autoliquidou sempre crédito de imposto, ou seja imposto a recuperar, que reportou para os períodos seguintes, pelo que deve ser levada ao probatório.
Por fim, suscita o reenvio prejudicial, por estarem em causa normas comunitárias, designadamente a Diretiva n.º 2006/112/CE de 28-11 do Conselho, colocando-se a seguinte questão: «Os artigos 2º nº 1 c) e 24° nº 1 da Directiva Comunitária do IVA opõem-se a que os descontos obtidos por um retalhista junto dos seus fornecedores, segundo um percentual sobre o total das compras, sem terem subjacentes quaisquer operações activas do retalhista, constituem serviços prestados sujeitos a IVA, devendo outrossim ser excluídos de tributação, enquanto descontos de quantidade que são ?"
Questão prévia.
As contra-alegações e respetivas conclusões apresentadas pela recorrida [SCom05...], S.A., contêm, respetivamente, 599 e 587 artigos [!!!], ou seja, as conclusões aproximam-se de uma verdadeira reprodução daquelas, sem qualquer critério.
Apresenta-se como uma peça prolixa, na medida em que as conclusões, que no caso nem sequer são obrigatórias, são uma repetição das contra-alegações, estas já de si, incompreensivelmente, extensas, não havendo a mínima preocupação de síntese, em cumprimento do que dispõe o art. 639.º do CPC.
As contra-alegações [em sintonia com as conclusões de recurso], quer do ponto de vista do interesse da parte que recorre quer do ponto de vista da justiça e celeridade devem ser claras e sucintas.
Impõe-se às partes, assim, proceder a um desígnio que é comum o de realizar a justiça com celeridade o que reclama que os recorrentes e recorridos tenham, também, um comportamento adequado nesse sentido. Só não se convida a corrigir as suas contra-alegações por se tratar de processo já antigo neste tribunal, evitando-se, deste modo, mais um incidente para atrasar a prolação do acórdão, mas com claro esforço acrescido e desnecessário para o tribunal, mas sobretudo em prejuízo dos demais processos a aguardar prolação de decisão.
*
3.FUNDAMENTOS de FACTO
Em sede de probatório a 1ª Instância, fixou os seguintes factos:
1. A [SCom01...], S.A., que veio a ser incorporada por fusão na sociedade aqui Impugnante (adiante designada apenas por “[SCom01...]”) centralizava as compras para todos os hipermercados e supermercados do sector da distribuição do grupo económico em que se insere.
2. No exercício de 2003, foram recebidas pela [SCom01...], como “Receitas Diversas Comerciais”, entre outras, as receitas provenientes das seguintes rúbricas, constantes dos elementos contabilísticos do contribuinte e correspondentes documentos de suporte: “penalizações logística”, “penalizações comerciais genéricas”, “penalizações controlo qualidade”, “penalizações etiquetagem/rotulagem”, “débitos de compensação de margens”, “compensação de quebras”, “linear secção”, “referenciação”, “análises laboratoriais”, “check out”, “débitos de reacção a shopping” e “outros(cfr. relatório de inspecção, a fls. 221 e ss do p.a. n.º 71/2010, apenso aos presentes autos).
3. Os fornecimentos à [SCom01...] eram efectuados ao abrigo de contratos celebrados entre a [SCom05...], S.A., aqui Impugnante, em representação de várias sociedades pertencentes ao respectivo grupo, entre as quais a [SCom01...], e os fornecedores (cfr. contrato junto pela Impugnante a fls. 554 e ss dos presentes autos físicos e minuta junta ao relatório de inspecção, a fls. 148 e ss do p.a. n.º 71/2010, apenso aos presentes autos).
4. Os contratos referidos em 3 eram elaborados a partir de um modelo tipo, que era adaptado para cada fornecedor, em função do resultado das negociações entre as partes (cfr. contrato junto pela Impugnante a fls. 554 e ss dos presentes autos físicos e minuta junta ao relatório de inspeção, a fls. 148 e ss do p.a. n.º 71/2010, apenso aos presentes autos).
5. Do contrato n.º ...96, com data de 20 de Dezembro de 2002, em que figuram como Primeira Contraente, a [SCom05...], S.A., aqui Impugnante, em representação de várias sociedades pertencentes ao respectivo grupo, entre as quais a [SCom01...], e como Segunda Contraente a sociedade [SCom02...], S.A., e que aqui se dá por integralmente reproduzido, consta o seguinte:
1. Objecto e Âmbito
1.1.Pelo presente contrato e no seu Anexo I, que depois de rubricado pelas partes deste faz parte integrante, estabelecem-se as condições gerais a que se deve subordinar qualquer fornecimento de bens a efectuar pela segunda contraente à primeira contraente e suas representadas.
1.2.Durante o período de vigência deste contrato, podem as partes estabelecer outro tipo de contratos ou acordos, por escrito, que complementem as condições neste estipuladas.
1.3. As condições ora estabelecidas abrangem, exclusivamente, os estabelecimentos comerciais explorados pela primeira contraente e suas representadas, durante o período de vigência deste contrato.
1.4.O disposto no ponto anterior não se aplica ao cálculo do Rappel.
(…)
2.2. São obrigações da primeira contratante e suas representadas:
(…)
Cooperação e desenvolvimento:
2.2.3 Proporcionar o acesso ao programa promocional, através da participação no calendário promocional, com a gama de produtos a acordar, durante o período de vigência do presente contrato, em “Campanhas Promocionais Trissemanais” ou de outra duração, em datas previamente fixadas pela primeira contraente ou suas representadas, para todos ou cada um dos seus estabelecimentos, nos termos e condições específicas a negociar, caso a caso.
2.2.4 Proporcionar o acesso à participação nas “Feiras Nacionais ou Regionais”, em períodos previamente estabelecidos nos termos e condições específicas a negociar, caso a caso.
2.2.5 Conceder condições preferenciais na “Contratação de Espaço” nos estabelecimentos da primeira contraente e suas representadas, em local a acordar previamente pelas partes, para publicidade dos produtos ali comercializados pela segunda contraente.
2.2.6 Proporcionar o acesso ao “Lançamento de Novos Produtos”, desde que os mesmos se integrem na proposta comercial da primeira contraente e suas representadas, nos termos e condições específicas a negociar caso a caso e, adicionalmente, proporcionar o acesso à possibilidade de fixação de novos produtos.
2.2.7 Proporcionar o acesso privilegiado aos resultados dos “Programas de Eficiência Administrativa”, nomeadamente aos projectos de Transferência Electrónica de Dados (EDI) e de “Price-checking”.
2.2.8 Proporcionar o acesso privilegiado aos resultados dos “Programas de Gestão Conjunta de Categorias / ECR” que já estão ou venham a ser implementados.
2.3. São obrigações da segunda contraente:
2.3.1 Fornecer os produtos encomendados, nas condições contratualmente estabelecidas, com observância rigorosa da sua conformidade quantitativa, sendo a conferência efectuada pela compradora, e de acordo com os padrões de qualidade inerentes à classificação do produto fornecido, que nunca poderão ser inferiores aos da respectiva amostra, ou conforme as especificações definidas no caderno de encargos, assistindo à compradora o direito à devolução ou à recusa de recepção da totalidade ou de parte do produto e do direito a ser indemnizada pelos prejuízos causados;
2.3.2 Cumprir as normas, nacionais ou comunitárias, a cada momento em vigor sobre: segurança, conservação e manutenção, gestão de embalagens e de resíduos de embalagens, rotulagem, etiquetagem, identificação da origem, calibragem, embalagem, acondicionamento, trabalho desempenhado por menores, saúde humana e animal, ou outras que sejam impostas por lei nacional ou comunitária ou solicitadas por qualquer uma das sociedades adquirentes do produto, designadamente: rotulagem informativa, tradução integral em língua portuguesa, simbologia de limpeza e conservação, etiquetas de tamanhos, gramagem, prazo de validade, nome e morada do fornecedor ou importador, etiqueta de marca, marcação CE, prova da propriedade da marca ou da cedência do respectivo direito de uso e etiqueta de código de Barras (EAN ou fornecida pela compradora), marcação com símbolo específico Ponto Verde ou outro, e ainda a indicação das quantidades nominais nos produtos pré-embalados.
(…)
2.3.11. Suportar nos casos da existência de irregularidades que lhe sejam imputáveis, as despesas com os(as) exames/análises periódico(as) que a primeira contraente e as suas representadas mandem efectuar aos produtos fornecidos pela Segunda Contraente, para bem da saúde pública e protecção dos direitos dos consumidores.
(…)
3. Direitos das Partes
3.1.Constituem Direitos da Primeira Contraente e das suas Representadas/Compradoras:
(…)
3.1.2.Serem indemnizadas num montante igual a 10% (dez por cento) dos produtos em falta, nas encomendas não recusadas e não entregues caso o nível de serviço mensal, medido este pelo número de caixas encomendadas e recepcionadas, obtiver satisfação inferior a 95%, salvo se acordado de forma diferente no Anexo I ao presente contrato;
3.1.3.Serem indemnizadas por atraso na data da entrega estabelecida para a totalidade dos produtos em promoção comunicados por qualquer meio, nomeadamente folheto genérico, temático ou catálogo, num montante igual a 25% sobre o valor total da encomenda não entregue na data acordada.
3.1.4.Serem indemnizadas por falta de cumprimento do estabelecido no caderno de encargos ou de fichas técnicas de especificação dos produtos, num montante igual ao estabelecido no Anexo I ao presente contrato.
3.1.5 Serem indemnizadas por montante igual ao suportado com o pagamento de coimas, multas, custas e taxa de justiça ou outros, por rotulagem deficiente, falta de tradução em língua portuguesa, e falta de cumprimento dos requisitos exigidos pela marcação CE e símbolo Ponto Verde, bem como pela falta de cumprimento de qualquer dispositivo legal que seja imputável à segunda contraente, nos produtos fornecidos.
3.1.6 Serem indemnizados no montante previsto no Anexo I, no caso de se verificar erro no preço e na quantidade dos produtos encomendados, e atraso na entrega dos mesmos, desde que o mesmo seja imputável à Segunda Contraente.
3.1.7 Devolverem o produto encomendado por unidade ou pertencente a um mesmo lote de fabrico no caso deste(s) não cumprir(em) o disposto em 2.3.1. e 2.3.2. e ser(em) indemnizadas por montante correspondente ao de uma semana de vendas, calculada esta com base na média semanal dos últimos seis meses de vendas para o produto, e num valor mínimo de 500 Euros, por cada lote.
(…)
(cfr. contrato a fls. 554 e ss dos presentes autos físicos).
6. Do contrato referido em 5 consta um Anexo em que, são identificadas, sob a epígrafe “Condições Comerciais – Descontos Comerciais”, diversas gamas de produtos a que correspondem determinadas percentagens qualificadas como “Desconto” e gamas genéricas a que são atribuídas percentagens de desconto cujo tipo é intitulado de “rappel” (cfr. contrato a fls. 554 e ss dos presentes autos físicos).
7. Em 2003, nos elementos contabilísticos e documentos de suporte da [SCom01...], as rúbricas correspondentes a “Receitas Diversas Comerciais”, intituladas de “penalizações logística”, “penalizações comerciais genéricas”, “penalizações controlo qualidade”, “penalizações etiquetagem/rotulagem” e “análises laboratoriais” correspondem a montantes debitados pela [SCom01...] aos fornecedores, nos termos contratualmente previstos, destinados a compensar prejuízos por defeitos ou falta de qualidade dos produtos fornecidos, atrasos nos fornecimentos, erros nos produtos fornecidos, erros de etiquetagem ou outros incumprimentos, face ao contratualizado (cfr. contrato a fls. 554 e ss dos presentes autos físicos).
8. Em 2003, nos elementos contabilísticos e documentos de suporte da [SCom01...], as rúbricas correspondentes a “Receitas Diversas Comerciais”, intituladas de “débitos de compensação de margens” e de “débitos de reacção ao shopping” correspondem a montantes debitados pela [SCom01...] aos fornecedores em decorrência da verificação de determinados preços praticados pelas empresas concorrentes.
9. Em 2003, nos elementos contabilísticos e documentos de suporte da [SCom01...], a rúbrica correspondente a “cooperação comercial” corresponde aos débitos efectuados pela [SCom01...] aos fornecedores de uma quantia correspondente à aplicação de determinadas percentagens sobre as compras efectuadas, nos termos contratualmente previstos (cfr. contrato a fls. 554 e ss dos presentes autos físicos).
10. As percentagens aplicadas no âmbito da rúbrica “cooperação comercial” referida no ponto 9 correspondiam ao resultado das negociações efectuadas entre as sociedades distribuidoras do grupo económico da Impugnante e os fornecedores e eram apostas nos respectivos contratos de fornecimento (cfr. contrato a fls. 554 e ss dos presentes autos físicos).
11. Durante o ano de 2003, após recepção da mercadoria, a [SCom01...] emitia aos fornecedores notas de débito em montante equivalente às quantias referidas em 9, com a periodicidade contratualmente determinada.
12. Os montantes recebidos nos termos do ponto 11 eram creditados pela [SCom01...] às sociedades distribuidoras do mesmo grupo económico, na medida das compras imputáveis a cada uma delas.
13. Em 2003, as empresas fornecedoras [SCom02...], S.A. (adiante designada por “[SCom02...]”) e [SCom03...], S.A. (adiante designada por “[SCom03...]”) emitiam notas de crédito correspondentes às quantias referidas em 9, com uma periodicidade mensal (cfr. relatório da inspecção tributária de fls. 221 e ss do processo administrativo n.º 71/2010, a fls. 261 a 263, e notas de créditos a fls. 574 a 584 dos presentes autos físicos).
14. Das notas de crédito emitidas pela fornecedora [SCom02...] à [SCom01...] nos termos do ponto anterior com os números 74436, 75200, 75813, 18675, 18652, consta, do final da folha, a seguinte referência:
Conforme Art. 71º nº 5 do CIVA solicit. devol. do duplicado carimbado e assinado.(cfr. notas de créditos a fls. 574 a 584 dos presentes autos físicos)
15. No que respeita aos fornecedores [SCom02...] e [SCom03...], a [SCom01...] emitia mensalmente as notas de débito referidas em 11, que não eram enviadas aos fornecedores (relatório da inspecção tributária de fls. 221 e ss do processo administrativo n.º 71/2010, a fls. 261 a 263 e notas de débito e crédito juntas a fls. 648 a 667 dos presentes autos físicos).
16. Após a recepção das notas de crédito referidas em 14, a [SCom01...] procedia à anulação das notas de débito referidas em 15, mediante a emissão de notas de crédito por idêntico valor, que não eram enviadas aos fornecedores (relatório da inspecção tributária de fls. 221 e ss do processo administrativo n.º 71/2010, a fls. 261 a 263 e notas de débito e crédito juntas a fls. 648 a 667 dos presentes autos físicos).
17. Ao longo do exercício de 2003, a [SCom01...] regularizou IVA para menos, num montante global de 210.161,68 EUR, no âmbito das suas relações comerciais com a [SCom02...] e [SCom03...] (cfr. anexo VII ao relatório de inspecção tributária a fls. 221 e ss do processo administrativo n.º 71/2010).
18. Em 09 de Julho de 1998 foi celebrado um contrato entre a sociedade [SCom17...], S.A., em representação das sociedades [SCom05...] S.A., [SCom18...], S.A., [SCom19...], S.A., [SCom20...], S.A. e [SCom01...], S.A., na qualidade de primeira contraente, a sociedade [SCom04...], Unipessoal Lda (adiante designada por “[SCom04...]”), na qualidade de segunda contraente e a sociedade [SCom21...] Limited, na qualidade de terceira contraente, documento este que aqui se dá por integralmente reproduzido (cfr. contrato a fls. 693 a 709 dos presentes autos físicos).
19. Do contrato referido em 18, constam as seguintes cláusulas:

1. Pelo presente contrato estabelecem-se as condições gerais a que se deve subordinar qualquer fornecimento de carne embalada, centralmente preparada, a efectuar pela [SCom04...] aos estabelecimentos da [SCom17...]. Este processo tem início com a aquisição das carcaças dos animais, respetiva desossa e desmancha e a consequente transformação das carcaças em peças. Estas peças constituem a matéria-prima para a preparação de embalados CPM.
(…)

1 Pelo presente contrato, a [SCom04...] obriga-se em regime de exclusividade, a fornecer carne embalada, com processamento centralizado, todos os estabelecimentos de venda a retalho, que a [SCom17...] possui ou venha a possuir a nível nacional e que actualmente giram sob os nomes “«Marca 2 ...»”, “«Marca 1...»” e “«Marca 3...»”, bem como outros que na vigência deste contrato venham a ter outro novo comercial.
(…)
10ª
A [SCom04...] obriga-se a abastecer de toda a carne junto dos fornecedores aprovados pela [SCom17...], sendo o preço dos animais para abate e das carcaças, acordado entre a [SCom17...] e os fornecedores com o apoio e a assistência da [SCom04...].
(…)(cfr. contrato a fls. 693 a 709 dos presentes autos físicos).
20. Durante o ano de 2003, o sistema da [SCom01...] emitia automaticamente à [SCom04...] notas de crédito relativas a “descontos de rappel”, “serviços de cooperação comercial” e “animação promocional”, que não eram enviadas à [SCom04...] (cfr. relatório da inspeção tributária de fls. 221 e ss do processo administrativo n.º 71/2010, a fls. 267 a 271 e notas de débito e crédito emitidas pela [SCom01...], juntas a fls. 712 a 725 dos presentes autos físicos).
21. Durante o ano de 2003, a [SCom01...] emitia manualmente notas de débito, com datas e valores idênticos aos constantes das notas de crédito referidas em 20, que não eram enviadas à [SCom04...] (cfr. relatório da inspecção tributária de fls. 221 e ss do processo administrativo n.º 71/2010, a fls. 267 a 271 e notas de débito e crédito emitidas pela [SCom01...], juntas a fls. 712 a 725 dos presentes autos físicos).
22. Durante o ano de 2003, após a emissão das notas de débito referidas em 21, a [SCom01...] relevava na conta “24342119 regularizações a favor do estado” o imposto contido em tais documentos (cfr. relatório da inspecção tributária de fls. 221 e ss do processo administrativo n.º 71/2010, a fls. 267 a 271).
23. Ao longo do ano de 2003, a [SCom01...] regularizou IVA a seu favor no montante de 108.672,68 EUR, no âmbito das suas relações comerciais com a empresa [SCom04...] (cfr. anexo IV ao relatório da inspecção tributária a fls. 143 e 144 do processo de reclamação graciosa apenso aos presentes autos).
24. Em 29 de Julho de 2005, iniciou-se uma acção inspectiva à sociedade [SCom01...], ao exercício de 2003, na sequência da Ordem de Serviço n.º OI2005......01 (cfr. relatório de inspecção a fls. e 221 e seguintes do procedimento administrativo de impugnação apenso aos presentes autos e informação a fls. 166 do processo de reclamação graciosa apenso aos presentes autos).
25. Em 13.01.2006, foi exarado despacho determinando a prorrogação do procedimento de inspecção referido em 24, por um período adicional de três meses (cfr. informação a fls. 166 do processo de reclamação graciosa apenso aos presentes autos).
26. O despacho referido em 25 foi notificado à sociedade inspeccionada através dos ofícios n.º ...70 e ...74, de 13.01.2006 e 16.01.2006, respectivamente (cfr. ofícios a fls. 163 e 164 do processo de reclamação graciosa apenso aos presentes autos).
27. Da informação que subjaz ao despacho referido em 25 consta o seguinte:
(…)
Tendo sido iniciado em 27.07.2005 o procedimento Inspectivo de âmbito geral ao exercício de 2002 do sujeito passivo “[SCom01...], S.A.”, NIPC ...20, legitimada pela Ordem de Serviço n.º OI2005.....00, de 20/06/2005, solicita-se a ampliação dos referidos procedimentos, por um período de mais três meses uma vez que o sector em que o sujeito passivo se insere envolve situações de especial complexidade.
Acresce referir que o prazo geral de seis meses estabelecido no n.º 2 do artigo 36º do R.C.P.I.T., termina em 27/01/2006, e 29/01/2006, respectivamente para os exercícios de 2002 e 2003.
Assim, estando reunidas as condições referidas na alínea a) do n.º 3 do artigo 36º do R.C.P.T., deverá o sujeito passivo ser notificado, nos termos do n.º 4 do artº 36º do R.C.P.I.T.
(…)(cfr. informação a fls. 166 do processo de reclamação graciosa apenso aos presentes autos).
28 Em 02.05.2006, foi exarado despacho determinando a segunda prorrogação do procedimento de inspecção referido em 24, por um período adicional de três meses (cfr. despacho a fls. 171 do processo de reclamação graciosa apenso aos presentes autos).
29. O despacho referido em 28 foi notificado à sociedade inspeccionada através do ofício n.º ...18, de 02.05.2006 (cfr. documento a fls. 170 do processo de reclamação graciosa apenso aos presentes autos).
30. Da informação que subjaz ao despacho referido em 28 consta o seguinte:
(…)
Dada a circunstância de o sector em que o sujeito passivo se insere, envolver situações de especial complexidade, solicita-se uma segunda ampliação dos referidos procedimentos, por um período de mais três meses.
Acresce referir que o prazo geral de seis meses, acrescido da primeira prorrogação de três meses, estabelecido no n.º 2 do artigo 36º do R.C.P.I.T., termina em 27/04/2006, e 29/04/2006, respectivamente para os exercícios de 2002 e 2003.
Assim, estando reunidas as condições referidas na alínea a) do n.º 3 do artigo 36º do R.C.P.T., deverá o sujeito passivo ser notificado, nos termos do n.º 4 do artº 36º do R.C.P.I.T.” (cfr. informação a fls. 172 do processo de reclamação graciosa apenso aos presentes autos).
31. Em 09 de Maio de 2006, na sequência da acção inspectiva referida em 24, foi elaborado um projecto de relatório da inspecção tributária, o qual se considera aqui integralmente reproduzido (cfr. projecto de relatório de inspecção tributária de fls. 68 a 127 do procedimento administrativo de impugnação apenso aos presentes autos).
32. Em 10 de Maio de 2006, o projecto de relatório referido em 31 foi enviado à sociedade inspeccionada, para efeitos do exercício de audição prévia, tendo o aviso de recepção sido assinado no dia 08.06.2006 (cfr. aviso de recepção e ofício de fls. 65 e 67 do procedimento administrativo de impugnação apenso aos presentes autos).
33. Em 26 de Maio de 2006, foi elaborado relatório da inspecção tributária em que a inspecção concluiu, em sede de IVA, pela existência de imposto em falta na quantia de € 504.989,41, o qual se considera aqui integralmente reproduzido (cfr. relatório de inspecção tributária de fls. 221 a 281 do procedimento administrativo de impugnação apenso aos presentes autos).
34. Do relatório referido no ponto anterior, consta o seguinte:
«(…)
Já no que diz respeito às prestações de serviços de RDC efectuadas a fornecedores estrangeiros, os documentos contêm a seguinte configuração e descrição:
“Valor lançado na V/conta conforme condições negociadas e descritas em anexo ………………….Valor de X €;
IVA 0% ………….Valor de 0 €;
Total ……………..Valor de Z €.”
E, em anexo, vem discriminado a fonte da receita como sendo Compensação Quebras, referindo-se como exemplo o aviso de lançamento n.º ...41, de 31/05/2003.
(…)
Partindo da análises à conta 737 – proveitos suplementares, conjugada com a análises dos extractos de conta referentes a fornecedores estrangeiros, constatamos a falta de liquidação de IVA em documentos que suportavam a prestação de serviços de Cooperação Comercial (CCC) efectuados a fornecedores estrangeiros.
(…)
Os documentos a que aludimos contêm a seguinte designação: “Sem IVA – n.º 2 do artigo 71.º do CIVA”. E os descritivos constantes dos citados documentos referem o seguinte: “Comunicamos a V. Exa.(s) que nesta data efectuamos na V/ conta os seguintes lançamentos de acordo com o previsto no contrato de Cooperação Comercial N.º xxx celebrado com a V/ empresa e relativo a serviços prestados no período de xxx (…)”» (cfr. relatório de inspecção constante do p.a. n.º 71/2010, a fls. 221 e ss).
35. O relatório referido em 33 foi notificado à sociedade inspeccionada através do ofício n.º ...19, com data de 05 de Junho de 2006 (cfr. notificação a fls. 220 do procedimento administrativo de impugnação apenso aos presentes autos).
36. Em 24 de Junho de 2006, foram enviadas à Impugnante as seguintes liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, relativas aos períodos entre Janeiro/2003 e Junho/2003, com os seguintes montantes:
a) liquidação n.º ...56, de IVA, no montante de 40.756,86 EUR;
b) liquidação n.º ...57, de juros compensatórios, no montante de 5.410,05 EUR;
c) liquidação n.º ...58, de IVA, no montante de 71.569,15 EUR;
d) liquidação n.º ...59, de juros compensatórios, no montante de 9.074,58 EUR;
e) liquidação n.º ...60, de IVA, no montante de 142.098,47 EUR;
f) liquidação n.º ...61, de juros compensatórios, no montante de 17.285,40 EUR;
g) liquidação n.º ...62, de IVA, no montante de 76.387,47 EUR;
h) liquidação n.º ...63, de juros compensatórios, no montante de 9.040,93 EUR;
i) liquidação n.º ...64, de IVA, no montante de 110.245,82 EUR;
j) liquidação n.º ...65, de juros compensatórios, no montante de 12.697,90 EUR;
k) liquidação n.º ...66, de IVA, no montante de 64.021,65 EUR;
l) liquidação n.º ...67, de juros compensatórios, no montante de 7.149,38 EUR (cfr. folhas 28 a 39 do processo de reclamação graciosa apenso aos presentes autos).
37. Em 29 de Dezembro de 2006, a sociedade [SCom01...], S.A. apresentou reclamação graciosa das liquidações de IVA referidas em 36, requerendo a respectiva anulação (cfr. reclamação graciosa a fls. 3 e ss do procedimento de reclamação graciosa apenso aos presentes autos).
38. Em 30 de Janeiro de 2007, foi emitido pela Companhia de Seguros ..., S.A., a pedido da [SCom01...], seguro-caução no valor de € 2.922.942,34, com o n.º de apólice ...11 (cfr. condições particulares e declaração de fls. 268 a 270 dos presentes autos físicos).
39. Em 07 de Fevereiro de 2007, a [SCom01...] apresentou o seguro-caução referido em 38, com vista à suspensão do processo de execução fiscal com o n.º .....................232 (cfr. documentos juntos a fls. 264 a 267 dos presentes autos físicos).
40. Em 08 de Junho de 2010, foi exarado projecto de despacho de deferimento parcial da reclamação graciosa referida em 37, tendo este sido enviado à reclamante através do ofício n.º .........403, datado de 08 de Julho de 2010, para efeitos do exercício do direito de audição (cfr. projecto de despacho de fls. 257 a 260 e ofício a fls. 261 do procedimento de reclamação graciosa apenso aos presentes autos).
41. Em 05 de Agosto de 2010, foi exarado despacho definitivo de deferimento parcial da reclamação graciosa referida em 37, tendo este sido enviado ao reclamante através do ofício n.º ...03, com a mesma data (cfr. despacho de fls. 263 e 264 e ofício a fls. 265 do processo de reclamação graciosa apenso aos presentes autos).
42. A impugnação deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 02 de Setembro de 2010 (cfr. p.i. a fls. 3 e ss dos presentes autos físicos).
*
Factos não provados
1. De entre os montantes contabilizados pela [SCom01...], no exercício de 2003, como “Receitas Diversas Comerciais”, as rúbricas “linear secção”, “referenciação”, “análises laboratoriais”, “check-out” e “outros” correspondem a remunerações de serviços de publicidade.
2. Os montantes referidos no ponto 8 do probatório resultam de um incumprimento contratual.
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Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.
Motivação da matéria de facto
a) factos provados
No que respeita aos factos provados, conforme especificado nos diversos pontos da matéria de facto provada, a decisão da matéria de facto efectuou-se com base nos documentos e informações oficiais constantes dos autos, dos depoimentos produzidos e ainda na posição assumida pelas partes em juízo, nos seus articulados.
*
Concretizando, a factualidade vertida nos pontos 2, 5, 6, 18, 19 e 24 a 42 resultou documentalmente provada, tendo a decisão da matéria de facto sido efectuada com base nos documentos e informações oficiais indicadas no elenco de factos provados, à frente de cada facto.
É de realçar, a este respeito, que, nos termos do art. 115.º, n.º 2, do CPPT, as informações oficiais têm força probatória, quando devidamente fundamentadas, de acordo com critérios objectivos. Para abalar a respectiva força probatória, basta ao interessado gerar dúvidas fundadas quanto a factos que digam respeito à existência e quantificação do facto tributário, nos termos do art. 100.º do CPPT, o que não foi efectuado pela Impugnante quanto aos factos vertidos nos pontos acima referidos.
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A factualidade do ponto 1 dos factos provados resulta da globalidade dos depoimentos produzidos. Nos presentes autos, foram inquiridas 3 testemunhas, o Sr. «BB», o Sr. «AA» e a Sra. «CC», todos funcionários do grupo económico da Impugnante.
A factualidade vertida nos pontos 3 e 4 resulta do depoimento prestado pela testemunha «AA», conjugadamente com a análises do contrato junto pela Impugnante a fls. 554 e ss dos presentes autos físicos e da minuta junta ao relatório de inspeção, a fls. 148 e ss do p.a. n.º 71/2010.
No seu depoimento, a referida testemunha afirmou que a minuta junta aos autos correspondia a um contrato quadro, utilizado com os vários fornecedores, de forma adaptada a cada fornecimento.
Desde já se diga que este tribunal concedeu um elevado grau de credibilidade ao depoimento prestado por esta testemunha. Desde logo, em virtude da sua razão de ciência, que, como é sabido, consiste na fonte de onde advém o conhecimento da testemunha ou o modo como tomou conhecimento dos factos. É que a testemunha em causa, com a profissão de contabilista, teve responsabilidades na área da contabilidade da Impugnante durante um período temporal alargado e coordenava a equipa encarregue de acompanhar a inspecção tributária em apreço nos autos.
É certo que existia, à data da inquirição, uma relação laboral entre a testemunha e uma sociedade do grupo da Impugnante.
Porém, a testemunha foi capaz de produzir um depoimento extremamente seguro, ao longo do qual revelou um profundo conhecimento da realidade contabilística da [SCom01...], respondendo detalhadamente ao que lhe era questionado e relacionando todos os temas entre si, de relativa complexidade, sem grandes hesitações. Do seu depoimento também não resultaram quaisquer contradições com o conteúdo dos documentos juntos aos autos.
A testemunha soube simultaneamente reconhecer que não tinha certezas em determinados pontos abordados na inquirição - o que contribuiu para a fixação dos factos não provados -, mas não deixou de contribuir para a convicção do tribunal quanto à sinceridade do seu depoimento.
No que respeita aos documentos contratuais, é de salientar que, pese embora a minuta junta ao relatório se encontre incompleta, contendo apenas 4 páginas de 19, o conteúdo de ambas é em grande medida coincidente. É de notar que ambos os contratos têm uma numeração diferente e correspondem a anos diferentes, o que corrobora a ideia de que existe um contrato tipo utilizado para a generalidade dos fornecimentos. A minuta junta ao relatório de inspecção tem nela aposto o ano de 2005 e a minuta junta pela Impugnante tem aposta uma data de 2002.
*
A factualidade vertida nos pontos 7 e 8 resulta sobretudo do depoimento prestado pela já referida testemunha, o Sr. «AA», cujo conteúdo correspondeu integralmente à factualidade descrita.
Quanto a tal factualidade, este depoimento foi considerado em conjugação com a análises das cláusulas contratuais transcritas no ponto 5 do probatório.
No que respeita à rúbrica “análises laboratoriais”, cujo conteúdo se encontra também descrito no ponto 7 do probatório, o tribunal adquiriu tal facto ao abrigo do art. 5º, n.º 2, al. a) do CPC, aplicável ex vi art. 2º, e), do CPPT, de acordo com a instrução feita. Mais concretamente, tal facto foi retirado do depoimento do Sr. «AA», em conjugação com a análises dos documentos referidos nos pontos 4 a 6 dos factos provados.
*
No que respeita à factualidade vertida no ponto 9 do probatório, esta resulta da posição assumida pelas partes em juízo, nos seus articulados, em conjugação com a análises dos contratos referido nos pontos 4 a 6 do probatório. Muito embora o contrato seja ambíguo e pouco claro a respeito da “cooperação comercial” e do seu eventual conteúdo, o respetivo clausulado foi considerado de forma conjugada com os depoimentos prestados, tendo a factualidade descrita neste ponto sido corroborada, sem qualquer hesitação, por ambos os depoimentos prestados pelas testemunhas «BB» e «AA».
Damos aqui por reproduzidas as considerações feitas supra, quanto ao depoimento do Sr. «AA».
Quanto ao depoimento do Sr. «BB», este tribunal também o considerou credível.
A testemunha revelou um conhecimento seguro e aprofundado dos factos sobre que depôs, atenta a forma e o conteúdo do seu discurso. Sem hesitar, soube explicar pormenorizadamente as práticas comerciais da [SCom01...] e a sua razão de ser, designadamente ao nível da negociação de preços e das relações com os fornecedores. Do seu depoimento não resultaram incoerências internas nem contradições decorrentes do respectivo confronto com os documentos juntos aos autos.
A razão de ciência da testemunha também é de salientar, na medida em que a testemunha era, à data dos factos, director comercial de bazar ligeiro da Impugnante. Assim, pese embora tenha existido e existisse ainda, à data da inquirição, uma relação de laboral com a Impugnante, a verdade é que os factos sobre que depôs a testemunha consistem em factos de que a mesma tinha conhecimento directo e os quais se integravam no desempenho das suas funções. Segundo a testemunha, a “cooperação comercial” resultava de negociações efectuadas pelas direcções comerciais com os vários fornecedores.
A factualidade vertida no ponto 10 foi corroborada por ambas as testemunhas referidas, cujos depoimentos resultaram substancialmente coincidentes e desprovidos de incoerências significativas, quer no âmbito de cada depoimento, quer em resultado de uma análises cruzada dos mesmos.
Os factos vertidos nos pontos 11 e 12 não apenas resultam do relatório de inspeção, cujo conteúdo consta, parcialmente, do ponto 34 do probatório, como resulta do depoimento prestado pela testemunha inquirida em segundo lugar, o Sr. António
..., que confirmou a prática comercial descrita.
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Os factos vertidos nos pontos 13 a 17 resultam do relatório de inspecção tributária, da análises de algumas notas de débito e crédito da [SCom01...], juntas a fls. 648 a 667 dos presentes autos físicos, bem como de algumas notas de crédito da [SCom02...], juntas a fls. 574 a 584 dos presentes autos físicos.
Tais factos foram ainda corroborados pelo depoimento do Sr. «AA», que confirmou integralmente os procedimentos descritos no
relatório de inspecção.
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Os factos vertidos nos pontos 20 a 23 resultam do relatório de inspecção tributária, em conjugação com a análises do contrato ao abrigo do qual são efectuados os fornecimentos em causa, junto a fls. 693 a 709 dos presentes autos físicos e com a análises das notas de débito e crédito emitidas pela [SCom01...], juntas a fls. 712 a 725 dos presentes autos físicos.
Os factos em causa foram ainda corroborados pelo depoimento do Sr. «AA», que confirmou integralmente os procedimentos descritos no relatório de inspecção.
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b) factos não provados
Vejamos agora no que respeita aos factos não provados.
Quanto aos factos vertidos no ponto 1 do elenco dos factos não provados, considera-se que a Impugnante não logrou, de todo em todo, fazer prova de que as rúbricas “linear secção”, “referenciação”, “análises laboratoriais”, “check-out” e “outros” correspondem a remunerações de serviços de publicidade.
Desde logo, não foi produzida qualquer prova documental a respeito destas rúbricas em concreto.
Acresce que a única testemunha que abordou a questão, o Sr. «AA», afirmou apenas, a instâncias do Exmo. Representante da Fazenda Pública, que, genericamente, as receitas diversas comerciais correspondem a 3 tipos de ocorrências: penalizações, descontos, e, eventualmente, publicidade. Disse-o, contudo, de forma hesitante e recorrendo a expressões como “penso que sim” e “eventualmente”. Não se pronunciou nunca expressamente quanto àquelas rúbricas em concreto - como se impunha para que se pudessem dar por provados os factos alegados -, mas apenas sobre as “receitas diversas comerciais” como um todo.
Quanto ao facto dado como não provado no ponto 2 de tal elenco, refira-se que a única testemunha que abordou no seu depoimento o conteúdo económico destas rúbricas, o Sr. «AA», não fez qualquer menção a preços contratualmente estabelecidos, mas tão-somente à verificação de uma prática de determinados preços pelo fornecedor junto da concorrência. De resto, também não consta das condições gerais dos contratos de fornecimento juntos aos autos nenhuma obrigação de prática de preço perante a concorrência (cfr. minuta do contrato junta pela Impugnante a fls. 554 e ss dos presentes autos físicos e minuta junta ao relatório de inspeção, a fls. 148 e ss do p.a. n.º 71/2010)

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4.Apreciação jurídica do Recurso.

4.1.A recorrente dissente do julgado, desde logo, na seleção dos factos, valoração da prova testemunhal, colocando o enfoque, no facto dos factos provados terem sido valorados com prova testemunhal quando apenas podia ser com prova documental.
Ora, apesar desta afirmação a recorrente não concretiza os factos que foram julgados com recurso a prova testemunhal, nem precisou a prova vinculada a que estão sujeitos factos julgados.
Nesta medida rejeita-se tal impugnação.

4.2. De seguida, vem alegar que os factos 13 e 14 estão insuficientemente sustentados por se basearem em 5 notas de crédito emitidas pela [SCom02...] num universo de 36 notas de crédito, as notas de crédito 18675 e 18652 são do fornecedor “[SCom03...]” e não [SCom02...];
Os factos provados 15 e 16, basearam-se em 6 notas de crédito emitidas pela [SCom02...] num universo de 36 e apenas 6 das correspondentes notas de débito emitidas pela impugnante do total de 36;
Os factos provados 21 e 22 não podiam ser dados como provados porque as notas de crédito emitidas pela [SCom01...] e [SCom04...], não são os originais, mas os duplicados.
Vejamos,
13.
Em 2003, as empresas fornecedoras [SCom02...], S.A. (adiante designada por “[SCom02...]”) e [SCom03...], S.A. (adiante designada por “[SCom03...]”) emitiam notas de crédito correspondentes às quantias referidas em 9, com uma periodicidade mensal
14.
Das notas de crédito emitidas pela fornecedora [SCom02...] à [SCom01...] nos termos do ponto anterior com os números 74436, 75200, 75813, 18675, 18652, consta, do final da folha, a seguinte referência: “Conforme Art. 71º nº 5 do CIVA solicit. devol. do duplicado carimbado e assinado.
15.
No que respeita aos fornecedores [SCom02...] e [SCom03...], a [SCom01...] emitia mensalmente as notas de débito referidas em 11, que não eram enviadas aos fornecedores
16.
Após a recepção das notas de crédito referidas em 14, a [SCom01...] procedia à anulação das notas de débito referidas em 15, mediante a emissão de notas de crédito por idêntico valor, que não eram enviadas aos fornecedores.
Como se alcança do teor das conclusões, a recorrente entende que para se dar como provado os factos n.ºs 13 a 16, a recorrente teria de ter apresentado o universo das notas de débito e crédito que dispunha.
Contudo, além de a recorrente neste segmento não cumprir o ónus da impugnação, as notas de crédito e débito tinham em vista evidenciar o que subjazia à sua emissão, que está a montante, contratos celebrados entre recorrida e os seus fornecedores no âmbito a cooperação e desenvolvimento de acesso a programas promocionais, de eficiência administrativa, transferência eletrónica de dados e “price-checking”, de gestão conjunta de categorias e da contraparte, a observância no fornecimento de produtos encomendados, nas condições contratualmente estabelecidas.

Naturalmente, a recorrida não tinha, aliás, nem a lei assim o determina, que apresentar um batalhão de documentos, estes não estão em causa quanto ao seu valor intrínseco de uma operação, mas como meio para analisar e interpretar a atuação da AT, ou seja, se deles decorre, em conjugação com os contratos celebrados, prestações de serviços entre a recorrida e seus fornecedores, como se bem compreende da sua leitura em contexto das correções impugnadas, por outro lado, não se vislumbra o reparo que se faz às notas de crédito 18675 e 18652, de facto respeitam à [SCom03...], todavia, referente a um mesmo processo de emissão de notas de débito e crédito.
O procedimento era igual, o que não é colocado em questão, ao da [SCom02...], sendo aquela como esta fornecedora da recorrida.

Por fim, se assim não era ou duvidava que o fosse, a recorrente no momento da apresentação dos documentos poderia ter questionado o âmbito restrito da exibição dos documentos, mas, não pode é, agora, afirmar que não prova o que consta do ponto 15 e 16.

O procedimento era igual, o que não é colocado em questão, ao da [SCom02...], sendo aquela, como esta fornecedores da recorrida.

Entende ainda em matéria de valoração da prova que nos factos 21 e 22 porque as notas de crédito emitidas pela [SCom01...] e [SCom04...] não são originais, mas duplicados, ora, este fundamento em si não tem relevo para inquinar o juízo prevalente da sentença, são documentos particulares que não tendo sido devidamente impugnados são livremente apreciados e valorados pelo tribunal.

4.3. Erro de julgamento da sentença na parte em que sancionou favoravelmente a pretensão da impugnante.

A recorrente entende haver erro de julgamento porque são prestações de serviços, por isso, sujeitas a IVA, sendo irregular a atuação da recorrida.
-Receitas diversas Comerciais (RDC) e Cooperação Comercial (CC) a fornecedores estrangeiros não podia ser tratada como descontos, mas como prestações de serviços localizados no território Nacional, nos termos do art. 6.º, n.º 4 do CIVA, não estando isentas do IVA;

Por outro lado, pugna que as indemnizações previstas nos contratos, o são a título de lucros cessantes, por isso, sujeitas a IVA na medida em têm subjacente a contraprestação de uma operação tributável, art. 16.º, 1.º, n. º1, al. a) e art. 4.º do CIVA;
Entende a recorrente que o tribunal a quo ao ter considerado provado genericamente e em abstrato que as penalizações e indemnizações em análises (sem a devida análises factual de cada operação em concreto nem a devida prova documental, encontravam-se todas sujeitas a IVA.
Insiste que,
O acesso e fornecimento de informação de bases de dados de clientes, proporcionar o ao lançamento de novos produtos, acesso ao programa de eficiência administrativa, gestão de categorias integram o conceito residual de prestações de serviços, ínsito no art. 4.º do CIVA.

De seguida, mantém a posição de que em matéria de regularização do IVA com as empresas [SCom02...] e [SCom03...], quer as notas de crédito emitidas à [SCom04...], não poderia regularizar porque não estavam preenchidos os pressupostos do n.º5 do art. 71.º do CIVA, não tinha na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação do imposto, a emissão por parte da impugnante de notas de débito de serviços prestados de cooperação comercial, taxados à taxa normal de IVA, era o procedimento correto.
Para legitimar a regularização do IVA teria que ter feito aquela prova que não logrou efetuar.
A recorrida contra-alega reiterando que:
No que respeita aos fornecedores comunitários, não residentes, a recorrente não demonstra nem consta do julgamento de facto que, ao contrário, liquidava IVA nas prestações de serviços similares a fornecedores nacionais.
Não estão subjacentes serviços prestados pela [SCom01...] aos seus fornecedores, não são serviços de cooperação comercial como lhe chama a recorrente.
Aqui apenas estão em causa as relações como os fornecedores estrangeiros e a recorrente entende serem serviços prestados pela recorrida a estes fornecedores.
No que respeita aos valores debitados para compensar prejuízos por defeitos ou falta de qualidade dos produtos, atrasos nos fornecimentos e outras situações, o recurso não ataca a sentença, que claramente afirmou serem a decorrência do facto 7, não impugnado, não é uma indemnização que substitui o cumprimento do contrato, mas, antes, ressarcir das contingências concretas que sobrevêm na vigência do contrato.
Ademais, a recorrente não identifica um único concreto serviço ou transmissão de bens efetuados pela [SCom01...] a favor dos seus fornecedores, referindo a informação vinculativa de 12-11-2007 no processo V...3 2007....5, na qual se afirmou: não devem ser tributadas as indemnizações, ainda que decorrentes de responsabilidade contratual, quando nenhuma operação tenha existido
Estando a AT juridicamente vinculada a estas informações.
As alegações e conclusões de recurso da Recorrente/FP denotam total alheamento em relação à douta Sentença recorrida.
Exemplo disso, concretamente quanto às rubricas de "débitos de compensação de margens" de "débitos de reacção ao shopping", a Recorrente/FP não lhes faz qualquer referência.

Vejamos.
A sentença apreciou as questões acima identificadas de modo que não nos oferece dúvida, posto que, a Recorrente não impugnou a matéria de facto e do relatório que fundamentou a liquidação concluiu-se que:
Em sede de IVA, pela existência de imposto em falta na quantia de € 505.079,42 em três situações perfeitamente definidas:
1.prestações de serviços de RDC e CCC efectuadas a fornecedores estrangeiros na qual há ausência total de liquidação do IVA, consta a menção “sem IVA n. º2 do art. 71.º.” e serem indemnizadas por falta de cumprimento do estabelecido no caderno de encargos ou de fichas técnicas de especificação dos produtos, num montante igual ao estabelecido no Anexo I ao presente contrato (…) com o pagamento de coimas, multas, custas e taxa de justiça ou outros, por rotulagem deficiente, falta de tradução em língua portuguesa, e falta de cumprimento dos requisitos exigidos pela marcação CE e símbolo Ponto Verde, bem como pela falta de cumprimento de qualquer dispositivo legal que seja imputável à segunda contraente, nos produtos fornecidos; intituladas de “penalizações logística”, “penalizações comerciais genéricas”, “penalizações controlo qualidade”, “penalizações etiquetagem/rotulagem” e “análises laboratoriais” correspondem a montantes debitados pela [SCom01...];
3. Regularização de IVA a favor da recorrida em documentos emitidos às empresas [SCom02...] e [SCom03...], que não contêm a prova constante do n.º do art. 71.º do CIVA e regularização de IVA a favor da recorrida em Notas de Crédito emitidas à «[SCom04...] Unipessoal, Lda.», para a qual não dispõe da prova prevista no n. º5 do art. 71.º do CIVA.
Ora,
A sentença deu como provado, [não impugnado pela Recorrente sendo que do acervo factual não resulta manifesto erro de julgamento] que:
No exercício de 2003, foram recebidas pela [SCom01...], como “Receitas Diversas Comerciais”, entre outras, as receitas provenientes das seguintes rúbricas, constantes dos elementos contabilísticos do contribuinte e correspondentes documentos de suporte: “penalizações logística”, “penalizações comerciais genéricas”, “penalizações controlo qualidade”, “penalizações etiquetagem/rotulagem”, “débitos de compensação de margens”, “compensação de quebras”, “linear secção”, “referenciação”, “análises laboratoriais”, “check out”, “débitos de reacção a shopping” e “outros;
Os fornecimentos à [SCom01...] eram efetuados ao abrigo de contratos celebrados entre a [SCom05...], S.A., aqui impugnante, em representação de várias sociedades pertencentes ao respetivo grupo, entre as quais a [SCom01...], e os fornecedores; contrato junto pela recorrida;
Do contrato n.º ...96, com data de 20 de Dezembro de 2002, em que figuram como Primeira Contraente, a [SCom05...], S.A., aqui Impugnante, em representação de várias sociedades pertencentes ao respetivo grupo, entre as quais a [SCom01...], e como Segunda Contraente a sociedade [SCom02...]
Do contrato referido em 5 consta um Anexo em que, são identificadas, sob a epígrafe “Condições Comerciais – Descontos Comerciais”, diversas gamas de produtos a que correspondem determinadas percentagens qualificadas como “Desconto” e gamas genéricas a que são atribuídas percentagens de desconto cujo tipo é intitulado de “rappel
Em 2003, nos elementos contabilísticos e documentos de suporte da [SCom01...], as rúbricas correspondentes a “Receitas Diversas Comerciais”, intituladas de “penalizações logística”, “penalizações comerciais genéricas”, “penalizações controlo qualidade”, “penalizações etiquetagem/rotulagem” e “análises laboratoriais” correspondem a montantes debitados pela [SCom01...] aos fornecedores, nos termos contratualmente previstos, destinados a compensar prejuízos por defeitos ou falta de qualidade dos produtos fornecidos, atrasos nos fornecimentos, erros nos produtos fornecidos, erros de etiquetagem ou outros incumprimentos, face ao contratualizado;
Em 2003, nos elementos contabilísticos e documentos de suporte da [SCom01...], as rúbricas correspondentes a “Receitas Diversas Comerciais”, intituladas de débitos de compensação de margens e de “débitos de reacção ao shopping correspondem a montantes debitados pela [SCom01...] aos fornecedores em decorrência da verificação de determinados preços praticados pelas empresas concorrentes.
(9)Em 2003, nos elementos contabilísticos e documentos de suporte da [SCom01...], a rúbrica correspondente a cooperação comercial” corresponde aos débitos efetuados pela [SCom01...] aos fornecedores de uma quantia correspondente à aplicação de determinadas percentagens sobre as compras efetuadas nos termos contratualmente previstos;
As percentagens aplicadas no âmbito da rúbrica “cooperação comercial” referida no ponto 9 correspondiam ao resultado das negociações efetuadas entre as sociedades distribuidoras do grupo económico da Impugnante e os fornecedores e eram apostas nos respetivos contratos de fornecimento;
(11…) após receção da mercadoria, a [SCom01...] emitia aos fornecedores notas de débito em montante equivalente às quantias referidas em 9.
Os montantes recebidos nos termos do ponto 11 eram creditados pela [SCom01...] às sociedades distribuidoras do mesmo grupo económico, na medida das compras imputáveis a cada uma delas.
Em 2003, as empresas fornecedoras [SCom02...], S.A. (adiante designada por “[SCom02...]”) e [SCom03...], S.A. (adiante designada por “[SCom03...]”) emitiam notas de crédito correspondentes às quantias referidas em 9, com uma periodicidade mensal
(14)Das notas de crédito emitidas pela fornecedora [SCom02...] à [SCom01...] nos termos do ponto anterior com os números 74436, 75200, 75813, 18675, 18652, consta, do final da folha, a seguinte referência:
Conforme Art. 71º nº 5 do CIVA solicit. devol. do duplicado carimbado e assinado.”;
No que respeita aos fornecedores [SCom02...] e [SCom03...], a [SCom01...] emitia mensalmente as notas de débito referidas em 11, que não eram enviadas aos fornecedores;
Após a receção das notas de crédito referidas em 14, a [SCom01...] procedia à anulação das notas de débito referidas em 15, mediante a emissão de notas de crédito por idêntico valor, que não eram enviadas aos fornecedores
Ao longo do exercício de 2003, a [SCom01...] regularizou IVA para menos, num montante global de 210.161,68 EUR, no âmbito das suas relações comerciais com a [SCom02...] e [SCom03...];
Em 09 de Julho de 1998 foi celebrado um contrato entre a sociedade [SCom17...], S.A., em representação (…)sociedade [SCom04...], Unipessoal Lda (adiante designada por “[SCom04...]”), na qualidade de segunda contraente
Do contrato referido em 18, constam as seguintes cláusulas:
Do contrato referido em 18, constam as seguintes cláusulas:

1. Pelo presente contrato estabelecem-se as condições gerais a que se deve subordinar qualquer fornecimento de carne embalada, centralmente preparada, a efectuar pela [SCom04...] aos estabelecimentos da [SCom17...]. Este processo tem início com a aquisição das carcaças dos animais, respetiva desossa e desmancha e a consequente transformação das carcaças em peças. Estas peças constituem a matéria-prima para a preparação de embalados CPM.
(…)

1 Pelo presente contrato, a [SCom04...] obriga-se em regime de exclusividade, a fornecer carne embalada, com processamento centralizado, todos os estabelecimentos de venda a retalho, que a [SCom17...] possui ou venha a possuir a nível nacional e que actualmente giram sob os nomes “«Marca 2 ...»”, “«Marca 1...»” e “«Marca 3...»”, bem como outros que na vigência deste contrato venham a ter outro novo comercial.
(…)
10ª
A [SCom04...] obriga-se a abastecer de toda a carne junto dos fornecedores aprovados pela [SCom17...], sendo o preço dos animais para abate e das carcaças, acordado entre a [SCom17...] e os fornecedores com o apoio e a assistência da [SCom04...].

Durante o ano de 2003, o sistema da [SCom01...] emitia automaticamente à [SCom04...] notas de crédito relativas a “descontos de rappel”, “serviços de cooperação comercial” e “animação promocional”, que não eram enviadas à [SCom04...];
Durante o ano de 2003, a [SCom01...] emitia manualmente notas de débito, com datas e valores idênticos aos constantes das notas de crédito referidas em 20, que não eram enviadas à [SCom04...];
Durante o ano de 2003, após a emissão das notas de débito referidas em 21, a [SCom01...] relevava na conta “24342119 regularizações a favor do estado” o imposto contido em tais documentos;
23. Ao longo do ano de 2003, a [SCom01...] regularizou IVA a seu favor no montante de 108.672,68 EUR, no âmbito das suas relações comerciais com a empresa [SCom04...];

Sobre esta factualidade a sentença fez o seguinte julgamento que sucintamente se transcreve:
Indemnização. Veja-se a jurisprudência recente do STA no processo n.º 01729/10 BELRS de 28-01-2020 e 0401/14.7 BEPRT 9-10-2019 e do TCA SUL DE 03-12-2020 no processo n.º 8181/17BCLSB
«Analisemos a questão, principiando pelas receitas que a Impugnante declara terem sido obtidas a título de penalizações contratuais. Cumpre a este tribunal determinar se as indemnizações em causa podem ou não ser consideradas operações sujeitas a tributação em IVA.
Estão sujeitas a IVA, entre outras, as transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal (art. 1.º, n.º 1, al. a) do CIVA).
Nos termos do art. 4.º, n.º 1, do CIVA, são consideradas como prestações de serviços as operações efectuadas a título oneroso que não constituam transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens.
Através deste preceito, o legislador nacional transpôs para o direito interno o conceito de prestação de serviços previsto no art. 6.º da Directiva do Conselho 77/388/ CEE, de 17.05.1977 (6ª da Directiva de IVA), acolhendo um conceito residual de prestação de serviços, que nessa medida ganha uma “vocação de universalidade” (cfr., neste sentido, PALMA CELORICO, Clotilde – Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado. 5ª ed. Coimbra: Almedina, 2011, p. 72).
Segundo Xavier de Basto, “Dados os conceitos utilizados, não há, em regra, que identificar a natureza do serviço que se presta, isto é, o conteúdo da prestação de facto. Uma atribuição patrimonial, qualquer que seja, terá, em princípio, subjacente uma prestação de serviço, se não for contrapartida de uma entrega de bens (…)” (cfr. XAVIER DE BASTO, José Guilherme – A Tributação do Consumo e a sua Coordenação Internacional – Lições sobre Harmonização Fiscal na Comunidade Económica Europeia. In Ciência e Técnica Fiscal, n.ºs 361 e 362. Lisboa: Centro de Estudos Fiscais, 1991, p. 172). Contudo, ainda segundo este Autor, não pode levar-se demasiado longe esta opção do legislador comunitário, devendo sempre e efectivamente existir um serviço.
A definição de prestação de serviços para efeitos de IVA passa então por uma classificação de natureza económica, que ultrapassa totalmente a definição civilística do art. 1154.º do Código Civil (CC), segundo o qual o contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.
Deve ser em função do caso concreto que se determina a existência ou não de uma prestação de serviços para efeitos de IVA.
A qualificação das indemnizações como prestação de serviços para efeitos de IVA, sejam estas provenientes de responsabilidade civil contratual (art. 798.º do CC) ou extracontratual (483.º do CC), tem sido uma questão amplamente debatida na doutrina e jurisprudência.
No que à lei respeita, deve notar-se que, nos termos do art. 16.º do CIVA, o valor das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro. Nos termos da al. a) do n.º 6 do mesmo preceito, devem ser excluídas desse valor tributário, entre outros, as quantias recebidas a título de indemnização declarada judicialmente, por incumprimento total ou parcial de obrigações.
Poder-se-ia retirar deste preceito uma interpretação a contrario, que levaria à inclusão no valor tributário todas as quantias indemnizatórias não declaradas judicialmente.
Contudo, não é esta uma interpretação razoável do preceito, nem a que tem sido efectuada pela jurisprudência nacional e comunitária (vejam-se, a título meramente exemplificativo, o Ac. do STA de 31.10.2012, proc. n.º 01158/11, in www.dgsi.pt, e o Ac. do TJUE de 18.07.2007, Société Thermale d’Eugénie-les-Bains, C-277/55, in http://eur-lex.europa.eu).
De facto, tem-se entendido que as indemnizações não declaradas judicialmente serão ou não tributadas em IVA, consoante possam ser enquadradas no tal conceito económico de prestação de serviços, como efectivamente decorre da conjugação do art. 16.º com o art. 4.º do CIVA.
O debate da doutrina e jurisprudência tem convergido no sentido de se considerar como critério de distinção a existência de um nexo sinalagmático ou, pelo contrário, a existência de uma prestação a satisfazer, sem uma qualquer obrigação correspondente.
Acompanhamos plenamente, neste aspecto, os Autores Afonso Arnaldo e Pedro Vasconcellos Silva, que consideram que “(…) as puras indemnizações não levantam quaisquer implicações ao nível da liquidação de IVA. (…) Apesar das dificuldades que poderão ocorrer, a directriz que deverá orientar o intérprete reside em saber se existe uma contraprestação, directa ou indirecta, imediata ou mediata, actual ou potencial, evidente ou obscura.” (assinalado nosso)
Neste sentido decidiu também o TJUE, considerando, a propósito da retenção de um sinal em virtude do incumprimento de um contrato, que deveria examinar-se “(…) se esse sinal constitui uma indemnização de rescisão paga para reparar o prejuízo sofrido na sequência da resolução do contrato pelo cliente.” (in Ac. do TJUE de 18.07.2007, Société Thermale d’Eugénie-les-Bains, C-277/55, in http://eur-lex.europa.eu) Neste aresto conclui-se que, não constituindo o pagamento do sinal a retribuição recebida por uma entidade a título de contrapartida efectiva de um serviço autónomo e individualizável fornecido ao seu cliente e tendo a conservação do sinal por objectivo reparar as consequências do incumprimento do contrato, deve considerar-se que, nem o pagamento, nem a conservação do mesmo, são abrangidos pelo art. 2.º, n.º 1, da Sexta Directiva de IVA.
Serão pois tributadas em IVA “as indemnizações que correspondam, directa ou indirectamente, à contrapartida devida pela realização de uma actividade económica”, isto é, que visem remunerar a transmissão de bens ou a prestação de serviços, o que nem sempre será uma tarefa fácil para o intérprete (in Ac. do STA de 31.10.2012, proc. n.º 01158/11). Vejam-se ainda, no mesmo sentido, o Ac. do STA de 18.06.2008, proc. n.º 01144/06, e o Ac. do TCAS de 03.03.2009, proc. n.º 02507/08, todos disponíveis em www.dgsi.pt. (…) Analisemos a questão, principiando pelas receitas que a Impugnante declara terem sido obtidas a título de penalizações contratuais. Cumpre a este tribunal determinar se as indemnizações em causa podem ou não ser consideradas operações sujeitas a tributação em IVA.
Serão, pois, tributadas em IVA “as indemnizações que correspondam, directa ou indirectamente, à contrapartida devida pela realização de uma actividade económica”, isto é, que visem remunerar a transmissão de bens ou a prestação de serviços, o que nem sempre será uma tarefa fácil para o intérprete (in Ac. do STA de 31.10.2012, proc. n.º 01158/11). Vejam-se ainda, no mesmo sentido, o Ac. do STA de 18.06.2008, proc. n.º 01144/06, e o Ac. do TCAS de 03.03.2009, proc. n.º 02507/08, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
(…)
Desde já se diga que entendemos corresponder o débito destes montantes ao cumprimento de verdadeiras cláusulas penais, nos termos do art. 810.º, n.º 1, do CC. De acordo com este preceito, “As partes podem, porém, fixar por acordo o montante da indemnização exigível: é o que se chama cláusula penal”.
Como tem vindo a ser pacificamente reconhecido na jurisprudência, a cláusula penal pode ser uma de três tipos, consoante aquilo que as partes pretendiam aquando da sua estipulação. Conforme tão bem elucida o Supremo Tribunal de Justiça, “A cláusula penal pode revestir três modalidades: cláusula com função moratória ou compensatória, dirigida à reparação de danos mediante a fixação antecipada da indemnização em caso de não cumprimento definitivo ou de simples mora do devedor; cláusula penal em sentido estrito ou propriamente dita, em que a sua estipulação substitui o cumprimento ou a indemnização, não acrescendo a nenhum deles; e cláusula penal de natureza compulsória, em que há uma pena que acresce ao cumprimento ou que acresce à indemnização pelo incumprimento, sendo a finalidade das partes, nesta última hipótese, a de pressionar o devedor a cumprir, e já não a de substituir a indemnização.” (in Ac. do STJ de 27.09.2011, proc. n.º 81/1998.C1.S1. Veja-se ainda, neste sentido, o Ac. do STJ 27.01.2015, proc. 3938/12.9TBPRD.P1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Uma vez que está em causa a atribuição de uma indemnização em dinheiro, é de afastar desde logo a qualificação das cláusulas penais em causa como cláusulas penais em sentido estrito. Por outro lado, não resulta da concatenação das cláusulas contratuais em causa (pontos 4 e 5 do probatório) com os depoimentos prestados pelas testemunhas, que as partes pretendessem compulsar o fornecedor ao cumprimento contratual, prevendo uma “pena” que viesse a cumular com uma indemnização pelos prejuízos ou com o cumprimento integral. É que os incumprimentos penalizados correspondem ou à mora no cumprimento ou a cumprimentos defeituosos ou imparciais do fornecimento que havia sido contratado, não estando contratualmente prevista a possibilidade de ser exigida, cumulativamente, outra indemnização ou o perfeito cumprimento. Pelo contrário, na maioria das situações, à Impugnante assistia o direito de devolver os produtos fornecidos, recebendo apenas a indemnização pré-determinada (ponto 5 do probatório).
Assim sendo, as indemnizações estabelecidas, visadas pelas rúbricas correspondentes a “penalizações”, pretendiam apenas ressarcir a [SCom01...] do cumprimento defeituoso ou tardio da obrigação de fornecimento assumida, nos termos contratualmente previstos.
Não se entende que tal cláusula penal visasse remunerar uma contrapartida de um qualquer serviço ou fornecimento.
Ainda que as análises laboratoriais compreendam os montantes despendidos pela [SCom01...] com a realização de análises laboratoriais (cfr. ponto 7 do probatório, em confronto com a cl. 2.3.11 do contrato de fornecimento referido no ponto 5), tais valores não devem ser considerados como uma contrapartida prestada pela [SCom01...]. Trata-se sempre de um prejuízo em que ela não incorreria não fosse o incumprimento do fornecedor, sendo tal prejuízo precisamente aquilo que a indemnização pretende compensar.
As indemnizações em causa nos presentes autos não diferem, na sua natureza, da já referida situação de retenção do sinal pago, analisada pelo Tribunal de Justiça, em que este concluiu pela inexistência de uma prestação de serviços para efeitos de IVA.
Segundo este tribunal, “A razão de ser do sinal (…) corresponde, em princípio, às características descritas (…), tendendo por isso a constituir o indício da celebração do contrato, o incitamento ao cumprimento do mesmo e a eventual indemnização fixa.” (Ac. do TJUE de 18.07.2007, Société Thermale d’Eugénie-les-Bains, C-277/55, par. 31)
Diga-se ainda que este mesmo tribunal já havia decidido em sentido idêntico quanto ao pagamento de juros moratórios, cuja natureza em muito se assemelha às penalizações por atraso nos fornecimentos em causa nos autos (Ac. do TJUE de 01.07.1982, BAZ Bausystem, 222/81). Mais uma vez, concluiu o Tribunal de Justiça que tais quantias não seriam equiparáveis a contrapartidas de serviços prestados.
A Fazenda Pública alega, para sustentar a integração das indemnizações em causa no conceito de prestação de serviços para efeitos de IVA, que, nos termos do art. 6.º, n.º 1, da 6ª Directiva, a prestação de serviços pode consistir “na obrigação de não fazer ou de tolerar um acto ou uma situação”.
Ora, a haver uma obrigação de non facere no âmbito das indemnizações debitadas, ela seria quando muito uma obrigação de não incumprir, por parte dos fornecedores. Sucede que os débitos são efectuados pela [SCom01...], que recebe estes montantes. Seria sobre ela, pois, e não sobre os fornecedores que poderia recair uma obrigação correspondente às indemnizações, caso esta existisse. Não obstante, não se vislumbra que tipo de obrigação de non facere, por parte da [SCom01...], poderiam estar os fornecedores a retribuir.
Ou seja, não existe quanto às indemnizações descritas, uma qualquer actividade ou inactividade da [SCom01...] que lhes corresponda, como contrapartida económica, devendo considerar-se que as quantias recebidas ao abrigo de tais rúbricas se encontram fora do âmbito de aplicação objectivo do IVA (arts. 1.º e 4.º do CIVA).
Assim, os débitos em causa funcionam como uma pura indemnização, com vista ao efectivo ressarcimento dos prejuízos incorridos, não sujeita a IVA, devendo proceder a impugnação das correcções efectuadas pela AT, no que respeita às rúbricas “penalizações logística”, “penalizações comerciais genéricas”, “penalizações controlo qualidade”, “penalizações etiquetagem/rotulagem” e “análises laboratoriais”.
Por fim, no contexto de indemnização e publicidade, a sentença atendeu ao facto de não era possível a procedência parcial, ou seja, pese embora ter confirmado as correções em matéria de débitos de compensação de margens e de débitos de reação ao shopping e nas receitas comerciais diversas estariam contidas receitas de publicidade, como o caso da “linear secção” e “referenciação”, “análises laboratoriais”, “check out” e outros, em virtude de a recorrida não ter logrado provar que os montantes contabilizados a este título correspondessem a cláusulas penais e/ou a remunerações de serviços de publicidade, sancionando o seguinte: implicaria a contabilização das correcções que deveriam ser efectuadas com recurso aos elementos contabilísticos da [SCom01...], o que está vedado aos poderes de cognição deste tribunal. Não estamos perante uma correcção meramente aritmética, que possa permitir a anulação parcial do ato (veja-se, neste sentido, o Ac. do STA de 04.05.2011, proc. n.º 021/11 e ainda o Ac. de 19.02.2014, proc. n.º 085/14).
Assim sendo, não obstante a procedência das ilegalidades imputadas pela Impugnante apenas quanto a uma parte da correcção sob análises, justifica-se a anulação total da mesma.
(fim de citação)
Não sendo possível, como demonstrado, a cisão das correções anuladas, todas elas inclusas numa mesma operação aritmética, terão que ter o mesmo desiderato.
Seguidamente a sentença fez a análises das correções relativas a IVA não liquidado a serviços de cooperação comercial prestados a fornecedores estrangeiros no valor de 98.187,58, para o que discreteou de modo coincidente com o que já vem sendo a posição deste TCAN Em acórdão proferido no processo 837/04.1 BEPRT, de 9-06-2021, disponível em www.dgsi, em cujo processo estava em causa o IVA de 2001, sendo a atividade da Modis-Distribuição, S.A. que foi objeto de fiscalização e respetivas correções, em tudo semelhante ao presente processo, a que a outros se seguiram, como o 838/04.0BEPRT de 8-2-2024 e o processo n.º 358/10.3 BEPRT de 19-05-2022, na qual interviemos como 1.ª adjunta, também disponível em www.dgsi.pt.
Vejamos
Neste particular, iremos trazer à colação acórdão deste TCA no processo 837/04. Assim,
Sendo o conceito de prestação de serviços residual, permite, sem margem para dúvidas, em face da concreta factualidade, concluir que a componente contratual de um fornecimento de bens possa, em concreto, ser suscetível de prevalecer sobre a “prestação de serviços” [art. 4.º do CIVA que define o conceito de prestação de serviços].

Aliás, decorre do art.2.º, n. º1, da sexta diretiva que cada prestação de serviços deve normalmente ser considerada distinta e independente e de que a prestação constituída por um único serviço no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA.
Por esse motivo importa procurar encontrar as características da operação em causa e determinar se o sujeito passivo fornece ao consumidor - entendido como consumidor médio - diversas prestações principais distintas ou uma prestação única, ainda que composta por vários elementos. Neste sentido Patrícia Noiret Cunha, Imposto sobre o Valor Acrescentado, Instituto Superior de Gestão, páginas 132-133.

Ora, a autora citada refere que a jurisprudência comunitária defende que os elementos essenciais da transação devem ser identificados de forma a determinar se o sujeito passivo está a fornecer ao consumidor várias prestações de serviços principais ou uma prestação de serviço única. A jurisprudência considera que se está perante uma prestação única (ainda que composta), no caso em que um ou vários elementos devem ser considerados prestação principal ao passo que, inversamente, um ou vários elementos devem ser considerados prestações acessórias que partilham do mesmo tratamento fiscal da prestação principal, numa aplicação da regra accessorium sequitur principale. Os elementos que compõem uma prestação podem ser parte integrante da mesma ou serem-lhe meramente acessórios. Obra citada.
Do que vem sendo dito, poderá, e no caso tem, ter aplicação em situações como nos autos, em que acoplado a uma transmissão de bens está também, a título acessório ou dependente, um serviço que beneficia, em boa medida, ambas as partes, proveniente de uma ação que promove ou potencia, o negócio, vender mais e mais barato e quem fornece aumenta exponencialmente as suas vendas ou fornecimento de bens, afastando, outros concorrentes com produtos similares, por sua vez, o adquirente dos bens, vai vender mais barato no quadro da concorrência, sem que se destaque uma prestação de serviço, em sentido autónomo, pois, não se figura entre a concreta prestação de serviço e o contravalor recebido (no caso o aumento das vendas na esfera do fornecedor) qualquer nexo direto entre o serviço prestado e o benefício auferido pela contraparte.

A respeito da conexão entre prestação de serviço e contravalor veja-se o Ac. do TJUE de 11-03-2020, no processo C-94/19, caso San Domenico Vetraria SpA, no qual se afirma que:
A este respeito, é jurisprudência constante que, no âmbito do sistema do IVA, as operações tributáveis pressupõem a existência de uma transação entre as partes, com a estipulação de um preço ou de uma contrapartida. Assim, quando a atividade de um prestador consiste em fornecer exclusivamente prestações sem contrapartida direta, não existe matéria coletável, não estando, portanto, estas prestações sujeitas ao IVA (Acórdão de 22 de junho de 2016, Èeský rozhlas, C-11/15, EU:C:2016:470, n.o 20 e jurisprudência referida). 21 Daqui resulta que uma prestação de serviços só é efetuada «a título oneroso», na aceção do artigo 2.o , ponto 1, da Sexta Diretiva, e só é, portanto, tributável, se entre o prestador e o beneficiário existir uma relação jurídica no âmbito da qual são realizadas prestações recíprocas, sendo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efetivo de um serviço prestado ao beneficiário. É isso que se verifica se existir um nexo direto entre o serviço prestado e o contravalor recebido (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de junho de 2016, Èeský rozhlas, C-11/15, EU:C:2016:470, n.os 21 e 22 e jurisprudência referida; de 22 de novembro de 2018, MEO — Serviços de Comunicações e Multimédia, C-295/17, EU:C:2018:942, n.o 39; e de 3 de julho de 2019, UniCredit Leasing, C-242/18, EU:C:2019:558, n.o 69). (…) Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que existe um nexo direto quando duas prestações estão reciprocamente condicionadas (v., neste sentido, Acórdãos de 3 de março de 1994, Tolsma, C-16/93, EU:C:1994:80, n.os 13 a 20, e de 16 de outubro de 1997, Fillibeck, C-258/95, EU:C:1997:491, n.os 15 a 17), ou seja, uma prestação só é efetuada na condição de a outra também o ser, e reciprocamente (v., neste sentido, Acórdãos de 23 de novembro de 1988, Naturally Yours Cosmetics, 230/87, EU:C:1988:508, n.o 14, e de 2 de junho de 1994, Empire Stores, C-33/93, EU:C:1994:225, n.o 16).
Concluindo que: O artigo 2.º , ponto 1, da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional em virtude da qual não são considerados relevantes para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado os empréstimos ou destacamentos de pessoal de uma sociedade-mãe para a sua filial, realizados exclusivamente mediante o reembolso dos custos respetivos, quando os montantes pagos pela filial à sociedade-mãe, por um lado, e esses empréstimos ou destacamentos, por outro, estiverem reciprocamente condicionados.

O art. 16., n. º1, do CIVA que estatui que, o valor tributável das transmissões e das prestações de serviços sujeitas a imposto será o valor da contraprestação obtida ou a obter pelo adquirente, do destinatário ou de terceiro.
Não sendo possível estabelecer essa relação entre prestação de serviço e o contravalor recebido, apenas resta concluir que o que subjaz a toda a operação é um abatimento ao preço ou um desconto comercial, deste modo estando excluído da incidência do IVA, como decorre do n. º6, al. b) do art. 16.º do CIVA, do valor tributável, referido no número anterior, serão excluídos: os descontos, abatimentos e bónus concedidos. Neste sentido o AC. do STA, fazendo alusão ao TJUE, de 27-11-2019, no processo 0431/10.8 BEVIS

Como se refere no acórdão do TJUE, no caso das batatas holandesas, e que a recorrente faz expressa menção nas suas conclusões, a contraprestação deve ser real e efetiva, suscetível de avaliação pecuniária e de apreciação subjetiva, a expressão “contrapartida” implica a necessidade de um nexo direto que vincule a prestação e a contraprestação efetuada, que é contrapartida da existência de um benefício que deve ser igualmente direto Obra citada, página 256. e a expressão subjetiva, tem o significado de é necessário partir dos dados reais da operação em causa.

A mesma autora supracitada, refere que a concessão de descontos, abatimentos e bónus é uma prática frequente para incentivar as vendas, que tem como consequência a redução do preço de aquisição dos correspondentes bens ou serviços. A razão da exclusão do valor tributável dos descontos deve ao facto de implicarem ausência de contravalor, suscetível de determinação pecuniária, proporcionado pelo comprador do bem ou pelo destinatário do serviço.

Em sentido similar, veja-se, o acórdão do TJUE de 19-12-2012 no caso GRATTAN plc, o art. 8.º al, a) da Segunda Diretiva, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes a impostos sobre o volume de negócios- Para determinar se o artigo 8.°, alínea a), da Segunda Diretiva impunha aos Estados-Membros que permitissem a modificação do respetivo contravalor e, portanto, a correção da matéria coletável após o momento em que ocorreu o facto gerador do imposto, há que analisar igualmente as disposições dessa diretiva em matéria de cálculo, declaração e pagamento do IVA. Com efeito, a determinação da matéria coletável pressupõe um contravalor e um facto gerador. Cumpre salientar, a este respeito, que o artigo 5.°, n.° 5, da Segunda Diretiva previa que «o facto gerador do imposto ocorre no momento em que [é efetuada] a entrega». A expressão «facto gerador do imposto» constante desta disposição era definida no ponto 8 do anexo A da mesma diretiva como «nascimento da dívida fiscal». Há que constatar que nenhuma disposição da Segunda Diretiva previa a fixação da ocorrência do facto gerador do imposto num momento posterior, ou o seu adiamento por qualquer outra forma. Esta diretiva também não contém nenhuma disposição que previsse a modificação da dívida fiscal já constituída. Nestas condições, tem de se considerar que, nos termos do artigo 5.°, n.° 5, da Segunda Diretiva, a dívida fiscal do sujeito passivo se constituía com base no montante resultante da matéria coletável determinada à data da entrega. Há pois que referir que nem o artigo 8.°, alínea a), da Segunda Diretiva nem nenhuma outro artigo da Segunda Diretiva podia ser interpretado no sentido de que era obrigatório permitir a regularização da matéria coletável, ou do imposto pago a jusante, depois da entrega, que constitui o momento em que ocorre o facto gerador do imposto, com o que declara que: O artigo 8.°, alínea a), da Segunda Diretiva 67/228/CEE do Conselho, de 11 de abril de 1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Estrutura e modalidades de aplicação do sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que não confere ao sujeito passivo o direito de considerar reduzida a posteriori a matéria coletável de uma entrega de bens quando, após a conclusão dessa entrega de bens, um agente venha a receber do fornecedor um crédito que pode optar por receber sob a forma de um pagamento em dinheiro ou sob a forma de um crédito compensável com os montantes em dívida ao fornecedor por entregas de bens já realizadas.

Por conseguinte, não se vê que a sentença tenha incorrido em erro de julgamento e de aplicação das normas do IVA em matéria de descontos promocionais, comercias ou de quantidade, acordados contratualmente entre ela e os seus fornecedores, atendendo às condições contratualizadas, não estando ao abrigo do art. 16.º, n.º6, al. b) sujeita a IVA, sendo de confirmar a sentença recorrida.
Por fim, restam as correções relativas a regularização de IVA em documentos emitidos à [SCom02...] e à [SCom03...] e, bem assim, a correção na regularização do IVA em documentos emitidos à [SCom04...].
A sentença discreteou de modo que não nos merece reparo, sendo certo que a recorrente no recurso, além da não impugnação da matéria de facto, não traz ao recurso fundamentos que contrariem o raciocínio e o direito aplicado.
Senão vejamos, (…)
«De salientar, a este respeito, que a AT, em momento algum, põe em causa a existência destas operações, limitando-se a invocar o descrito enquadramento jurídico para afastar o tratamento fiscal que a Impugnante lhes havia dado. (…)
Conforme resulta do probatório (pontos 11 e 15), durante o ano de 2003, a [SCom01...], para receber o desconto de cooperação comercial que havia sido contratado nos contratos de fornecimento, emitia notas de débito aos fornecedores, por montantes correspondentes aos descontos. Tal sucedia também quanto aos fornecedores [SCom02...] e [SCom03...], muito embora estas sociedades emitissem, por sua vez, notas de crédito no valor dos descontos (pontos 13 e 14 do probatório).
Atenta a duplicação de documentos comerciais atinentes a um mesmo fluxo financeiro – a entrega do dinheiro correspondente aos descontos -, a [SCom01...], quando recebia as notas de crédito destes fornecedores, anulava as notas de débito por si anteriormente emitidas, através da emissão de notas de crédito de igual montante (ponto 16 do probatório). Contudo, nem as notas de débito, nem as notas de crédito da [SCom01...] chegavam a ser à enviadas à [SCom03...] e à [SCom02...] (pontos 15 e 16 do probatório).
Ao longo deste procedimento, a [SCom01...] e os fornecedores [SCom02...] e [SCom03...] deram um tratamento fiscal contraditório ao fluxo resultante do desconto.
A [SCom01...], quando emitia as notas de débito iniciais, contabilizava e liquidava IVA à taxa normal sobre tal montante. Posteriormente, quando recebia as notas de crédito do fornecedor e emitia as suas próprias notas de crédito, com vista à anulação dos débitos iniciais, regularizava o IVA a seu favor, anulando o IVA que havia liquidado.
Por seu turno, os fornecedores, quando emitiam as suas notas de crédito, contabilizavam o respectivo IVA como desconto, a regularizar por exclusão da matéria tributável por força da venda dos produtos, para efeitos do art. 71.º, n.º 5 (ponto 14 do probatório).
Ora, atenta esta factualidade, há desde logo que ter em conta que estão em causa dois tipos de regularizações perfeitamente distintas.
Como vimos, os descontos de cooperação comercial traduzem-se em verdadeiros descontos e por conseguinte não se encontram sujeitos a tributação em IVA. Foi este o entendimento adoptado pelos fornecedores, quando emitiram à [SCom01...] as notas de crédito correspondentes a tal desconto, em que aplicavam as taxas de IVA correspondentes aos produtos sujeitos a desconto (pontos 13 e 14 do probatório). Na verdade, estes documentos, por implicarem um desconto sobre o preço, implicavam a correcção do valor tributável para menos, nos termos do art. 16.º, n.º 6, al. b) do IVA. Daí terem os fornecedores solicitado a devolução do documento para efeitos do art. 71.º, n.º 5, do CIVA (ponto 14 do probatório).
É que, nos termos deste preceito, quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respectiva dedução.
Ora, decorre do que vem dito a propósito dos débitos de cooperação comercial que a operação tributável mais não era do que a operação de venda dos produtos, em que o valor tributável correspondia ao seu preço, enquanto contraprestação, do qual seriam excluídos os descontos concedidos (art. 16º, n.ºs 1 e 6, al. b), do CIVA).
Assim, o sujeito passivo em causa é o fornecedor (art. 2.º, n.º 1, al. a), do CIVA), que é quem tem o direito de regularizar para menos o imposto liquidado. Nos termos do art. 71.º, n.º 2, do CIVA, se, depois de efectuado o registo das operações, for anulada a operação ou reduzido o seu valor tributável em consequência, entre outros, da concessão de abatimentos ou descontos, o fornecedor do bem pode efectuar a dedução do correspondente imposto até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificarem tais circunstâncias.
Contudo, de acordo com o art. 71.º, n.º 5, do CIVA, a rectificação para menos apenas é possível quando o sujeito passivo tiver na sua posse a prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto previamente liquidado.

Tendo recebido estas notas de crédito, a [SCom01...] tinha a obrigação de corrigir a dedução efectuada, nos termos do n.º 4 do art. 71.º do CIVA.
Ora, situação perfeitamente distinta desta regularização é a regularização de IVA efectuada pela [SCom01...] face às notas de débito por si inicialmente emitidas, em que havia liquidado IVA à taxa normal sobre o montante debitado. Uma vez que, como vimos, as operações subjacentes à cooperação comercial constituem verdadeiros descontos, este IVA não era devido.
Assim sendo, não estamos perante uma situação abrangida pelo art. 71.º, n.º 2, do CIVA, em que o fornecedor do bem ou o prestador do serviço pretende anular ou corrigir o valor tributável pelos diversos motivos taxativamente previstos neste preceito.
Também não estamos perante uma situação de facturas inexactas, na medida em que a [SCom01...] não chega a emitir qualquer factura, mas tão somente notas de débito que não envia aos fornecedores em causa (cfr. art. 71.º, n.º 3).
No entanto, pode ainda haver lugar à correcção de erros materiais ou de cálculo no registo contabilístico neste mesmo prazo, nos termos do art. 78.º, n.º 6, do CIVA. Ora, a verdade é que a emissão das notas de débito ocorria automaticamente, por erro do sistema, o que gerava uma incongruência com a actuação dos fornecedores e carecia de ser corrigido contabilisticamente.
Assim, à [SCom01...] assistia o direito de corrigir tais erros, porque havia liquidado o imposto erroneamente.
Sucede, porém, que a [SCom01...] nunca chegou a enviar aos fornecedores [SCom02...] e [SCom03...] as notas de crédito emitidas, sendo certo que era sua obrigação emitir uma factura pela prestação de serviços em causa, nos termos do art. 28.º, n.º 1, al. b), do CIVA.
Alega agora que, como nunca havia enviado a nota de débito em causa, não se lhe aplicaria a exigência da posse de documento comprovativo do conhecimento da rectificação prevista no art. 71.º, n.º 5, do CIVA.
Analisemos a situação, à luz da razão de ser do preceito.
O IVA baseia-se num sistema de pagamentos fraccionados, destinados a tributar o consumo final. Assim sendo, nos termos do art. 19.º, n.º 2, do CIVA, só confere direito a dedução o imposto mencionado em facturas ou documentos em nome e na posse do sujeito passivo, devendo ainda ser observados os requisitos consagrados no art. 35.º, n.º 5, do CIVA.
Como bem refere o Tribunal Central Administrativo Sul, na senda dos autores António Borges e Martins Ferrão: “Através de tal exigência, o legislador visa manter a cadeia de deduções, que é a alma do sistema, obstaculizando às tentativas de dedução de imposto não suportado (situação de verdadeiro locupletamento à custa do Erário Público), assim contrariando a evasão fiscal e tornando imperiosa a observância da forma legal na emissão de documentos, sob pena de os mesmos não conferirem direito à mencionada dedução.” (in Ac. do STA de 26.02.2008, proc. n.º 00917/05, disponível em www.dgsi.pt)
Através da exigência do art. 71.º, n.º 5, do CIVA, pretende também o legislador salvaguardar o princípio da neutralidade do IVA, procurando evitar a ocorrência de situações de dupla dedução de IVA, em que o adquirente dos bens ou serviços não acompanhe a dedução do sujeito passivo.
Recorrendo às palavras do Supremo Tribunal Administrativo: “Para evitar que a “regularização” do IVA constante de notas de crédito emitidas cause “prejuízo” do erário público exige-se que o cliente, que já deduziu IVA constante da factura agora anulada, reponha o montante proporcional ao valor da nota de crédito. Ou seja, a nota de crédito origina o direito a uma “regularização de imposto a favor do sujeito passivo” que a emitiu de valor igual à obrigação de “regularização a favor do Estado” que impende sobre o cliente.
Por isso, “de acordo com o nº 5 do art. 71º do mesmo diploma, “Quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só poderá ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respectiva dedução”.» (cfr. Ac. do STA de 10.09.2014, proc. n.º 01226/13).
No caso concreto, a verdade é que, não obstante se reconheça a existência de uma prática comercial e contabilística ilegal da [SCom01...] ao não emitir factura e declarar IVA não facturado, o adquirente nunca tomou conhecimento da situação inicial que deu origem à liquidação do IVA. Assim, não fará sentido exigir-se um comprovativo do conhecimento de uma rectificação que não podia sequer ser conhecida pelo adquirente. Atendendo ao espírito do preceito sob análises, esta prova poderia perfeitamente ser substituída pela prova da falta de conhecimento da liquidação inicial, uma vez que essa ausência de conhecimento da operação como um todo produz exactamente o mesmo efeito pretendido pelo legislador: a garantia de que o adquirente tem consciência da liquidação do imposto no valor menor, assim se evitando uma dupla dedução. (sublinhado nosso)
Se a razão de ser desta exigência se prende com a necessidade da verificação, por parte da AT, de que ambos os sujeitos estão cientes da regularização do imposto, tal desiderato não ficava prejudicado na situação dos presentes autos, em que a [SCom01...] havia demonstrado que a contabilidade dos fornecedores assentava precisamente na situação resultante da correcção, uma vez estes que nunca tinham recebido as suas facturas iniciais. Podia, pois, a AT ter aceite as notas de débito que nunca haviam sido enviadas pela [SCom01...] como comprovativo suficiente para efeitos do art. 71.º, n.º 5, do CIVA.
O que já não faz sentido é que a AT impeça a regularização atempada de IVA que não era devido, invocando a falta do comprovativo de um conhecimento da rectificação que não podia sequer existir, porque o adquirente dos bens nunca havia tomado conhecimento da liquidação original. (fim de citação)

No que respeita aos documentos emitidos à [SCom04...] a sentença considerou que a AT não pôs, em momento algum, em causa a existência das operações realizadas, apenas coloca a ênfase no facto de não estar verificado o pressuposto do n. º5 do art. 71.º.
Com efeito,
Emerge do quadro normativo que o n.º 2 do art. 71.º regula a retificação no caso de a operação ser anulada ou do seu valor tributável ser reduzido, situações em que se concede ao prestador dos serviços a faculdade de efetuar a dedução do correspondente imposto. O n.º 4 prevê a situação simétrica à prevista no n.º 2.

O n.º5 do art. 71.º estabelece «quando o valor tributável de uma operação ou respetivo imposto sofrerem retificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só poderá ser efetuada quando tiver na sua posse a prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respetiva dedução.» Sobre a norma do art. 71.º do CIVA, Imposto sobre o Valor Acrescentado” ISG, 2004, Patrícia Noiret Cunha, página 321 e seguintes.

Importa aqui fazer uma breve incursão no regime do IVA com vista a poder avaliar se a situação entra na alçada do n.º 5 do art. 71.º do CIVA ou, podendo entrar na sua previsão, o princípio da neutralidade do IVA, [uma das suas propriedades] e o efeito da recuperação do tributo justificam que se aplique o formalismo da norma, não permitindo a dedução efetuada.

O IVA é caracterizado por ser um imposto indireto, tributa, tendencialmente, todo o ato do consumo, é plurifásico, na medida em que se reparte pelos vários intervenientes do processo produtivo, todos os agentes económicos no ciclo que intervêm adquirem a qualidade de cobrador por conta do Estado; processa-se através do método de crédito subtrativo (ou método das faturas)em que os onerados com o imposto são os consumidores finais dos bens, ou seja, aquele que já não pode deduzir o imposto, calculado pela taxa ad valorem (taxa que incide sobre o valor do bem ou serviço transacionado) em que o valor a entregar ao erário público é apurado através da subtração do valor resultante da taxa aplicada às vendas (descriminada na fatura) e o imposto suportado nas compras (também identificado nas faturas). Isto é, o imposto é determinado aplicando a taxa aos valores das receitas e subtraindo ao resultado o imposto suportado nas compras.
O IVA goza de uma propriedade essencial, a neutralidade, que no que concerne à produção, não introduz distorções na organização da produção, ou seja, é neutro perante o grau de integração das industrias e perante o modo como o valor acrescentado se distribui pelos diferente estádios da produção porque é isento de efeitos cumulativos, evitado pelo crédito de imposto ou direito a dedução do imposto a montante, cada operador deve faturar o imposto sobre a globalidade das vendas, tal imposto será deduzido pelo operador seguinte, e assim sucessivamente, parando, apenas, quando chegar ao consumidor final (qualquer entidade que não tenha legalmente direito à dedução). O imposto é um encargo definitivo para o consumidor final.
O que conta e releva para efeitos de arrecadação de receita fiscal é a taxa final.

Assim, o efeito recuperação constitui uma propriedade importante do tributo No texto segue-se de perto “Tributação do Consumo: as técnicas básicas.” in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 164, páginas 12-70, autor, José Guilherme Xavier de Basto.”
, o fracionamento do encargo pelos diferentes agentes produtivos (ou económicos) tem a vantagem de uma menor evasão fiscal e o método do crédito de imposto proporciona um controlo cruzado das declarações, uma vez que o imposto cuja dedução o comprador (s.p.) reclamou dever ser o imposto que o seu vendedor fez constar na fatura e liquidou, permitindo, ainda que administração fiscal utilize o controlo “listing”, exigindo aos sujeitos passivos, periodicamente, a lista de clientes e fornecedores para assim se aperceber da rede de relações económicas entre eles e poder melhor controlar as declarações.

O método das faturas é a trave-mestra do sistema do imposto sobre o valor acrescentado, sendo a técnica da liquidação e dedução do imposto em cada uma das fases do circuito económico, funcionando como tal quando as transações se processam entre sujeitos passivos do imposto com o direito à dedução. Clotilde Celorico Palma, Teses, “As Entidades Públicas e o Imposto sobre o Valor Acrescentado”, Almedina, pág. 55.

Neste contexto, na dinâmica deste imposto o mecanismo da dedução apresenta-se como um elemento chave do sistema comum do IVA. Da sua regulamentação depende o facto de o imposto pago pelas empresas não se consubstanciar em qualquer carga fiscal para estas, respeitando-se, deste modo, o princípio da neutralidade que é a base do IVA como imposto sobre o consumo.
Sem direito à dedução do imposto pago, o IVA converte-se num encargo fiscal adicional para as empresas, violando-se, assim, o princípio da neutralidade.

O princípio da neutralidade encontra-se vertido nas diretivas do IVA, sendo sistematicamente invocado pela Comissão para se opor às legislações nacionais tidas por incompatíveis com as regras comunitárias, bem como pelas administrações fiscais e pelos contribuintes, e diversas vezes aplicado pelo TJUE, no sentido do bom funcionamento do IVA, evitando situações discriminatórias e de distorção no funcionamento das empresas Clotilde Palma, obra citada, página 64-65, nota 63.. Este princípio encontra, também, a sua justificação noutros princípios como o da igualdade de tratamento, da proibição de duplas tributações ou da ausência delas. Tratar de modo igual o que é igual e do modo diferente o que é diferente é uma equação que se decompõe em dois elementos essenciais: a da igualdade ou diferença das realidades a tratar e a igualdade ou diferença do tratamento que lhes é dispensado Nota 65 da obra de Clotilde Palma, citando Sérgio Vasques. A igualdade tributária como proibição do arbítrio e como expressão da justiça.

Por conseguinte, o n.º 5, do art. 71.º do CIVA deverá ser analisado, na consideração do caso concreto, à luz do princípio da neutralidade, ou melhor dizendo, será à luz deste princípio que o IVA deverá ser interpretado e aplicado, do mesmo passo, as regras de dedução do imposto.

Importa precisar o objetivo na norma do n.º 5, ao exigir que o s.p. fique documentado para provar que reembolsou o adquirente dos serviços no montante do imposto liquidado em excesso ou que o mesmo tomou conhecimento da retificação, sem o que a dedução não poderá ser considerada por configurar o locupletamento à custa alheia, ou seja, evitar o locupletamento.
Aliás, neste sentido a jurisprudência do STA afirma que (…) E foi exactamente para obviar ou prevenir esse enriquecimento sem causa que o legislador optou pela solução normativa do nº 5 do artº 71º do CIVA. (…)” Acórdão de 10-10-2018, no recurso n.º 0380/08.0BEBJA, disponível em www.dgsi.pt



(…) face àquela jurisprudência, a norma do artº 71 nº 5 do CIVA, na redacção em vigor à data dos factos, ao condicionar a regularização a favor do sujeito passivo do imposto indevidamente liquidado à prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto não viola do direito comunitário, já que, pese embora constitua uma limitação ao direito ao reembolso, tal excepção visa precisamente obviar ou prevenir o enriquecimento sem causa do respectivo titular. Ponto é que se averigue, à luz das circunstâncias de cada caso concreto, se o encargo do imposto foi transferido no todo ou em parte pelo operador para outras pessoas e, se for esse o caso, se o reembolso ao operador constitui enriquecimento em causa.Questão essa que, como o TJUE repetidamente afirmou, será da competência dos órgãos jurisdicionais nacionais. Daí que se entenda que face àquela jurisprudência e à interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça sobre a questão excepção de repercussão baseada no enriquecimento sem causa, cuja doutrina é inteiramente aplicável ao caso em apreço, haverá de se concluir que se torna desnecessário o reenvio solicitado pela recorrente, competindo aos órgãos jurisdicionais nacionais apreciar, à luz das circunstâncias de cada caso concreto, se o encargo do imposto foi transferido no todo ou em parte pelo operador para outras pessoas e, se for esse o caso, se o reembolso ao operador constitui enriquecimento em causa.

Por outro lado, a exigência da prova de que o adquirente teve conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto tem em vista as situações, normais, em que foi feito o registo das prestações de serviços ao s.p., neste caso, apenas poderá fazer a dedução se e quando tiver na sua posse a tal prova.
Esta exigência deve ser interpretada à luz da finalidade prosseguida pela imposição de controlos de pagamento do imposto devido e, se for caso disso, da existência do direito à dedução do IVA, no caso de haver registo das operações, há necessidade de saber se o s.p. que adquiriu os serviços tem conhecimento da retificação do imposto, evitando assim não só o enriquecimento sem causa como distorções na cadeia de transmissão dos serviços. Cfr. Acórdão deste Tribunal no processo n.º 16/14.0 BUPRT de 17-12-2020, disponível em www.dgsi.pt





Ora, neste contexto a sentença sancionou o seguinte (…) Segundo a Impugnante, o sistema gera automaticamente notas de crédito que depois são anuladas com notas de débito. Assim sendo, não está em causa uma regularização e o art. 71.º, n.º 5, não é aplicável, não fazendo qualquer sentido a exigência da prova da tomada de conhecimento. Com a correcção em causa, existe uma duplicação de colecta.
Conforme resulta dos factos provados, o sistema da [SCom01...] emitia automaticamente, em nome da [SCom04...], notas de crédito relativas a descontos que a [SCom01...] não pretendia nem pretendera nunca conceder (pontos 18 a 23 da matéria de facto). Por este motivo, a [SCom01...] anulava as notas de crédito mediante a emissão de notas de débito em idêntico valor, procedendo às correcções de IVA devidas (ponto 21).
A AT veio recusar a regularização do imposto a favor da empresa, por considerar que as notas de crédito não se encontravam acompanhadas da prova prevista no n.º 5 do art. 71.º do CIVA. Desse facto retira uma correção que ascende a € 108.672,68. (…)
Num primeiro momento, são emitidas notas de crédito por parte da [SCom01...], em que esta vem liquidar IVA à taxa normal sobre o montante creditado. As regularizações decorrentes destas notas de crédito são a favor no Estado, na medida em que a [SCom01...] líquida IVA sobre os montantes creditados. Não está em causa pois uma regularização para menos que justifique a aplicação do art. 71.º, n.º 5, do CIVA.
Posteriormente, a [SCom01...] anula aquelas notas de crédito anteriormente emitidas, procedendo à regularização do imposto novamente, desta feita para menos. Aqui, as regularizações já são para menos, sendo aplicável o art. 71.º, n.º 5, do CIVA.
Sucede que a [SCom01...] nunca havia enviado à [SCom04...] as notas de crédito que agora pretende anular, pelo que não dispõe de uma prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação, como exige literalmente aquele preceito.
Estamos perante uma situação em tudo semelhante à anteriormente analisada, quanto às regularizações de imposto no âmbito dos fornecedores com a [SCom02...] e [SCom03...]. Dá-se, pois, por reproduzido tudo o que vem dito a este respeito supra.
Sumariando brevemente, a exigência do art. 71.º, n.º 5, do CIVA pretende salvaguardar o princípio da neutralidade do IVA, procurando evitar a ocorrência de situações de dupla dedução de IVA, em que o adquirente dos bens ou serviços não acompanhe a dedução do sujeito passivo.
Mais uma vez, no caso sob análises, a [SCom04...] nunca tomou conhecimento da situação inicial que deu origem à liquidação do IVA por parte da [SCom01...]. Atendendo ao espirito do preceito sob análises, a prova exigida pelo art. 71.º, n.º 5, pode perfeitamente ser substituída pela prova da falta de conhecimento da liquidação inicial, uma vez que essa ausência de conhecimento produz exactamente o mesmo efeito pretendido pelo legislador: a garantia de que o adquirente tem consciência da liquidação do imposto no valor menor, assim se evitando uma dupla dedução. (…)
Não faz sentido é que a AT impeça a regularização atempada de IVA que não era devido, invocando a falta de um comprovativo do conhecimento da rectificação que não podia existir, apenas porque o adquirente dos bens nunca havia tomado conhecimento da liquidação original.
É, aliás, a própria AT que reconhece a validade deste raciocínio no relatório de inspecção tributária, quando afirma que aceitaria que a empresa não dispusesse da prova solicitada, caso o seu não envio decorresse de um erro e não de um procedimento anómalo, instituído e sistemático, caso em que sempre seria necessário que a empresa tivesse em seu poder todos os exemplares das notas de crédito anuladas por notas de débito (cfr. relatório de inspecção tributária a fls. 268 do processo administrativo n.º 71/2010 apenso aos presentes autos).
Se a AT aceitava, em casos pontuais, os exemplares das notas de crédito anuladas, como comprovativo válido para efeitos de regularização nos termos do art. 71.º, n.º 5, não pode deixar de o aceitar pelo facto de existir uma prática reiterada.
Tal não tem qualquer sustento legal, na medida em que o não reconhecimento de uma regularização não é uma forma de se sancionar o comportamento tido por reprovável. A exigência deste artigo visa apenas garantir que o adquirente tem consciência da liquidação do imposto no valor menor, assim se evitando uma dupla dedução, o que não está em causa no caso sob análises, nos termos que vêm expostos.

Por conseguinte, julgamos que a sentença não incorreu em erro de julgamento e, como tal, terá de ser confirmada e improceder, também, este segmento do recurso.

A recorrida nas contra-alegações fez uma ampliação do recurso para o caso de proceder o recurso da ATA, como tal não se verificou, fica naturalmente prejudicado o conhecimento da ampliação do recurso
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4.4. Dispensa do remanescente da Taxa de Justiça.

A sentença indeferiu o pedido de dispensa da taxa de justiça com fundamento que nos autos estão em causa várias correções, cada qual de elevada complexidade, tendo as partes apresentado extensos articulados. Foi ainda produzida prova testemunhal, através da inquirição de várias testemunhas e junto aos autos um extenso acervo documental.
Não se vislumbram, por conseguinte, circunstâncias excecionais dos presentes autos que justifiquem, à luz dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, a dispensa da taxa de justiça devida a título de remanescente.
Pelo contrário, estamos perante uma decisão que requereu, por parte deste tribunal, uma análises aprofundada de várias questões com elevada complexidade e cuja utilidade económica tem uma exata correspondência com o valor da causa.
Vejamos,
Nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), «[n]as causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».

O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar, que a dispensa do remanescente da taxa de justiça tem natureza excecional, pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes Cfr. com os acórdãos do 2.º Juízo do Tribunal Central Administrativo Sul de 29/05/2014, proc. n.º 7270/13, e de 27/11/2014, proc. n.º 6492/13, bem como do seu 1.º Juízo de 26/02/2015, proc. n.º 11701/14 e, ainda, o acórdão deste TCAN, de 08/01/2016, proferido no âmbito do processo n.º 1155/10.1BEBRG.


O disposto no artigo 6.º, n.º 7 do RCP está conexionado com o que se prescreve na tabela I, ou seja, que para além de € 275.000 ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada € 25.000 ou fração três unidades de conta no caso da coluna A, uma e meia unidade de conta no caso da coluna B, e quatro e meia unidade de conta no caso da coluna C.

É esse o remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre € 275.000 e o efetivo valor da causa, [€ 565 737,66] para efeito de determinação daquela taxa que deve ser considerado na conta final, se não for determinada a dispensa do seu pagamento.
A referência à complexidade da causa e à conduta processual das partes significa em concreto a sua menor complexidade ou simplicidade e a positiva atitude de cooperação das partes.

Importa, pois, apreciar, para além do requisito relativo ao valor da causa que efetivamente se verifica, uma vez que esta tem o valor tributário de € 565 737,66, se existem razões objetivas para a dispensa do pagamento, designadamente atendendo à complexidade da causa e à conduta processual das partes.
Considerando a jurisprudência do STA Acórdãos de 30-09-2020 no processo 073/19.2BALSB; de 16-09-2020 no n.º 0512/10BEPRT e de 16-09-2020 no processo n.º 0249/14 BESNT e a que vem sendo, também, seguida pelo TCAN Entre outro o processo 00287/15 de 7-12-2017, disponível www.dgsi.ptse a conduta processual das partes não obstar a essa dispensa e se o montante da taxa de justiça devida se afigura desproporcionado em face do concreto serviço prestado, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe.”
Ora, não podemos concluir que atendendo ao valor da ação que o que se impõe pagar seria excessivo, porquanto se deve considerar dever existir correspetividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada, de acordo com o princípio da proporcionalidade e o direito ao acesso aos tribunais, que no caso da Fazenda Pública nem sequer se coloca.
Com feito, as questões colocadas e a extensão das correções, além da complexidade, demandaram para o tribunal um trabalho considerável, ainda que a prova testemunhal, neste processo, não tenha sido realizada por ter sido aproveitada a prova de outro, ainda assim não diminui relevantemente o extenso trabalho que demandou.
Assim, confirma-se a decisão de não dispensar na 1.ª instância o pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Nesta instância, entende-se ser de dispensar, parcialmente, na medida em que o trabalho aqui desenvolvido não é equiparável ao da 1.ª instância e a complexidade e a extensão e conteúdo do recurso assim o permite, na linha do que vem sendo a jurisprudência deste TCA.
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5. DECISÃO.
Nestes termos, acordam em conferência os Juízes da Subsecção Comum, do Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.
Dispensar a recorrente e recorrida, nesta instância, do pagamento de 50% do remanescente da taxa de justiça

Custas a cargo da recorrente.
Notifique-se.

Porto, 24 de abril de 2024

Cristina da Nova
Irene Isabel Neves
Carlos de Castro Fernandes