Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00457/17.0BECBR |
| Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
| Data do Acordão: | 04/12/2019 |
| Tribunal: | TAF de Coimbra |
| Relator: | Frederico Macedo Branco |
| Descritores: | APOIO SOCIAL RESIDENCIAL; AUTORIZAÇÃO PROVISÓRIA DE FUNCIONAMENTO; |
| Sumário: | 1 – Independentemente dos compreensíveis transtornos que o encerramento de uma ERPI, vulgo Lar, determina para os seus utentes e correspondentes familiares, é incontornável que o estabelecimento se encontra a funcionar, designadamente: sem licença de funcionamento (emitida pelo ISS IP); sem licença municipal de utilização; sem certificado de segurança (emitido pela Autoridade Nacional de Proteção Civil); sem certificado higio-sanitário (emitido pela Autoridade de Saúde); sem adequação do edifício e do equipamento de prevenção contra incêndios às normas técnicas; e sem que tenha sido requerida sequer licença para o respetivo funcionamento, o que desde logo denota, só por si, uma manifesta negligência e falta de vontade de conformar o estabelecimento com o legalmente estabelecido. Efetivamente, a prova resultante da Fiscalização realizada mostrou-se esmagadora, o que não poderá ser ignorado. 2 – O só o facto do estabelecimento não possuir um conjunto amplo de autorizações e licenças para que pudesse funcionar, determinaria necessariamente o seu encerramento, sob pena de se sedimentar um sentimento de impunidade permissiva, sempre pernicioso. 3 - Para além do conjunto de irregularidades detetadas, mal se compreenderia que fosse atribuída uma autorização provisória face a um estabelecimento relativamente ao qual não havia sequer sido apresentado procedimento de legalização. Com efeito, refere incontornavelmente o nº 1 do Artº 19º do DL n.° 33/2014, de 04.03 que “Nos casos em que não se encontrem reunidas as condições exigidas para a concessão de licença de funcionamento, mas seja previsível que as mesmas possam ser satisfeitas, pode ser concedida uma autorização provisória de funcionamento, salvo se as condições de funcionamento forem suscetíveis de comprometer a saúde, segurança, bem-estar dos utentes e a qualidade dos serviços a prestar.” Na situação analisada, nunca se poderia afirmar que seria previsível que as condições de funcionamento poderiam ser satisfeitas, pela singela razão de que não foi sequer apresentado pedido de legalização da controvertida ERPI. 4 - O facto de ter sido requerido licenciamento de uma ERPI para um outro edifício, mostra-se insuficiente para que pudesse ser atribuída uma autorização provisória para o estabelecimento que se encontra ilicitamente em funcionamento, obstando assim ao seu encerramento. * * Sumário elaborado pelo relator |
| Recorrente: | Instituto da Segurança Social IP |
| Recorrido 1: | TIJI |
| Votação: | Unanimidade |
| Meio Processual: | Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
| Decisão: | Conceder provimento ao recurso Revogar a decisão recorrida Julgar improcedente a acção |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: | Não emitiu parecer |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório O Instituto da Segurança Social IP/Centro Distrital de Coimbra, no âmbito da Ação Administrativa intentada contra si por TIJI, tendente, à impugnação da deliberação de 13/04/2017 que ordenou o encerramento da identificada Estrutura de Apoio Social Residencial para Pessoas Idosas (ERPI), a funcionar numa habitação unifamiliar, mais peticionando a emissão de autorização provisória de funcionamento, inconformado com a Sentença proferida no TAF de Coimbra, em 31 de janeiro de 2018 que julgou a ação parcialmente procedente, veio interpor recurso jurisdicional do mesmo, concluindo: “A. O Recorrente não se conforma com a sentença do juiz "a quo" que anulou, por insuficiência de fundamentação, a deliberação do Conselho Diretivo do mesmo, de 13.04.2017, que ordenou o encerramento do estabelecimento de apoio social da espécie Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (ERPI) que a Recorrida, então Autora, mantém a funcionar numa habitação unifamiliar sita na Rua S..., n.° 35, em Almalaguês. B. A sentença, ora em crise, padece de vícios que se retiram de violação de lei, de erros de julgamento - na medida em que os respetivos fundamentos estão em oposição com a decisão, ocorrendo, também, ambiguidade quer no "iter" cognoscitivo, quer nas conclusões que retira, o que a torna ininteligível - e de falta de fundamentação, devendo, assim, ser declarada nula pelo douto tribunal "ad quem", nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.° e n.° 3, do artigo 140.° do CPTA. C. Com efeito, logo no início e no Relatório, onde é identificado o objeto do litígio, a sentença contém as seguintes contradições: "Processo nº 457/17.0BECBR Processo Cautelar"; "O Réu apresentou contestação pugnando pela improcedência da ação cautelar (...)". D. Ora, a presente ação administrativa tem o n.° de processo 457/17.0BECBR. Sendo que processo cautelar, intentado como preliminar da presente ação, obteve o n.° 261/17.6BECBR, E. O Réu, enquanto entidade Requerida nos autos cautelares, de facto, na sua Oposição, pugnou "pela improcedência da ação cautelar". F. No entanto, não se pode confundir a ação administrativa com a ação cautelar, as quais são diferentes, quer quanto à respetiva natureza, o processo cautelar é um processo urgente e assume urna natureza acessória da ação administrativa, dita principal, quer quanto aos objetivos que visam assegurar, que são diversos. Prosseguindo, G. O juiz "a quo" refere como sendo um dos "fundamentos" da contestação do ora Recorrente, nos presentes autos, "o juízo valorativo sobre a validade do ato sindicado deverá ser leito no âmbito do processo principal", matéria que consta, sim, da Oposição que fez aos pedidos cautelares requeridos pela ora Recorrida — cfr. a Oposição oferecida nos autos cautelares - Doc. 1. H. Quanto a outro dos pretensos fundamentos da contestação do R. a "alegada contradição", importa dizer que a mesma foi alegada pela Autora e não pelo Réu - cfr. a PI da A. junta aos autos. I. O dito "fundamento" da contestação do R. foi, aliás, depois referido pelo juiz "a quo" como tendo sido alegado pela Autora, na parte da sentença referente ao Direito que aprecia o "pedido enunciado sob a alínea a)". J. Para além destas contradições, a sentença, decidiu ilegalmente, concluindo do seguinte modo: "Pelo exposto, julgando parcialmente procedente a ação cautelar, anulo (...)" K. Ora, o Recorrente não pode aceitar uma decisão que se funda no julgamento do pedido cautelar "julgando parcialmente procedente a acção cautelar". L. A ação cautelar correu os seus termos em sede própria e, atendendo aos objetivos e pressupostos/requisitos da mesma, não poderá servir para fundamentar a decisão da presente ação administrativa. M. Sobre esta questão é de atentar no disposto no n.° 4, do artigo 364.° do CPC, aplicável ex vi artigo 1.° do CPTA, que, expressamente, refere que "Nem o julgamento da matéria de facto, nem a decisão final proferida no procedimento cautelar, têm qualquer influência no julgamento da ação principal" N. Entende, deste modo, o Recorrente, estar a sentença ferida de ilegalidade, por violação da citada norma, o que se invoca. O. Padece, ainda, a sentença do tribunal "a quo" de oposição entre os factos "relevantes" provados e a decisão final. Vejamos: P. Constam dos factos provados sob o n.° 3, os mencionados nos pontos 3 a 6 do "relatório inicial", ou seja, do Projeto de Relatório dos serviços de fiscalização do Recorrente, constante do processo administrativo (PA) junto aos autos, designadamente que a ERPI em questão se encontra "a funcionar sem licença de funcionamento". - o negrito e o sublinhado são os nossos. Q. Fixou, ainda, o juiz "a quo" como provado, sob o n.° 4, o facto "verificado" pela equipa inspetiva do Recorrente, que "o estabelecimento não dispunha de: a) Licença municipal de utilização do sobredito imóvel (cf. artigo 62° do RJUE e 9° e 10º do DL nº 64/2007 na redacção republicada do DL 33/2014 de -3/1). b) Licença de funcionamento do estabelecimento de apoio a idosos, designadamente na espécie legalmente denominada como "Estrutura Residencial Para Pessoas Idosas" (ERPI) emitida pelo Réu -- cf artigos 3°,4° al" b) e 11° do DL n° 64/2007, alterado e republicado pelo DL n° 33/2014 de 4/3; c) Certificado de segurança, emitido pela Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC); d) Certificado higio-sanitário, emitido pela Autoridade de Saúde; e) Quartos individuais (...) l) Atividades ocupacionais (…) g) Regulamento interno (...) h) Processos individuais dos utentes i) Adequação do edifício e do equipamento de prevenção contra incêndios às normas técnicas (...)" – R. Consta como facto provado sob o n.° 5, um excerto do mesmo Relatório, que refere que a equipa inspetiva "(...) aferiu[-se] que a actividade estava a ser desenvolvida sem licenciamento ou autorização provisória de funcionamento (...)" - o negrito e o sublinhado são os nossos. S. Resultou como facto provado sob o n.° 6 que "(…) na avaliação dos cuidados prestados aos residentes e apreciação das suas condições de saúde, conforto e qualidade de vida, cumpre salientar que a situação encontrada revelou deficiências graves que representam um perigo para os direitos e para a qualidade de vida dos utentes. (...) o estabelecimento de apoio social apresenta deficientes condições de instalação nos termos da legislação em vigor, referindo a esse propósito que não foi emitida pela Câmara Municipal competente licença ou autorização de utilização do edifício (...) título esse que visa precisamente verificar a adequação do edifício ao desenvolvimento dos respectivos serviços de apoio social." - o negrito é o nosso. T. Do mesmo modo, considerou-se facto provado sob o n.° 8 que "A ausência de Licença de Funcionamento, de Licença de Utilização, de Certificado de Segurança contra Incêndios; a inadequação das instalações face aos requisitos legais; a insuficiência de meios de combate a incêndios e a inexistência de condições de acesso e de evacuação, são factores que assumem especial gravidade na situação encontrada e representam um perigo potencial para os direitos dos utentes e para a sua segurança. A constatação destas situações irregulares assume maior relevância, tendo em conta o grupo de pessoas em causa, (...)" - o negrito é o nosso. U. Resultou provado, sob o n.° 14, o facto que "Do exposto, [procedimento para licenciamento de um edifício a construir no terreno adjacente ao estabelecimento em apreço nos presentes autos] cumpre referir que, no que respeita à concessão da autorização provisória de funcionamento, esta possibilidade encontra-se afastada. É que a autorização em causa poderá ser emitida, eventualmente, no âmbito de um processo de licenciamento, processo esse que nunca foi encetado para o estabelecimento em análise. Em relação ao equipamento onde está a ser promovida a resposta social de (...) (ERPI) não foi solicitado ao Instituto da Segurança Social, I.P. o respectivo licenciamento do funcionamento, nos termos do artigo 15.º do DL n° 64/2007 (...) pedido esse que, de qualquer modo, teria que ser instruído com a autorização de utilização emitida pela Câmara (...), documento que não existe (...). (...) não ter dado entrada até à data - 30.03.2017 - nenhum pedido de Titula I… com vista ao licenciamento de equipamento sito na Rua S..., 35 — 3040-457 Almalaguês, distrito de Coimbra" - o negrito e o sublinhado são os nossos. V. Ora, do acervo dos factos provados, designadamente dos que se transcreveram supra, não podia decorrer a conclusão retirada, que decidiu a causa dos presentes autos, nos termos formulados: "Pelo exposto, julgando parcialmente procedente a ação cautelar, anulo, por insuficiência de fundamentação, a deliberação do Conselho Diretivo do Réu ISS, de 13/4/2017 que ordenou que a Autora procedesse ao encerramento do estabelecimento de apoio social da espécie de Estrutura Residencial para Pessoas Idosas que a mesma mantém a funcionar numa habitação unifamiliar sita à Rua S..., n° 35, em Almalaguês. No mais, julgo a ação improcedente." W. Na verdade, a sentença recorrida, por erro de julgamento, não foi consequente tendo em consideração os factos dados como provados, designadamente os supracitados, que se reportam às condições em que o estabelecimento funciona, i.e., de forma ilegal: - sem licença de funcionamento (emitida pelo Recorrente); - sem licença municipal de utilização; - sem certificado de segurança (emitido pela Autoridade Nacional de Proteção Civil); - sem certificado higio-sanitário (emitido pela Autoridade de Saúde); - sem adequação do edifício e do equipamento de prevenção contra incêndios às normas técnicas; - sem quartos individuais; - sem atividades ocupacionais; - sem regulamento interno; - sem processos individuais dos utentes; - com deficiências graves para as condições de saúde, conforto e qualidade de vida dos utentes; - com deficientes condições de instalação; -sem ter requerido, alguma vez, licença para o respetivo funcionamento. X. De facto, a única conclusão legal possível a retirar daqueles factos provados, seria a de que a Recorrida não podia ter em funcionamento a referida ERPI. Y. Existe, portanto, uma oposição evidente entre aqueles factos dados como provados e a decisão que anulou a deliberação do Recorrente, por tê-la considerado insuficientemente fundamentada. Ora, se os factos que levaram ao encerramento do estabelecimento foram considerados provados, e à luz dos preceitos legais eram suficientes para determinar o encerramento, não poderia a decisão ter anulado a deliberação que neles se fundamentou. Z. Tal erro de julgamento torna a própria sentença ambígua e, desse ponto de vista, ininteligível por incompreensível. AA. Não consegue, assim, o intérprete compreender o "iter" cognoscitivo que levou o juiz a concluir como fez, considerando ser insuficiente a fundamentação do ato de encerramento do referido estabelecimento. BB. Para além de que a mesma sentença está insuficientemente fundamentada, pois não teve em conta um pressuposto legal fundamental à aplicação do referido artigo 19.° do Decreto-Lei n.° 64/2007, de 14 de março. CC. De facto, revisitando o artigo 19.° sob a epígrafe "Autorização provisória de funcionamento", do regime de licenciamento e de fiscalização da prestação de serviços e dos estabelecimentos de apoio social, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 64/2007, de 14 de março, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 33/2014, de 4 de março, constante do CAPITULO III, sob a epígrafe "Licenciamento do funcionamento", verifica-se que a mencionada autorização provisória de funcionamento, só poderia ser dada desde que a Recorrida cumprisse os requisitos legais, nomeadamente ter iniciado um procedimento conducente ao licenciamento de funcionamento da ERPI em questão (artigo 11.° do mesmo Decreto-Lei), o que não sucedeu. DD. É, pois, manifesto que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento e de falta de fundamentação ao não fazer a correta interpretação e aplicação das normas jurídicas aos factos. Vejamos. EE. A sentença proferida que procedeu à anulação da deliberação do Conselho Diretivo do Recorrente, de 13.04.2017, que ordenou que a Autora procedesse ao encerramento do supramencionado estabelecimento de apoio social assenta, no essencial, nos seguintes fundamentos: - Não obsta à aplicação do artigo 19.°, n.º 1, do Decreto-Lei n.° 33/2014, de 04.03, o facto de o licenciamento cujo procedimento está em curso ter sido pedido para um outro edifício, pelo que, sendo admissível a emissão de autorização provisória de funcionamento, nesses casos, a ordem de encerramento não se impunha legalmente; - Nos termos do citado artigo, os critérios para o exercício da ponderação da Administração quanto à emissão de uma autorização provisória de funcionamento são: a) "(...) mas que seja possível que as mesmas (condições legalmente exigidas) possam ser satisfeitas" b) "salvo se as condições de funcionamento forem suscetíveis de comprometer a saúde, segurança, bem-estar dos utentes e a qualidade dos serviços a prestar" - A fundamentação da decisão de não concessão de autorização provisória, nos termos do citado artigo 19.º, 1, não concretiza quais as condições que são suscetíveis de comprometer a saúde, a segurança e o bem-estar dos utentes; - O legislador prevê a emissão de uma autorização provisória de funcionamento precisamente para as situações em que ocorre a falta de alguma das condições legalmente exigida, pelo que não basta urna suposta remissão tácita para as desconformidades apontadas para se poder perceber por que razões concretas foi decidido não deferir o pedido de autorização provisória apresentado pela Autora. FF. Em função de tais fundamentos, conclui a sentença que o ato impugnado deixa o destinatário e o intérprete sem perceberem por que motivos concretos o Recorrente decidiu não emitir uma autorização provisória, entendendo, por consequência, que procede a alegação de anulabilidade do ato por vício de falta de fundamentação. GG. A decisão contida no aresto proferido revela a convicção - equívoca corno demonstraremos adiante - assumida pelo julgador de que o Recorrida podia requerer um qualquer licenciamento para obter a licença provisória de funcionamento, ao abrigo do artigo 19.° do mencionado diploma legal. HH. Ora, a análise da decisão proferida permite identificar, desde logo, a desconsideração de um facto que foi, amiúde, referido nos relatórios da fiscalização - projeto de Relatório e Relatório final -, que se entende ser fundamental e que afeta de forma decisiva a validade de todos os supraindicados fundamentos em que aquela se sustenta: II. É que a mesma olvida que, nos termos dos preceitos legais aplicáveis, nomeadamente do artigo 11.° e seguintes do Decreto-Lei n.° 64/2007, de 14 de março, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 33/2014, de 4 de março, a licença de funcionamento ou autorização provisória a emitir pelo Recorrente é a condição legal exigida para a abertura e funcionamento de equipamentos de apoio social. JJ. Ora, na situação em apreço, é decisivo ter presente que, até ser alvo de ação inspetiva, originada por denúncia, a Autora nunca requereu ou manifestou intenção de requerer a emissão de licença ou de autorização provisória de funcionamento para o equipamento de apoio social que foi objeto de decisão de encerramento, tendo, apesar disso, iniciado e mantido o respetivo funcionamento à margem da lei até hoje. KK. Os efeitos que a Recorrida pretende com a emissão de uma autorização provisória de funcionamento, para o estabelecimento inspecionado, não decorrem de um processo normal de requerimento para emissão de licença ou de autorização provisória. LL. Trata-se, antes, de urna tentativa de legalização, assente numa lógica de facto consumado e que, corno se demonstrou documentalmente no processo administrativo junto aos autos, é passível de colocar em risco a segurança dos utentes acolhidos. MM. Com efeito e antes de mais, a inexistência de licenciamento ou de autorização provisória para o funcionamento do estabelecimento de apoio social fiscalizado e não outro, (ao contrario do que parece ser o entendimento do juiz "a quo", para quem o objeto da licença é irrelevante, desde que seja o mesmo requerente) seria fundamento bastante para a deliberação de encerramento, atenta a necessidade de proteção dos interesses e direitos dos cidadãos. NN. Nesse sentido, os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, ao referir que "(...) se outros requisitos se mostrassem incumpridos, só o facto do estabelecimento não possuir licença de funcionamento, tal determinaria o seu encerramento, sob pena de se sedimentar um clima de impunidade permissiva, sempre pernicioso" (processo n.° 11432/14, 2.° Juízo, 15ª secção, 396/14BRLRA) ou, ainda, "(...) o certo é que o seu exercício não esta licenciado, não tendo a mesma autorização para prestar os serviços em causa, pelo que o encerramento do estabelecimento sempre se impunha." (processo n.° 11374/14, CA, 2.° Juízo). OO. Ora, para além de a sentença recorrida ter como consequência necessária, precisamente, o reforço de um clima de impunidade permissiva, já que, não só não censura o exercício de urna atividade de apoio social de forma ilegal, como legitima a manutenção da respetiva atividade nessas circunstâncias, viola, ademais, a legislação aplicável e, consequentemente, a intenção do legislador de conferir ao licenciamento da atividade a função garantística do cumprimento de todas as condições de segurança, dignidade e bem-estar dos utentes acolhidos em qualquer equipamento de apoio social, o que não é aceitável num Estado de Direito. PP. E de resto, no caso vertente, entende-se que ficaram por demais evidenciadas no processo administrativo (PA), junto aos autos, as condições de funcionamento que representam, objetivamente, um risco potencial para a segurança e mesmo para a vida dos utentes em causa. QQ. Para melhor perceção do que se defende, tenha-se presente a condenação do Estado Português, no âmbito de ação judicial (processo n.° 2468/11.0T3SNT), que teve por fundamento o incêndio ocorrido em 1999 em lar de idosos, propriedade de pessoa singular, na sequência do qual faleceram nove utentes e o facto de o lar apresentar deficientes condições de segurança, considerando-se que sobre a Segurança Social pendia a obrigação de fiscalização do funcionamento do mesmo e a obrigação de adotar as medidas aptas a evitar o evento. Ou seja, a Segurança Social foi condenada por não ter praticado o ato a que estava administrativamente obrigada, ao não encerrar estabelecimento de apoio social não licenciado e que não reunia condições de segurança. RR. Na situação presente, quem será responsabilizado se semelhante tragédia ocorrer? SS. Quem garante que tal não poderá ocorrer no caso vertente? TT. Mesmo, tal como defende ser viável a sentença recorrida, numa altura em que a Autora se encontrasse a diligenciar no sentido de suprir as deficiências detetadas? UU. No contexto enunciado e com Os fundamentos invocados, é manifesto que a decisão de encerramento se impunha legalmente. VV. Questão diversa, mas não colocada, seria a de saber se, - após o encerramento do estabelecimento ilegal e, assim, salvaguardada a segurança dos utentes -, estariam, eventualmente, reunidas as condições para que a Recorrida, iniciando um procedimento de licenciamento, para aquele estabelecimento, pudesse obter a emissão de autorização provisória de funcionamento, já que esse é o percurso natural previsto e exigido na lei (primeiro requer, depois obtém autorização e, finalmente, inicia ou, neste caso, retoma a atividade). WW. Errado julgamento e deficiente interpretação das disposições legais aplicáveis ao caso, teve o juiz "a quo", que não se podem aceitar, quando entendeu que o Recorrente tratou de proceder a urna mera "remissão tácita para as desconformidades" para "não deferir o pedido de autorização provisória apresentado pela Autora". XX. Nem tão pouco se pode aceitar o julgamento errado de que a falta de licenciamento e a ausência de todas as outras vistorias pelas autoridades competentes se tratem de meras questões burocráticas. YY. Aceitar tal entendimento seria ignorar que apenas a pronúncia assumida, por quem de direito, nos documentos em falta, é passível de assegurar a efetiva salvaguarda da segurança e bem-estar dos utentes, pelo que se impõe que a sentença proferida seja revogada e substituída por outra que reponha a eficácia da deliberação oportunamente tomada pelo Conselho Diretivo do Recorrente e, por essa via, confirme a necessidade de encerramento do equipamento em causa. ZZ. É imposição legal que o juiz fundamente a sua decisão e que a sentença constitua um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão deverá ser a conclusão lógica da aplicação da norma legal, subsumindo os factos à mesma. AAA. Encontra-se, nos termos supra expostos, a sentença, ora recorrida, eivada de vícios que conduzem à nulidade da mesma. Nestes termos, e nos melhores de direito, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas. deverá ser julgado procedente o presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser declarada a nulidade da sentença recorrida, ou caso assim não se entenda, revogada a sentença recorrida, com as todas as legais consequências, como é de JUSTIÇA. * A aqui Recorrida/T… veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 16 de abril de 2018, nas quais referiu:“A Recorrente recorreu da sentença, com os seguintes fundamentos: i) de erros de julgamento, no relatório da sentença, por contradições; ii) de erros de julgamento por contradições entre factos “relevantes” provados e a decisão final; A Recorrente não tem razão. Vejamos: Quanto à primeira questão, não tem a apelante/embargante razão nos fundamentos que invoca e em que funda o presente recurso da Sentença, uma vez que não se tratam de contradições entre a ação em apreço e a ação cautelar que lhe antecedeu. Nem existe, ainda, qualquer ilegalidade por violação do n.º 4 do artigo 364º do CPC aplicável ex vi artigo 1º do CPTA, uma vez que nem o julgamento da matéria de facto, nem a decisão final proferida no procedimento cautelar tiveram qualquer influência no julgamento da acção. Trata-se de meros lapsos de escrita que em nada comprometeram a inteligibilidade da sentença pela R., ora recorrente. No que concerne à segunda questão, também carece de razão a Recorrente, uma vez que não se tratam de erros de julgamento, mas sim de falta de fundamentação da deliberação do Conselho Diretivo da R. I.S.S., que ordenou que a A. procedesse ao encerramento do estabelecimento de apoio social da espécie Estrutura Residencial para Pessoas Idosas. Ora, Foi dado como provado o facto de a estrutura se encontrar a funcionar sem licença de funcionamento e as demais licenças elencadas no ponto 4., bem como os factos constantes dos pontos 5., 6., 8., 14., que aqui se dão por integralmente reproduzidos e que foram invocados pela Recorrente. Contudo, a fundamentação do ato onde se invocam os supra elencados factos, é limitada e implica a decisão tomada pelo tribunal “a quo”, senão vejamos: Em sede de audiência prévia a A. pediu a aplicabilidade do artigo 19º, n.º1 do DL n.º 33/2014 de 4 de Março, alegando e provando ter em curso um procedimento de autorização de funcionamento de uma ERPI, em edifício de raiz a construir no terreno anexo à habitação onde atualmente funciona o estabelecimento de apoio social em questão. Existindo um parecer favorável do R. e do SNS. Contestou o R. alegando que não podia tomar outra decisão que não fosse a de encerramento, atenta a multiplicidade de ilegalidades no funcionamento do estabelecimento, que se traduzem nos factos acima elencados. Porém, na fundamentação do ato, isto é, na informação técnica que antecedeu imediatamente o ato final, diz o R. que a opção de autorização provisória não se coloca, atentas as diversas desconformidades legais do seu funcionamento e porque não existia em curso nenhum procedimento de licenciamento para o n.º 35 da rua S... para EPRI, onde funciona o estabelecimento em questão. Do que se depreende que a Recorrente constrói a sua decisão numa estrita vinculação pela Lei, quer devido às múltiplas ilegalidades do estabelecimento, quer porque a A. não requereu o licenciamento definitivo do estabelecimento atual, mas de um outro, definitivo e futuro. Ora, se assim fosse, estaria prejudicado o respeito pelo princípio da proporcionalidade, bem como de quaisquer dos outros invocados, pois estes apenas relevam para a conformação do ato administrativo individual na medida e onde a lei não determinar diretamente o seu conteúdo. É de realçar que não obsta à aplicação do artigo 19º, n.º1 do DL n.º 33/2014, pedido pela A., o facto de o licenciamento cujo procedimento está em curso ter sido pedido para um outro edifício. Já que a norma não faz tal distinção, até porque a instalação da estrutura de ERPI num outro edifício pode muito bem ser um modo de suprir as desconformidades estruturais do atual! Não se pode, outrossim, apoiar a decisão de encerramento na multiplicidade das desconformidades legais do funcionamento atual do estabelecimento, já que é a falta dessas condições legais para a concessão de licença de funcionamento o que a norma em apreço pressupõe e regula. Os critérios legais para o exercício da ponderação da Administração encontram-se na letra da lei, designadamente do supra citado artigo 19º, n.º1 do DL 33/2014, em duas orações: a) “mas seja possível que as mesmas (condições legalmente exigidas) possam ser satisfeitas” b) “salvo se a condições de funcionamento forem suscetíveis de comprometer a saúde, segurança, bem-estar dos utentes e a qualidade dos serviços a prestar”. Ora, da fundamentação do acto de encerramento resulta que é peca por defeito, por ser genérica, a parte da fundamentação que se poderia aproveitar como fundamento da decisão de ponderação dos critérios de decisão referidos pela R. A fundamentação da decisão nos termos do artigo 19º, n.º1 do citado DL não concretiza que condições são essas que possam comprometer a saúde, segurança e bem-estar dos utentes. Logo, essas múltiplas ilegalidades e desconformidades encontradas, e provadas, não podem, per si, servir como fator decisivo, de modo que não basta uma remissão tácita para as desconformidades provadas para que se possa perceber por que razões concretas foi tomada a decisão de indeferir o pedido de autorização provisória apresentado e solicitado pela A. Ao que acresce o facto de a equipa inspetiva ter entendido que nenhuma destas desconformidades e más condições de funcionamento representam um perigo atual e iminente suscetível de colocar em causa a qualidade de vida e os direitos dos utentes. Só se pode concluir, dados os interesses prosseguidos pelo R., a manutenção e o funcionamento do estabelecimento. A fundamentação do ato peca, ainda, pela omissão de que condições exigidas e inexistentes são suscetíveis de serem cumpridas. Enfim, atento o exposto, não existe nenhum erro de julgamento, mas apenas um iter decisório que se sustenta na falta de fundamentação do ato, não obstante as ilegalidades provadas. Pelo que bem andou a Sentença, julgando parcialmente procedente a ação, anulando a deliberação do Conselho Diretivo do R. IS.S., de 13/04/2017 que ordenou que a A. procedesse ao encerramento do estabelecimento de apoio social de espécie de Estrutura Residencial para Pessoas Idosas, que a mesma mantém a funcionar numa habitação unifamiliar sita na Rua S..., n.º 35 em Almalaguês. Termos em que deve o recurso interposto improceder, com as legais consequências.” * Por Despacho de 26 de abril de 2018 foi admitido o Recurso, mais se determinando a sua subida a este TCAN.* O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 16 de maio de 2018, nada veio dizer, requerer ou Promover.* Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.II - Questões a apreciar Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, importando verificar, designadamente, os suscitados erros de julgamento, no relatório da sentença, por contradições, e os erros de julgamento por contradições entre factos “relevantes” provados e a decisão final. III – Fundamentação de Facto O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada: “1 Desde ignoto momento seguramente anterior a 28/11/2016, a Autora leva a efeito, a título oneroso, por si mesma e com trabalhadores por sua conta e por si remunerados, em número de pelo menos sete, uma actividade de apoio a idosos consistente em prestação de residência, alimentação e cuidados de enfermagem, sendo a assistência médica a do Serviço Nacional de Saúde. Cf. por exemplo o doc. nº 1 do R.I. do processo cautelar apenso, nº 261/17.6BECBR. 2 As instalações onde esta actividade tem vindo a ser exercida consistem na habitação unifamiliar sita na Rua S..., nº 35, Almalaguês, Coimbra, cuja descrição, quanto aos espaços existentes e sua utilização, nos nºs 1 e 2 do capítulo IV da Informação/relatório inicial integrante do doc. nº 1 junto com o R.I do processo cautelar, aqui se dá com reproduzida. 3 Em 28/11/2016 estes actividade e instalações foram objecto de uma visita inspectiva por uma equipa da delegação distrital de Coimbra do Réu, no âmbito da qual, a mais do que acima já se disse, foram verificados os factos mencionados nos pontos 3 a 6 do mesmo capítulo do mesmo relatório, cujo teor aqui se dá como reproduzido. Designadamente verificou-se que nas sobreditas instalações, sob a autoridade e a direcção da Autora, era prestado o sobredito apoio aos 18 idosos residentes, identificados a paginas 11 da Informação/relatório vinda a referir. 4 Mais foi verificado que o estabelecimento não dispunha de: a) Licença municipal de utilização do sobredito imóvel para este efeito (cf. artigo 62º do RJUE e 9º e 10 do DL nº 64/2007 na redacção republicada do DL 33/2014 de 3/4). b) Licença de funcionamento do estabelecimento de apoio a idosos, designadamente na espécie legalmente denominada como “Estrutura Residencial para Pessoas Idosas” (ERPI) emitida pelo Réu – cf. artigos 3º, 4º alª b) e 11º do DL nº 64/2007, alterado e republicado pelo DL nº 33/2014 de 4/3; c) Certificado de segurança, emitido pela Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC); d) Certificado higio-sanitário, emitido pela Autoridade de Saúde; e) Quartos individuais, sendo a capacidade instalada constituída por um quarto com quatro camas, três com três e três com duas (cf. Portaria nº 67/2004, ficha 6, número 6.3.3). f) Actividades ocupacionais que estimulem as capacidades físicas e psíquicas das utentes, designadamente de animação sociocultural; g) Regulamento interno elaborado nos termos do artigo 14.º da Portaria nº 67/2012, de 21 de Março; h) Processos individuais dos utentes organizados em conformidade com o artigo 9º da Portaria nº 67/2012, de 21 de Março, dado que não continham todos os elementos a que se refere o artigo. i) Adequação do edifício e do equipamento de prevenção contra incêndios às normas técnicas constantes dos artigos 10º do DL nº 220/2008 de 12 de Novembro com as alterações introduzidas pelo DL nº 224/2015, e 229º da Portaria nº 1532/08 de 29/12, para a tipologia de utilização “V - hospitalares lares de idosos”. 5 No capítulo II (página 5) da informação/relatório sobre a acção inspectiva, integrante do doc. 1 do R.I. do processo cautelar pode ler-se o seguinte : “Dos elementos desde logo recolhidos no equipamento objecto de fiscalização, aferiu-se que a actividade estava a ser desenvolvida sem licenciamento ou autorização provisória de funcionamento, numa moradia familiar propriedade de TIJI, não tendo sido aferida a existência de más condições de instalação e funcionamento que representassem um perigo actual e iminente, susceptível de colocar gravemente em causa a qualidade de vida e os direitos dos utentes, situação que determinaria o encerramento administrativo e imediato do estabelecimento de apoio social cm carácter de urgência, ao abrigo do n.º 1 do artigo 35.º do DL n.º 64/2007, de 14 de Março, alterado pelo DL n.º 33/2014, de 4 de Março, o que teria com consequência a retirada dos utentes do estabelecimento, preterindo-se, assim, nos termos do artigo 121º do CPA e face ao interesse público subjacente, a fase de audiência de interessados”. 6 Na conclusão 3ª da mesma informação, a página 14, lê-se o seguinte: 3. No quadro dos objectivos visados na presente acção inspectiva efectuada por esta Unidade de Fiscalização, consubstanciados designadamente, na avaliação dos cuidados prestados aos residentes e apreciação das suas condições de saúde, conforto e qualidade de vida, cumpre salientar que a situação encontrada revelou deficiências graves que representam um perigo para os direitos e para a qualidade de vida dos utentes. 3.1 Com efeito, o equipamento no qual funciona o estabelecimento de apoio social apresenta deficientes condições de instalação nos termos da legislação em vigor, referindo-se a esse propósito que não foi emitida pela Câmara Municipal competente a licença ou autorização de utilização do edifício em que se encontra instalado o estabelecimento, título esse que visa precisamente verificar a adequação do edifício ao desenvolvimento dos respectivos serviços de apoio social. 7 No ponto 1.1 do capítulo “VI – Propostas” (página 18) da informação vinda a citar, pode ler-se, ainda: 1.1 - A Orientação Técnica n.º 12/11, de 01.06.2011, emitida pelo Conselho Directivo do Instituto da Segurança Social I.P., veio dispor no seu ponto 5.1 que, quando as deficiências detectadas nas condições de instalação, de segurança, de funcionamento, de salubridade, de higiene e de conforto, representem um perigo potencial para os direitos dos utentes, haverá lugar a encerramento administrativo e imediato com precedência de audiência de interessados, nos termos fixados pelo Código de Procedimento Administrativo, em contraposição com uma situação em se encontre representado um perigo actual e iminente, caso em que se dispensa essa audiência prévia. Especifica aquele normativo que, "sempre que da avaliação efectuada pelas equipas competentes no terreno, se constatar que a situação de risco existente configura um perigo potencial, por contraposição a uma situação de perigo iminente e actual, não há lugar à retirada dos utentes, devendo o procedimento de encerramento ser precedido e audiência de interessados'”. 8 No ponto 1.3 deste mesmo capítulo pode ler-se o seguinte: Em síntese: A ausência de Licença de Funcionamento, de Licença de Utilização, de Certificado de Segurança contra Incêndios; a inadequação das instalações face aos requisitos legais; a insuficiência de meios de combate a incêndios e a inexistência de condições de acesso e de evacuação, são factores que assumem especial gravidade na situação encontrada e representam um perigo potencial para os direitos dos utentes e para a sua segurança. A constatação destas situações irregulares assume maior relevância, tendo em conta o grupo de pessoas em causa, detentoras de uma idade avançada, portadoras de limitações na realização das suas actividades da vida diária e com défices nas suas capacidades cognitivas e de reacção a uma situação de perigo. Todavia, como se pode aferir do descrito no presente projecto de relatório, não foram identificadas no local, situações que representassem um perigo eminente e actual para os direitos e para a qualidade de vida dos utentes. Assim sendo e em consequência, propõe-se o encerramento administrativo e imediato do estabelecimento em apreço, previsto no n.º 1 do artigo 35º do Decreto-Lei nº 64/2007, de 14 de Março, alterado pelo Decreto-Lei n.º 33/2014, de 04.03, sendo o mesmo precedido de audiência de interessados, nos termos explicitados no ponto 5 da O.T. n. º 12/11, do Conselho Directivo nº 188, I.P. de 2011.06.01. (…) À consideração superior. 9 Ao tempo da inspecção sobredita já a Autora havia movido junto do Réu um procedimento de licenciamento relativamente à criação de uma estrutura residencial para pessoas idosas com a capacidade de 17 residentes, em edifício a construir no terreno adjacente à casa de habitação onde mantinha o estabelecimento não licenciado, tendo obtido a emissão do parecer vinculativo favorável do Réu, datado de 23/11/2013, tudo conforme fs. 5 e sgs do doc. 2 do RI do processo cautelar, cujo teor aqui se dá como reproduzido. 10 Sobre a informação/relatório inspectivo vindo a referir lavrou o director da Unidade de Fiscalização do Centro do Réu o parecer cujo teor no rosto da mesma informação aqui dou como reproduzido; e lavrou, depois, a directora do Departamento de Fiscalização do Réu o despacho cujo teor também aqui se dá como reproduzido, destacando os seguinte excertos: Visto. Concordo com a apreciação, conclusões e propostas expressas no presente projecto de relatório e no parecer que antecede. (…) Submete-se o processo à apreciação do CD, com proposta de que seja emitida deliberação, para efeitos de audiência de interessados. 11 Em 23/2/2017 o Conselho Directivo (CD) deliberou concordar com o proposto no sobredito despacho. 12 Seguiu-se, a notificação da Autora para o exercício de pronúncia prévia, mediante a carta de 27/2/2017 cujo teor no doc. 1 do R.I. do processo cautelar aqui se dá como reproduzido. 13 A Autora apresentou em tempo pronuncia prévia, cujo teor no doc. 2 do R.I. aqui se dá como reproduzido, transcrevendo o seguinte excerto: 1. No relatório a que se responde, mais concretamente na página 5, foi aferido que: "não existe um perigo iminente e actual susceptível de colocar gravemente em causa a qualidade de vida e o direito dos utentes"; 2. Diz-se, ainda, na legislação em vigor no DL nº 64/2007 de 14 de Março, alterado pelo DL n.º 33/2014 de 4 de Março, (…) no seu Artigo 19°, nº 1 que "Nos casos em que não se encontrem reunidas as condições exigidas para a concessão de licença de funcionamento, mas seja previsível que as mesmas possam ser satisfeitas, pode ser concedida uma autorização provisória de funcionamento, salvo se as condições de funcionamento forem susceptíveis de comprometer a saúde, segurança, bem-estar dos utentes e a qualidade dos serviços a prestar'; 3. Do no nº 2 (…) resulta que "A autorização referida no número anterior é concedida, por um prazo máximo de 180 dias, prorrogável por igual período, por uma só vez, mediante requerimento devidamente fundamentado". Ora, 4. Aquando da fiscalização efectuada ao estabelecimento em causa, foi este Instituto informado que estava em processo de desenvolvimento a construção de um edifício de raiz, o qual obteve "emissão de parecer técnico favorável ao projecto de licenciamento, relativamente à construção de uma Estrutura Residencial Para Pessoas Idosas, para uma capacidade máxima admitida de 17 residentes por parte do Cdist de Coimbra", informação esta que consta do vosso relatório; 5. Outrossim o SNS emitiu parecer favorável, mediante a realização de pequenas alterações, as quais já se encontram verificadas. (…) 8. Relativamente ao exposto no vosso relatório, mais precisamente no ponto nº 3, Parte V. Conclusões, página 14, o fundamento para a proposta de encerramento administrativo foi a não existência de documentação para o funcionamento legal, aliás que resulta da página do estabelecimento em questão, entende-se, então, que essas deficiências não serão substanciais, mas sim formais. Face ao exposto no ponto 1 acima referido, e o exposto no ponto nº 3, as conclusões não são consentâneas com a factualidade que é revelada ao longo do parecer. 9. Na proposta a que ora se responde, outrossim não foi tido em conta a situação futura dos sete trabalhadores que ali prestam os seus serviços, uma vez que, ao haver o encerramento das instalações estes irão perder os seus trabalhos, que aliás, dependem dos mesmos para a satisfação das necessidades básicas do dia-a-dia. 10.0ra face ao acima exposto, e com fundamento no interesse dos utentes, no interesse dos trabalhadores e ainda com fundamento no interesse Público, vimos requerer que seja concedida à Autora autorização provisória de funcionamento ao abrigo do artigo 19° do DL nº 64/2007 de 14 Março alterado pelo DL nº 33/2014 de 4 de Março, e para que o estabelecimento possa ser de utilidade social. 14 Sobre esta exposição incidiu a informação técnica cujo teor a fs. 5 e sgs do doc. nº 3 do RI do processo cautelar aqui se dá como reproduzido, transcrevendo os seguintes excertos: 3. Quanto ao pedido de concessão de autorização provisória de funcionamento, cumpre referir o seguinte: O artigo 19.° do DL nº 64/2007, de 14 de Março, alterado pelo DL n.º 33/2014, de 4 de Março, prevê a possibilidade de emissão desta autorização provisória de funcionamento "Nos casos em que não se encontrem reunidas as condições exigidas para a concessão de licença de funcionamento, mas seja previsível que as mesmas possam ser satisfeitas". Esta norma determina como óbice a esta concessão serem as condições de funcionamento "susceptíveis de comprometer a saúde, segurança, bem-estar dos utentes e a qualidade dos serviços a prestar. Ora, importa mencionar que esta autorização provisória de funcionamento encontra-se prevista no capítulo respeitante ao licenciamento do funcionamento dos estabelecimentos abrangidos pelo DL nº 64/2007, de 14 de Março, alterado pelo DL nº 33/2014, de 4 de Março. O artigo 11.° prescreve que os estabelecimentos em questão só podem iniciar a sua actividade após a concessão da respectiva licença de funcionamento. Esta licença de funcionamento depende, de acordo com o artigo 12.°, de algumas condições previstas nas respectivas alíneas, sendo uma delas a conformidade das instalações e do equipamento com o desenvolvimento da resposta social pretendida - alínea a). O edifício em apreço, onde se encontra a funcionar uma actividade de apoio social de modo ilegal - sem licença de funcionamento ou autorização provisória de funcionamento (a emitir no âmbito de um processo de licenciamento, caso as condições para a sua atribuição estejam verificadas) - não detém a devida autorização de utilização a emitir pela Câmara Municipal competente que ateste a conformidade das instalações e do equipamento com o desenvolvimento da resposta social que está a ser promovida. (…) Do exposto, cumpre referir que, no que respeita à concessão da autorização provisória de funcionamento, esta possibilidade encontra-se afastada. É que a autorização em causa poderá ser emitida, eventualmente, no âmbito de um processo de licenciamento, processo esse que nunca foi encetado para o estabelecimento em análise. Em relação ao equipamento onde está a ser promovida a resposta social de estrutura residencial para pessoas idosas (ERPI) não foi solicitado ao Instituto da Segurança Social, I.P. o respectivo licenciamento do funcionamento, nos termos do artigo 15.° do DL nº 64/2007, de 14 de Março, alterado pelo DL nº 33/2014, de 4 de Março, pedido esse que, de qualquer modo, teria que ser instruído com a autorização de utilização emitida pela Câmara para o fim que está a ser prosseguido, documento que não existe, situação corroborada pelo teor da notificação da Câmara Municipal de Coimbra, datada de 09.03.2017 a que se fez referência supra. - Foi contactado o Centro Distrital de Segurança Social de Coimbra que informou não ter dado entrada até à data - 30.03.2017 - nenhum pedido de TI com vista ao licenciamento de equipamento sito na Rua S..., 35 - 3040-457 Almalaguês, distrito de Coimbra (…). Por outro lado, a admitir-se aquele mecanismo provisório - Autorização Provisória de Funcionamento - constituiria um óbice à sua concessão, a existência de condições de funcionamento "susceptíveis de comprometer a saúde, segurança, bem-estar dos utentes e a qualidade dos serviços a prestar" - cf. parte final do n.º 1 do artigo 19.º - e que não foram afastadas, considerando a resposta ora em apreciação. (…) Propostas (…) - A remessa do presente relatório final ao Conselho Directivo do ISS, I.P., para que o mesmo seja objecto de apreciação e deliberação final e, caso obtenha parecer concordante, seja efectuada a notificação presencial da decisão final de encerramento administrativo do estabelecimento à entidade averiguada - bem como notificação do mandatário - procedendo-se igualmente à afixação do aviso de encerramento e advertência quanto à necessidade de cumprimento da decisão de encerramento nos termos e prazos definidos pela OT n.º 12/11 do CD do 188, I. P. (…) 15 Sobre tal informação incidiu o despacho da directora do departamento de fiscalização do Réu, datado de 9/4/2017, cujo teor a fs. 4 do documento nº 4 do RI do processo cautelar aqui se dá como reproduzido, transcrevendo o essencial: Concordo (…). Assim sendo, com base nos fundamentos de facto e de direito vertidos no presente relatório e no projecto de relatório e decisão que o antecedeu, submete-se o processo à apreciação do Conselho distrital, para emissão de deliberação definitiva de encerramento, nos termos dos artigos 35º e 36º do DL nº 64/2007 de 14 de Março. 16 Em 13 de Abril seguinte o CD deliberou concordar com os sobreditos despacho e proposta e adoptar o comando cujo teor a fs. 3 do documento nº 3 do RI aqui se transcreve no essencial:
17 Esta deliberação foi notificada à Autora por carta registada de 18 seguinte, cujo teor a fs. 1 e 2 do Doc. 3 do R.I. do processo cautelar aqui se dá como reproduzido, a que iam anexas cópias das deliberação e informações vindas a referir. 18 Catorze dos utentes do estabelecimento de apoio social vindo a referir subscreveram a declaração, datada de 13 de Março de 2017, cuja cópia é documento nº 4 junto com o R.I. do processo cautelar e cujo teor é o seguinte: Abaixo assinados, LP, LFM, CFC, MFC, OAC, MASBO, MGPLL, GFC, MPM, GRO, ISS, ESSL, LPC, MEFB, MHBO, ESM, MAPL e MRP, na qualidade de Utentes(s), vimos por este meio declarar que no Lar onde nos encontramos da Senhora Dona TIJI, na Rua S…, em Almalaguês, somos felizes e bem tratados. Temos um bom acompanhamento e assistência 24 horas e que em altura alguma a nossa Segurança foi posta em causa. Seria para todos nós doloroso ter de mudar de lar. * IV – Do DireitoNo que ao direito concerne e no que aqui releva, discorreu-se na decisão recorrida: “(...) Comecemos pela apreciação pedido enunciado sob alínea a): 1 - Como vimos, a Autora começa por alegar a anulabilidade do ato impugnado atenta uma alegada contradição na fundamentação. Esta, contudo, é só aparente. Da leitura da informação inicial, maxime dos excertos transcritos supra, e bem assim da informação final, ambas assumidas como fundamentação da deliberação impugnada, resulta que a entidade autora do ato faz uma distinção entre perigo potencial e perigo atual, para tratar procedimentalmente de modo diferente o encerramento do estabelecimento de apoio social com base no artigo 35º do DL nº 33/2014 de 4 de Março, de maneira que a ser o perigo atual, o encerramento é imediato e urgente, sem sequer haver lugar a audiência prévia, enquanto se o perigo for considerado apenas potencial, haverá lugar a um procedimento administrativo normal, com audiência prévia. Assim, conclui-se que in casu o Conselho Diretivo (CD) do Réu entendeu que se impunha o encerramento mas, por não haver fatores de um perigo atual para a saúde, a segurança e o bem-estar dos utentes, decidiu seguir o procedimento administrativo normal, conferindo à Autora um prazo para se pronunciar sobre a sua intenção de ordenar o encerramento. Como assim, considero que neste aspeto resida a falta de fundamentação de que a Autora alega padecer o ato suspendendo. Mas o ato impugnado padece efetivamente de insuficiência de fundamentação. Vejamos: Em sede audiência prévia a Autora sustentou a aplicabilidade e pediu a aplicação do artigo 19º do nº 1 do DL nº 33/2014 de 4 de Março, alegando e provando ter em curso um procedimento de autorização de funcionamento de uma ERPI em edifício de raiz a construir no terreno anexo à habitação onde atualmente funciona o estabelecimento de apoio social a encerrar, havendo já um parecer favorável do próprio Réu e do SNS. Mais alegou que a decisão radical de encerramento, sem mais, votava ao desemprego os sete trabalhadores e desalojava e dispersava 18 utentes comprovadamente satisfeitos. O Réu diz, em sede de contestação, que não podia tomar outra decisão atenta a multiplicidade de ilegalidades no funcionamento do estabelecimento. E com efeito, na fundamentação do ato – designadamente, na informação técnica que antecedeu imediatamente o ato final – começa por dizer que a opção da autorização provisória não se coloca, dadas as múltiplas desconformidades legais do seu funcionamento e porque não está em curso nenhum procedimento de licenciamento para o nº 35º da Rua S... para ERPI, onde funciona o estabelecimento ilegal. Se bem se entende, começa por sustentar que a ordem de encerrar o estabelecimento, em tais circunstâncias, é estritamente vinculada pela Lei, quer porque são múltiplas as ilegalidades do estabelecimento quer porque a Autora não requereu o licenciamento definitivo do estabelecimento atual, mas sim de um outro, futuro. A ser assim estaria prejudicada a questão do respeito pelo princípio da proporcionalidade, bem como de quaisquer dos outros invocados, pois estes só relevam para a conformação do ato administrativo individual na medida e onde a lei não determinar direta e concretamente o seu conteúdo. Parece-nos, contudo, que não obsta à aplicação do artigo 19º nº 1 do DL nº 33/2014 o facto de o licenciamento cujo procedimento está em curso ter sido pedido para um outro edifício, pois a norma não faz tal distinção, sendo certo que a instalação num outro edifício pode muito bem ser um modo de suprir as desconformidades estruturais do atual. Portanto, não era por esta via que se impunha sem alternativa a ordem e encerramento. A multiplicidade ou a unidade das desconformidades legais do funcionamento atual do estabelecimento também não podem servir de motivo para uma decisão estritamente vinculada de encerramento, já que é precisamente uma falta das condições (legais) para a concessão de licença de funcionamento o que a norma em apreciação pressupõe e regula. Assim, temos de concluir que a decisão suspendenda não era estritamente vinculada por lei, já que não estava excluída a aplicação da ponderação dos conceitos indeterminados e da cláusula aberta integrantes do artigo 19º citado. Sucede que na mesma fundamentação o autor do ato impugnado acaba por dizer que a essa autorização provisória obsta «a existência de condições de funcionamento “suscetíveis de comprometer a saúde, a segurança, bem-estar dos utentes e a qualidade dos serviços a prestar”», com o que terá ponderado também os critérios da decisão de autorização provisória de funcionamento prevista no artigo 19º nº 1 vindo a referir. Os critérios legais para o exercício da ponderação da Administração encontram-se, nesta norma, em duas orações, a saber: - “mas seja previsível que as mesmas (condições legalmente exigidas) possam ser satisfeitas” - “salvo se as condições de funcionamento forem suscetíveis de comprometer a saúde, segurança, bem-estar dos utentes e a qualidade dos serviços a prestar. Da fundamentação do ato, que acima se procurou sintetizar, resulta que, se é clara e concreta, embora labore em erro de direito, a alegação – principal – dos motivos por que se entende não ser caso de se equacionar, sequer, a possibilidade de concessão de autorização provisória nos termos do artigo 19º nº 1 citado, já é insofrivelmente genérica a parte da fundamentação que se poderia aproveitar como fundamento para uma decisão de ponderação dos critérios de decisão acima transcritos. Com efeito, a fundamentação da decisão de não concessão de autorização provisória nos termos do artigo 19º nº 1 citado, não concretiza que condições são essas “suscetíveis de comprometer a saúde a segurança o bem-estar dos utentes”. Não se diga que se essas condições só podem ser as múltiplas ilegalidades encontradas, desde a falta de licença de utilização (camarária) até à falta de Autorização de funcionamento (do ISS), passando pela desconformidade da distribuição de camas por quartos, pela falta de certificado de segurança. É certo que algumas destas desconformidades – designadamente em matéria de autoproteção e segurança e de níveis de ocupação dos quartos – podem ser ou não o fator decisivo, dependendo dos contornos concretos do caso. Mas que ocorre falta de alguma condições legalmente exigidas já o legislador pressupõe, prevendo, apesar disso, a emissão de autorização provisória, de modo que não basta uma suposta remissão tácita para as desconformidades apontadas para se poder perceber por que razões concretas foi decidido não deferir o pedido de autorização provisória apresentado pela Autora. Acresce o facto de a equipa inspetiva ter entendido que nenhuma destas “más condições de funcionamento” representam “um perigo atual e iminente suscetível de colocar gravemente em causa a qualidade de vida e os direitos dos utentes” para o efeito de encetar um procedimento não urgente. Isto permite concluir que in casu é suportável, para os interesses prosseguidos pelo Réu, a manutenção em funcionamento do estabelecimento, ainda por algum tempo, apesar de fora das condições legais. A fundamentação omite também que condições exigidas e inexistentes são insuscetíveis de serem cumpridas ou, sendo suscetíveis de serem satisfeitas, tal não poderá ocorrer, verosimilmente, no período (subentende-se) em que é legal durar, inicial ou renovadamente, a autorização provisória: um ano, grosso modo, cf. nº 2 do citado artigo 19º. Enfim, deste modo a fundamentação do ato suspendendo, mesmo que consideremos parte dela tudo o que vai dito nos dois relatórios acima parcialmente transcritos, deixa o destinatário e o intérprete sem perceberem por que motivos concretos decidiu o Réu não emitir uma autorização provisória, nos termos do artigo 19º nº1 do DL nº 33/20014, conforme pedido pela Autora em sede de audiência prévia. Reflexamente, acaba o destinatário por não poder reconstituir toda a proposição de facto e todo o juízo de valor que resultaram na ordem de encerramento suspendenda. Eis porque que entendemos que procede a alegação de anulabilidade do ato suspendendo por vício de falta de fundamentação. A procedência deste vício formal prejudica a discussão das alegações dos vícios de violação dos princípios da proporcionalidade, de colaboração com os particulares e da boa-fé. Com efeito, não se sabendo por que factos concretos e juízos é que foi denegado o recurso ao artigo 19º para evitar o encerramento imediato do estabelecimento, não podemos ajuizar se, por essa denegação, fora violados os deveres decorrentes daqueles princípios. Como assim, improcedem tais alegações. Quanto ao pedido enunciado sob alínea b). O objeto deste pedido é a condenação do Réu a praticar o ato alegadamente devido de uma concessão da autorização provisória de funcionamento prevista no artigo 19º nº 1 do DL nº 33/2014. Ora, a decisão de conceder a autorização provisória, como vimos, sempre terá de relevar de uma ponderação concreta, pela Administração, entre a realidade e os critérios bastante abertos plasmados no nº 1 do artigo 19º nº1 citado. Trata-se, aí, de uma zona de uma atribuição reservada da administração, cujo mérito o tribunal só poderá sindicar em caso de erro manifesto ou ofensa do princípio da proporcionalidade ou de outros desses princípios que norteiam a atividade administrativa, sob pena de violação do princípio da separação de poderes e bem assim do artigo 3º nº 1 do CPTA. A insuficiência da fundamentação da decisão – contida no ato impugnado – de não emitir a autorização provisória, aliás, impede o julgador de fazer qualquer juízo, com natureza de evidência palmar, sobre um eventual demérito dessa recusa ou uma eventual obrigação manifesta de emitir, in casu, a autorização provisória. Assim é improcedente que a alª b) do pedido.” Analisemos então o suscitado: Vem invocado que a Sentença Recorrida padecerá, designadamente, do vício de violação de lei, de erros de julgamento, atenta a circunstância de supostamente os respetivos fundamentos estarem em oposição com a decisão, padecendo ainda de falta de fundamentação. Refere-se no Recurso que a Sentença contém as seguintes contradições: "Processo n° 457/17.0BECBR Processo Cautelar"; "O Réu apresentou contestação pugnando pela improcedência da ação cautelar (...)” O referido constitui um manifesto lapso de escrita, sem consequências na decisão proferida a final, em face do que se não releva o erro verificado. São ainda aludidos um conjunto de outros lapsos na elaboração material da Sentença, os quais se não mostram igualmente, ainda que lamentáveis e constitutivos de perplexibilidades várias, suscetíveis de determinar, só por si, a impugnação da decisão recorrida, pois que são facilmente detetáveis, assentando na sua maioria na identificação da presente Ação como se de processo cautelar se tratasse, o que manifestamente não é o caso, tanto mais que o mesmo foi já anteriormente tramitado e decidido pelo mesmo juiz em 1ª instância (Procº nº 261/17.6BECBR). Invoca-se ainda que a sentença do tribunal "a quo" denota igualmente contradição entre os factos "relevantes" provados e a decisão final. Efetivamente, deu-se como provado no Facto 3, o mencionado no Projeto de Relatório dos serviços de fiscalização do ISS, designadamente que a Instituição se encontrará "a funcionar sem licença de funcionamento". Mais oi fixado no facto 4 que que a Fiscalização constatou que "o estabelecimento não dispunha de: a) Licença municipal de utilização do sobredito imóvel (cf artigo 62° do RJUE e 9° e 10º do DL n° 64/2007 na redação republicada do DL 33/2014 de 3/1). b) Licença de funcionamento do estabelecimento de apoio a idosos, designadamente na espécie legalmente denominada como "Estrutura Residencial Para Pessoas Idosas" (ERPI) emitida pelo Réu - cf artigos 3º,4° alª b) e 11° do DL n° 64/2007, alterado e republicado pelo DL n° 33/2014 de 4/3; c) Certificado de segurança, emitido pela Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC); d) Certificado higio-sanitário, emitido pela Autoridade de Saúde; e) Quartos individuais (...) f) Atividades ocupacionais (...) g) Regulamento interno b) Processos individuais dos utentes (...) i) Adequação do edifício e do equipamento de prevenção contra incêndios às normas técnicas (...)" Consta do facto 5, um excerto do mesmo Relatório, no qual se refere que a equipa inspetiva "(...) aferiu que a atividade estava a ser desenvolvida sem licenciamento ou autorização provisória de funcionamento (...)." Refere-se ainda no facto 8 que "A ausência de Licença de Funcionamento, de Licença de Utilização, de Certificado de Segurança contra Incêndios; a inadequação das instalações face aos requisitos legais; a insuficiência de meios de combate a incêndios e a inexistência de condições de acesso e de evacuação, são fatores que assumem especial gravidade na situação encontrada e representam um perigo potencial para os direitos dos utentes e para a sua segurança. A constatação destas situações irregulares assume maior relevância, tendo em conta o grupo de pessoas em causa, (...)". Entende o Recorrente que perante a factualidade dada como provada, designadamente aquela que parcialmente se transcreveu supra, que nunca o tribunal poderia ter decidido como decidiu, anulando “por insuficiência de fundamentação, a deliberação do Conselho Diretivo do Réu ISS, de 13/4/2017 que ordenou que a Autora procedesse ao encerramento do estabelecimento de apoio social da espécie de Estrutura Residencial para Pessoas Idosas que a mesma mantém a funcionar numa habitação unifamiliar sita à Rua S..., n° 35, em Almalaguês.” Se é certo que o dado como provado não deixa de constituir a transcrição de um relatório inspetivo, sempre caberia ao tribunal tirar as devidas ilações do seu conteúdo e conclusões. Em bom rigor, independentemente dos compreensíveis transtornos que o encerramento de uma ERPI, vulgo Lar, determina para os seus utentes e correspondentes familiares, é incontornável que o estabelecimento se encontra a funcionar, designadamente: - sem licença de funcionamento (emitida pelo ISS IP); - sem licença municipal de utilização; - sem certificado de segurança (emitido pela Autoridade Nacional de Proteção Civil); - sem certificado higio-sanitário (emitido pela Autoridade de Saúde); - sem adequação do edifício e do equipamento de prevenção contra incêndios às normas técnicas; - e sem que tenha sido requerida sequer licença para o respetivo funcionamento, o que desde logo denota, só por si, uma manifesta negligência e falta de vontade de conformar o estabelecimento com o legalmente estabelecido. A prova resultante da Fiscalização realizada mostrou-se esmagadora, o que aqui não poderá ser ignorado. Perante a prova fixada pelo próprio tribunal de 1ª instância e face à decisão aí proferida, verifica-se manifestamente um Erro na apreciação da prova, pois que perante a sucessão de irregularidades referenciadas, mal se compreende como pôde o tribunal a quo ter concluído que se verifica falta de fundamentação na decisão de encerramento do estabelecimento. Como discorremos em 24 de agosto de 2014, em acórdão então proferido no TCAS (Procº nº 11432/14) “(...) se outros requisitos não se mostrassem incumpridos, só o facto do estabelecimento não possuir licença de funcionamento, tal determinaria o seu encerramento, sob pena de se sedimentar um clima de impunidade permissiva, sempre pernicioso.” Efetivamente, se os factos que suportaram a decisão de encerramento do estabelecimento fossem ignorados, sendo as detetadas irregularidades desconsideradas, tal poderia gerar, com efeito, um sentimento de impunidade, que sempre desautorizaria qualquer emergente intervenção, ainda que pedagógica, da Segurança Social. É patente que o tribunal a quo pretendeu manter o status quo, no sentido de não gerar incómodos nos utentes do estabelecimento, o que, embora se compreenda, não legitima que o tribunal possa ser conivente com o incumprimento da lei. Para além de todo o conjunto abundante de irregularidades detetadas, que mais seria necessário para que o tribunal a quo pudesse viabilizar o seu encerramento. O Tribunal a quo pende ainda para a atribuição de autorização provisória ao estabelecimento uma vez que “a fundamentação da decisão de não concessão de autorização provisória nos termos do artigo 19º nº 1 citado, não concretiza que condições são essas “suscetíveis de comprometer a saúde a segurança o bem-estar dos utentes”, quando é certo que essas condições resultam da lei. Para além do conjunto de irregularidades detetadas, mal se compreenderia que fosse atribuída uma autorização provisória face a um estabelecimento relativamente ao qual não havia sequer sido apresentado procedimento de legalização. Com efeito, refere o nº 1 do Artº 19º do DL n.° 33/2014, de 04.03 que “Nos casos em que não se encontrem reunidas as condições exigidas para a concessão de licença de funcionamento, mas seja previsível que as mesmas possam ser satisfeitas, pode ser concedida uma autorização provisória de funcionamento, salvo se as condições de funcionamento forem suscetíveis de comprometer a saúde, segurança, bem-estar dos utentes e a qualidade dos serviços a prestar.” Na situação em análise, nunca se poderia afirmar que seria previsível que as condições de funcionamento poderiam ser satisfeitas, pela singela razão de que não foi sequer apresentado pedido de legalização da controvertida ERPI. Surpreendentemente, entendeu o Tribunal a quo que o facto de ter sido requerido licenciamento de uma ERPI para um outro edifício, se mostra adequado e suficiente para que pudesse ser atribuída uma autorização provisória para o estabelecimento que se encontra ilicitamente em funcionamento, obstando assim ao seu encerramento. Estamos perante uma situação incontornável e que resulta do facto do controvertido estabelecimento estar a funcionar sem qualquer licenciamento ou autorização o que só por si é determinante do seu encerramento, sob pena da Administração e os tribunais, por maioria de razão, viabilizando ou tolerando tal facto, estarem a ser coniventes com uma situação de ilicitude e de impunidade permissiva e corresponsáveis em decorrência de qualquer acidente que se pudesse vir a verificar no estabelecimento. Como se afirmou em acórdão análogo ao presente, já referenciado, ainda que de natureza cautelar, “(...) se outros requisitos não se mostrassem incumpridos, só o facto do estabelecimento não possuir licença de funcionamento, tal determinaria o seu encerramento, sob pena de se sedimentar um clima de impunidade permissiva, sempre pernicioso.” * * * Pelo exposto, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao Recurso, revogando-se a decisão recorrida, mais se julgando improcedente a Ação.Custas pelo Recorrente Porto, 12 de abril de 2019 Ass. Frederico de Frias Macedo Branco Ass. Nuno Coutinho Ass. Ricardo de Oliveira e Sousa |