Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01077/15.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/27/2025
Tribunal:TAF de Braga
Relator:GRAÇA MARIA VALGA MARTINS
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
CONTENCIOSO DE MERA ANULAÇÃO;
Sumário:
No processo de impugnação judicial, de cariz objectivista, tendo por objecto um acto cuja legalidade se pretende apreciar, não pode ser atendido o pedido que pretende ver regulados os termos em que deve efectuar-se a liquidação, ou seja, a situação jurídica substantiva subjacente ao acto impugnado.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1.1. «AA» e esposa, «BB», contribuintes fiscais nºs ...31 e ...42, respectivamente, residentes em ..., ..., ..., vieram recorrer jurisdicionalmente da sentença proferida a 20 de Abril de 2023, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou procedente a impugnação instaurada contra a liquidação de IRS nº ...............130, respeitante ao ano de 2010, no valor total de € 36.579,90.

1.2. A recorrente terminou as suas alegações, formulando as seguintes conclusões:
1- A presente impugnação judicial deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga em 19/03/2015.
2- No seu pedido os Recorrentes, vêm requerer nomeadamente que:
a) “Que tal como resulta da Lei e da Jurisprudência, seja proferida decisão no sentido em que o momento da tributação ainda não ocorreu, pois o mesmo reporta-se ao momento da determinação da prestação, que ocorreu em Agosto de 2014, sendo o momento correto o ano de 2015 para apresentação da declaração de IRS e do Anexo G, condenando a Autoridade Tributária a devolver aos Autores todas as quantias liquidadas, quer a título de impostos, juros e despesas, acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos até efetiva e integral devolução.”
b) “Atendendo a que, o que foi permutado foi o artigo matricial ...50, resultante da anexação de dois artigos e resultante de um contrato de permuta, oneroso, que seja fixado o valor de € 170.420,00 (cento e setenta mil, quatrocentos e vinte euros) como valor de aquisição considerado para efeito de apuramento das mais-valias, em conformidade com o estabelecido na lei e com o princípio da igualdade entre cidadãos.”
3- A douta decisão recorrida dá provimento à impugnação judicial dos Recorrentes e fixa o valor da causa em € 36.579,90 euros, correspondente ao valor cuja anulação se pretende, no entanto é omissa quanto aos restantes pedidos formulados pelos Recorrentes.
4- Assim, a douta sentença proferida deve de forma explicita condenar a Ré a devolver aos Recorrentes a quantia de € 36.579,90 (trinta e seis mil, quinhentos e setenta e nove euros e noventa cêntimos) acrescida dos respetivos juros de mora vencidos e vincendos desde a data da sua liquidação e até efetiva e integral devolução.
5- A douta sentença proferida também não pode deixar de se pronunciar quanto ao ponto 3 do pedido formulado pelos Autores, senão vejamos:
a) A presente impugnação judicial da decisão proferida pela Ré visa atacar duas situações diferentes, o momento da liquidação, sobre qual foi proferida decisão e, o valor patrimonial tido para efeitos de apuramento de mais-valias,
b) Pois, tal como resulta dos documentos juntos aos autos, ao contrário do indicado pelos Autores em sede de liquidação de imposto como sendo de € 170.240,00 o valor patrimonial de metade do imóvel permutado, a AT considera que o referido valor patrimonial é de € 3,00, correspondente ao artigo matricial ...21 e como data de aquisição o ano de 1999.
c) Sucede que, o prédio que foi permutado corresponde ao artigo matricial urbano ...50, com o valor patrimonial de € 340.480,00 – atribuído pela Autoridade Tributária.
d) Na data em que foi celebrada a permuta, que irá dar origem, à cobrança deste imposto, já não existe o artigo matricial n.º ...21 mas sim o artigo matricial n.º ...50, como resulta da referida escritura.
e) No caso da permuta, tal como decorre do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 0594/2013, o valor patrimonial considerado para efeitos de apuramento do imposto foi o valor do artigo matricial que deu origem à permuta e não o valor patrimonial do artigo matricial que deu origem àquele novo número.
f) Mais, os comproprietários do prédio urbano, «CC» e esposa, entregaram com a sua Declaração de IRS, o mesmo anexo G, que os Autores tendo indicado para o efeito o valor de € 170.240,00 (cento e setenta mil, duzentos e quarenta euros), que corresponde a metade do valor patrimonial tributário atribuído pela Autoridade Tributária ao prédio e que foi de € 340.840,00 (trezentos e quarenta mil, oitocentos e quarenta euros).
g) Assim, não se pronunciando a douta sentença sobre este pedido, correm os Recorrentes o risco de verem novamente a Ré, entender que o valor matricial para apuramento das mais valias é de € 3,00 correspondente a um artigo matricial inexistente e não o valor de € 170.240,00 (cento e setenta mil, duzentos e quarenta euros), que corresponde a metade do valor patrimonial tributário atribuído pela Autoridade Tributária ao prédio com o artigo matricial ...50.
h) Anulando-se, assim, um dos efeitos pretendidos com a presente impugnação e, caso seja esse o entendimento da Ré, terem os Recorrentes que recorrer novamente às instâncias judiciais para obterem decisão quanto a essa matéria, o que desde já é manifestamente lesivo dos direitos dos Recorrentes atendendo à demora na tramitação destes processos e ao decurso de mais de 8 anos desde a entrada em juízo da presente impugnação.
i) Pelo que, se requer que a sentença proferida seja substituída por outra em que conste que:
Ø “Se concede provimento à presente impugnação judicial, concluindo-se ser na aludida data (2014), e não naquela que foi concretamente considerada pela AT (2010), que o imposto se tornou exigível, o que se decide e condena-se a Ré a devolver aos Recorrentes o montante de € 36.579,90 (trinta e seis mil, quinhentos e setenta e nove euros e noventa cêntimos) acrescido dos respetivos juros de mora vencidos e vincendos desde a data da sua liquidação e até efetiva e integral devolução e,
Ø Fixa-se para efeito de apuramento das mais-valias o valor de € 170.240,00 (cento e setenta mil, duzentos e quarenta euros), que corresponde a metade do valor patrimonial tributário atribuído pela Autoridade Tributária ao prédio com o artigo matricial ...50.

Nestes termos e nos demais de Direito que doutamente serão supridos por V. Ex.ªs, deve o presente RECURSO da sentença ser julgado PROCEDENTE, por provado, e consequentemente deverá ser REVOGADA a sentença proferida e substituída por outra em que:

1- “Se concede provimento à presente impugnação judicial, concluindo-se ser na aludida data (2014), e não naquela que foi concretamente considerada pela AT (2010), que o imposto se tornou exigível, o que se decide e condena-se a Ré a devolver aos Recorrentes o montante de € 36.579,90 (trinta e seis mil, quinhentos e setenta e nove euros e noventa cêntimos) acrescido dos respetivos juros de mora vencidos e vincendos desde a data da sua liquidação e até efetiva e integral devolução e,
2- Fixa-se para efeito de apuramento das mais-valias o valor de € 170.240,00 (cento e setenta mil, duzentos e quarenta euros), que corresponde a metade do valor patrimonial tributário atribuído pela Autoridade Tributária ao prédio com o artigo matricial ...50.

Julgando assim, estareis, Venerandos Juízes do Tribunal Central Administrativo do Norte, a fazer uma vez mais, a acostumada JUSTIÇA!

1.3. A Fazenda Pública, recorrida, não apresentou contra-alegações.

1.4. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso

1.5. Com dispensa dos vistos legais dos juízes-adjuntos (cfr. art. 657º, nº 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
* * *
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:

Factos Provados:

A) Em 01.02.1999 foi autuado, sob o n.º ...50, “Processo de liquidação de imposto sobre as sucessões e doações” em nome de «DD», falecida em 02.01.1999 – conforme documento a folhas 2 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
B) O processo a que se alude em A) é integrado por documento denominado “Termo de declaração”, datado de 01.02.1999, do qual consta conforme segue:
«(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
…)» - conforme documento a folhas 3 e 4 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
C) O processo a que se alude em A) é integrado por documento denominado “Termo de apresentação da relação de bens”, datado de 01.02.1999, do qual consta conforme segue:
«(…)


[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)
(…)» - conforme documento a folhas 5 a 9 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
D) Do processo a que se alude em A) consta “certidão”, na qual é identificado que o “valor matricial” do artigo rústico ...21 é de 600,00 – conforme documento a folhas 10 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
E) Em 07.05.2007 foi celebrada escritura de “partilha”, na qual o Impugnante «AA» figura como “terceiro outorgante”, da qual consta conforme segue:
«(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)» - conforme documentos a folhas 29 a 40 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
F) A escritura a que se alude em E) é integrada por “documento complementar”, do qual consta conforme segue:
«(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)
(…)» - conforme documentos a folhas 29 a 40 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
G) Em 22.06.2009 foi celebrada escritura de “permuta”, na qual figuram como “primeiros outorgantes” «AA» e «BB», da qual consta conforme segue: «(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)» - conforme documento a folhas 62 e 63 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
H) Em 24.06.2009, foi recebido no Serviço de Finanças ... requerimento em nome do Impugnante «AA» e de
«CC», do qual consta conforme segue:
«(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)» - conforme documento a folhas 63-verso do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
I) Em 05.02.2010 foi celebrada escritura de “permuta”, na qual figuram como “primeiros outorgantes” «AA» e «BB», da qual consta conforme segue:
«(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)» – conforme documento a folhas 64 a 68 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
J) Em 08.05.2014, foi recebida pela Autoridade Tributária declaração de rendimentos “Modelo 3 – IRS” em nome de «AA» e de «BB», respeitante ao ano de 2010, de cujo “Anexo G” consta conforme segue:
«(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)
(…)» - conforme documento a folhas 41 a 43 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
K) Em 21.08.2014, foi celebrada escritura de “alteração de permuta e determinação da prestação”, na qual figuram como “segundos outorgantes” «AA» e «BB», da qual consta conforme segue:
«(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)» - conforme documentos a folhas 71 a 75 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
L) Em 14.10.2014, foi elaborada pela Divisão de Tributação e Cobrança da Direção de Finanças de ..., demonstração de “alteração do rendimento coletável” em nome de «AA» e «BB», respeitante ao ano de 2010, da qual consta conforme segue:
«(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)
(…)» - conforme documento a folhas 44 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
M) Em 14.10.2014, foi elaborado pelo Chefe da Divisão de Tributação e Cobrança da Direção de Finanças de ..., “projeto de decisão” do qual consta conforme segue:
«(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)» - conforme documento a folhas 45 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
N) Em 14.10.2014, foi emitido pela Divisão de Tributação e Cobrança da Direção de Finanças de ..., documento denominado “Apuramento das Mais-Valias” em nome de «AA» e «BB», do qual consta conforme segue:
«(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)» - conforme documento a folhas 46 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
O) A Divisão de Tributação e Cobrança, da Direção de Finanças de ..., dirigiu ao Impugnante «AA» ofício datado de 14.10.2014, do qual consta conforme segue:
«(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)» - conforme documentos a folhas 47 e 48 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
P) Em 31.10.2014, foi recebido na Direção de Finanças ... requerimento em nome de «AA» e «BB», com vista ao “exercício do direito de audição” – conforme documentos a folhas 49 a 77 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
Q) Em 05.11.2014, foi prestada informação pela Divisão de Tributação e Cobrança da Direção de Finanças de ..., da qual consta conforme segue:
«(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)» - conforme documento a folhas 76 e 77 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
R) Sobre a informação a que se alude em Q) foi exarado despacho do Chefe da Divisão de Tributação e Cobrança, datado de 05.11.2014, com o seguinte teor:
«Concordo: Notifique. (…)» – conforme documento a folhas 76 e 77 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
S) A Divisão de Tributação e Cobrança, da Direção de Finanças de ..., dirigiu ao Impugnante «AA» ofício datado de 14.11.2014, sob o assunto “IRS – Fixação de Rendimentos Ano 2010 Mais-Valias”, do qual consta conforme segue:
«(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)» - conforme documentos a folhas 78 a 84 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
T) Em 19.11.2014, foi emitida pela Autoridade Tributária em nome de «AA» e «BB», a liquidação de IRS n.º ...............130, respeitante ao ano de 2010, da qual, após “acerto de contas” com liquidação anterior, resultou o valor a pagar de 36.579,90 euros, com data limite de pagamento ocorrida em 31.12.2014 – conforme documentos a folhas 60 a 62 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
U) A petição inicial da impugnação foi recebida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga em 19.03.2015 – conforme registo do SITAF a folhas 2 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido.

Factos não provados:
Inexistem.

Motivação da matéria de facto:
O Tribunal formou a sua convicção, quanto aos factos provados, com base nos documentos constantes dos autos, acima identificados, os quais não foram impugnados.

3. Atentas as conclusões extraídas da motivação de recurso, que sintetizam as razões do pedido e recortam o thema decidendum, as questões que reclamam solução neste recurso consistem em aferir se deve o Tribunal recorrido fixar o valor de aquisição, para cálculo da mais valia a apurar.

4. De Direito:
No caso em apreço, está em causa a liquidação oficiosa de IRS de 2010, efectuada pela AT, por ter entendido que o cálculo da matéria colectável apurada pelos impugnantes, em sede de mais valias obtidas pela permuta de imóveis, está incorrecto, tanto no que se refere ao momento do apuramento do valor de realização (saber se deve atender-se ao momento de realização do contrato de permuta ou ao momento em que os bens futuros são entregues), como na indicação do valor de aquisição.
A sentença julgou a acção procedente, ali se entendendo que a liquidação é ilegal porque a tributação ocorreu na data em que foi outorgada a escritura de determinação dos bens futuros objecto da permuta (2014) e não, como foi considerado pela AT, na data de outorga da escritura de permuta (2010), dando por “prejudicado o demais invocado”.
Por seu turno, a impugnante recorre da sentença proferida nestes autos, por entender que o Tribunal recorrido não se pronunciou sobre todos os pedidos efectuados na petição inicial, concretamente sobre o pedido de fixação do valor de aquisição do prédio objecto do contrato de permuta, em € 170.240,00, bem como sobre o pedido de condenação da ré à devolução do imposto indevidamente pago, acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos.
Quanto a este último pedido, o Tribunal recorrido, em despacho proferido a 3.10.2023, reparou a sentença do seguinte modo:
Face ao exposto, concedo provimento à presente impugnação judicial, com as consequências legais, condenando a Fazenda Pública a restituir aos Impugnantes as quantias pagas indevidamente, acrescidas de juros indemnizatórios, à taxa legal, desde a data do pagamento indevido até à data de processamento da respetiva nota de crédito.”.
Vejamos.
Conforme se alcança do teor do art. 99º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), o objecto do processo de impugnação judicial é um acto tributário, pelo que tal processo apenas terá por fundamento qualquer ilegalidade desse acto tributário, designadamente, a errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários; incompetência; ausência ou vício da fundamentação legalmente exigida e preterição de outras formalidades legais.
Por outro lado, o processo de impugnação judicial tem natureza meramente anulatória, uma vez que visa (para além da declaração de nulidade ou de inexistência, hipóteses que ora não estão em causa) a anulação total ou parcial do acto impugnado, geralmente de liquidação. Assim, na procedência da impugnação, o acto de liquidação será anulado, em parte ou totalmente, na medida em que a ilegalidade que determina essa anulação se repercuta sobre a totalidade ou parte do acto.
Isto vale por dizer que, em sede tributária, o processo de impugnação judicial tem uma natureza idêntica ao recurso contencioso de anulação anteriormente previsto na LPTA. Ali, como aqui, o objecto desta impugnação judicial é apenas a declaração de invalidade ou anulação dos actos recorridos em função da apreciação efectuada sobre a legalidade dos mesmos. Em consequência, o Tribunal ou anula o acto ou declara a sua inexistência ou nulidade ou, ainda, declara a sua conformidade com a lei, mantendo-o na ordem jurídica. Não pode nunca o Tribunal determinar a condenação da AT à prática de actos que considere devidos, como acontece no âmbito do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (cfr., acórdão TCA Sul, de 16.5.2024, proferido no proc. nº 18/23.5BELRS).
Na situação vertente, os recorrentes instauraram a presente impugnação judicial contra a liquidação de IRS do ano de 2010, entendendo que a mesma é inválida, invocando como fundamentos dessa invalidade, (i) o momento a que se atendeu para determinar o valor de realização e (ii) o valor de aquisição, que entendem ser de € 170.240,00. Quanto a este último fundamento, entendem que deveria o Tribunal recorrido ter fixado que era este o valor a considerar como valor de aquisição, para efeito do cálculo da mais valia a tributar.
Mas não têm razão.
O Tribunal recorrido anulou a liquidação por se verificar a invalidade decorrente de a AT, no apuramento do valor de realização, ter atendido ao momento da outorga do contrato de permuta de bens presentes por bens futuros, ao invés do momento que os bens futuros foram determinados e entregues aos recorrentes, considerando que se encontrava prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos.
Como se referiu, o processo de impugnação judicial é de mera anulação, pelo que incumbe ao tribunal apreciar os fundamentos da invalidade e declará-la, anulando o acto de liquidação em conformidade, ficando, desde logo, esgotado o objecto e finalidade de tal processo. Nesta forma processual, não cumpre ao tribunal fixar os termos em que deve ser emitida a liquidação, não podendo proferir decisão que condene a AT à prática de um acto tributário com um determinado conteúdo, ou que se abstenha de praticar um determinado acto com um conteúdo determinado.
Neste mesmo sentido, Jorge Lopes de Sousa (“Código de Procedimento e Processo Tributário, Anotado e Comentado”, 6.ª Edição, Vol. II, em anotação ao art. 124º, a fls. 325) afirma: “No processo de impugnação judicial, de cariz objectivista, tendo por objecto um acto cuja legalidade se pretende apurar, pode ser cumulados com o pedido de anulação pedidos de pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida, que podem ser consequências da anulação, mas não pode ser regulada a situação jurídica substantiva subjacente ao acto impugnado. Isto é, o tribunal, no caso de constatar uma ilegalidade de que enferma o acto impugnado, procede à declaração da sua invalidade jurídica (por inexistência, nulidade ou anulabilidade), podendo condenar a Fazenda Pública em juros e em indemnização por garantia indevida, mas não pode proceder à regulação jurídica substantiva subjacente ao acto impugnado, tendo de deixar para a administração a tarefa de proceder à «reconstituição legalidade do acto ou situação objecto do litígio» (art. 100.º da LGT), embora possa posteriormente, em caso de litígio sobre a forma de concretizar esta reconstituição, determinar em processo de execução de julgado os actos que devem ser praticados para ser atingido este objectivo.”
Assim, não se impunha ao Tribunal recorrido, proceder à fixação do valor de aquisição para efeito do cálculo da mais valia, pelo que o recurso não merece provimento.

Quanto ao pedido de restituição do imposto indevidamente pago acrescido de juros moratórios, verifica-se que, no despacho que reparou a sentença, o Tribunal determinou a restituição do imposto, acrescido de juros indemnizatórios e não moratórios.
Nos termos do art. 43º, nº 5 da LGT, são devidos juros moratórios a partir do termo do prazo de execução espontânea do julgado.
Tal preceito refere:
No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas”.
Ora, não tendo ainda a sentença transitado em julgado, não se pode falar da exigência de juros de mora, pelo que não assiste razão à recorrente neste pedido.
Na verdade, os juros de mora apenas são devidos se a AT não respeitar o prazo de execução espontânea do julgado, podendo ser pedidos em processo de execução. Não tendo sequer começado a contar o prazo de execução, não pode haver condenação no pagamento de juros moratórios.
Assim, improcede igualmente tal pedido.

5. Decisão:
Em consonância com o que acabamos de expender, acordam em conferência os juízes deste Tribunal, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.
Custas a cargo dos recorrentes.

Nos termos do art. 663º, nº 7, do CPC, elabora-se o sumário:

No processo de impugnação judicial, de cariz objectivista, tendo por objecto um acto cuja legalidade se pretende apreciar, não pode ser atendido o pedido que pretende ver regulados os termos em que deve efectuar-se a liquidação, ou seja, a situação jurídica substantiva subjacente ao acto impugnado.
* * *
Porto, 27 de Março de 2025

Graça Valga Martins (relatora)
Virgínia Andrade (em substituição da 1ª adjunta)
Serafim José da Silva Fernandes Carneiro (2º adjunto)