Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00337/22.8BEVIS |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 11/30/2022 |
| Tribunal: | TAF de Viseu |
| Relator: | Rosário Pais |
| Descritores: | INTIMAÇÃO PARA PASSAGEM DE CERTIDÃO; ARTIGO 37º DO CPPT; ISENÇÃO DE QUALQUER PAGAMENTO; PRESSUPOSTOS |
| Sumário: | I – O artigo 37º do Código de Procedimento e de Processo Tributário destina-se a suprir deficiências das notificações das decisões em matéria tributária, designadamente, quando não contenham a fundamentação legalmente exigida, a indicação dos meios de reação contra o ato notificado ou outros requisitos exigidos pelas leis tributárias. II - O nº 1 do artigo 37º do Código de Procedimento e de Processo Tributário visa a dilatação dos prazos de reação contra atos tributários a cuja notificação faltam os descritos elementos, pelo que não logra o mesmo aplicação quando tal finalidade não possa ser atingida, designadamente por não ter sido realizada qualquer notificação ou estarem largamente ultrapassados os prazos de reação e de apresentação do requerimento previsto nesta norma. III – O mandatário da contribuinte não frui do direito a obter certidão isenta de pagamento, nos termos do artigo 37º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, pois esta norma não se destina a suprir a falta de notificação de atos tributários aos mandatários regularmente constituídos. |
| Recorrente: | A...,Lda. |
| Recorrido 1: | Autoridade Tributária e Aduaneira |
| Votação: | Unanimidade |
| Meio Processual: | Intimação para prestação de informações, consulta de documentos e passagem de certidões (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
| Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: | Foi emitido parecer, aderindo ao parecer do Ministério Público proferido em 1ª instância e concluindo que a sentença deverá ser mantida. |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. "A...,Lda.", com os sinais dos autos, vem recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, em 21.11.2022, que julgou improcedente a reclamação, deduzida, nos termos do artigo 276º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário, contra a decisão do Chefe do Serviço de Finanças de ..., ínsita no ofício n.º 979, de 26 de maio de 2022, que indeferiu o pedido que, nos termos dos artigos 36º e 37º do CPPT, havia formulado para obtenção do “projeto de correções do relatório de inspeção e subsequente relatório final” referente à ação de inspeção tributária a que foi sujeita, a coberto da ordem de serviço n.º OI2...26. 1.2. A Recorrente terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões: «1) No âmbito dos presentes autos, a ora recorrente apresentou reclamação, nos termos e ao abrigo do art.º 276º e ss. do CPPT, contra o Ofício n.º 979, de 16/05/2022, relativo a um pedido de reembolso DP 11...9020 – Período 2012/06T. 2) Sendo certo que, por sentença datada de 02/08/2022, a Mmª Juiz a quo entendeu que, “tendo em atenção o seu pedido e a causa de pedir, bem como todos os elementos juntos aos autos, constata-se estarmos perante um pedido de informação formulado ao abrigo do art.º 37º do CPPT, relativamente ao qual Demandante e demandado têm posições contrapostas.” (…) Nesta conformidade, e atendendo à posição assumida pelo Demandante, afigura-se que o meio processual adequado à obtenção do efeito desejado com a apresentação dos presentes autos a juízo é a intimação da Entidade Demandada para prestação de informações e consulta de processos e passagem de certidão relativa aos documentos (…)” 3) Nesta senda, veio então a ser convolada a RAC apresentada em ação para prestação de informações e passagem de certidão, a qual, posteriormente, veio a ser julgada improcedente, porquanto, entendeu o douto Tribunal “a quo” que: “No caso sub judice, está provado que, no dia 11 de maio de 2022, a autora reiterou junto do Serviço de Finanças de ... o pedido que havia feito em 17 de março de 2021, tendo em vista obter o projeto de relatório e o relatório final da ação de inspeção de que foi alvo, em 2012… (…) Consequentemente, dúvidas não há de que a autora tinha o direito de pedir e de obter os documentos/informações que solicitou junto da Administração Tributária, não havendo qualquer divergência entre as partes, a este respeito, sendo que a própria entidade requerida reconhece que “no caso que nos ocupa, não foi, de todo, negado esse acesso” (…) 4) Não obstante tal facto, a verdade é que, a sentença aqui em reapreciação entendeu que a Administração Fiscal, bem andou, ao recusar que a pretensão da autora fosse deferida e satisfeita, ao abrigo do regime previsto no art.º 37º do CPPT, com a correspondente isenção de qualquer pagamento, exigindo, antes, o pagamento dos respetivos emolumentos legais. 5) Todavia, a ora recorrente, não pode aceitar tal entendimento. E vejamos porquê: 6) Através de requerimento datado de 27.10.2020, a ora recorrente solicitou junto do Serviço de Finanças de ... a seguinte informação: “A declaração periódica de IVA n.º 11...9020, relativa ao período 2012/06T, geradora de um crédito, deu origem a um pedido de reembolso. - cfr. Cópia da declaração periódica que se junta e se dá por integralmente reproduzida como Doc. 1, para os devidos e legais efeitos. Sendo certo que, até à presente data, tal pedido de reembolso não teve qualquer efeito prático, isto é, não houve lugar ao reembolso pedido. Pelo que, e ao abrigo do princípio de informação e da colaboração que existe nas relações jurídico-tributárias estabelecidas entre a AT e os sujeitos passivos, requer a V.ª Ex.ª a notificação dos fundamentos de facto e de direito que determinaram a não efetivação do referido pedido de reembolso.” – cfr. cópia do requerimento que se junta e se dá por integralmente reproduzido como Doc. n.º 1 para os devidos e legais efeitos. 7) Porém, a verdade é que, por não ter obtido qualquer tipo de resposta ao ali solicitado, em 14.01.2021, reiterou o pedido efetuado. – cfr. cópia do requerimento que se junta e se dá por integralmente reproduzido como Doc. n.º 2 para os devidos e legais efeitos. 8) Em sequência, foi remetido pela AT, o ofício n.º ...1, de 08.03.2012, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e se junta como Doc. n.º 3, para os devidos e legais efeitos. 9) E face ao mencionado ofício, a ora recorrente, através de requerimento datado de 17.03.2021. – cfr. cópia do requerimento que se junta e se dá por integralmente reproduzido como Doc. n.º 4 para os devidos e legais efeitos – voltou a reiterar o seu pedido. 10) Todavia, não tendo logrado obter resposta por parte da ora recorrida, ao requerimento ora junto como Doc. n.º 4, a ora recorrente enviou novo requerimento, a 11.05.2022. – cfr. cópia do requerimento que se junta e se dá por integralmente reproduzido como Doc. n.º 5 para os devidos e legais efeitos, e que infra se passa a transcrever: “Tal como é consabido, os atos em matéria tributária que afetem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados, tal como, aliás, prescreve o art.º 36º do CPPT. Sendo certo que, nos diversos requerimentos apresentados pela A. importa, antes de mais, atentar no seu conteúdo que infra se passa a transcrever: No passado dia 17.03.2021, na sequência do Ofício n.º ...1 de 2012-03-08, cujo assunto versava sobre “Pedido de Reembolso DP n.º 11...9020 – Período 2012/06T”, o ora exponente enviou requerimento para V.ª Ex.ª, cujo teor ora se transcreve: “A N/constituinte, teve conhecimento, de que foi objeto de uma ação de inspeção e fiscalização, reportada ao período em causa no auto. Todavia, segundo ela nos informou, não foi notificado o relatório final onde constem as conclusões da citada ação inspetiva. Pelo que, o supra citado ofício n. º ...1 é a primeira e única informação que lhe foi notificada no âmbito da decisão de deferimento parcial do pedido de reembolso. Assim, respeitosamente, solicita a V.ª Ex.ª que lhe seja efetuada notificação do projeto de correções do relatório de inspeção e subsequente relatório final tudo nos termos e efeitos previstos no art.º 37º n.ºs 1 e 2 do CPPT. Pois, só na posse desses elementos, estará a contribuinte em condições de aferir da bondade do respetivo procedimento.” – cfr. cópia do requerimento que se junta e se dá por integralmente reproduzido como Doc. n.º 1 para os devidos e legais efeitos. Certo é que, até à presente data, não foi por V.ª Ex.ª remetida a notificação dos elementos solicitados, isto é, projeto do relatório de inspeção e o subsequente relatório final, conforme peticionado pelo ora exponente. Assim e ao abrigo do disposto nos artigos 36º e 37º do CPPT, reitera-se o já anteriormente requerido, conforme supra aduzido. Mais se informa V.ª Ex.ª que, a omissão de resposta ao requerimento que vos foi apresentado determina a violação do princípio de colaboração, previsto no art.º 59º da Lei Geral Tributária (LGT), pelo que, decorridos que sejam 10 dias sobre a entrada do presente requerimento, sem que V.ªs Ex.ªs lhe deem resposta em seu cumprimento, ver-nos-emos obrigados a intentar o competente procedimento judicial de intimação, nos termos previstos no artigo 147º do CPPT.” 11) Ora, após a apresentação do referido requerimento, a ora reclamada foi notificada do ofício n.º 979, de 26.05.2022, já junto aos autos, o qual foi objeto de reclamação nos termos dos artigos 276º e seguintes do CPPT, que deu origem aos presentes autos. 12) Em face do exposto, temos por concluir que não assiste razão à Administração Fiscal, porquanto, nunca a ora recorrente havia sido notificada dos elementos agora requeridos, tanto mais que, nem sequer existe prova nos autos do seu efetivo recebimento, pelo que, carece, em absoluto, de sentido, que a contribuinte tenha de pagar por informação que lhe diz diretamente respeito e relativamente à qual nunca lhe foi notificada. 13) Como será bom de ver, a AT eximiu-se da sua obrigação de prestar as informações requeridas pela contribuinte, nomeadamente, das decisões que recaíram sobre pedidos por si apresentados. 14) Sendo certo que, é sobejamente consabido o direito constitucionalmente consagrado dos administrados serem informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam diretamente interessados, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas. – cfr. Art.º 268º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. 15) Pelo que, insurge-se a ora recorrente contra o facto de não ter sido notificada da decisão sobre o pedido de reembolso por si apresentado, nem antes, nem agora, porquanto, tal como alegado em sede de reclamação nunca foi notificada daquele, pese embora seja um direito seu, ser notificada das decisões que lhe digam diretamente respeito, como, aliás, consagra o art.º 56º da LGT. 16) Pois, tal como é consabido, as notificações em matéria tributária têm natureza re[ce]ptícia, só se considerando validamente efetuadas quando contiverem os fundamentos do ato e efetivamente notificado o seu destinatário, podendo o sujeito passivo requerer ao abrigo do artigo 37° do CPPT os elementos de que necessitava, tendo, para esse efeito, formulado em vão, diversos requerimentos com o objetivo de ser notificado da decisão proferida no âmbito do pedido de reembolso apresentado perante a AT. 17) O que, in casu, não logrou ocorrer, porquanto, inexplicavelmente, entende a AT que o contribuinte teria de pagar emolumentos para obter uma certidão de algo que nunca lhe fora notificado o que, de per si, radica na violação do princípio da colaboração e da informação a que a AT se encontra vinculada. Ademais, 18) A notificação dos atos em matéria tributária que afetem direitos e interesses legítimos dos contribuintes, constituem condição de eficácia dos atos notificados aos destinatários, conforme, claramente, resulta do artigo 36.º do CPPT, mormente da expressão: “só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados” – artigo 36.º do CPPT. 19) Para garantir a tutela jurisdicional efetiva dos direitos e interesses dos contribuintes, o legislador português instituiu um conjunto de princípios fundamentais e meios de defesa nas diversas fases do procedimento e processo tributário. Não reforçou apenas os direitos subjetivos dos contribuintes, mas estabeleceu normas e princípios destinados a prevenir e evitar ações ou omissões da administração tributária suscetíveis de lesar os direitos e interesses legítimos legalmente protegidos dos contribuintes. 20) De entre os vários princípios fundamentais em matéria tributária destacam-se o princípio da legalidade, o princípio da colaboração, o princípio da participação, o dever de decisão, o acesso à justiça tributária. Em matéria de defesa dos direitos subjetivos, foram consagrados, nomeadamente, o direito à informação, o direito à fundamentação e notificação. 21) Importa não olvidar, no presente caso, que a recusa da notificação por parte do SF dos elementos diversas vezes requeridos pelo contribuinte revela uma manifesta falta de colaboração entre a Administração Fiscal e a ora recorrente. 22) Desde já, se adianta, que a ora recorrente não teria de pagar algo que nunca lhe fora notificado, pelo que, sempre se impunha à Administração Tributária o envio dos documentos solicitados. 23) Nesta senda, e como, aliás, supra se deixou referido, "Os órgãos da administração tributária e os contribuintes estão sujeitos a um dever de colaboração recíprocos" (art. 59.°, n.º 1 da LGT), presumindo-se sempre a boa fé das suas atuações (idem, n.° 2). 24) Tal dever de colaboração implica, por parte da administração tributária, o dever de esclarecer "os contribuintes e outros obrigados tributários sobre a necessidade de apresentação de declarações, reclamações e petições e a prática de quaisquer outros atos necessários ao exercício dos seus direitos, incluindo a correção dos erros ou omissões manifestas que se observem" (art. 48.°, n.° l do CPPT e art. 59.°, n.° 3 da LGT), e, por parte do contribuinte, o dever de cooperar " de boa-fé na instrução do procedimento, esclarecendo de modo completo e verdadeiro os factos de que tenha conhecimento e oferecendo os meios de prova a que tenha acesso" (art. 48.°, n.° 2 do CPPT), nomeadamente mediante "o cumprimento das obrigações acessórias previstas na lei e a prestação dos esclarecimentos que esta lhes solicitar sobre a sua situação tributária, bem como sobre as relações económicas que mantenham com terceiros" (art. 59.°, n.° 4 da LGT). 25) Acresce igualmente que o pedido de colaboração diz respeito a ambas as partes, devendo ser respeitada a igualdade processual entre as partes o que, manifestamente, não logrou ocorrer no caso vertente; ilegalidade essa que, desde já, se deixa invocada para todos os devidos e legais efeitos. ** Nestes termos e nos melhores de direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência, ser revogada a sentença proferida em sede de 1ª Instância, tudo com as demais consequências legais daí decorrentes. Assim se fazendo a sempre douta, sã e elementar Justiça!». 1.3. A Recorrida Autoridade Tributária apresentou contra-alegações, sustentado a bondade da sentença recorrida. 1.4. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer, aderindo ao parecer do Ministério Público proferido em 1ª instância e concluindo que a sentença deverá ser mantida. * Dispensados os vistos prévios, atenta a natureza urgente deste processo, nos termos do disposto no artigo 36º, nº 2 do CPTA, aplicável ex vi do artigo 2º, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, vai o processo à conferência para julgamento. * 2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos Recorrentes, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao concluir que não é aplicável à situação vertente a dispensa de pagamento pela emissão da certidão requerida ao abrigo do disposto no artigo 37º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. 3. FUNDAMENTAÇÃO 3.1. DE FACTO A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto: «Factos Provados: Com interesse para a apreciação do mérito da causa, dão-se como provados os seguintes factos: 1) "A...,Lda.", ora autora, foi sujeita a um procedimento de inspeção tributária realizado a coberto da ordem de serviço n.º OI2...26 – facto não controvertido; 2) No âmbito do referido procedimento inspetivo, a Administração Tributária enviou à autora o projeto de correções do relatório de inspeção e subsequente relatório final, através dos ofícios 8794 de 15/10/2012 e 9502 de 7/11/2012 – facto não controvertido; 3) No dia 17 de março de 2021, a autora requereu ao Serviço de Finanças de ... que fosse notificada do projeto de relatório e do relatório final da ação de inspeção referido em 1), a que foi sujeita no ano fiscal de 2012, invocando a aplicação do regime dos artigos 36.º e 37.º do CPPT – cfr. documento de fls. 23 e 24 da paginação eletrónica; 4) No dia 11 de maio de 2022, a autora reiterou o pedido referido na alínea precedente junto do Serviço de Finanças de ... – cfr. documento de fls. 25 a 27 da paginação eletrónica e conforme correio registo com a referência alfanumérica “RH9...60PT”; 5) Através do ofício n.º 979, de 26 de maio de 2022, remetido ao "Dr. BB" (na qualidade mandatário da autora), o Serviço de Finanças de ... indeferiu a pretensão da autora, nos seguintes termos: “(…) a) Ao contrário do que refere, o ofício ...1, de 2021-03-08 deste serviço de Finanças não foi a primeira informação acerca da decisão do pedido de reembolso em questão; b) Conforme aí referido (no teor do mesmo ofício) todos os fundamentos de facto e de direito subjacentes à análise e respetiva decisão do pedido de reembolso a que se refere, por parte dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ..., no âmbito da OI2...26, constam dos correspondentes projeto de correções do relatório de inspeção e subsequente relatório final, que já foram notificados à empresa, respetivamente, através dos ofícios 8794 de 15/10/2012 e 9502 de 2012.11.07, este último recebido em 2012.11-09. c) Concedendo a hipótese (que nesta fase só pode ser tida como meramente académica) de que a s/constituinte não concordava com os referidos fundamentos, não exerceu atempadamente os seus direitos tal como, salvo melhor opinião, não pode invocar o artigo 37.º do Código do Procedimento e de Processo Tributário – CPPT para que os mesmos lhe sejam notificados, porquanto, não demonstrou que o que lhe foi notificado enfermava das deficiências previstas no n.º 1 da mesma norma, tal como tão pouco o fez no prazo previsto para o efeito e que, na melhor da hipótese, era de 30 dias a contar da notificação em causa. d) Ao encontro disso, se quiser ter acesso aos elementos em causa, através de certidão e face tudo quanto foi referido no parágrafo anterior, não é de equacionar a gratuidade prevista no n.º 1 do mesmo artigo 37.º, sendo devido os respetivos emolumentos legais, nos termos do artigo 1.º, 6.º e 7.º do D.L. 29/98, de 11 de fevereiro que aprova o Regulamento das Custas de Processos Tributários, pelo que, considerando o disposto no n.º 2 do artigo 23.º do CPPT, deverá remeter, no prazo de 10 dias a contar da assinatura do AR que acompanha o presente ofício, novo pedido de certidão devidamente elaborado (…) sendo que, perante isso, será determinado o valor a pagar, em função do qual poderá solicitar o envio do DUC para pagamento. (…)” – cfr. documento de fls. 34 e 35 da paginação eletrónica; 6) No dia 21 de julho de 2022, a autora apresentou reclamação contra a decisão referida na alínea precedente – cfr. documento de fls. 1 a 3 da paginação eletrónica. * Factos não provados: Com relevância para a decisão do mérito, inexistem factos não provados. * Motivação e análise crítica da prova produzida Na determinação do elenco dos factos considerados provados, o Tribunal considerou e analisou, de modo crítico e conjugado, os documentos e informações constantes dos presentes autos, conforme o especificado nas várias alíneas da factualidade dada como provada, documentos esses que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram total credibilidade por parte do Tribunal, por não haver razões para duvidar da sua fidedignidade.». 3.2. DE DIREITO Como se extrai do que já vai exposto, a Recorrente não se conforma com a sentença recorrida, por entender que lhe devia ter sido emitida a certidão requerida, isenta de qualquer pagamento, nos termos do artigo 37º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Uma vez que não impugnou a factualidade julgada provada em 1ª instância, cumpre apenas analisar se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito. Vejamos, então, qual a fundamentação jurídica acolhida na sentença recorrida: «1.ª questão: Saber se a entidade requerida está obrigada a prestar à autora as informações/documentos por esta solicitada, ao abrigo do disposto no artigo 37.º do CPPT O direito à informação daqueles que são diretamente interessados num procedimento de cariz administrativo está consagrado no artigo 268.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e, enquanto direito de natureza análoga aos direitos fundamentais, só pode ser restringido por lei nos casos expressamente previstos para salvaguardar outros interesses legalmente protegidos. O artigo 83.º, n.º 1, do CPA, sob a epígrafe “Consulta do processo e passagem de certidões”, determina que “[o]s interessados têm o direito de consultar o processo que não contenha documentos classificados ou que revelem segredo comercial ou industrial ou segredo relativo à propriedade literária, artística ou científica”. E o n.º 2 do citado artigo acrescenta que “[o] direito referido no número anterior abrange os documentos relativos a terceiros, sem prejuízo da proteção dos dados pessoais nos termos da lei”. A intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões passagem de certidões, prevista no art.º 104.º do CPTA, destina- se a efetivar jurisdicionalmente, quer o direito de informação sobre o andamento dos procedimentos e o conhecimento das decisões que integram o direito de informação procedimental, quer o direito ao acesso aos arquivos e registos administrativos que corresponde ao direito de informação não procedimental. E, neste sentido, o artigo 104.º do CPTA concretiza, no plano processual, os direitos e garantias consagrados no artigo 268.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, que se encontram regulados, no plano do direito substantivo, respetivamente, pelos artigos 82.º a 85.º do CPA e pela Lei n.º 46/2007, de 24 de agosto (alterada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro). “Em qualquer caso, o processo de intimação pressupõe a existência de documentos pré-constituídos ou materializados em poder da Administração e não pode servir para impor à entidade administrativa o dever de produzir novos documentos ou praticar atos administrativos ou regulamentares que se considerem em falta, ou organizar dossiers estruturados ou sínteses de documentação administrativa sobre determinada matéria, ou ainda esclarecer quaisquer questões atinentes a anterior atuação administrativa” (cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2018, 4.ª ed., págs. 855 e 864). Com relevância para o caso sub judice, cumpre trazer à colação o disposto no artigo 83.º, n.º 3, do CPA, nos termos do qual “[o]s interessados têm o direito, mediante o pagamento das importâncias que forem devidas, de obter certidão, reprodução ou declaração autenticada dos documentos que constem dos processos a que tenham acesso” (sublinhado nosso). Sobre esta matéria já se pronunciou o Tribunal Constitucional (vide acórdão n.º 248/2000), admitindo que possam ser estabelecidas condições ou limitações ao exercício do direito à informação, desde que assentem num fundamento objetivo e respeitem o princípio da proporcionalidade. Feita esta breve resenha do enquadramento legal da intimação para prestação de informações e passagem de certidões, vejamos se a pretensão formulada pela autora é atendível. No caso sub judice, está provado que, no dia 11 de maio de 2022, a autora reiterou junto do Serviço de Finanças de ... o pedido que havia feito em 17 de março de 2021, tendo em vista obter o projeto de relatório e o relatório final da ação de inspeção de que foi alvo, em 2012, a coberto da ordem de serviço n.º OI2...26 (cfr. alíneas 1), 3) e 4) do elenco dos factos provados). Perscrutados os articulados das partes, constata-se que estamos perante informação que está devidamente identificada, sendo composta por documentos administrativos em poder da entidade requerida, relativo a um procedimento inspetivo realizado à autora. Por outro lado, também se constata que os documentos em questão podiam ser facultados à autora, uma vez que não se subsumem em nenhuma das exceções/limitações ao direito de informação previstas no artigo 83.º do CPA. Consequentemente, dúvidas não há de que a autora (por si própria ou através de mandatário) tinha o direito de pedir e de obter os documentos/informações que solicitou junto da Administração Tributária, não havendo qualquer divergência entre as partes, a esse respeito, sendo que a própria entidade requerida reconhece que “no caso que nos ocupa, não foi, de todo, negado esse acesso” (vide artigo 20.º da resposta). O dissídio entre as partes restringe-se à questão de saber se o regime previsto no artigo 37.º do CPPT é ou não aplicável ao caso sub judice. Vejamos. O artigo 37.º, n.º 1 do CPPT, determina que “[s]e a comunicação da decisão em matéria tributária não contiver a fundamentação legalmente exigida, a indicação dos meios de reação contra o ato notificado ou outros requisitos exigidos pelas leis tributárias, pode o interessado, dentro de 30 dias ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio judicial que desta decisão caiba, se inferior, requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento”. O citado normativo permite a sanação de deficiências dos atos de notificação, prevendo a possibilidade de tal sanação ocorrer em relação a quaisquer requisitos do ato de notificação (vide JORGE LOPES DE SOUSA, in CPPT Anotado e Comentado, Áreas Editora, 2006, Vol. I, pág. 348). Ora, no caso sub judice, em 2022, não houve qualquer notificação da autora relativamente aos requeridos i) projeto de relatório e ii) relatório final de inspeção e/ou decisão/ato em matéria tributária conexa com tal procedimento, o que afasta, desde logo, a aplicabilidade do regime ínsito no artigo 37.º do CPPT. O que está provado nos autos é que, em 20022, a autora (através do seu mandatário) pretendeu ter acesso ao projeto de relatório e relatório final emitidos pelos Serviços de Inspeção Tributária, a coberto de uma ação inspetiva realizada em 2012 (cfr. alíneas 1) a 4) do elenco dos factos provados). No mais, importa esclarecer que as considerações expendidas pela autora relativamente à possibilidade da sua representação por mandatário e ao regime das notificações junto de contribuintes que constituíram mandatário (vide artigos 25.º a 30.º do requerimento inicial) não se afiguram pertinentes para o caso em apreço, porque – repita-se – em 2022, não houve qualquer notificação à autora relativa aos ora peticionados documentos (projeto de relatório e relatório final da ação inspetiva realizada em 2012). O que houve foi uma notificação da decisão do Chefe do Serviço de Finanças de ... a indeferir a pretensão de acesso aos requeridos documentos, ao abrigo do artigo 37.º do CPPT, sendo certo que esta notificação foi remetida ao "Dr. BB", na qualidade de mandatário da autora (cfr. alínea 5) do elenco dos factos provados) – o que vai ao encontro do regime legal das notificações aos interessados que tenham constituído mandatário (cfr. artigo 40.º, n.º 1, do CPPT). Por outro lado, em reforço da conclusão sobre a inaplicabilidade do artigo 37.º do CPPT ao caso sub judice, importa notar que o hiato temporal de 10 anos verificado entre a realização e conclusão do procedimento inspetivo ocorrido em 2012 (com o envio do projeto de relatório e do relatório final de inspeção, através dos ofícios 8794 e 9502, de 15/10/2012 e de 7/11/2012, respetivamente – cfr. alínea 2) do elenco dos factos provados) e o requerimento de informação formulado em 2022, ultrapassa, em muito, o prazo legal ali estipulado de 30 dias para “requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento”. Neste contexto, bem andou a entidade requerida ao recusar que a pretensão da autora fosse deferida e satisfeita, ao abrigo do regime previsto no artigo 37.º do CPPT, (com a correspondente isenção de qualquer pagamento), exigindo, antes, o pagamento dos “respetivos emolumentos legais, nos termos do art. 1.º, 6.º e 7.º do D.L. 29/98, de 11 de fevereiro que aprova o Regulamento das Custas dos Processos Tributários” (cfr. alínea 5) do elenco dos factos provados). Na verdade, e como decorre do supra citado artigo 83.º, n.º 3, do CPA, está legalmente prevista a possibilidade de a Administração Tributária exigir a cobrança de taxas pela emissão de certidão, reprodução ou declaração autenticada dos documentos que constem dos processos administrativos. Por fim, no que respeita à alegada violação dos princípios da informação, colaboração, legalidade, igualdade, proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé (consagrados no artigo 266.º da CRP e no artigo 11.º do CPA), importa referir que a autora não explicitou as razões em que sustenta a sua alegação. Limitou-se a afirmar a existência de tal violação sem avançar qualquer tipo de argumentação suscetível de justificar uma tal afirmação. Por outras palavras, a impugnante apresentou a conclusão do seu raciocínio, mas omitiu as premissas que a levaram a produzir aquela conclusão. Para apreciar a violação dos referidos princípios, o tribunal precisava de conhecer os factos e as razões que levaram a impugnante a concluir por tal violação, não bastando, para tal, a alegação de meras considerações e generalidades que não se conseguem concretizar (ver, neste sentido, o acórdão do TCA Norte de 24 de fevereiro de 2012, proferido no processo 1957/10, disponível para consulta em www.dgsi.pt). De qualquer modo, sempre se dirá, na esteira das considerações acima expendidas, que a atuação da entidade requerida ao negar a aplicação do regime do artigo 37.º do CPPT e ao fazer depender a disponibilização dos documentos requeridos do pagamento prévio dos devidos emolumentos, está conforme à ordem jurídica vigente, pelo que não se vislumbra qualquer ilegalidade ou irregularidade cometida pela Administração Tributária. Ante o exposto e sem necessidade de mais amplas considerações, improcedente se mostra, também, a invocação, por parte da impugnante, da violação dos referidos princípios. Termos em que soçobram os alegados vícios e, sendo assim, resta concluir que a atuação da entidade requerida está em conformidade com o ordenamento jurídico-tributário vigente.». A Recorrente não se conforma com o assim decidido, referindo, logo à partida, que “continua sem ter acesso ao conteúdo do que foi decidido relativamente ao (…) pedido de reembolso”, pese embora na p.i. sustente coisa diferente, ou seja, que a AT se recusa a notificar o mandatário da requerente, devidamente constituído, da informação solicitada, isenta de pagamento. Veja-se o que, concretamente, é alegado nas conclusões 8, 13, 17, 21 e 23 da p.i : [dá-se por reproduzido(a) o(a) documento/imagem conforme original] Como bem se refere na sentença recorrida, o artigo 37º do Código de Procedimento e de Processo Tributário destina-se a suprir deficiências das notificações das decisões em matéria tributária, designadamente, quando não contenham a fundamentação legalmente exigida, a indicação dos meios de reação contra o ato notificado ou outros requisitos exigidos pelas leis tributárias. Assim tem sido entendido pelos Tribunais superiores e pela doutrina comummente aceite, segundo a qual este normativo «reporta-se aos casos de falta de indicação, na notificação, da fundamentação do acto notificado, dos meios de reacção contra ele, do prazo para os utilizar e dos outros requisitos que estejam previstos especialmente nas leis tributárias, sem incluir os indicados no n.º 9 do art. 39.º» (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume I, anotação 3 a) ao art. 37.º, págs. 349 a 351). Por isso, o artigo 37º do Código de Procedimento e de Processo Tributário apenas tem aplicação quando exista a prévia notificação de um ato, na qual seja omitida a fundamentação do ato notificado, dos meios de reação contra ele, do prazo para os utilizar e dos outros requisitos que estejam previstos especialmente nas leis tributárias. Ou seja, visando suprir “deficiências da notificação”, a norma em causa pressupõe, logicamente, e só pode ser aplicada quando a notificação tenha ocorrido, cabendo ao interessado, em sede judicial, especificar a informação que pretende e foi omitida. Logo, o artigo 37º do Código de Procedimento e de Processo Tributário não se destina a suprir a “falta de notificação” de atos em matéria tributária, independentemente de o pedido dessa notificação ser feito pelo contribuinte ou por mandatário regularmente constituído. Releva, ainda, dizer que este normativo se destina a dilatar os prazos de reação contra atos tributários a cuja notificação faltam os descritos elementos, pelo que não logra o mesmo aplicação quando tal finalidade não possa ser atingida, designadamente por não existir qualquer notificação ou por estarem largamente ultrapassados os prazos de reação e de apresentação do requerimento previsto nesta norma. Ora, como se infere do teor da sentença recorrida, o normativo em causa também não logra aplicação por ter sido utilizado quase 10 anos após a remessa das notificações dos atos cuja certidão foi requerida (cfr. ponto 2 dos factos provados, segundo o qual as notificações tais atos terão sido enviadas em outubro e novembro de 2012), não se verificando, por isso, o requisito temporal estabelecido na norma, sendo certo que, como afirmou o STA, no seu acórdão de 08-02-2017, proferido no processo nº 01018/16, «o acto de comunicação ao destinatário de um acto em matéria tributária que não o informa de todos os elementos do acto notificado só é irrelevante para efeitos de determinação dos prazos de reacção contra o acto notificado, por via administrativa ou judicial, e mesmo esta única consequência apenas ocorre se for utilizada a faculdade prevista no n.º 1 daquele art. 37.º. » - vide http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/8704cc9c415e8b32802580c3005124be?OpenDocument&ExpandSection=1. Concluímos, assim, que a sentença aqui em crise não enferma de erro de julgamento na parte recorrida, devendo permanecer inalterada, com a consequente improcedência do presente recurso. 4. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida. Custas a cargo da Recorrente, que sai vencida neste recurso (artigo 527º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil). Porto, 30 de novembro de 2022 Maria do Rosário Pais José Coelho |