Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 01049/20.2BEBRG |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 10/02/2020 |
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Tribunal: | TAF de Braga |
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Relator: | Helena Canelas |
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Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR – REJEIÇÃO LIMINAR |
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Sumário: | I – A rejeição liminar do requerimento inicial de uma providência cautelar com fundamento na alínea d) do nº 2 do artigo 116º do CPTA, só deve ocorrer quando seja «manifesta» a falta de fundamento da pretensão, exigindo, por um lado, que seja imediatamente detetável perante os termos em que o requerente a formula e delimita no requerimento inicial, e, por outro, que outra conclusão não possa ser alcançada numa subsequente análise, mesmo que perfunctória, própria da decisão cautelar. II - O juízo sobre a manifesta falta de fundamento da pretensão, motivador da imediata rejeição, em sede de despacho liminar, do requerimento da providência cautelar, apela, assim, a um duplo critério: o da evidência, dispensando, assim, mais averiguações ou ponderações; e o da certeza, apoiado na convicção firme e segura de que a pretensão do requerente deverá ser, à luz do direito, indeferida..* * Sumário elaborado pelo relator |
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Recorrente: | E. |
Recorrido 1: | MUNICÍPIO DE (...), |
Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento. |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RELATÓRIO E. (devidamente identificado nos autos) apresentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga em 25/07/2020 o requerimento inicial do presente Processo Cautelar em que é requerido o MUNICÍPIO DE (...), requerendo que nos termos do artigo 112.º, n.º 2, al. a) e i), do CPTA, em cumulação, fossem decretadas, respetivamente, as seguintes providências cautelares: i) suspensão da eficácia do ato administrativo de indeferimento do licenciamento de obras do Requerido, Despacho do Eng.º V. com data de 13 de julho de 2020 no processo de obras n.º 157/2016 da Câmara Municipal de (...); ii) intimação para adoção ou abstenção de uma conduta por parte do Requerido por alegada violação do direito administrativo nacional, nomeadamente a violação da decisão a Sentença proferida no processo n.º 613/20.4BEBRG, Unidade Orgânica 1 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 14 de Maio de 2020, com trânsito em julgado. Por despacho datado de 28/07/2020 (fls. 73 SITAF) a Mmª Juíza do Tribunal a quo rejeitou liminarmente a providência cautelar, ao abrigo do artigo 116.º, n.º 2, alínea d) do CPTA, que convocou, por manifesta falta de fundamento da pretensão formulada. Inconformado, o requerente dela interpôs o presente recurso de apelação (fls. 83 SITAF), formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos: I. A Sentença que antecede neste processo cautelar decidiu sem mais que: “Portanto, não assiste qualquer razão ao Requerente quando alega que o MUNICÍPIO DE (...) estava obrigado a emanar uma decisão no sentido da aprovação da licença de construção. No caso, é manifesta a improcedência da ação principal pois, como supra explanado, o MUNICÍPIO DE (...) não tem qualquer obrigação em emanar uma decisão favorável ao aqui Requerente. Por conseguinte, face ao explanado supra, é forçoso concluir que se verifica a manifesta falta de fundamento da pretensão formulada, falhando, assim, no presente processo cautelar, um dos critérios que presidem à concessão de providências cautelares, que são cumulativos, que é o fumus boni iuri, sendo de rejeitar o requerimento inicial ao abrigo do artigo 116.º, n.º 2, alínea d) do CPTA.” II. Não considerou a Sentença recorrida que o Requerente instaurou a acção administrativa urgente de intimação para a prática de acto legalmente devido ao abrigo dos art.ºs 111.º, al. a) e 112.º, nºs 1 e 7, ambos do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação (RJUE) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, e art.ºs 2.º, 3.º, n.º 3, 36.º, todos do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA). III. E que nesse processo a Câmara Municipal de (...) devidamente citada (cfr. Documento n.º 1) não apresentou contestação. IV. E que data de 14 de Maio de 2020 foi proferida a Sentença naquele processo n.º 613/20.4BEBRG, Unidade Orgânica 1 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (cfr. Documento n.º 1). V. Foram dados como provados os factos em 1. a 16, e a respectiva motivação encontra-se expressa nas pág. 5 a 10 da Sentença. VI. Além disso a fundamentação jurídica com a subjunção dos factos ao Direito aplicável nas páginas 11 a 17 da Sentença. VII. Não apresentou recurso, tendo-se verificado o trânsito em julgado (cfr. Documento n.º 1 do requerimento inicial). VIII. Daquela decisão no processo n.º 613/20.4BEBRG, Unidade Orgânica 1 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (cfr. Documento n.º 1) que em parte se transcreve a pág. 16 último parágrafo e pág. 17 primeiro parágrafo: “Pelo que, ao abrigo do consignado no n.º 4, do art. 268.º da CRP, e em face da factualidade supra julgada provada em articulação com os referidos dispositivos normativos, a Ré terá de ser intimada à prática do acto legalmente devido de cumprimento do dever de decisão no processo de licenciamento, mormente a prática do acto de aprovação do projecto de construção apresentado pelo Autor e concomitante emissão de licença de construção e emissão de guias para pagamento das respectivas taxas que forem devidas [cf. arts. 111.º, alínea a), e 112.º, n.os 1 e 7, ambos do RJUE; cf. arts. 2.º, 3.º, n.º 3, 36.º, todos do CPTA]. Procede, assim, in totum, a pretensão do Autor”. IX. Para o efeito a Sentença do processo n.º 613/20.4BEBRG (cfr. Documento n.º 1 do requerimento inicial), na pág. 10, refere que: “Inexistem outros factos provados ou não provados com relevância para a decisão a proferir. Sendo que a restante matéria foi desconsiderada por não ser relevante, por respeitar a conceitos de direito, por consistir em alegações de facto ou de direito, por encerrar opiniões ou conter juízos conclusivos. Motivação. A factualidade julgada provada nos presentes autos foi considerada relevante para a decisão da causa, fundando-se a convicção deste Tribunal na análise crítica (i) do teor dos documentos que constam destes autos, (ii) da posição assumida pelas partes nos seus articulados (bem como na ausência deles) [tendo-se aplicado o princípio cominatório semi-pleno, pelo qual, se deram como provados os factos confessados em virtude da não apresentação de contestação (cf. art. 567.º, n.º 1, do CPC), compatibilizando-se toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras de experiência, tendo sido apreciada livremente as provas segundo a prudente convicção do Tribunal acerca de cada facto, não abrangendo tal livre apreciação os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por confissão das partes], e, (iii) da aplicação das regras de distribuição do ónus probandi - tudo conforme referido a propósito de cada um dos pontos da factualidade julgada provada.” X. Já na pág. 11 da Sentença, primeiro parágrafo, na parte “IV. Fundamentação de Direito [subsunção jurídica da factualidade apurada]”: “Como já se referiu, com a presente intimação urgente, o Autor visa a intimação da Ré para, no prazo de 30 (trinta) dias, praticar, ao abrigo dos arts. 111.º e 112.º do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação (RJUE), o acto legalmente devido de decisão do procedimento de licenciamento no processo de obras n.º 157/2016 (mormente, a emissão de licença de construção e respectivas guias para pagamento de taxas que sejam devidas).” XI. Na pág. 12 da mesma Sentença: “A Ré não apresentou contestação. Vejamos. Cumpre apreciar e decidir. Desde logo, compulsada a factualidade supra julgada provada em 1) a 16) – e para a qual, aqui, se remete, por uma questão de economia processual -, constata-se que assiste razão ao Autor.” XII. A Sentença do processo n.º 613/20.4BEBRG (cfr. Documento n.º 1 do requerimento inicial), salientou o art.º 567.º do CPC: 1 - Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor. XIII. Bem como o art.º 83.º, n.º 4, do CPTA: 4 - Sem prejuízo do disposto no n.º 6 do artigo 84.º, a falta de impugnação especificada nas ações relativas a atos administrativos e normas não importa confissão dos factos articulados pelo autor, mas o tribunal aprecia livremente essa conduta para efeitos probatórios. XIV. E art.º 84.º, n.º 6, do CPTA: 6 - A falta do envio do processo administrativo não obsta ao prosseguimento da causa e determina que os factos alegados pelo autor se considerem provados, se aquela falta tiver tornado a prova impossível ou de considerável dificuldade. XV. A Sentença proferida no processo n.º 613/20.4BEBRG do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga deu como factos provados em 1 a 16 da mesma Sentença e com base nos mesmos decidiu concretamente na parte respeitante à (parte final) da “IV. Fundamentação de Direito [subsunção jurídica da factualidade apurada]”, conforme páginas 11 a 17 . XVI. Acontece que o Requerido, por Despacho do dia 13 de Julho de 2020, o Requerido por intermédio do Eng.º V. Vereador da Câmara Municipal de (...), notificado ao Requerente, com o indeferimento do seu processo de licenciamento de processo de obras n.º 157/16 (cfr. Documento n.º 3 do requerimento inicial): “Indeferido” “Visto; Concordo c/ o procedimento proposto na inf.ª téc. Supra. 2020-07-13” XVII. O Requerente instaurou os presentes autos de processo cautelar com a referida causa de pedir e os seguintes pedidos: a) suspensão da eficácia do acto administrativo de indeferimento do licenciamento de obras do Requerido, Despacho do Eng.º V. com data de 13 de Julho de 2020 no processo de obras n.º 157/2016 da Câmara Municipal de (...) (cfr. Documento n.º 3 do requerimento inicial); b) intimação para adopção ou abstenção de uma conduta por parte do Requerido por alegada violação do direito administrativo nacional, nomeadamente a violação da decisão a Sentença proferida no processo n.º 613/20.4BEBRG, Unidade Orgânica 1 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 14 de Maio de 2020, com trânsito em julgado (cfr. Documento n.º 1 do requerimento inicial). XVIII. Na verdade, os presentes autos foram instaurados como preliminar à acção administrativa que o Requerente irá instaurar contra o Requerido, com a mesma pretensão, com os mesmos fundamentos de facto e os mesmos fundamentos de Direito. XIX. Isto quanto ao acto administrativo de indeferimento do licenciamento de obras do Requerido, Despacho do Eng.º V. com data de 13 de Julho de 2020 no processo de obras n.º 157/2016 da Câmara Municipal de (...) (cfr. Documento n.º 3 do requerimento inicial). XX. Estamos em face de uma probabilidade séria de procedência da pretensão a ser formulada na acção principal, considerando os factos dados como provados. XXI. A esse respeito o art.º 2.º, n.º 1, do CPTA: 1 - O princípio da tutela jurisdicional efetiva compreende o direito de obter, em prazo razoável, e mediante um processo equitativo, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar e de obter as providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão. XXII. Além dessas normas acima descritas que a decisão ora recorrida viola, os art.ºs 205.º, n.º 2, e 268.º, n.º 4, da CRP, os art.ºs 94.º, 95.º e 158.º do CPTA e os art.ºs 607.º a 609.º do CPC. XXIII. Além da ofensa de caso julgado nos termos dos art.ºs 2.º, n.º 1, 55.º, 577.º, al. i), 580.º, 581.º e 621.º todos do CPC. XXIV. A esse respeito a jurisprudência, nomeadamente o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 15-05-2020, processo n.º 02622/12.8BEPRT, disponível em http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/4666a2b21f2e9b2b80258570004fae4e?OpenDocument&Highlight=0,112%C2%BA,RJUE: IV - Movendo-se a atividade da Administração dentro dos estritos limites da vinculação legal, sem possibilidade de escolha entre vários comportamentos ou soluções decisórias, não será em função dos mesmos princípios, mas do respeito pelos pressupostos legais, que o ato administrativo se conformará com a legalidade. XXV. Pelo que não falta o preenchimento nestes autos de processo cautelar do critério fumus boni iuris ou a aparência do direito, como pressuposto cumulativo. XXVI. Para efeitos da acção administrativa que o Requerente irá instaurar contra o Requerido, terá a mesma pretensão, com os mesmos fundamentos de facto e os mesmos fundamentos de Direito. XXVII. Não podia, como o fez, a Sentença recorrida, rejeitar o requerimento inicial ao abrigo do artigo 116.º, n.º 2, alínea d) do CPTA. XXVIII. Mal andou o Tribunal a quo devendo a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que admita liminarmente a providência cautelar, ao abrigo do art.º 116.º, n.º 1, do CPTA. O recorrido contra-alegou (fls. 129 SITAF), pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção da decisão recorrida, não tendo formulado conclusões. * Remetidos os autos a este Tribunal, em recurso, neste notificado, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu Parecer (fls. 164 SITAF) no sentido de o recurso não dever merecer provimento, pelos seguintes fundamentos: «(…) 5 –Ora, em nosso entendimento, e salvo melhor opinião, o recurso não tem fundamento para afectar a decisão recorrida. Na verdade, de acordo com o disposto no artigo 116º nº 2 do CPTA o requerimento de providência cautelar é de rejeitar quando: «a) falte qualquer dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 114.º que não seja suprido na sequência de notificação para o efeito; b) seja manifesta a ilegitimidade do requerente; c) seja manifesta a ilegitimidade da entidade requerida; d) seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada; e) seja manifesta a desnecessidade da tutela cautelar; f) seja manifesta a ausência dos pressupostos processuais da ação principal.» 6 – Por seu turno, o artigo 120.º do CPTA define os critérios que presidem à concessão de providências cautelares: periculum in mora, fumus boni iuris e ponderação dos interesses públicos e privados em causa, sendo que os mesmos são de verificação cumulativa, como é sabido. 7 – Com base neste quadro legal, afirma-se na decisão recorrida que é flagrante que no caso não se constata que a acção contenha elementos para demonstração dos pressupostos fumus boni iuris nem periculum in mora. 8 – E quanto a nós com inteira razão. O recorrente estriba-se na decisão, que lhe foi favorável, proferida no âmbito do processo nº 613/20.4BEBRG, proferida a 14 de Maio de 2020, e que condenou o MUNICÍPIO DE (...), nos seguintes termos: “Nos termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a presente intimação urgente para a prática de acto legalmente devido procedente, por provada, e, em consequência, determino (i) a intimação da Ré a, no prazo de 30 (trinta) dias, praticar o acto legalmente devido consubstanciado na decisão do procedimento de licenciamento n.º 157/2016, com a consequente prolação de decisão respeitante à licença de construção e respectivas guias para pagamento de taxas que sejam devidas (…)» Mas cremos que é bom de ver que tal decisão não obriga o Município a fazer mais do que, como aí se afirma, e no prazo de 30 (trinta) dias, praticar o acto legalmente devido consubstanciado na decisão do procedimento de licenciamento n.º 157/2016, sem que essa decisão tenha forçosamente de ser favorável ao recorrente, como este parece entender. 9 – Pelo que, não havendo nada no processo 613/20.4BEBRG que imponha à Administração a opção por uma concreta solução para o processo de licenciamento, o pedido desta acção, anteriormente transcrito (suspensão da eficácia do acto administrativo de indeferimento do licenciamento de obras do Requerido e reconhecimento da violação do direito administrativo nacional, nomeadamente a violação da decisão a Sentença proferida no processo n.º 613/20.4BEBRG) não tem fundamento, e cai pela base, e é também manifesta a improcedência da acção principal anunciada. 10 – Aqui chegado, é de concluir pelo acerto do despacho liminar recorrido, dado que a acção proposta (esta acção) cai sob a alçada do disposto no artigo 116º nº 2 do CPTA, pelo menos das suas alíneas d) e f), não contendo factos de onde se possa extrair a existência de fumus boni iuris nem de periculum in mora. 7 – Cremos assim, e remetendo no mais para a argumentação e fundamentação constantes da decisão recorrida, que nenhum dos fundamentos invocados no recurso tem força suficiente para afectar a sua validade.» Sendo que deles notificadas as partes, se apresentou a responder-lhe o recorrente (fls. 177 SITAF) reiterando, pela argumentação ali expendida, pela revogação da decisão recorrida. * Sem vistos (cfr. artigo 36º nº 1 alínea e) e nº 2 do CPTA), foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.* II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidirO objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA. No caso, em face dos termos em que foram enunciadas pelo recorrente as conclusões de recurso, vem colocada em recurso a questão essencial de saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao rejeitar liminarmente a providência. * III. FUNDAMENTAÇÃOA – De facto Emergem dos presentes autos a seguinte factualidade relevante para a apreciação do presente recurso: 1. E. apresentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga em 25/07/2020 o requerimento inicial do presente Processo Cautelar em que é requerido o MUNICÍPIO DE (...), requerendo que nos termos do artigo 112.º, n.º 2, al. a) e i), do CPTA, em cumulação, fossem decretadas, respetivamente, as seguintes providências cautelares: i) suspensão da eficácia do ato administrativo de indeferimento do licenciamento de obras do Requerido, Despacho do Eng.º V. com data de 13 de julho de 2020 no processo de obras n.º 157/2016 da Câmara Municipal de (...); ii) intimação para adoção ou abstenção de uma conduta por parte do Requerido por alegada violação do direito administrativo nacional, nomeadamente a violação da decisão a Sentença proferida no processo n.º 613/20.4BEBRG, Unidade Orgânica 1 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 14 de Maio de 2020, com trânsito em julgado. - cfr. fls. 3 SITAF 2. Com aquele requerimento inicial da providência juntou seis (6) documentos, entre os quais certidão da sentença proferida no identificado Proc. n.º 613/20.4BEBRG (sob Doc. nº 1 – a fls. 26 SITAF), e o documento comprovativo do identificado despacho de indeferimento de 13/07/2020 proferido no processo de obras n.º 157/2016 (sob Doc. nº 3 – a fls. 57 SITAF) - cfr. fls. 26 e fls. 57 SITAF 3. Concluso o processo à Mmª Juíza do Tribunal a quo em 28/07/2020 (fls. 71) esta, por despacho da mesma data (de fls. 73 SITAF) rejeitou liminarmente a providência cautelar, ao abrigo do artigo 116.º, n.º 2, alínea d) do CPTA, que convocou, por manifesta falta de fundamento da pretensão formulada, decisão que assentou no seguinte discurso fundamentador: «No presente processo, vem formulado o seguinte pedido: “TERMOS EM QUE A ACÇÃO URGENTE DEVERÁ SER JULGADA PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, a) Pedindo previamente a citação urgente das Requeridas ao abrigo do art.º 561.º do CPC ex vi do art.º 114.º do CPTA; b) Deverá, nos termos do art.º 112.º, n.º 2, al. a) e i), do CPTA, em cumulação, o Requerente pede que sejam decretadas, respectivamente, as seguintes providências cautelares: i) suspensão da eficácia do acto administrativo de indeferimento do licenciamento de obras do Requerido, Despacho do Eng.º V. com data de 13 de Julho de 2020 no processo de obras n.º 157/2016 da Câmara Municipal de (...) (cfr. Documento n.º 3); ii) intimação para adopção ou abstenção de uma conduta por parte do Requerido por alegada violação do direito administrativo nacional, nomeadamente a violação da decisão a Sentença proferida no processo n.º 613/20.4BEBRG, Unidade Orgânica 1 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 14 de Maio de 2020, com trânsito em julgado (cfr. Documento n.º 1).”. A sustentar tal pedido, invoca o Requerente o seguinte: · De acordo com o projeto apresentado junto da Ré o processo de obras n.º 157/16 pedindo o licenciamento para a construção de uma moradia unifamiliar e de um anexo agrícola em terreno a confrontar com caminho público. · Do requerimento inicial constavam todos os documentos e elementos instrutórios, porém a Ré não notificava o Requerente de qualquer decisão. · O Requerente instaurou ação administrativa urgente de intimação para a prática de ato legalmente devido e foi proferida a Sentença naquele processo n.º 613/20.4BEBRG, Unidade Orgânica 1 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, com trânsito em julgado. · Não existe quaisquer dúvidas que no referido processo o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga condenou e intimou a Câmara Municipal de (...), no prazo de 30 dias, à prática do ato de aprovação do projeto de construção apresentado pelo Requerente e concomitante emissão de licença de construção e emissão de guias para pagamento das respetivas taxas que forem devidas; · Não existe qualquer fundamento para o Requerido indeferir o procedimento de licenciamento do Autor; · A presente providência cautelar justifica-se pelo justo receio por parte do Requerente por causa do Requerido ter proferido o ato administrativo de indeferimento do licenciamento de obras do Requerido, com data de 13 de julho de 2020, Despacho do Eng.º V. Vereador da Câmara Municipal; · A esse respeito, a não concessão da requerida providência acarretaria prejuízos de difícil reparação tais como que fosse impedido de prosseguir com o cumprimento do art.º 113.º, n.º 1, do RJUE, nos termos referidos na referida decisão do Tribunal no processo n.º 613/20.4BEBRG, Unidade Orgânica 1 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 14 de maio de 2020; · Nesse sentido o Requerente já tratou de contratar com meios humanos e equipamentos para execução das obras de construção civil, tendo já um avultado investimento e encargos financeiros realizados para o efeito, o que poderia ficar prejudicado; · Além disso, o Requerente é um particular que não tem habitação própria e que precisa de habitação própria por intermédio de construção de moradia unifamiliar. Vejamos. Dispõe o artigo 116.º, n.º 2 do C.P.T.A. que sobre o requerimento de providência cautelar recai despacho liminar, sendo de rejeitar o mesmo quando: a) falte qualquer dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 114.º que não seja suprido na sequência de notificação para o efeito; b) seja manifesta a ilegitimidade do requerente; c) seja manifesta a ilegitimidade da entidade requerida; d) seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada e) seja manifesta a desnecessidade da tutela cautelar; f) seja manifesta a ausência dos pressupostos processuais da ação principal. Para efeitos de apreciação liminar, importa desde já, apreciar o cumprimento dos requisitos de admissibilidade do requerimento inicial. Sobre o despacho liminar, aduzem Mária Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha Fernandes, in Comentário do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª edição revista, Almedina, 2010, p. 777 e 778, o seguinte: “(…) a haver despacho liminar, justifica-se que seja em processos como os cautelares, que são processos urgentes, na medida em que, uma vez recebido o requerimento, este deve ser apresentado ao juiz sem mais delongas e que, por outro lado, ao juiz, no despacho liminar, não só cumpre evitar o inútil prosseguimento de processos inexoravelmente condenados ao insucesso (…). O despacho liminar só deve ser de indeferimento quando o tribunal considere que é evidente ou manifesto que a pretensão formulada é infundada ou que existem excepções dilatórias insupríveis de conhecimento oficioso que impendem a emissão de uma pronúncia de mérito sobre a pretensão do requerente.”. Como características essenciais da tutela cautelar, ressaltam a instrumentalidade, provisoriedade e a sumariedade em relação ao processo principal. Da instrumentalidade refletida no n.º 1, do artigo 112.º do CPTA, decorre que o processo cautelar destina-se a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal, ou, como refere Antunes Varela, a “combater o “periculum in mora”, o prejuízo da demora inevitável do processo principal, a fim de que a sentença não se torne puramente platónica” (cfr. Manual de Processo Civil, 2ª edição, p. 23). Por sua vez, da provisoriedade resulta que o processo cautelar apenas subsiste durante a pendência do processo principal, o que significa que a providência cautelar não pode consubstanciar uma antecipação dos efeitos da decisão a proferir no processo principal. Finalmente, a sumariedade implica que o juízo a formular em sede cautelar acerca do periculum in mora, bem como da possibilidade de o requerente vir a ter êxito no processo principal (“fumus boni iuris” ou “fumus non malus iuris”), não é um juízo de certeza, mas tão só um juízo de probabilidade ou verosimilhança, variável de acordo com as circunstâncias concretas. É feita uma análise perfunctória visto que a finalidade própria do processo cautelar é assegurar que a demora na tomada da decisão final não acarrete a criação de uma situação de facto consumado com ela incompatível, ou a produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses de quem dela deveria beneficiar. O artigo 120.º do CPTA fornece-nos os critérios que presidem à concessão de providências cautelares: periculum in mora, fumus boni iuris e ponderação dos interesses públicos e privados em presença, sendo que para a providência ser decretada estes pressupostos têm que estar preenchidos porque são de verificação cumulativa. Posto isto, atentando ao teor do requerimento inicial, desde logo se verifica que não há fumus boni iuris nem periculum in mora. Com efeito, o Requerente refere que no âmbito do processo 613/20.4BEBRG, a Entidade Requerida foi condenada a emanar um despacho de aprovação do pedido de licenciamento e não de indeferimento. E é deste despacho de indeferimento que o Requerente pede a suspensão dos seus efeitos, alegando que o MUNICÍPIO DE (...) estava obrigado a proferir uma decisão de deferimento, nos termos da sentença proferida no processo 613/20.4BEBRG. Ora, não é bem assim. Na verdade, a sentença proferida no âmbito do processo 613/20.4BEBRG, proferida a 14 de maio do corrente ano, condenou o MUNICÍPIO DE (...), nos seguintes termos: “Nos termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a presente intimação urgente para a prática de acto legalmente devido procedente, por provada, e, em consequência, determino (i) a intimação da Ré a, no prazo de 30 (trinta) dias, praticar o acto legalmente devido consubstanciado na decisão do procedimento de licenciamento n.º 157/2016, com a consequente prolação de decisão respeitante à licença de construção e respectivas guias para pagamento de taxas que sejam devidas(ii) sendo que decorrido o prazo fixado em (i), sem que se mostre praticado o acto devido pela Ré, tem lugar a aplicação do disposto no artigo 113.º do RJUE por parte do Autor [cf. art. 112.º, n.º 9, do RJUE]. Custas do processo a cargo da Ré, cujo decaimento foi total, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal e indo a mesma reduzida a metade [cf. arts. 527.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC) ex vi do art. 13.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais (RCP); cf. arts. 1.º, 2.º, 3.º, 6.º, e 14.º-A, e, ainda, a Tabela I-A, todos do RCP, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 27/2019, de 28 de Março -, aplicáveis ex vi dos arts. 1.º, in fine e 189.º, ambos do CPTA].” – Cfr. doc. 1 junto com a p.i. Como se constata, o MUNICÍPIO DE (...) foi condenado a praticar o ato legalmente devido, que era proceder à decisão do procedimento administrativo respeitante à licença de construção, ou seja, foi condenado a decidir o procedimento, fosse no sentido favorável ou desfavorável ao aqui Requerente. Isto porque, o processo 613/20.4BEBRG é um processo de Intimação para a prática de ato legalmente devido, no caso, para o cumprimento do dever de decisão no processo de licenciamento que estava a correr no MUNICÍPIO DE (...). E foi apenas isso que foi decidido: o MUNICÍPIO DE (...) foi intimado a decidir o procedimento administrativo, no qual está em causa a licença de construção. Portanto, não assiste qualquer razão ao Requerente quando alega que o MUNICÍPIO DE (...) estava obrigado a emanar uma decisão no sentido da aprovação da licença de construção. No caso, é manifesta a improcedência da ação principal pois, como supra explanado, o MUNICÍPIO DE (...) não tem qualquer obrigação em emanar uma decisão favorável ao aqui Requerente. Por conseguinte, face ao explanado supra, é forçoso concluir que se verifica a manifesta falta de fundamento da pretensão formulada, falhando, assim, no presente processo cautelar, um dos critérios que presidem à concessão de providências cautelares, que são cumulativos, que é o fumus boni iuri, sendo de rejeitar o requerimento inicial ao abrigo do artigo 116.º, n.º 2, alínea d) do CPTA. - cfr. fls. 73 SITAF ** B – De direito 1. É objeto do presente recurso o despacho datado de 28/07/2020 (fls. 73 SITAF) pelo qual a Mmª Juíza do Tribunal a quo rejeitou liminarmente a providência cautelar, ao abrigo do artigo 116.º, n.º 2, alínea d) do CPTA, que convocou, por manifesta falta de fundamento da pretensão formulada. 2. O recorrente sustenta, em suma, que o Tribunal a quo não podia rejeitar o requerimento inicial ao abrigo do artigo 116º nº 2 alínea d) do CPTA, devendo tal decisão ser revogada e substituída por outra que admita liminarmente a providência cautelar ao abrigo do artigo 116º nº 1 do CPTA. Vejamos. 3. Nos termos do disposto no artigo 116º do CPTA sobre o requerimento de decretação de uma providência cautelar haverá de recair para despacho liminar. Se este for de admissão do requerimento, será, então, ordenada a citação da entidade requerida e dos contrainteressados, quando existirem, para contestarem, prosseguindo o processo os seus termos até à decisão final a ser proferida por sentença. Mas o requerimento inicial poderá ser liminarmente rejeitado, quando se verifique alguma das situações que o nº 2 daquele mesmo artigo 116º do CPTA, enuncia nos seguintes termos: “a) A falta de qualquer dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 114.º que não seja suprida na sequência de notificação para o efeito; b) A manifesta ilegitimidade do requerente; c) A manifesta ilegitimidade da entidade requerida; d) A manifesta falta de fundamento da pretensão formulada; e) A manifesta desnecessidade da tutela cautelar; f) A manifesta ausência dos pressupostos processuais da ação principal.”. 4. Na situação dos autos a rejeição liminar deu-se com invocação da alínea d), tendo a Mmª Juíza a quo entendido ser manifesta a falta de fundamento da pretensão cautelar formulada. Ora, o despacho liminar de rejeição permite a eliminação ab initio de processos que não reúnam condições mínimas de viabilidade, favorecendo, em teoria, a economia processual, evitando o inútil prosseguimento do processo que inexoravelmente esteja condenados ao insucesso. Vide, a este propósito, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in “Comentário do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2017, 4ª edição, pág. 949. E é isso mesmo que acontecerá quando seja de constatar a manifesta falta de fundamento da pretensão cautelar formulada. 5. A falta de fundamento da pretensão prende-se, naturalmente, com a aplicação dos critérios de decisão das providências cautelares, mormente os plasmados no artigo 120º do CPTA, cuja redação atual (dada pela Lei nº 118/2019, de 17 de setembro) é a seguinte: “Artigo 120º Critérios de decisão 1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente. 2 - Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências. 3 - As providências cautelares a adotar devem limitar-se ao necessário para evitar a lesão dos interesses defendidos pelo requerente, devendo o tribunal, ouvidas as partes, adotar outra ou outras providências, em cumulação ou em substituição daquela ou daquelas que tenham sido concretamente requeridas, quando tal se revele adequado a evitar a lesão desses interesses e seja menos gravoso para os demais interesses públicos ou privados, em presença. 4 - Se os potenciais prejuízos para os interesses, públicos ou privados, em conflito com os do requerente forem integralmente reparáveis mediante indemnização pecuniária, o tribunal pode, para efeitos do disposto no número anterior, impor ao requerente a prestação de garantia por uma das formas previstas na lei tributária. 5 - Na falta de contestação da autoridade requerida ou da alegação de que a adoção das providências cautelares pedidas prejudica o interesse público, o tribunal julga verificada a inexistência de tal lesão, salvo quando esta seja manifesta ou ostensiva. 6 - Quando no processo principal esteja apenas em causa o pagamento da quantia certa, sem natureza sancionatória, as providências cautelares são adotadas, independentemente da verificação dos requisitos previstos nos números anteriores, se tiver sido prestada garantia por uma das formas previstas na lei tributária.” 6. Isto, quando, como é sabido, a razão da tutela cautelar é a de permitir, em concretização do direito a uma tutela judicial efetiva, constitucionalmente consagrado no artigo 268º nº 4 da Constituição da República Portuguesa, a decretação judicial de medidas cautelares adequadas a precaver os direitos ou interesses legalmente protegidos dos interessados, enquanto não é definitivamente decidida a causa principal. Significando que a tutela cautelar visa apenas assegurar o efeito útil de uma sentença a proferir em sede de ação principal, regulando provisoriamente a situação sob litígio até que seja definitivamente decidida, naquela ação, a contenda que opõe as partes. Razão pela qual se exige que as medidas cautelares cumpram as características de instrumentalidade e provisoriedade. E também motivo pelo qual se faz depender a sorte do processo cautelar do provável êxito do processo principal ou, pelo menos, da improbabilidade do seu fracasso (fumus boni iuris) – vide, a este propósito, entre muitos outros, os acórdãos deste TCA Norte DE 01/08/2019, Proc. nº 00283/19.2BEPRT; de 13/09/2019, Proc. nº 00235/19.2BEPNF; DE 29/11/2019, Proc. nº 00187/19,9BECBR; de 17/04/2020, Proc. nº 00915/19.2BEPNF; de 15/07/2020, Proc. nº 02287/19.6BEBRG-A, todos disponíveis in, www.dgsi.pt/jtcn. 7. Do disposto no nº 1 do artigo 120º do CPTA (cuja redação não foi agora objeto de modificação) resulta que a decretação de uma providência cautelar depende da verificação de dois requisitos essenciais há muito enunciados por periculum in mora e fumus boni iuris. E é na sentença, após contraditório e averiguação e fixação dos factos, que o juiz cautelar haverá de aferir da verificação dos pressupostos para a decretação da providência cautelar solicitada. E aí, e no que tange à aferição da provável procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, isto é, do fumus boni iuris, a abordagem das ilegalidades apontadas ao ato administrativo suspendendo, deverá, na instância cautelar, “…ser meramente perfunctória, de modo a não substituir, ou afectar, a liberdade de julgamento em sede de processo principal. É aí, na «acção administrativa de impugnação», que tais ilegalidades deverão ser analisadas com o requerido pormenor. Aqui, apenas se exige um juízo de probabilidade sobre o seu julgamento”, como se disse no acórdão do STA, de 11/09/2019, Proc. n.º 049/19.0BALSB, citado no acórdão deste TCA Norte de 18/10/2019, Proc. nº 00426/19.6BEPNF-A, ambos disponíveis, in, www.dgsi.pt. Significando, como é consensual e reiteradamente entendido, que não se exige no processo cautelar a certeza do direito, mas apenas a sua mera verosimilhança. 8. Neste contexto, a rejeição liminar do requerimento inicial de uma providência cautelar com fundamento na alínea d) do nº 2 do artigo 116º do CPTA, só deve ocorrer quando seja «manifesta» a falta de fundamento da pretensão, exigindo, por um lado, que seja imediatamente detetável perante os termos em que o requerente a formula e delimita no requerimento inicial, e, por outro, que outra conclusão não possa ser alcançada numa subsequente análise, mesmo que perfunctória, própria da decisão cautelar. O juízo sobre a manifesta falta de fundamento da pretensão, motivador da imediata rejeição, em sede de despacho liminar, do requerimento da providência cautelar, apela, assim, a um duplo critério: o da evidência, dispensando, assim, mais averiguações ou ponderações; e o da certeza, apoiado na convicção firme e segura de que a pretensão do requerente deverá ser, à luz do direito, indeferida. Só validado este duplo critério se justificará a rejeição liminar do requerimento inicial da providência cautelar com fundamento na alínea d) do nº 2 do artigo 116º do CPTA. 9. Não vemos que tal suceda no presente caso. 10. Motivou a instauração do processo cautelar a circunstância de por despacho de 13/07/2020 ter sido indeferido o pedido de licenciamento de obras para a construção de uma moradia unifamiliar e de um anexo agrícola (processo de obras n.º 157/2016). 11. A Mmª Juíza a quo considerou que a tese do requerente, no sentido da ilegalidade daquele despacho, por a sentença proferida no Proc. n.º 613/20.4BEBRG, transitada em julgado, ter condenado e intimado o requerido MUNICÍPIO DE (...) a, no prazo de 30 dias, praticar o ato de aprovação do projeto de construção e concomitante emissão de licença de construção e emissão de guias para pagamento das respetivas taxas que forem devidas, não colhia. Isto porque entendeu, como plasmou no despacho recorrido, que no Proc. nº 613/20.4BEBRG o MUNICÍPIO DE (...) foi “apenas” condenado a decidir o procedimento administrativo respeitante à licença de construção, fosse no sentido favorável fosse no sentido desfavorável ao requerente, na medida em que tal processo constituía «…um processo de Intimação para a prática de ato legalmente devido, no caso, para o cumprimento do dever de decisão no processo de licenciamento que estava a correr no MUNICÍPIO DE (...)», e que sido apenas isso que foi decidido, o MUNICÍPIO DE (...) foi intimado a decidir o procedimento administrativo, no qual está em causa a licença de construção, não assistia qualquer razão ao requerente quando alega que o MUNICÍPIO DE (...) estava obrigado a emanar uma decisão no sentido da aprovação da licença de construção, sendo «…manifesta a improcedência da ação principal» precisamente porque «…o MUNICÍPIO DE (...) não tinha qualquer obrigação em emanar uma decisão favorável ao requerente», e que assim é «…forçoso concluir que se verifica a manifesta falta de fundamento da pretensão formulada, falhando, assim, no presente processo cautelar, um dos critérios que presidem à concessão de providências cautelares, que são cumulativos, que é o fumus boni iuri, sendo de rejeitar o requerimento inicial ao abrigo do artigo 116.º, n.º 2, alínea d) do CPTA». 12. Ora, desde logo, falta evidência à conclusão tirada pelo Tribunal a quo, de que pela sentença proferida no Proc. nº 613/20.4BEBRG não condenou o requerido MUNICÍPIO DE (...) a deferir o pedido de licenciamento procedimento, mas apenas a proferir decisão quanto a ele, já que sempre se imporá considerar, para além do externado no segmento decisório da sentença, os respetivos fundamentos, o quadro legal enformador dos deveres incutidos ao requerido MUNICÍPIO, nomeadamente à luz do disposto nos artigos 111º e 112º do RJUE (DL. nº 555/99) e da força e âmbito do caso julgado. Mas também lhe falta a certeza, na medida em que não se pode ter por unicamente certo e ser, assim, seguro que por tal razão a pretensão do requerente deveria ser, à luz do direito, indeferida, por falta de preenchimento do requisito do fumus boni iuris. Isto quando, ademais, o requerente também suportou a sua tese da ilegalidade do despacho suspendendo na alegação de que se havia formado ato tácito de deferimento por ter decorrido o fixado prazo de 30 dias sem que tenha sido proferida decisão, e que, assim, haveria lugar à aplicação do disposto no artigo 113º do RJUE. Mostra-se, pois, prematuro o juízo feito pelo Tribunal a quo quanto à falta de fumus boni iuris, quando a rejeição liminar da providência ao abrigo da alínea d) do nº 2 do artigo 116º do CPTA exige e demanda o carater evidente e óbvio da falta de fundamento da pretensão. E sendo assim não havia, como não há, como concluir pela manifesta falta de fundamento da pretensão do requerente, e com tal fundamento rejeitar-se liminarmente a providência. Isto sem, obviamente, qualquer condicionamento quanto ao juízo que, ponderadamente, venha a fazer-se, no momento próprio, quanto aos requisitos de que a decretação da providência depende à luz do artigo 120º do CPTA. 13. Aqui chegados, tem, pois, que conceder-se provimento ao recurso, e revogar-se a decisão recorrida, baixando os autos à primeira instância para prosseguirem os seus termos, se a tanto nada vier, entretanto, a obstar. * IV. DECISÃONestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, e ordenando a baixa dos autos à primeira instância para prosseguirem os seus termos, se a tanto nada vier, entretanto, a obstar. * Custas nesta instância pelo recorrido - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP e 189º nº 2 do CPTA.* Notifique. D.N. * Porto, 2 de outubro de 2020M. Helena Canelas Isabel Costa Rogério Martins |