Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00058/24.7BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/10/2025
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:ANA PAULA ADÃO MARTINS
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR;
PERICULUM IN MORA;
DIREITO À PROVA;
Sumário:
I - Em sede cautelar, com excepção da prova pericial, a parte pode valer-se de todos os meios de prova, designadamente das requeridas prova testemunhal e prova por declarações de parte.

II – O julgamento de determinada factualidade como não provada, após a recusa do requerimento de produção de prova sobre a mesma, viola o direito à prova.

III - A capacidade que as provas requeridas terão de convencer o julgador sobre os enunciados fácticos em discussão é coisa distinta, que se afere em momento posterior, não podendo constituir fundamento para a sua rejeição.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar para Abstenção duma Conduta (CPTA) - Recurso jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO

[SCom01...], Lda., melhor identificada nos autos, intentou providência cautelar contra o Município ..., com os demais sinais nos autos, pedindo que se “determine a intimação do requerido para se abster de praticar, directa ou indirectamente, quaisquer actos materiais e/ou jurídicos que impossibilitem o uso, pela requerente, do terraço situado a tardoz do edifício onde possui o seu estabelecimento comercial e da galeria do mesmo edifício, como esplanadas, permitindo assim o seu uso até a resolução definitiva deste litígio, nos termos do disposto no artº 112º, nº 2, al. i) do CPTA”. Subsidiariamente, para o caso de se “entender que as decisões da Senhora Vereadora datadas de 04/05/2023 e 18/07/2023 são eficazes”, requer que se “determine a suspensão da eficácia dessas decisões até que se seja emitida uma decisão final sobre este litígio”.
Na sequência do despacho de 08.04.2024, identificou contra-interessados.
*
A 02.10.2024, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu proferiu despacho a indeferir a prova adicional (testemunhal e declarações de parte) requerida e, de seguida, proferiu sentença, julgando improcedente a presente acção cautelar e absolvendo a Entidade Demandada dos pedidos formulados.
*
Inconformada, a Requerente vem recorrer do despacho que indeferiu a produção de prova requerida e da sentença, tendo formulado as seguintes conclusões:
PRIMEIRA - Na presente providência cautelar a Recorrente requer sejam tomadas as declarações de parte do seu gerente, «AA», relativamente à matéria alegada nos artigos 1º a 9º, 11º, 13º a 14º, 16º a 17º, 31º a 37º, 40º a 41º, 46º, 48º, 51º a 55º e 67º a 76º do requerimento inicial, arrolando igualmente três testemunhas;
SEGUNDA - Entendeu, todavia, o Tribunal “a quo”, por despacho datado de 02/10/2024 que antecedeu a sentença, dispensar a produção de prova testemunhal, porquanto, no seu entendimento, nos articulados apresentados pela ora Recorrente não consta a alegação de factos com relevância para a decisão da causa que careçam da produção de prova testemunhal;
TERCEIRA – O Tribunal “a quo” dispensou a produção de prova testemunhal, tendo alegadamente fundamentado tal dispensa (- alegadamente, porquanto o alegado não constitui fundamento bastante para essa dispensa), mas no que se refere às declarações de parte requeridas, apesar de as não ter considerado, nem as ter promovido, o Tribunal não as dispensou, nem, consequentemente, fundamentou tal dispensa.
QUARTA - Estamos aqui, pois, na presença de um despacho nulo, por falta de fundamentação, nulidade essa que aqui expressamente se invoca, porquanto, o Tribunal não tomou as declarações de parte requeridas pela requerente, nem, tão pouco, fundamentou a dispensa deste meio de prova, como determina a lei, nos termos do artº 118º, nº 3 e 5 do CPTA;
QUINTA - A necessidade da tomada de declarações de parte do gerente da ora Recorrente é tão mais evidente quando se verifica que o Tribunal “a quo” indeferiu a requerida providência por falta de verificação do necessário periculum in mora, sendo certo que os prejuízos invocados pela Recorrente, constantes justamente dos artigos 67º a 76º do requerimento inicial, seriam provados, entre o mais, por este meio de prova, o qual acabou por ser dispensado;
SEXTA - Mesmo relativamente à dispensa da prova testemunhal, a qual foi, em termos meramente formais, fundamentada, a verdade é que em termos materiais, a mesma não se encontra fundamentada e, por isso, a mesma é igualmente nula, por falta de fundamentação, nulidade essa que, também aqui, expressamente se invoca;
SÉTIMA - É o próprio Tribunal “à quo”, em sede de sentença, que refere que “(…) a Requerente para além do alegado, não oferece outra alegação ou prova quer quanto às perdas financeiras dos meses que se seguiram ao fecho das esplanadas, quer quanto à sua situação financeira atual, prova esta que apenas poderia ser complementada através de prova testemunhal, pelo que, por esse motivo, não é exequível aferir da sua real situação de faturação e tesouraria”; OITAVA - Estamos, assim, pois, perante uma contradição insanável do Tribunal, ou seja, no Despacho refere que não é necessária a produção de prova testemunhal, para no âmbito da sentença referir que essa prova testemunhal seria essencial para a prova, quer das perdas financeiras, quer da situação actual;
NONA – Não só era essencial essa prova testemunhal, como a prova por declarações de parte do gerente da Recorrente; DÉCIMA - Não ocorreu qualquer défice alegatório;
DÉCIMA PRIMEIRA - A ora Recorrente alega, ao longo dos artºs 67º a 76º, os prejuízos concretos que a decisão administrativa lhe causou e que se traduziram: a) numa redução da lotação do seu estabelecimento, que era de 136 lugares e passou para 72 lugares, b) redução essa de lotação que determinou uma perda de clientela, c) perda essa de clientela que se traduziu numa diminuição abrupta da facturação da empresa;
DÉCIMA SEGUNDA - Perda de clientela e perda de facturação constituem, sem qualquer margem para dúvida, prejuízos, os quais foram devidamente alegados e concretizados, cuja prova recairia, além do docº nº 14 junto, na prova testemunhal arrolada e nas declarações de parte do gerente da Recorrente.
DÉCIMA TERCEIRA - A recorrente consegue alegar e, de facto, alega os prejuízos que já sofreu, ou seja, a quebra de clientela e consequente quebra na facturação até ao momento em que instaurou a presente providência cautelar, mas os prejuízos futuros não podem ser concretizados, sendo apenas estimados, devendo os mesmos, em princípio, ser de mesma monta que os até aqui sofridos, ou seja, diferença da facturação verificada entre o período em que as esplanadas funcionavam na sua normalidade e a facturação verificada no período posterior a essa remoção;
DÉCIMA QUARTA - Se tivesse sido produzida a prova testemunhal requerida, bem como as declarações de parte do seu gerente, poder-se-ia comprovar se com a suspensão da decisão de encerramento das esplanadas se verificou um aumento da clientela e da facturação e um regresso aos valores verificados antes do encerramento das esplanadas, o que significaria que esse encerramento iria acarretar, de facto, um prejuízo futuro para a ora Recorrente.
DÉCIMA QUINTA- Se a Recorrente tem uma quebra de facturação de cerca de 25%, entre a facturação verificada num mês com duas esplanadas a funcionarem na sua plenitude, para outro mês em que as suas duas esplanadas não se encontram a funcionar, naturalmente que se encontra numa situação de dificuldade financeira, porquanto uma quebra de facturação de cerca de 25%, repita-se, compromete sempre a sua capacidade de cumprir com os seus compromissos financeiros;
DÉCIMA SEXTA - A Recorrente alega essa eventual dificuldade em cumprir os seus compromissos financeiros quando no artº 80º do requerimento inicial refere que em cada dia que passa o encerramento das esplanadas da requerente determina perda de clientela e de facturação para a mesma (…), a qual pode ser irreversível para a própria solvabilidade da requerente;
DÉCIMA SÉTIMA - A solvabilidade traduz-se na capacidade que as empresas têm em solver os seus compromissos, ou seja, na capacidade para liquidar as suas responsabilidades no curto, médio e longo prazo; DÉCIMA OITAVA - São compromissos de qualquer empresa: o pagamento de rendas, os vencimentos dos trabalhadores, o pagamento de impostos e contribuições para a Segurança Social, o pagamento de seguros dos trabalhadores e multi-riscos, o pagamento a fornecedores, entre outros.
DÉCIMA NONA - Estes e outros compromissos são comuns à generalidade das empresas, não sendo excepção a Recorrente, pelo que quando esta alega que está em risco a sua solvabilidade, significa que estão em risco os pagamentos de todas estas rúbricas na generalidade.
VIGÉSIMA - À data da propositura da providência cautelar a Recorrente apenas poderia afiançar que, a continuar com os prejuízos que então se verificavam, estava em causa a solvabilidade da empresa, ou seja, o pagamento de qualquer uma das rúbricas atrás referida ou de todas elas na sua globalidade.
VIGÉSIMA PRIMEIRA - Seria na audiência de julgamento que a Recorrente, no âmbito das declarações de parte do seu gerente requeridas, poderia comprovar este fundado receio, o que não foi permitido fazer com a dispensa deste meio probatório;
VIGÉSIMA SEGUNDA - Face a todo o supra exposto, resulta claro que a produção de prova testemunhal e as declarações de parte do gerente da Recorrente são essenciais para comprovar o periculum in mora, pelo que a dispensa destes meios probatórios, sem a respectiva fundamentação, consubstancia a nulidade do Despacho, que aqui expressamente se invoca, por preterição do contraditório e falta de fundamentação e a ocorrência de erros de julgamento, ao dispensar expressamente a produção da prova testemunhal, com o que se mostraria violado o princípio do contraditório previsto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC e o direito à tutela jurisdicional efetiva, proclamado no artigo 20.º da CRP.
VIGÉSIMA TERCEIRA - Refere o Tribunal “a quo” que as alíneas constantes da matéria dada por não provada, resultam da inexistência de prova documental em relação ao alegado, atento o ónus da prova que recaía sobre a Requerente; - ora,
VIGÉSIMA QUARTA - A matéria dada como não provada em A) não poderia ser objecto de prova documental, porquanto tal ordem fora meramente verbal, pelo que, a comprovação dessa vistoria e ordem seria feita com base no depoimento das testemunhas arroladas e nas declarações de parte do gerente da Recorrente, provas essas que, contudo, foram dispensadas pelo Tribunal “a quo” como resulta do supra exposto.
VIGÉSIMA QUINTA - Já no que concerne aos factos dados como não provados em B), C) e D), não é verdadeiro que inexista prova documental que recaia sobre os mesmos, porquanto como se referiu em 17º, a Recorrente, através do requerimento datado de 06/02/20224 (Refª 256632) juntou o docº nº 14, o qual foi emitido pelo seu Contabilista Certificado, e comprova a quebra de facturação da Recorrente alegada nos artºs 69º a 73º da sua petição inicial, VIGÉSIMO SEXTA - Documento esse que voltou a ser junto no mesmo requerimento em que se submeteu a nova petição inicial aperfeiçoada;
VIGÉSIMO SÉTIMA - Por conseguinte, desse documento junto resulta inequivocamente que as facturações da Recorrente são aquelas mencionadas nos pontos B), C) e D) da matéria dada como não provada,
VIGÉSIMO OITAVA - O Tribunal “a quo” fez neste quesito uma errónea valoração da matéria de facto, ao dar como não provada a matéria vertida nos mencionados pontos B), C) e D) dos factos não provados, devendo os mesmos considerar-se como provados.
VIGÉSIMA NONA - No período que mediou a instauração da providência cautelar e a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, a facturação da Recorrente voltou a atingir valores próximos dos verificados em Novembro de 2023, sendo nas maior parte dos meses superiores, inclusive, à facturação desse mês;
TRIGÉSIMA - fruto dos prejuízos sofridos com o encerramento das esplanadas o fundo de maneio da Recorrente ficou, severamente, comprometido, razão pela qual a partir do encerramento das esplanadas e mesmo após a sua abertura, com a providência cautelar, a Recorrente deixou de conseguir fazer face aos seus compromissos financeiros; TRIGÉSIMA PRIMEIRA - A Recorrente passou a não conseguir pagar atempadamente as contribuições para a Segurança Social, tendo-se visto forçada a fazer acordos de pagamento;
TRIGÉSIMA SEGUNDA - A Recorrente passou, igualmente, a não conseguir cumprir atempadamente com os pagamentos aos fornecedores;
TRIGÉSIMA TERCEIRA - Por falta do pagamento atempado de impostos foram instaurados, recentemente, processos de execução fiscal à Recorrente;
TRIGÉSIMA QUARTA - Como se referiu supra, a propósito da dispensa da prova requerida, a ora Recorrente alega, ao longo dos artºs 67º a 76º da petição inicial, os prejuízos concretos que a decisão administrativa lhe causou;
TRIGÉSIMA QUINTA - Já os prejuízos que a Recorrente viria a sofrer senão fosse determinada a suspensão da decisão que determinou o encerramento das esplanadas, naturalmente que não puderam os mesmos ser concretizados; - com efeito,
TRIGÉSIMA SEXTA - Da mesma forma que não era possível à Recorrente, aquando da instauração da providência cautelar, assegurar como certo que da execução da decisão administrativa de encerramento das esplanadas, resultasse facto consumado ou sequer prejuízos de difícil reparação;
TRIGÉSIMO SÉTIMA - O que, salvo o devido respeito, nem seria necessário alegar;
TRIGÉSIMO OITAVA - O “periculum in mora”, a que alude a 1ª. parte do nº 1 do art. 120.º do CPTA, traduz-se no fundado receio de que, quando sobre o processo principal venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar a resposta adequada às situações jurídicas em litígio;
TRIGÉSIMA NONA - Das alegações da Recorrente não tem de resultar um facto consumado ou sequer prejuízos de difícil reparação, mas antes e apenas que haja um fundado receio que venha a resultar esse facto consumado e/ou prejuízo de difícil reparação; - ora,
QUADRAGÉSIMA - Esse fundado receio de vir a resultar um facto consumado é desde logo verificado quando a Recorrente peticiona o decretamento provisório da providência, ao referir que “o procedimento cautelar, embora se trate de um processo urgente, tem os seus tempos próprios para ser decidido e que em cada dia que passa o encerramento das esplanadas da requerente determina perda de clientela e de facturação para a mesma (…), a qual pode ser irreversível para a própria solvabilidade da requerente”;
QUADRAGÉSIMA PRIMEIRA - Se a Recorrente tem uma quebra de facturação de cerca de 25%, entre a facturação verificada num mês com duas esplanadas a funcionarem na sua plenitude, para outro mês em que as suas duas esplanadas não se encontram a funcionar, naturalmente que, continuando as referida esplanadas sem funcionarem, haverá o fundado receio que essa quebra de facturação de cerca de 25%, se repita e que assim comprometa a sua capacidade de cumprir com os seus compromissos financeiros; - é que,
QUADRAGÉSIMA SEGUNDA - Como se referiu, à data da propositura da providência cautelar a Recorrente não se encontrava em condições de garantir que estava em causa o pagamento dos salários dos funcionários, ou o pagamento de impostos e/ou contribuições, ou o pagamento a fornecedores ou o pagamento de todas estas rúbricas em conjunto.
QUADRAGÉSIMA TERCEIRA - Mas a verdade é que esse fundado receio de facto consumado ou de ser verificarem prejuízos de difícil reparação se vem hoje a comprovar, na medida em que,
QUADRAGÉSIMA QUARTA - Apesar de a Recorrente ter vindo nos últimos meses a recuperar a facturação de anteriormente, ou seja, de Novembro de 2023, não tem conseguido fazer face aos compromissos assumidos, designadamente, aos pagamentos à Segurança Social, impostos e fornecedores, o que se deveu aos prejuízos sofridos com o encerramento das esplanadas;
QUADRAGÉSIMA QUINTA - De onde resulta inequivocamente que, caso a Recorrente mantivesse a facturação que manteve nos períodos em que encerraram as esplanadas, ou seja, se não fossem suspensas tais decisões, estaria numa situação muito pior, com prejuízos de difícil reparação, senão mesmo votada à falência,

Pelo exposto e pelo mais que doutamente será suprido, deve conceder-se provimento a este recurso e - Deve assim o despacho em crise ser revogado, em conformidade com o alegado/requerido nas conclusões ora formuladas, e substituído por outro que determine que se proceda à inquirição das testemunhas arroladas e à tomada das declarações de parte requeridas pela Recorrente; - subsidiariamente, se assim não for entendido, já no âmbito da sentença proferida, deve conceder-se provimento a este recurso, revogando-se a sentença recorrida nas partes colocadas em crise nesta peça processual, em conformidade com o alegado/requerido nas conclusões ora formuladas, com o que esse Venerando Tribunal uma vez mais fará J U S T I Ç A !
*
A parte contrária, regularmente notificada, não apresentou contra-alegações.
*
O Ministério Público junto deste Tribunal Central, notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º, nº 1 e 147º, nº 2, ambos do CPTA, não emitiu parecer.
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Sem vistos, atento o disposto nos arts. 36º nºs 1 e 2 e 147º do CPTA, mas com prévia divulgação do projecto de acórdão pelos Senhores Juízes Desembargadores Adjuntos, o processo vem submetido à Conferência.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Atentas as conclusões das alegações do recurso interposto, que delimitam o seu objecto, nos termos dos art.s 635º, nºs 4 e 5 e 639º, nºs 1 e 2 do CPC, ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, a questão decidenda reside em saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito, ao rejeitar a produção de prova adicional requerida e bem assim ao rejeitar a providência cautelar requerida, com fundamento na não verificação do requisito periculum in mora.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
De Facto

A sentença recorrida considerou indiciariamente provados os seguintes factos:
1) A Requerente é uma sociedade comercial por quotas, que se dedica à atividade da restauração, que desenvolve no seu estabelecimento comercial, denominado “100 ...”, situado na fração A do prédio sito na Rua ..., .... (cfr. doc. n.º 1 junto com o RI);
2) A fração mencionada no ponto anterior possuí a seguinte licença:
(imagem)
(cfr. doc. n.º 9 junto com o RI);
3) Por ata do condomínio sito na Quinta ..., ..., freguesia ..., ...55 ..., foi a Requerente autorizada a colocar uma estrutura fixa, com paredes e telhado, no terraço da fração A, por si ocupada, com a condição de salvaguarda da exaustão de fumos e gases não passar por fora da estrutura. (cfr. doc. n.º 10 junto com o RI);
4) Após o início de atividade da Requerente, foram apresentadas junto da Câmara Municipal ... (CM...), várias reclamações de moradores do local onde o estabelecimento comercial da Requerente se encontra instalado. (cfr. fls.3, 9, 13, 25,29, 39, 41,43, 45, 47, 50, 55, 57, 59, 107, 129, 139, 142, 145 do PA);
5) Em 02/05/2023, foram proferidas as seguintes informações técnicas pela Divisão de Fiscalização Municipal (DFM) da CM...:
“(…) Etapa n.º 6 Estamos perante um estabelecimento comercial com atividade de restauração, designado por "100 ...", localizado na fração A do R/C do Lote ...18, na Rua ... em .... (…)
1.O edifício em questão está titulado pela Autorização de Utilização N.º 19/2022, referente ao processo 17.04.07/2019/885.
2. De acordo com a PH do edifício, o estabelecimento comercial em análise respeita à fração A (R/C esq.), com a área total afeta a comércio/serviços de 124,60m2, "constituída por um compartimento amplo e uma instalação sanitária", não obstante de, ser "parte comum às frações A e B do prédio (frações comerciais), o terraço localizado no alçado posterior do prédio, ao nível do rés-do-chão, bem como todos os demais requisitos a que se refere o Art.º 1421 do Código Civil”.
3. Atendendo ao descrito na Etapa 3, no decurso de ação de fiscalização realizada, conclui-se que o restaurante instalou uma esplanada na área de terraço localizado a tardoz, para utilização exclusiva dos seus clientes.
No que respeita ao teor da queixa
- Perturbação causada por cheiros, fumus e ruídos, deverão ser verificados no local os fundamentos da mesma, pelo que se propõe à consideração superior:
Nos termos do artigo 96.º do RJUE, a determinação de uma vistoria à fração A- R/C esquerdo, no dia 14/06/2023, pelas 10h00.
Nos termos do n.º 2 do artigo 90.º do RJUE, determinar a notificação do responsável do estabelecimento comercial, do ato determinado e respectivos fundamentos, através dos contactos abaixo indicados. Quanto à esplanada, atendendo que:
- A mesma se encontra instalada numa área de domínio privado, comum a ambas as frações comerciais do R/C;
- Salvo melhor opinião, pela análise da PH e documentos instrutórios do pedido de autorização de utilização (EDOC/2022/4780), entende-se que esta área não está afeta ao uso da fração;
- Da sua utilização advêm incómodos para os residentes do lote lateral (falta de privacidade, odores e ruído); Propõe-se que seja cessado o uso da área do terraço como esplanada. (…)
Etapa n.º 7
Concordo com o proposto na etapa anterior.
Se superiormente se concordar com o proposto, deverá ser remetido à Exma. Sr.ª Vereadora, Dr.ª «BB», para determinar a realização de vistoria ao prédio, a ser realizada no dia 14 de junho, de 2023, pelas 10,00 horas, que deve ser comunicada à Gerência da empresa [SCom01...], Lda. atrás identificada que deve ser notificada também a cessar o uso da área de terraço como esplanada, com fundamento nos factos descritos ma etapa anterior.
Mais se deverá informar os visados, que até à véspera da vistoria, poderão indicar um perito para intervir na realização da vistoria e formular quesitos a que a comissão de vistorias responderá.” (cfr. EDOC/2023/22799, Etapas n.º 6, 7, 8 e 9 fls. 32 vs e 33 do PA);
6) Em 04/05/2023, as informações vertidas no ponto anterior, foram objeto de concordância, por parte da Vereadora «BB». (cfr. EDOC/2023/22799, Etapas n.º 6, 7, 8 e 9 fls. 32 vs e 33 do PA);
7) Em 11/05/2023, a aqui Requerente recebeu o seguinte ofício do Município ...:
(imagem)
(…)” (cfr. art. 4.º do requerimento inicial (RI); doc. n.º 3 junto com a PI; fls. 64, 65 e 66 do PA);
8) Em 14/06/2023 foi realizada a vistoria do estabelecimento comercial da Requerente, na qual compareceu «AA», na qualidade de sócio-gerente da mesma, tendo-se lavrado o respetivo auto, do qual constam as seguintes conclusões: “(…)
(imagem)
(…)” (cfr. doc. n.º 3 junto com o RI; cfr. fls. 67 a 70 do PA);
9) O Auto de Vistoria mencionado no ponto anterior, foi objeto de informações e despacho de concordância de 10/07/2023 e 17/07/2023, e 18/0772023, respetivamente. (cfr. EDOC/2023/47785, Etapas n.º 4, 5, 6 e 7 fls. 71 e 72 do PA, documentos que se dão por integralmente reproduzidos);
10) Em 25/07/2023, a Requerente recebeu o ofício do Requerido Município ..., do qual se extrata:
(imagem)
(…)” (cfr. art. 7.º do RI; doc. n.º 4 junto com o RI; fls. EDOC/2023/76678, Etapas 1 e 2, fls. 128, e fls. 119 a 125 do PA);
11) Em 13/12/2023, a Requerente foi notificada pessoalmente pela Polícia Municipal, do Mandado de Notificação com o seguinte conteúdo:
“(…) «CC», Vice-Presidente e Autoridade Administrativa no Município ..., manda à Polícia Municipal ..., que, vendo este por mim assinado e autenticado em forma legal, notifique a firma “[SCom01...] Lda.”, na qualidade de entidade exploradora do estabelecimento "100 ...", situado na Rua ..., ..., em ..., do teor do parecer da Divisão de Assessoria e Apoio Jurídico desta Câmara Municipal, n.º 19, de 26-10-2023, com o qual concordo e cuja cópia se anexa, para fazer Parte integrante da presente notificação, e, em conformidade, para:
1) Proceder à remoção de todos os bens que abusivamente se mantêm na galeria comum a todas as frações do edifício, e remover a esplanada indevidamente colocada no terraço, que é parte comum das frações do rés-do-chão do prédio, e de imediato, com base na alínea g) do n.º 2 do artigo 102.º e artigo 109.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, na sua atual redação, se abster de efetuar qualquer utilização privativa dos referidos espaços, sob pena de se adotarem as medidas de tutela e de reposição da legalidade urbanística, dada a desconformidade com os respetivos atos administrativos de controlo prévio;
2) Dar integral cumprimento às medidas determinadas no auto de vistoria de 14 de Junho de 2023, de modo a eliminar a incomodidade devida à produção de ruído e da exaustão de fumos.(…)” (cfr. EDOC/2023/50497, Etapas n.º 28 a 33, fls. 105 e 105vs, 149 a 158 e 89 do PA)
*
O Tribunal a quo julgou não provados os seguintes factos:
A) Em 20/12/2023, o estabelecimento da requerente foi objecto de uma nova vistoria, tendo sido ordenado à Requerente, que cessasse a utilização da esplanada situada a tardoz, e retirasse todas as cadeiras e mesas na mesma situadas, sob pena de, se assim não procedesse, lhe serem aplicadas coimas, de incorrer em crime de desobediência e de lhe serem apreendidas as referidas cadeiras e mesas.
B) No mês de outubro de 2023 a facturação da Requerente foi de € 32.950,08.
C) Em novembro de 2023 a facturação desceu já para € 27.716,00.
D) Em dezembro de 2023, mês de encerramento das esplanadas, a faturação da Requerente desceu para € 23.199,40
*
A decisão da matéria de facto foi assim motivada:
“Assenta a convicção deste Tribunal no exame da prova documental constante dos presentes autos, cujos documentos foram indicados a propósito de cada ponto do probatório.
As alíneas constantes da matéria dada por não provada, resultam da inexistência de prova documental em relação ao alegado, atento o ónus da prova que recaía sobre a Requerente.
Não se deram como provadas nem não provadas, as alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.”
*
De Direito

A Autora intentou providência cautelar pedindo, a título principal, a intimação do requerido para se abster de praticar, directa ou indirectamente, quaisquer actos materiais e/ou jurídicos que impossibilitem o uso, pela requerente, do terraço situado a tardoz do edifício onde possui o seu estabelecimento comercial e da galeria do mesmo edifício, como esplanadas, permitindo assim o seu uso até a resolução definitiva deste litígio, nos termos do disposto no artº 112º, nº 2, al. i) do CPTA: e, a título subsidiário, a suspensão da eficácia das decisões da Senhora Vereadora, datadas de 04/05/2023 e 18/07/2023, até que se seja emitida uma decisão final sobre este litígio.
As providências cautelares são mecanismos não autónomos de tutela de pretensões jurídicas que se desenvolvem na dependência de uma acção principal, acessíveis ao administrado para tutela efectiva dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
Caracterizam-se pela sua provisoriedade e instrumentalidade em relação ao processo principal, características que se revelam, com clareza, no facto de os mesmos não se destinarem a ditar em definitivo o direito mas, apenas e tão só, a possibilitar que o direito, que irá ser estabelecido no processo principal, ainda possa ter utilidade e na circunstância de o Juiz não poder conceder nesses processos o que se consegue obter nos autos de que dependem.
O decretamento de providências cautelares mostra-se sujeito aos critérios definidos nos nº s 1 e 2 do art. 120º do CPTA.
Assim, o decretamento de providências cautelares – sejam elas conservatórias ou antecipatórias – exige o preenchimento de dois pressupostos (positivos): (i) o fumus boni iuris ou “que seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente”, e (ii) o periculum in mora ou “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal” (cfr. nº 1 do art. 120º).
O nº 2 do artigo 120.º acrescenta um terceiro pressuposto (negativo), nos termos do qual “a adoção da providência ou das providências é recusada, quando devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências”.
In casu, o Tribunal a quo, após eleger o pedido de suspensão de eficácia dos actos administrativos como o mais adequado aos interesses do Requerente, decidiu rejeitar a providência requerida por inexistir periculum in mora.
A decisão foi assim motivada:

“(…)
Ante o exposto, tendo em conta a matéria de facto indiciada nos autos em confronto com as alegações da Requerente, há que fazer o juízo de prognose, e de previsão de a execução dos atos administrativos identificados pela Requerente, poderem originar os prejuízos invocados, considerando o nexo de causa e efeito, bem como, aquilatar se esse prejuízo é de difícil reparação ou insuscetível de indemnização.
Note-se que a Requerente para além do alegado, não oferece outra alegação ou prova quer quanto às perdas financeiras dos meses que se seguiram ao fecho das esplanadas, quer quanto à sua situação financeira atual, prova esta que apenas poderia ser complementada através de prova testemunhal, pelo que, por esse motivo, não é exequível aferir da sua real situação de faturação e tesouraria.
Acrescenta-se que as alegações da Requerente sobre os prejuízos que reputa vir a sofrer, são abstratos, não estando alegadas ou concretizadas as dificuldades financeiras ou perigo de incumprimento dos compromissos assumidos, em que incorrerá, caso as esplanadas se mantenham fechadas.
Assim, oferece-nos dizer que não resulta evidente do parcamente alegado, que da execução dos atos administrativos em causa, resulte facto consumado ou sequer prejuízos de difícil reparação, pois, a Requerente não se encontra impedida de executar e desenvolver a sua atividade económica.
Exigia-se, portanto, que a Requerente, alegasse factos concretos e circunstanciados, na medida em que sobre ela impendia o ónus de alegar e de provar factos concretos para a verificação do periculum in mora.
O douto acórdão do TCAN, de 04/03/2016, proferido no processo n.º 00728/15.0BEVIS, “in” www.dgsi.pt, com o seguinte sumário estabelece: “A alegação e prova da existência do periculum in mora incumbe ao requerente da providência cautelar, não podendo a falta de alegação de factos concretos suscetíveis de o demonstrar ser suprida através de convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial, por corresponder ao incumprimento de um ónus que incumbe em exclusivo ao requerente; nem havendo lugar, nesse caso, à determinação de um período de produção de prova, por o mesmo se revelar inútil ou desprovido de objecto”.
Mais, a prova testemunhal não se destina a colmatar o défice alegatório, “Como se sabe, a prova testemunhal incide sobre factos. E não havendo factos alegados nos autos que integrem a alegação do periculum, nada haveria sequer a demonstrar. Circunstância que sibi imputet.” (cfr.TCAN de 14/02/2014 (proc. n.º 02035/11.9BEBRG-A).
Ante o expendido, salienta-se que os interesses que a Requerente visa defender na ação principal não se encontram precludidos, prejudicados ou impedidos de poderem ainda ser assegurados, sem o decretamento da presente providência cautelar. E, caso tenham vencimento na ação principal, a intentar, ver-se-á reembolsada dos montantes que tenha agora de suportar.
(…)”

Se atentarmos na factualidade tida como indiciariamente provada, inexiste qualquer facto que sustente o periculum in mora.
No que concerne a este requisito de tutela cautelar, foram dados como não provados os seguintes factos:
- Em 20/12/2023, o estabelecimento da requerente foi objecto de uma nova vistoria, tendo sido ordenado à Requerente, que cessasse a utilização da esplanada situada a tardoz, e retirasse todas as cadeiras e mesas na mesma situadas, sob pena de, se assim não procedesse, lhe serem aplicadas coimas, de incorrer em crime de desobediência e de lhe serem apreendidas as referidas cadeiras e mesas.
- No mês de outubro de 2023 a facturação da Requerente foi de € 32.950,08.
- Em novembro de 2023 a facturação desceu já para € 27.716,00.
- Em dezembro de 2023, mês de encerramento das esplanadas, a faturação da Requerente desceu para € 23.199,40.
Esta factualidade foi julgada não provada em resultado “da inexistência de prova documental”.
Imediatamente antes da prolação da sentença, o Tribunal a quo proferiu despacho com o seguinte teor:
“Compulsados os autos, verifica-se que as partes requereram a produção de prova testemunhal e por declarações de parte, indicada respetivamente nos seus articulados.
Contudo, quer dos articulados apresentados pela Requerente, quer pela Entidade Requerida, não consta a alegação de factos com relevância para a decisão da presente causa que careçam da produção de prova testemunhal.
Do disposto no art. 118.º, n.ºs 3 e 5, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), decorre que o juiz pode, não só ordenar as diligências de prova que considere necessárias, mas também, mediante despacho fundamentado, recusar a utilização de meios de prova, quando considere assentes ou irrelevantes os factos sobre os quais eles recaem.
Pelo exposto, indefiro a produção da prova testemunhal requerida, passando de imediato a proferir sentença, nos termos do disposto no artigo 119.º do CPTA.”
No que concerne ao requisito periculum in mora, a Requerente alegou e o Requerido impugnou a seguinte factualidade:
- No dia 18/12/2023, o estabelecimento da requerida foi objecto de uma vistoria por parte da Polícia de Segurança Pública, na sequência da qual esse órgão de polícia criminal interpelou a requerida para cessar o uso da esplanada situada na galeria do edifício;
- Na sequência dessa vistoria, a requerente deixou então de usar a esplanada situada na galeria, continuando, contudo, a explorar a esplanada sita a tardoz do edifício;
- Em 20/12/2023, o estabelecimento da requerente foi objecto de uma nova vistoria, desta feita, por parte de um fiscal do Município ..., o qual ordenou à requerente que não só cessasse a utilização da esplanada situada a tardoz, como retirasse todas as cadeiras e mesas na mesma situadas, sob pena de, se assim não procedesse, lhe serem aplicadas coimas, de incorrer em crime de desobediência e de lhe serem apreendidas as referidas cadeiras e mesas;
- Na sequência dessa vistoria aludida em 35º, a requerente deixou de usar o terraço e a galeria do edifício como esplanadas, o que lhe tem provocado prejuízos significativos;
- Com as duas referidas esplanadas a funcionarem o estabelecimento comercial da requerente tem uma lotação de 136 lugares, sendo que com o encerramento das mesmas a sua lotação diminui para 72 lugares, o que, consequentemente, se repercute no número de clientes e na facturação da requerente;
- No mês de Outubro de 2023 a facturação da requerente foi de € 32.950,08;
- Em Novembro de 2023 a facturação desceu já para € 27.716,00, ou seja, verificou-se uma quebra de cerca de 20%;
- Quebra essa que se explica pelo facto de Novembro ter sido um mês com bastante pluviosidade (- choveu em cerca de 20 dias), o que determinou um menor uso ou mesmo falta de uso das esplanadas;
- Já em Dezembro, mês de encerramento das esplanadas, a facturação da requerente desceu para € 23.199,40, ou seja, houve uma quebra de cerca de 6% relativamente ao mês anterior;
- Se compararmos a facturação do mês de Outubro, mês em que as duas esplanadas funcionaram normalmente (sem pluviosidade significativa e sem proibições), com a facturação do mês de Dezembro, mês em que as duas esplanadas foram encerradas, verificamos uma redução da facturação em cerca de 25%;
- É assim por demais evidente a importância que assumem as duas referidas esplanadas na actividade e facturação da requerente;
- Essa importância tanto maior será com o aproximar da primavera e posteriormente do verão, estações do ano essas em que as temperaturas são mais agradáveis e com muito menor pluviosidade, o que determina uma maior afluência, em geral, nas esplanadas;
- Aliás, em todos os dias em que o sol brilha e não se encontra a chover, mesmo durante este mês de Janeiro, não raras vezes diversos clientes entram no estabelecimento comercial da requerente a questionar se a esplanada se encontra em funcionamento, sendo que perante a resposta negativa dos seus colaboradores, estes clientes optam por abandonar o estabelecimento, indo para os estabelecimentos das imediações, os quais têm as esplanadas abertas, ainda que as mesmas funcionem nas mesmas condições das da requerente;
- Em cada dia que passa o encerramento das esplanadas da requerente determina perda de clientela e de facturação para a mesma, nos termos supra expostos, a qual pode ser irreversível para a própria solvabilidade da requerente.
O decidido não pode manter-se.
O Tribunal ignorou parte dos factos alegados (não os julgando nem provados nem não provados), com relevância para a decisão a proferir, atentas as diversas soluções plausíveis, designadamente os que concernem à perda de clientela.
E julgou não provados determinados factos com fundamento na falta de prova documental.
Ora, tendo em conta que a Requerente requereu a produção de prova testemunhal e declarações de parte, haverá que concluir que é entendimento do Tribunal a quo que tais factos (os não provados) apenas poderiam ser objecto de prova documental.
É certo que, a dado passo, afirma o Tribunal a quo que “Note-se que a Requerente para além do alegado, não oferece outra alegação ou prova quer quanto às perdas financeiras dos meses que se seguiram ao fecho das esplanadas, quer quanto à sua situação financeira atual, prova esta que apenas poderia ser complementada através de prova testemunhal, pelo que, por esse motivo, não é exequível aferir da sua real situação de faturação e tesouraria.” Cremos, porém, que a alusão ali feita à prova testemunhal constituirá mero lapso (querendo referir-se à prova documental), sob pena de ser maior o desacerto.
Ora, se atentarmos no artigo 118º do CPTA, norma que regula, de forma específica, a produção de prova em sede cautelar, constatamos que o único meio de prova considerado inadmissível é a prova pericial (cfr. nº 3).
Nos termos do artigo 392º do Código Civil, a prova por testemunhas é admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada.
Da inadmissibilidade da prova testemunhal trata o artigo 393º do CC, nos termos do qual:
“1. Se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal.
2. Também não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena.
3. As regras dos números anteriores não são aplicáveis à simples interpretação do contexto do documento.”
Ainda, nos termos do artigo 394º do CC, epigrafado “Convenções contra o conteúdo de documentos ou além dele”, é inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores (nº 1); proibição que se aplica ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores (nº 2); o disposto nos números anteriores não é aplicável a terceiros.
A prova documental é regulada nos artigos 362º e ss. do CC, preceituando o artigo 364º que: “1. Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior.
2. Se, porém, resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório.”
A prova por declarações de parte vem prevista no artigo 466º do CPC, nos termos do qual (i) as partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto; (ii) às declarações das partes aplica-se o disposto no artigo 417.º e ainda, com as necessárias adaptações, o estabelecido na secção anterior (prova por confissão das partes); (iii) o tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão.
Donde, em sede cautelar, com excepção da prova pericial, a parte pode valer-se de todos os meios de prova, designadamente da prova testemunhal e da prova por declarações de parte, requeridas pela Requerente.
Quer isto dizer que o Tribunal a quo, entendendo que permaneciam controvertidos factos com relevância para a decisão da causa, não podia dispensar a prova requerida.
A factualidade julgada não provada era susceptível de prova testemunhal e de prova por declarações de parte.
Coisa distinta – e que se afere em momento posterior – é a capacidade que tais meios de prova terão de convencer o julgador sobre os enunciados fácticos em discussão.
Esta temática foi abordada em acórdão do TCAS, datado de 04.03.2021, proferido no proc. 248/20.1BEBJA e publicado em dgsi.pt, ao qual aderimos e que aqui transcrevemos em parte:
“Reconhece-se que tais meios de prova, associados à falta de oferecimento de prova documental (circunstância que deverá ser livremente apreciada) dificilmente poderão criar no julgador uma convicção ainda que indiciária sobre essa factualidade.
Mas a dificuldade ou a onerosidade da prova, o juízo que se possa efetuar sobre a probabilidade de o Requerente vir a lograr provar a factualidade que lhe compete provar, com recurso a esses meios de prova, não constitui fundamento para a sua rejeição.
(…)
Está em causa o reconhecimento do direito à prova, direito estruturante da relação jurídica processual e imposto pela tutela jurisdicional efetiva a que alude o art.º 20º da CRP, do qual decorre “o direito das partes à aquisição das provas admitidas (e consequente dever do juiz de as admitir, como se pode deduzir do art.º 515º do CPC” (atualmente, o art.º 413º do CPC) («DD», Provas Ilícitas em Processo Civil, Almedina, 1998, pág. 70).
Como bem evidenciou «EE» (Um olhar sobre a Prova em Demanda da Verdade no Processo Civil”, Revista do CEJ, 2005, 2.º semestre 2005, número 3, págs.. 167 e 168), a prova “é talvez a manifestação mais significativa do Direito em acção, o que liga o Direito à Vida. Nesta ordem de ideias, o esforço de racionalização possível dos procedimentos probatórios constituirá, sem dúvida, um passo importante para o encontro dos Cidadãos com a relatividade da Verdade Judiciária pronunciada pelos seus Tribunais e, por conseguinte, para a permanente legitimação da Função Jurisdicional”.
Ao não se admitir a produção de prova testemunhal, por declarações e por confissão sobre factualidade passível dessa prova, julgando-a não provada, violou-se efetivamente este direito à prova incluído no conceito de processo equitativo, previsto no n.º 4 do art.º 20.º da CRP, no n.º 1 do art.º 2.º do CPTA e no art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (Sobre esta questão pronunciou-se já este Tribunal Central v.g. em acórdãos de 19.10.2017, no processo 1087/16.0BELRA-A e de 24.09.2020, no processo 544/19.0BELLE, ambos publicados em www.dgsi.pt).
Note-se ainda que a natureza cautelar do processo, a celeridade e sumariedade que o caracterizam, não justifica que se exija à parte sobre a qual recai o ónus de prova dos factos que integram os pressupostos da tutela cautelar, a sua prova através do meio de prova documental por ser mais expedito. Sendo certo que essa necessidade de celeridade e eficiência autorizam que o juiz se baste com a prova documental prescindindo de outras diligências instrutórias (como evidenciam M. Aroso de Almeida e C. A. Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2017, 4.ª edição, pág. 958), deverá sempre ponderar-se se essa prova documental junta aos autos permite uma pronúncia suficientemente segura sobre a pretensão do Requerente. Mas, em principio, “não será adequado decidir apenas com base nos elementos documentais apresentados quando, não produzindo estes resultados inequívocos, o requerente ou o requerido tiverem indicado outros meios de prova que possam servir para integrar os fundamentos do procedimento ou da oposição” (António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luis Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, págs. 427 e 428).

O requerimento probatório em questão não era impertinente nem dilatório, a produção da prova aí requerida poderia, eventualmente, conduzir a uma decisão diversa no que concerne à factualidade não provada e, consequentemente, ao aspeto jurídico da causa e por isso, não podia ter sido rejeitado … .
(…)”
Em suma, não podia/devia o Tribunal a quo ter dispensado a prova adicional requerida pela Requerente, a qual poderia eventualmente conduzir a uma decisão diversa no que concerne à matéria de facto e, a partir daí, à matéria de direito.
No que concerne à matéria de facto, referimo-nos aqui não apenas aos factos que o Tribunal a quo julgou não provados ( o que significa que os reputou de relevantes e controvertidos) como ainda a factualidade alegada e ignorada pelo Tribunal a quo (que, não os tendo julgados provados ou não provados, apenas se compreenderá que os considere irrelevantes), designadamente aquela que se prende com a alegada perda/desvio de clientela.
Aqui chegados, impunha-se revogar o despacho de dispensa de prova e bem assim a sentença que se lhe seguiu, regressando os autos à 1ª instância para a produção de prova.
Sucede que, sabido que a concessão de providências cautelares exige a verificação cumulativa dos pressupostos enunciados no artigo 120º do CPTA, afigura-se-nos que sempre a acção cautelar claudicaria pela não verificação do requisito fumus boni iuris, com o que a produção de prova constituiria acto inútil.
Vejamos.
Como referido, o decretamento de providências cautelares – sejam elas conservatórias ou antecipatórias – exige “que seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente”.
Nos presentes autos, suscitada, por despacho de 13.08.2024, a questão da extinção do processo cautelar por falta de interposição da respectiva acçao principal, decidiu o Tribunal a quo, no âmbito da sentença proferida o seguinte:
“(…)
Foi suscitada, oficiosamente, a extinção dos presentes autos cautelares, porquanto o prazo de 3 meses previsto no art. 58.º n.º 1 alínea b), do CPTA, para proceder à impugnação do ato suspendendo, em sede de ação principal, que ainda não se encontra intentada, já decorreu.
Em resposta à exceção, a Requerente, alega que a ineficácia dos atos administrativos praticados e a verificação de vícios geradores de nulidade, permitem que a ação principal seja intentada a todo o tempo, pelo que não se verifica a caducidade do direito de ação quanto à ação principal, e consequentemente, a extinção do processo cautelar.
(…)
Nesta senda, apesar de a Requerente pretender a condenação da Entidade Requerida à abstenção de conduta indicada no RI, e apenas subsidiariamente indicar pretender a suspensão dos atos administrativos que identifica, a presente ação cautelar, como a mesma indica, é preliminar à ação adminitrativa de impugnação dos mesmo atos administrativos.
Ora, a instauração de ação de anulação de atos administrativos, está sujeita a um prazo de caducidade, que é um prazo substantivo, cujo termo importa a caducidade do direito de ação de forma peremptória, sem possibilidade de prorrogação ou alteração, por estar em causa o exercício de direitos materiais.
Por esse motivo, impõe-se, desde logo, apreciar se, em abstrato, os vícios imputados pela Requerente aos atos a impugnar em sede de ação principal, têm como consequência a nulidade ou anulabilidade dos mesmos, ou seja, se os fundamentos invocados pela Requerente, a procederem, conduzem à nulidade ou à anulação dos atos impugnados.
Com efeito, o regime da nulidade previsto no CPA, estabelece que só serão nulos os atos quando a lei expressamente determinar essa cominação, constando do art. 161.º do CPA, uma enumeração indicativa de circunstâncias geradoras de nulidade, que serão invocáveis a todo o tempo, nos termos do art. 162.º n.º 2 do mesmo Código.
Impende salientar, nesta fase, que o julgador não está sujeito à qualificação jurídica dos factos, interpretação e aplicação das regras de direito efetuadas pelas partes, assim como, às ilegalidades identificadas pela Requerente, nos moldes em que o foram no respetiva no requerimento inicial.
Dito isto, resulta do RI que a Requerente imputa aos atos administrativos, os seguintes vícios:
-Ineficácia, por falta de notificação;
- Falta de fundamentação;
- Omissão de audiência prévia;
- Falta de forma do ato administrativo em absoluto; e
- Preterição total do procedimento exigido.
Antes de mais, salienta-se que a falta de notificação de um ato administrativo é geradora de mera ineficácia do mesmo e nunca de nulidade e/ou anulabilidade do ato, porquanto se trata de ato meramente instrumental e complementar, que visa assegurar a eficácia do acto administrativo.
Logo, a ausência ou deficiente notificação, afeta a sua eficácia mas não a validade do próprio ato. Assim, ainda que porventura assistisse razão à Requerente quanto à falta de notificação do ato impugnado, de tal circunstância nunca resultaria a aquisição processual da existência de qualquer vício invalidante que determina a nulidade e/ou anulabilidade dos atos a visar nos autos principais.
Posto isto, quanto aos restantes vícios invocados, é seguro afirmar que os vícios de falta de fundamentação e omissão de audiência prévia, imputados aos atos administrativos a impugnar em sede ação principal, a verificarem-se, não importam a nulidade do ato, estando a sua apreciação sujeita a prazo de impugnação.
Já no que concerne falta de forma do ato administrativo em absoluto e a preterição de procedimento legalmente exigido, vícios previstos nas als. g) e l) do art. 161.º do CPC, nos termos invocados, a verificarem-se, importam a nulidade dos atos nos termos invocados.
(…)
No caso vertente, resulta do probatório que a Requerente recebeu os ofícios contendo os atos a impugnar em 11/05/2023 e 25/07/2023, conforme alegado no RI, e levado ao probatório.
Assim sendo, o prazo de impugnação contenciosa dos atos administrativos identificados, já terminou.
“Em consonância com expendido, o direito de ação da Requerente, para reagir aos atos cuja impugnação pretende fazer na presente ação cautelar, com fundamento nas ilegalidades invocadas no requerimento inicial da providência cautelar, que se reconduzem ao desvalor da anulabilidade, no caso, a falta de fundamentação e omissão de audiência prévia, caducou.
No entanto, quanto aos restantes vícios invocados, geradores de nulidade, não se verifica a caducidade do direito de ação, e nessa medida, não se verifica a causa de extinção da instância invocada, nos termos do art. 123.º n.º 1 al. a) do CPTA.”

O assim decidido não mereceu a censura da Recorrente.
Donde, a apreciação do requisito fumus boni júris ficou restringida à verificação dos vícios de falta de forma do acto administrativo em absoluto e de preterição total do procedimento exigido.
Os aludidos vícios não foram suscitados no requerimento inicial mas antes no requerimento de pronuncia da Requerente ao despacho que suscita a questão da extinção da acção cautelar.
Em sustento de tais vícios, a legou a Requerente que:
- Da análise do processo administrativo junto aos autos pelo requerido, não se vislumbra, tão pouco, a existência de tais decisões administrativas (referindo-se às decisões alegadamente tomadas pela Srª Vereadora em 04/05/2023 e 18/07/2023), fazendo-se apenas menção a que as mesmas teriam sido proferidas;
- Nos termos do artº 150º, nº 1 do CPA, os actos administrativos devem ser praticados por escrito;
- Já o artº 151º do CPA, consagra um conjunto menções obrigatórias que devem constar do acto administrativo;
- No caso sub judice não se vislumbrou qualquer decisão administrativa escrita emanada pela Srª Vereadora;
- Nos termos do artº 161º do CPA, são considerados nulos os actos que careçam em absoluto de forma legal (g)) e os actos praticados com preterição total do procedimento exigido (l));
- Dúvidas, por isso, não restam que tais decisões administrativas são, desde logo, nulas, porquanto carecem em absoluto de forma legal, pois não foram reduzidas a escrito e ocorreu uma preterição total do procedimento exigido por lei.
Ora, a mera consulta da factualidade indiciariamente apurada pelo Tribunal a quo (que não mereceu a censura da Requerente), permite afirmar que, com probabilidade, no âmbito da acção principal, se concluirá pela não ocorrência de tais vícios.
Do facto 5 resulta que, na sequência de várias reclamações de moradores do local onde o estabelecimento comercial da Requerente se encontra instalado (cfr. facto 6), foram proferidas informações técnicas pela Divisão de Fiscalização Municipal (DFM) da CM..., onde se conclui pela remessa “à Exma. Sr.ª Vereadora, Dr.ª «BB», para determinar a realização de vistoria ao prédio, a ser realizada no dia 14 de junho, de 2023, pelas 10,00 horas, que deve ser comunicada à Gerência da empresa [SCom01...], Lda. atrás identificada que deve ser notificada também a cessar o uso da área de terraço como esplanada, com fundamento nos factos descritos ma etapa anterior. Mais se deverá informar os visados, que até à véspera da vistoria, poderão indicar um perito para intervir na realização da vistoria e formular quesitos a que a comissão de vistorias responderá.”
Do facto 6 resulta que, em 04/05/2023, as informações vertidas no ponto anterior, foram objeto de concordância, por parte da Vereadora «BB».
Do facto 9 resulta que o auto de vistoria mencionado no ponto 8 foi objeto de informações e despacho de concordância de 10/07/2023 e 17/07/2023 e 18/07/2023, respectivamente.
Assentam estes factos em prova documental que integra o procedimento administrativo que, assinale-se, comporta dimensão considerável (páginas 142 a 878 do SITAF).
Donde, foi instaurado procedimento administrativo e os actos administrativos em crise existem e foram reduzidos a escrito.
Assim, ainda que, em face da prova que viesse a ser produzida, se viesse a concluir pela verificação do requisito periculum in mora, sempre seria de rejeitar a providência cautelar requerida pela não verificação do requisito fumus boni iuris.
Termos em que se mantém a sentença, ainda que com distinta fundamentação.
*
IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, mantendo as decisões recorridas com a fundamentação que antecede.
*
Custas pela Recorrente.
*
Registe e notifique.
***
Porto, 10 de Janeiro de 2025

Ana Paula Martins
Alexandra Alendouro
Catarina Vasconcelos