Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02326/23.6BEPRT-S1
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/24/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:ANA PATROCÍNIO
Descritores:DESPACHO INTERLOCUTÓRIO, DESENTRANHAMENTO DE ARTICULADO POSTERIOR À RESPOSTA;
RECLAMAÇÃO DE ACTO DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL;
RECURSO EM SEPARADO;
Sumário:
I – Todos os factos que resultem dos documentos ínsitos no processo de execução fiscal são de conhecimento oficioso, mas apenas para apreciar os vícios assacados ao acto impugnado/reclamado na petição inicial, salvo estando em causa também questões de conhecimento oficioso.

II - Não constituindo questão superveniente, nem de conhecimento oficioso, a invocação de factos densificadores de uma questão nova em articulado posterior à petição de reclamação não pode ser aceite, na medida em que implica alteração da causa de pedir, não podendo ser objecto de conhecimento, sob pena de ser violado o princípio da estabilidade da instância, consagrado no artigo 260.º do Código de Processo Civil.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

«AA», reclamante no âmbito do processo de reclamação de acto do órgão de execução fiscal n.º.......26/23.6, interpôs, em separado, recurso jurisdicional do despacho interlocutório proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 05/02/2024, que determinou o desentranhamento da peça processual por si apresentada em 11/12/2023, no âmbito desse processo de reclamação.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“I. O processo de reclamação judicial em causa tem subjacente uma penhora de quota detida pela Recorrente em sociedade comercial, ordenada pelo Chefe do Serviço de Finanças ... 1 no âmbito do processo de execução fiscal ..................687 e apensos.
II. Em 11 de dezembro de 2023, a Recorrente foi notificada da junção aos autos da Resposta apresentada pela Fazenda Pública, bem como de parte dos documentos que integram o processo de execução fiscal em causa.
III. Só com a junção aos autos dos referidos documentos a Recorrente conheceu os termos exatos em que ocorreu a penhora de quota contestada no presente processo de reclamação judicial:
a. A penhora de quota em causa foi registada na competente Conservatória do Registo Comercial em 19 de julho de 2023. (cf. página 6 do documento que integra o processo de execução fiscal junto a fls. 236 e ss. do sitaf)
b. Em 28 de agosto de 2023, foi enviada uma notificação de penhora dirigida à Recorrente, para a seguinte morada: «Avenida .... ... ...». (cf. páginas 11 a 13 do documento que integra o processo de execução fiscal junto a fls. 236 e ss. do sitaf)
c. Em 8 de setembro de 2023, a aqui Recorrente apresentou reclamação judicial na qual é peticionada a extinção dos processos de execução fiscal em causa por prescrição da obrigação tributária, que atualmente corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto sob o processo n.° 2137/23.913EPRT (cf. doc. 7 da petição inicial). Contudo, o órgão de execução fiscal reteve ilegalmente, durante mais de um mês, a referida reclamação judicial, que apenas foi remetida ao tribunal competente em 24 de outubro de 2023. (cf. página 3 da informação que integra o processo executivo, junta a fls. 367 e ss. do sitaf)
d. Em 10 de outubro de 2023, foi enviada uma «2ª notificação» de penhora dirigida à Recorrente, para a seguinte morada: «Avenida ..., ... ...». (páginas 15 a 17 do documento que integra o processo de execução fiscal junto a fls. 236 e ss. do sitaf)
e. O órgão de execução fiscal reconhece que a morada da Recorrente que constava do cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira era a seguinte: Avenida ..., ... .... (cf. páginas 2 e 3 do documento que integra o processo de execução fiscal junto a fls. 361 do sitaf)
f. Na Resposta apresentada pela Fazenda Pública no presente processo de reclamação judicial, a Fazenda Pública confessa que, embora a Autoridade Tributária e Aduaneira dispusesse no seu cadastro de informação correta quanto à morada da Recorrente, enviou a notificação de penhora para uma morada errada (cf. artigos 12.° e 13.° da Resposta – fls. 441 e ss. do sitaf)
IV. É pacificamente aceite na doutrina e na jurisprudência que o princípio do contraditório é, hoje, entendido numa aceção ampla, enquanto garantia transversal a todas as fases do processo, que se destina a assegurar a participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o processo, podendo estas, em condições de igualdade material, influir sobre todos os seus aspetos.
V. Em 11 de dezembro de 2023, a Recorrente apresentou requerimento ao abrigo do princípio do contraditório, no qual afirmou que, em face da Resposta apresentada pela Fazenda Pública, bem como dos elementos que integram o processo executivo então juntos aos presentes autos de reclamação judicial pelo órgão de execução fiscal, resultava demonstrado que:
a. Ao contrário do que inicialmente sustentou o órgão de execução fiscal, a morada da Recorrente que constava do cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira na data em que foi registada a penhora de quota em causa estava correta, correspondendo à Avenida ..., ... .... Pelo que, a Autoridade Tributária e Aduaneira, por erro que lhe é exclusivamente imputável, enviou a notificação para uma morada errada, não podendo a aqui Recorrente considerar-se regularmente notificada de tal ato de penhora.
b. Quando foi enviada a «segunda notificação» de penhora (em 10 de outubro de 2023), o órgão de execução fiscal tinha conhecimento de que estava já pendente (desde 8 de setembro de 2023) a reclamação judicial n.° 2137/23.913BEPRT, referente aos mesmos processos de execução fiscal, na qual é peticionada a extinção total dos referidos processos executivos. Pelo que, em consequência, a penhora de quota é nula, uma vez que foi notificada num momento em que estava suspenso o processo de execução fiscal (cf. artigo 278.°, n.° 8, do CPPT).
VI. Até à prolação de sentença com trânsito em julgado no processo n.º 2137/23.9BEPRT, não pode a Autoridade Tributária e Aduaneira praticar quaisquer diligências coercivas no processo de execução fiscal, pelo que, ao emitir a referida «segunda notificação» de penhora num momento em que sabia que o processo de execução fiscal estava suspenso em virtude da pendência de prévia reclamação judicial, a Autoridade Tributária e Aduaneira violou de forma grosseira a Lei e a Autoridade do Tribunal.
VII. Estando em causa uma questão com inegável influência para a boa decisão da causa, e que apenas na pendência do presente processo foi cabalmente conhecida pela Recorrente, não podia a Recorrente deixar de invocar tal questão junto do tribunal a quo, por forma a que este tribunal, em cumprimento do disposto no artigo 278.º, n.º 8, do CPPT, conhecesse da nulidade processual da penhora em crise.
VIII. O Despacho Recorrido, que assim não decidiu, padece de um claro erro de julgamento, devendo ser revogado e substituído por acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte que admita o requerimento apresentado pela Recorrente em 11 de dezembro de 2023.
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Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência:
- ser revogado o Despacho Recorrido; e
- ser o Despacho Recorrido substituído por Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte que admita o requerimento apresentado pela Recorrente, ao abrigo do princípio do contraditório, em 11 de dezembro de 2023.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa analisar se a decisão recorrida errou ao determinar o desentranhamento da peça processual apresentada em 11/12/2023.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

A decisão recorrida prolatada em primeira instância, em 05/02/2024, tem o teor que, de seguida, se reproduz:
“Pelo requerimento constante de fls. 456 e 457, numeração do SITAF veio a reclamante responder à contestação apresentada pela Fazenda Pública.
Notificada a Fazenda Pública desse requerimento, veio esta, pelo requerimento constante de fls. 460 a 462, numeração do SITAF afirmar que não é admissível a resposta à contestação, pelo que requer o seu desentranhamento dos autos.
Em resposta a reclamante veio apresentar novo requerimento, que consta de fls. 465 e 466, numeração do SITAF, pugnando pelo indeferimento do ora requerido pela Fazenda Pública.
Vejamos, pois.
Conforme se extrai do artigo 113.º do CPPT, não há no processo judicial tributário direito de resposta à contestação/réplica, quando esteja em causa defesa por impugnação.
É, no entanto, concedida a faculdade de responder à contestação, quando esta verse, ademais, sobre matéria de excepção.
A defesa por excepção, à luz do artigo 571.º, n.º 2 do CPC, pode consistir na alegação de factos que obstam à apreciação do mérito da acção [excepção dilatória] ou que sirvam de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor [excepção peremptória], caso em que determina a improcedência total ou parcial do pedido [cfr. artigo 576.º do CPC].
No caso versado, a Fazenda Pública, na sua contestação, defendeu-se, unicamente, por impugnação, contradizendo os factos alegados pela reclamante, isto é, não invocou matéria de excepção.
Ora, porque o direito de resposta está confinado à matéria de excepção invocada pela contraparte na sua contestação, não assistia à reclamante a possibilidade de apresentar articulado de resposta/réplica.
Tendo apresentado tal articulado, tendo em vista responder à contestação, sem que para isso (es)tivesse legitimada, determina-se o seu desentranhamento, bem assim como do requerimento de fls. 465 e 466, numeração do SITAF.
Custas do incidente pela oponente, que se fixa no mínimo legal.
Notifique.”

Para melhor compreensão, transcreve-se o teor integral da peça processual, apresentada em 11/12/2023, desentranhada pelo tribunal recorrido:
“«AA», Reclamante no processo à margem identificado, tendo sido notificada da Resposta apresentada pela Reclamada, bem como dos documentos que integram o processo de execução fiscal remetidos pela Reclamada a este Tribunal, e tendo ficado totalmente clarificado os termos em que a penhora em crise ocorreu, vem, ao abrigo do princípio do contraditório, expor e requerer o seguinte:
A presente reclamação judicial teve origem em penhora de quota em sociedade comercial, ordenada pelo órgão de execução fiscal no âmbito do PEF n.º ..................687 e apensos. É incontrovertido que a penhora de uma quota, para produzir efeitos jurídicos, deve cumprir os requisitos fixados no artigo 225.º do CPPT. Nos termos da referida norma, a penhora considera-se efetuada através (i) da elaboração de auto em que se especificará o objeto da penhora e o valor resultante do último balanço e (ii) da notificação do auto ao titular do bem penhorado acompanhado da nomeação de gerente da sociedade como fiel depositário (tudo no prazo de 5 dias – artigo 753.º, n.º 4, do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT).
É, assim, inequívoco – pois consta dos autos e é confessado pela Reclamada na Resposta – que a Reclamante só foi notificada da penhora (apelidada falsamente de «2ª notificação» uma vez que não existiu qualquer primeira notificação), em 13.10.2023.
Ora, no momento em que foi efetuada a dita «2ª notificação» (i.e., em 13.10.2023), encontrava-se já pendente, desde 08.09.2023, a reclamação judicial relativa ao mesmo processo de execução fiscal, apresentada pela aqui Reclamante, que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto sob o n.º 2137/23.9BEPRT. Pelo que, no momento em que foi efetuada a «2ª notificação», constata-se que o processo de execução fiscal se encontrava suspenso (cf. artigo 278.º, n.º 8, do CPPT), o que determina a nulidade da penhora por violação de norma legal imperativa. E nem se diga que a circunstância de a reclamação judicial em questão apenas ter sido remetida, ilegalmente e sem qualquer justificação, pelo órgão de execução fiscal ao TAF Porto em 24.10.2023 (cerca de um mês depois do prazo legal!) obsta a tal entendimento. Na verdade, quando no artigo 278.º, n.º 8, do CPPT se refere «com a remessa [da reclamação] para o tribunal tributário», a norma tem como pressuposto que o órgão de execução fiscal não revogou o ato reclamado (cf. artigo 277.º, n.º 2, do CPPT) e, em consonância, remeteu a reclamação para o tribunal tributário competente no prazo legal a que está obrigado. Como é evidente, a aplicação do efeito suspensivo do processo prescrito no artigo 278.º, n.º 8, do CPPT não pode ficar dependente de condutas arbitrárias ilegais do órgão de execução fiscal que não remete a reclamação judicial ao tribunal competente no prazo a que se encontra vinculado.
Assim,
Conforme resulta da Resposta apresentada pela Fazenda Pública e dos elementos dos autos que agora se conhecem, em data anterior (i.e., 08.09.2023), no referido processo de execução fiscal foi apresentada reclamação judicial que corre atualmente termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto sob o processo n.º 2137/23.9BEPRT. Pelo que, em face dos elementos constantes dos autos agora conhecidos com detalhe, é inequívoco que a penhora ocorreu numa fase em que estava suspenso o processo de execução fiscal, o que determina a nulidade da penhora por violação de norma legal imperativa (artigo 278.º, n.º 8, do CPPT).
* * *
Termos em que, e nos demais constantes da petição de reclamação, se reitera o pedido de declaração da ilegalidade da penhora de quota, determinando-se, em consequência, o seu imediato levantamento, com todas as legais consequências.”

2. O Direito

O presente recurso visa o despacho judicial de 05/02/2024, transcrito supra, que determinou o desentranhamento da peça processual apresentada em 11/12/2023, cujo teor também se mostra reproduzido supra.
A Recorrente não questiona neste recurso a fundamentação vertida no despacho reclamado referente à afirmação de não haver, no processo judicial tributário, direito de resposta à contestação, quando esteja em causa defesa por impugnação; somente sendo concedida essa faculdade quando a contestação verse sobre matéria de excepção. Portanto, como a Fazenda Pública, in casu, não invocou matéria de excepção, não assistia à reclamante a possibilidade de apresentar articulado de resposta/réplica.
Com base nesta construção jurídica, o tribunal recorrido, entendendo que a reclamante teve em vista responder à contestação, determinou o desentranhamento dessa resposta, bem assim o requerimento de fls. 465 e 466, numeração do SITAF.
Todavia, neste recurso, é acentuado pela Recorrente que, em 11 de Dezembro de 2023, foi notificada da junção aos autos da Resposta/contestação apresentada pela Fazenda Pública, bem como de parte dos documentos que integram o processo de execução fiscal em causa. Salientando que a peça processual desentranhada se destinou ao exercício do direito ao contraditório quanto aos documentos ínsitos no processo executivo e que, somente com a junção aos autos dos referidos documentos, a Recorrente conheceu os termos exactos em que ocorreu a penhora de quota contestada no presente processo de reclamação judicial.
Não residem dúvidas quanto à importância da aplicabilidade do princípio do contraditório ao longo de todo o processo judicial, genérica e concretamente previsto na lei processual civil, nomeadamente, o princípio da audiência contraditória, dado não serem admitidas nem produzidas provas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas – cfr. artigo 415.º do Código de Processo Civil (CPC).
Logo, é inequívoca a salvaguarda legal, em condições de igualdade das partes, da tomada de posição acerca dos documentos que integram os autos.
Porém, o teor da peça processual, apresentada em 11/12/2023, revela que a Recorrente não se limitou à pronúncia acerca dos documentos ínsitos no processo de execução fiscal, tendo por base as questões que havia suscitado na petição de reclamação.
A peça, cujo desentranhamento se mostra em análise, apresentada pela Recorrente, é constituída por considerandos novos, que ultrapassam os fundamentos e o petitório da reclamação, dado que é introduzida ex novo a questão da nulidade da penhora, por violação de norma legal imperativa [cfr. artigo 278.º, n.º 8, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)], que determina a suspensão do processo de execução fiscal até à decisão do pleito com a remessa de reclamação de acto do órgão de execução fiscal para apreciação no tribunal tributário, apontando a Recorrente para o momento em que foi efectuada a «2ª notificação» da penhora, altura em que o processo executivo se encontraria suspenso, não sendo susceptível de serem praticados quaisquer actos tendentes à cobrança coerciva da dívida.
Importa salientar que o processo tributário de reclamação, previsto no artigo 276.º e seguintes do CPPT, constitui meio processual de controlo judicial da legalidade da actividade do órgão de execução fiscal no quadro do processo executivo, visando a apreciação da legalidade de actuação desse órgão, à luz dos vícios invalidantes que o reclamante imputa a actos praticados pelo mesmo, controlo que tem de ser feito pelo tribunal, portanto, no contexto do pedido e da causa de pedir gizada na petição de reclamação.
A petição inicial é o articulado onde a reclamante expõe os fundamentos da acção e formula o pedido correspondente, é na petição inicial que deve invocar os factos e as razões do direito que suportam a pretensão deduzida em juízo, regra que só conhece as excepções previstas no artigo 264.º e 265.º do CPC (alteração e ampliação da causa de pedir), bem como o artigo 588.º do CPC (articulados supervenientes), aplicáveis por força do artigo 2.º, alínea e) do CPPT.
Pese embora o artigo 588.º, n.º 1 e n.º 2 do CPC abranja um núcleo de factos supervenientes capazes de legitimar o oferecimento de novo articulado – factos ocorridos posteriormente (superveniência objectiva) e factos verificados antes, mas cuja ocorrência só mais tarde veio ao conhecimento da parte (superveniência sujectiva) – a verdade é que, in casu, não pode aceitar-se a existência de uma superveniência, seja ela objectiva ou subjectiva, devidamente justificada. Note-se que foi a própria reclamante que deduziu a reclamação contra anterior acto de indeferimento da declaração em falhas (que terá suspendido o processo de execução fiscal). Logo, a superveniência não é objectiva (acto anterior à notificação da penhora), nem subjectiva (não teve conhecimento da dedução da reclamação após analisar os documentos notificados do processo de execução fiscal).
Não constituindo questão superveniente, nem de conhecimento oficioso, a invocação de factos densificadores de uma questão nova em articulado posterior à petição inicial não pode ser aceite, na medida em que implica alteração da causa de pedir, não podendo ser objecto de conhecimento, sob pena de ser violado o princípio da estabilidade da instância, consagrado no artigo 260.º do CPC.
Apenas uma última nota, para que não restem dúvidas:
É verdade que todos os factos que se mostram ínsitos ou decorram dos documentos do processo de execução fiscal são de conhecimento oficioso (cfr. artigo 412.º do CPC), mas apenas para resolver/conhecer os vícios assacados ao acto reclamado na petição inicial.
Não olvidamos que as questões de conhecimento oficioso podem sempre ser introduzidas nos autos pelas partes, porque já tinham que ser conhecidas pelo tribunal. Mas a questão colocada pela reclamante, ora Recorrente, no articulado em crise, não é de conhecimento oficioso (vício de violação do artigo 278.º, n.º 8 do CPPT).
Nestes termos, reiteramos, não sendo a pronúncia da reclamante na peça processual de 11/12/2023 circunscrita ao teor dos documentos relevantes para apreciar os vícios invocados na petição da reclamação, não sendo os factos destacados nessa peça supervenientes (a reclamante já tinha conhecimento da dedução da reclamação anterior – processo n.º 2137/23.9BEPRT, dado que foi por si apresentada, portanto, tal circunstancialismo já podia constar da petição da presente reclamação), nem sendo a questão suscitada de conhecimento oficioso (nulidade da penhora por violação de lei – artigo 278.º, n.º 8 do CPPT); a peça apresentada constitui novo articulado não consentido pela lei processual, conforme decidido pelo tribunal recorrido no despacho prolatado em 05/02/2024.
No presente recurso, a Recorrente quer fazer crer que se limitou a exercer o contraditório acerca de documentos que emergem do processo de execução fiscal sobre o alegado erro cometido pela AT no envio da notificação da penhora (endereço errado perante o constante do seu cadastro – “1.ª notificação”), no entanto, restringe-se, de forma conclusiva, a afirmar o seguinte: “(…) É, assim, inequívoco – pois consta dos autos e é confessado pela Reclamada na Resposta – que a Reclamante só foi notificada da penhora (apelidada falsamente de «2ª notificação» uma vez que não existiu qualquer primeira notificação), em 13.10.2023. (…)”
É fácil admitir que inexistiu qualquer pronúncia sobre documentos ínsitos no processo de execução fiscal quanto a essa questão da validade da notificação colocada na petição de reclamação. A restante pronúncia implica alteração da causa de pedir, como vimos; pelo que não pode ser admitida nos autos a peça processual apresentada em 11/12/2023.
Nesta conformidade, impõe-se negar provimento ao recurso e manter na ordem jurídica a decisão interlocutória recorrida.

Conclusôes/Sumário

I – Todos os factos que resultem dos documentos ínsitos no processo de execução fiscal são de conhecimento oficioso, mas apenas para apreciar os vícios assacados ao acto impugnado/reclamado na petição inicial, salvo estando em causa também questões de conhecimento oficioso.
II - Não constituindo questão superveniente, nem de conhecimento oficioso, a invocação de factos densificadores de uma questão nova em articulado posterior à petição de reclamação não pode ser aceite, na medida em que implica alteração da causa de pedir, não podendo ser objecto de conhecimento, sob pena de ser violado o princípio da estabilidade da instância, consagrado no artigo 260.º do Código de Processo Civil.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 24 de Abril de 2024

Ana Patrocínio
Vítor Salazar Unas
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