Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00346/24.2BEPNF |
| Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
| Data do Acordão: | 05/09/2025 |
| Tribunal: | TAF de Penafiel |
| Relator: | PAULO FERREIRA DE MAGALHÃES |
| Descritores: | EXTENSÃO DOS EFEITOS DA SENTENÇA; LEI N.º 60/2005, DE 29 DE DEZEMBRO; DIREITO DE INSCRIÇÃO NA CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES; |
| Sumário: | 1 – Para efeitos de pedido formulado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 161.º do CPC, é pressuposto que estejam em causa situações que tenham na sua base actos administrativos com idêntico conteúdo ou em que o demandante esteja colocado numa situação jurídica idêntica, e que não exista já sentença transitada em julgado quanto a ele, e bem assim, que tenham sido proferidas 5 sentenças pelos Tribunais Superiores transitadas em julgado no mesmo sentido, e outro tanto, que não tenha sido proferido número superior de sentenças, transitadas em julgado, em sentido contrário, e mais ainda, que tendo sido apresentado requerimento dirigido à mesma entidade administrativa que havia sido demandada no processo judicial em referência, o mesmo haja sido indeferido ou sobre ele não tenha incidido qualquer resposta. 2 – Como resulta da letra da lei [Cfr. artigo 2.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, conjugado com o Estatuto da Aposentação], o legislador dispôs que o cancelamento da inscrição de subscritor só ocorre quando venha a cessar, de forma definitiva, o exercício do cargo que vinha exercendo e que por si era determinante da inscrição do trabalhador na CGA, sendo que, assiste-lhe o direito de tornar a ser inscrito, quando venha a ser investido em cargo ou em função a que correspondia, à data da entrada daquele normativo, o direito de inscrição. 3 - O cancelamento da inscrição de um subscritor só ocorre, e com a sua consequente eliminação do sistema previdencial da CGA, em conformidade com o disposto no artigo 22.º, n.º 1 – primeira parte - do EA, quando o trabalhador/beneficiário deixe de exercer funções, a título definitivo, sendo que, já não será eliminado o subscritor – o que é o caso do Autor -, que vem a ser investido noutro cargo, a que também correspondia o direito de inscrição [cfr. artigo 22.º, n.º 1 – 2.ª parte – do mesmo EA].* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
| Votação: | Unanimidade |
| Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
| Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
| 1 |
| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I - RELATÓRIO CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, IP [devidamente identificada nos autos], Co-Ré na acção que contra si foi intentada por «AA» [também devidamente identificado nos autos], pela qual requereu, ao abrigo do artigo 161.º do CPTA, a extensão dos efeitos e execução em seu favor, da sentença proferida no âmbito do Processo n.º 485/19.1 BEPNF [que deu provimento à ação administrativa e que condenou as entidades demandadas a aceitarem a reinscrição da ali autora como subscritora da CGA, com efeitos à data em que foi ilegalmente inscrita na Segurança Social], inconformada com a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, pela qual foi julgado procedente o pedido de condenação por si formulado a final da Petição inicial, e condenadas as Entidades Requeridas a proceder à inscrição do R. na CGA desde 03-10-2013, veio interpor recurso de Apelação. * No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem: “[…] CONCLUSÕES: A) O Tribunal “a quo” julgou procedente o pedido, efetuado pelo Requerente/Recorrido, de extensão dos efeitos da sentença proferida nos autos e a sua execução em seu favor, nos termos e para os efeitos do artigo 161.º, n.º 4, do CPTA. B) Sucede que, na nossa perspetiva, na sentença de que se recorre, a situação da Requerente/Recorrida não foi bem apreciada nem a Lei foi corretamente aplicada, não podendo, por conseguinte, o pedido formulado proceder. C) É que, tal como resulta do art.º 161.º do CPTA, a extensão de efeitos da sentença apenas é admissível desde que “…existam vários casos perfeitamente idênticos, nomeadamente no domínio do funcionalismo público e no âmbito de concursos, e só quando, no mesmo sentido, tenham sido proferidas cinco sentenças transitadas em julgado.”. D) Ou seja, o legislador exige uma clara comprovação de que se trata de casos perfeitamente idênticos. E) Competindo aos requerentes demonstrar a perfeita identidade de facto e de direito entre o(s) caso(s) julgado(s) e a “…mesma situação jurídica…” (cfr. n.º 1 do artº 161.º do CPTA), a fim de poderem beneficiar da extensão dos efeitos daquela sentença. F) – No presente caso, o Requerente/Recorrido nem sequer fez um esforço para demonstrar que a sua situação é idêntica – ou melhor, perfeitamente idêntica, como se determina na Lei – às subjacentes às decisões que invoca. G) Em bom rigor, nunca lhe poderia ser aplicável a jurisprudência vertida no processo nº 485/19.1BEPNF, que remete a interpretação acolhida, entre outros, no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2014-03-06, no âmbito do processo n. 0889/13, de cuja súmula decorre o seguinte: “I – Considerando a letra do art. 2º da Lei nº 60/2005, de 29 de Dezembro, que se refere apenas ao pessoal que “inicie funções” e a sua razão de ser (proibir a entrada de novos subscritores), afigura-se claro poder retirar-se que o mesmo deve ser interpretado no sentido de a Caixa Geral de Aposentações estar impedida de inscrever como subscritor aquele funcionário/agente que pela primeira vez venha a ser titular de relação jurídica pública. II – Assim sendo, tendo em conta a letra do preceito e visando o mesmo cancelar novas entradas no sistema e não eliminar os subscritores que permanecem no mesmo, temos de concluir não haver quebra do estatuto de subscritor quando o funcionário ou agente se limita a transitar de uma entidade administrativa para outra sem qualquer descontinuidade temporal, nos termos do estatuído no art. 22º, nº1, do Estatuto da Aposentação, devendo apenas o inciso “direito de inscrição” ser objecto de interpretação correctiva de modo a harmonizar-se com a letra e a teologia intrínseca do art. 2º da Lei nº 60/2005. III – Se o Associado do Recorrente (professor do ensino superior politécnico) rescinde o contrato administrativo de provimento que o liga a uma instituição de ensino e celebra com outra instituição novo contrato, com efeitos a partir do dia seguinte, embora em termos formais haja descontinuidade do vinculo jurídico, não havendo descontinuidade temporal, a situação não cai no âmbito do art. 2º da Lei nº 60/2005, de 29 de Dezembro, em conjugação com o disposto no art. 22º, nº 1, do Estatuto de Aposentação. H) Note-se que, analisado o historial das inscrições do Requerente/Recorrido, na CGA, do mesmo decorre ter havido várias situações de descontinuidade temporal, razão pela qual pensamos que não deveria ter sido admitida a extensão de efeitos peticionada, por não estar demonstrada a perfeita identidade de facto e de direito entre o(s) caso(s) julgado(s) e a “…mesma situação jurídica…” (cfr. n.º 1 do artº 161.º do CPTA). I) Recaindo sobre o Requerente/Recorrido demonstrar a perfeita identidade de facto e de direito entre o(s) caso(s) julgado(s) e a “…mesma situação jurídica…” (cfr. n.º 1 do art.º 161.º do CPTA), a fim de poder beneficiar da extensão dos efeitos daquela sentença – o que não acontece nestes autos – deveria o pedido ter sido julgado improcedente – o que não sucedeu! J) Acresce que, como resulta do disposto no n.º 2 do artigo 38.º do CPTA, não pode ser obtido por outros meios processuais o efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável. K) Por acórdão de 4 de Setembro de 2021, proferido no âmbito do processo n.º 637/15.3BEPRT, o Tribunal Central Administrativo Norte, referindo-se à anterior redação, fez a seguinte análise do artigo 38.º do CPTA: Neste seguimento, estipula o artigo 38º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, respeitante à acção administrativa comum, que nos casos em que a lei substantiva o admita, designadamente no domínio da responsabilidade civil da Administração por actos administrativos ilegais, o tribunal pode conhecer, a título incidental, da ilegalidade de um acto administrativo que já não possa ser impugnado – n.º 1. E adita no seu n.º 2 que sem prejuízo do disposto no número anterior, a acção administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do acto inimpugnável. Na primeira parte deste normativo consagra-se pois o entendimento jurídico, antes presente no direito substantivo materializado no artigo 7.º do DL n.º 48051 de 21.11.67, segundo o qual a falta de impugnação contenciosa de um acto administrativo tido como ilegal não impede o interessado de requerer a apreciação dessa ilegalidade no âmbito de uma acção de responsabilidade civil, sendo que, neste caso, a ilegalidade é conhecida a título incidental servindo apenas de fundamento jurídico ao pedido de indemnização dos danos resultantes da prática do acto. Avisando e exigindo o n.º 2 do artigo 38.º que a apreciação da ilegalidade do acto administrativo não impugnado, nas vestes de uma acção administrativa comum, só pode ter como finalidade uma pronúncia indemnizatória, nunca uma anulação ou declaração de invalidade do acto, que continuará na ordem jurídica a produzir os seus próprios efeitos – vide, Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, páginas 188 a 192, e Vieira de Andrade, Justiça Administrativa, Almedina, 8ª edição, p. 209. Pelo que o artigo 38.º n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos não permite que a acção administrativa comum seja utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação de acto impugnável, que o mesmo é dizer que “não se pode ir buscar à acção comum …os efeitos complementares ou “executivos” (como aqueles que se encontram enunciados no artigo 173.º do mesmo diploma) caracteristicamente associados ao juízo próprio de ilegalidade, ao juízo anulatório, por exemplo os relativos ao restabelecimento in natura da situação jurídica ilegalmente criada, porque isso corresponderia ou pressuporia uma verdadeira anulação do acto, a sua eliminação da ordem jurídica – Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, vol. I, Almedina, 2006, p. 278. L) Por força do disposto no n.º 2 do artigo 38.º do CPTA, as ações administrativas não podem ser utilizada para obter os efeitos que seriam obtidos com a anulação do acto de inscrição do Autor no regime geral de segurança social, designadamente não é possível obter a reconstituição da sua situação previdencial contributiva actual hipotética. M) Pelo que mesmo que assistisse razão ao Exequente/Recorrido, o deferimento da presente execução apenas pode ter efeitos ex nunc. N) Como tal, com o devido respeito, o Tribunal “a quo” não andou bem ao julgar a ação procedente e determinando a extensão dos efeitos da sentença proferida nos autos principais ao presente processo, no sentido de que o Exequente deve ser reinscrito na Caixa Geral de Aposentações, com efeitos à data em que foi inscrito no Regime Geral da Segurança Social. O) Não apreciou bem a situação do Requerente/Recorrido, nem aplicou corretamente a Lei, devendo a sentença ora recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue a ação totalmente improcedente e absolva os executados de todos os pedidos. Termos em que, e nos mais de direito, deverá a Douta sentença, de que se recorre, ser revogada e substituída por outra que julgue a execução totalmente improcedente, com as necessárias consequências. [...]“ ** O Recorrido não apresentou Contra alegações. * O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos. ** O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional. *** Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir. *** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], e que passam por saber se o Tribunal a quo errou no julgamento por si prosseguido em matéria de interpretação aplicação do direito. ** III - FUNDAMENTOS IIIi - DE FACTO Para efeitos da prolação da Sentença recorrida, apreciou e decidiu o Tribunal a quo, nos termos que, por facilidade, para aqui se extraem como segue: “[…] Com interesse para a decisão da presente lide, julga-se provados os seguintes factos: A. Em 01-09-2002, o R. foi admitido como subscritor da CGA, IP (doc. 9 junto com o requerimento inicial); B. O R. exerceu funções como professor em várias escolas desde 01/09/2002, tendo iniciado e cessado contratos da forma que infra se reproduz (doc. 8 junto com o requerimento inicial): [Imagem que aqui se dá por reproduzida] C. Em consequência da celebração de contrato em 03-10-2013, o R. foi inscrito na Segurança Social (fls. 19 do doc. junto com a contestação e doc. 8 junto com o requerimento inicial); Com interesse para a decisão da lide, não há factos que cumpra julgar como não provados. A convicção do Tribunal formou-se com recurso aos meios de prova indicados junto de cada facto dado como provado (documentos juntos aos autos e não impugnados pelas partes – cf. 362.º e ss. do CC). O demais alegado não foi nem julgado provado nem não provado por ser conclusivo, matéria de direito, ou não relevar para a decisão da causa. […]” ** IIIii - DE DIREITO Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que com referência ao pedido formulado a final da Petição inicial, deduzido contra o Ministério da Educação e a Caixa Geral de Aposentações, no sentido, em suma, da extensão dos efeitos da identificada sentença e a respetiva execução a favor do Autor, consubstanciando-se essa execução no reconhecimento e determinação da manutenção da sua inscrição e do vínculo na CGA, e da qualidade de subscritor na CGA, com efeitos desde 03.10.2013, assim como, na condenação dos Requeridos à prática dos actos materiais conducentes à reposição da situação legalmente devida, nomeadamente à sua manutenção/reinscrição na CGA, com efeitos retroativos desde 03.10.2013, integrando-o no regime de proteção social convergente, bem como à transferência das contribuições entregues desde essa data, à Segurança Social para a CGA, veio a julgar pela procedência da acção e a condenar as entidades demandadas no pedido formulado, mais concretamente, de que se encontram verificados os pressupostos necessários para a extensão de efeitos da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, no Processo n.º 485/19.1BEPNF, e nesse sentido, que o Autor deve ser reinscrito na CGA desde 03 de outubro de 2013. Com o assim julgado não se conforma a Recorrente CGA, que no âmbito das conclusões das suas Alegações de recurso sustentou, em suma, que a situação do Autor não foi bem apreciada nem a lei correctamente aplicada para efeitos de poder beneficiar da extensão dos efeitos a que se reporta o artigo 161.º do CPTA, designadamente por inexistirem casos perfeitamente idênticos, de facto e de direito, e neste conspecto, que não lhe poderia ser aplicável a jurisprudência que dimana do Processo n.º 485/19.1BEPNF, que se ancora, entre o mais, no Acórdão do STA proferido no Processo n.º 0889/13, de 06 de março de 2014, e que por essa razão o pedido deveria ter sido julgado improcedente. Mais referiu que em face do que resulta do disposto no n.º 2 do artigo 38.º do CPTA, não podia o Autor ter obtido por outros meios processuais o efeito que resultaria da anulação do acto inimpugnável, ou seja, que as ações administrativas não podem ser utilizadas para obter os efeitos que seriam obtidos com a anulação do acto de inscrição do Autor no regime geral de segurança social, designadamente, que não é possível obter a reconstituição da sua situação previdencial contributiva actual hipotética, e assim, que mesmo que assistisse razão ao Autor ora Recorrido, que o deferimento da presente execução apenas pode ter efeitos ex nunc, e desta forma, que não andou bem o Tribunal a quo ao julgar a ação procedente e em determinar a extensão dos efeitos da sentença proferida no Processo n.º 485/19.1BEPNF, no presente processo, no sentido de o Autor ora Recorrido ser reinscrito na Caixa Geral de Aposentações, com efeitos à data em que foi inscrita no Regime Geral da Segurança Social. Neste patamar. Por julgarmos com interesse para a decisão a proferir, para aqui extraímos parte da essencialidade da fundamentação aportada pelo Tribunal a quo na Sentença recorrida, como segue: Início da transcrição “[…] A lei permite a extensão de efeitos de uma decisão judicial a terceiros que não foram parte do processo judicial inicial, sendo uma das situações em que a sentença produz efeitos extra-processuais. Todavia, para proceder a essa atribuição de efeitos, o legislador estabeleceu alguns requisitos: i) A sentença deve ser de impugnação de acto ou reconhecimento de direitos; ii) O Requerente não pode ter, para o seu caso, decisão judicial transitada em julgado; iii) Os casos devem ser perfeitamente idênticos; iv) Haja pelo menos cinco decisões (o art. designa-a de sentenças proferidas por tribunais superiores) proferidas por tribunais superiores no mesmo sentido da decisão cuja extensão se pretende ou; haja pelo menos três processos de massa com decisão transitada em julgado no mesmo sentido; iv) As referidas decisões não contrariem jurisprudência uniformizada do STA; v) As referidas decisões não serem em menor número ao das decisões proferidas por tribunais superiores em sentido inverso. A dúvida que a CGA levanta prende-se com a identidade dos casos. Quid iuris? A identidade a que se refere o art. 161.º/1 e 2 do CPTA deve ser uma identidade dedutivo-hermenêutica - isto é, os factos num e noutro casos devem permitir a aplicação da mesma subsunção jurídica. Se se puder substituir os factos da sentença cuja extensão se pretende pelos factos da situação o R. sem que isso levasse a uma alteração do raciocínio jurídico vertido na referida sentença e nos acórdãos confirmantes, então estamos perante uma identidade de factos para os efeitos do art. 161.º/1 e 2 do CPTA. Tal compreende-se face à teleologia e às indicações da própria norma, que se refere a situações de emprego público e em matéria de concursos – aqui o que interessa não é tanto que os candidatos ou funcionários tenham a mesmíssima idade, os mesmíssimos anos de serviço, ou que tenham desempenhado funções exactamente no mesmo local, mas que, na lógica da fundamentação das sentenças, seja idêntico constar aquele concreto funcionário/Autor ou constar este funcionário/Requerente da extensão dos efeitos da sentença. Analisemos a fundamentação jurídica da sentença proferida no processo n.º 485/19.1BEPNF: A Lei n.º 60/2005, de 29/12 estabelece mecanismos de convergência do regime de protecção social da função pública com o regime geral da segurança social no que respeita às condições de aposentação e cálculo das pensões – cfr. artigo 1.º. O artigo 2.º do citado diploma, sob a epígrafe “Inscrição”, dispõe o seguinte: “1 - A Caixa Geral de Aposentações deixa, a partir de 1 de Janeiro de 2006, de proceder à inscrição de subscritores. 2 - O pessoal que inicie funções a partir de 1 de Janeiro de 2006 ao qual, nos termos da legislação vigente, fosse aplicável o regime de protecção social da função pública em matéria de aposentação, em razão da natureza da instituição a que venha a estar vinculado, do tipo de relação jurídica de emprego de que venha a ser titular ou de norma especial que lhe conferisse esse direito, é obrigatoriamente inscrito no regime geral da segurança social”. Por outro lado, nos termos do artigo 22.º, n.º 1 do DecretoLei n.º 498/72, de 09 de Dezembro (diploma que aprovou o Estatuto da Aposentação), “*será eliminado o subscritor que, a título definitivo, cesse o exercício do seu cargo, salvo se for investido noutro a que corresponda igualmente direito a inscrição.” Por sua vez, estabelece o artigo 53.º da Lei de Bases da Segurança Social aprovada pela Lei n.º 4/2007, de 16/01 que “O sistema previdencial abrange o regime geral de segurança social aplicável à generalidade dos trabalhadores por conta de outrem e aos trabalhadores independentes, os regimes especiais, bem como os regimes de inscrição facultativa abrangidos pelo n.º 2 do artigo 51.º”, definindo, por seu turno o artigo 55.º da mencionada lei que “são condições gerais de acesso à protecção social garantida pelos regimes do sistema previdencial a inscrição e o cumprimento da obrigação contributiva dos trabalhadores e, quando for caso disso, das respectivas entidades empregadoras” Em cumprimento do antedito quadro legal, e conforme estabelecido no artigo 29.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16/09 e artigo 3.º do Estatuto da Aposentação, as entidades empregadoras são responsáveis pela comunicação para efeitos de inscrição dos trabalhadores no respetivo sistema previdencial. Os n.ºs 1 e 2 do citado artigo 2.º da Lei n.º 60/2005, de 29/12 preconizam a inadmissibilidade de novas inscrições na Caixa Geral de Aposentações e, bem assim, a obrigatoriedade de inscrição no regime geral de segurança social de todo o pessoal que “inicie funções” a partir de 1 de janeiro de 2006. […] Atentas as considerações acima expostas, dúvidas não restam de que o disposto no artigo 2.º da Lei n.º 60/2005, de 29/12 visa apenas abranger o pessoal que inicie efetiva e absolutamente funções públicas no início do ano de 2006. Se outra fosse a vontade do legislador ter-se-ia, naturalmente, expressado de outra forma, se outra tivesse sido a sua intenção, pois é de presumir que “soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (n.º 3 do art.º 9.º do C.C.), sendo certo que o intérprete “não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (n.º 1 do artigo 9.º do C.C.). Voltando ao caso dos autos, resultou provado que a Autora esteve inscrita na Caixa Geral de Aposentações desde 07/05/2003 até 31/08/2010, tendo, em 01/09/2010 celebrado novo contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo para lecionar no Agrupamento de Escolas ...; mais resultou provado que já no ano letivo anterior, mais concretamente de 01/09/2009 a 31/08/2010, a Autora tinha lecionado nesse mesmo Agrupamento ao abrigo de um outro contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo; resultou ainda provado que foi enquadrada no regime da segurança social a partir de 01/09/2010. (…) Atento ao explanado e tendo em conta a matéria fáctica dada como provada nos autos, resulta evidente que a Autora tem direito a manter a sua inscrição/reinscrição na Caixa Geral de Aposentações. Com efeito, não se pode dizer que a Autora, ao transitar no âmbito da Administração Pública de uma entidade para outra (existindo a cessão de um vínculo laboral seguido da celebração de um novo), esteja a iniciar funções, nos termos e para os efeitos do artigo 2.º da Lei n.º 60/2005 – cfr. ainda o Acórdão do TCA Norte de 14/02/2020, processo n.º 01771/17.0BEPRT, disponível em www.dgsi.pt. O raciocínio jurídico subjacente é simples: quando um sujeito cesse o vínculo laboral e celebre um novo, tal não se considera como sendo “iniciar funções” nos termos e para os efeitos do artigo 2.º da Lei n.º 60/2005. Tal é por demais evidente como resulta da citação do Ac. do STA de 06-03-2014, proc. 0889/13, onde se clarifica, com recurso à exposição de motivos da proposta de lei, «poder retirar-se do preceito que o mesmo deve ser interpretado no sentido de a CGA estar impedida de inscrever como subscritor aquele funcionário/agente que pela primeira vez venha a ser titular de relação jurídica pública». A identidade da situação jurídica cumpre-se na medida em que a argumentação jurídica aqui vertida se aplique aos factos deste caso. E aplica-se. O R. estava inscrito na CGA antes da entrada em vigor da Lei n.º 60/2005 de 29-12, logo, a partir do momento em que volte a constituir uma relação jurídica que, anteriormente a 31-12-2006, lhe conferisse o direito à inscrição na CGA, terá direito a ser re-inscrita. A jurisprudência não exige qualquer outro requisito Diga-se desde, já que se verifica a identidade da situação pelo menos em relação a cinco decisões de tribunais superiores. Esta identidade é desde logo partilhada no Ac. do TCAN de 30-09-2022, proc. 00708/20.4BRPT; o Ac. do TCAN de 11-02-2022, proc. 00099/21.1BEBRG; o Ac. do TCAN de 08-04-2022, proc. 00307/19.3BEBRG; o Ac. do TCAN de 10-03-2022, proc. 1974/20.0BEBRG e o Ac. do TCAN de 10-03-2022, proc. 877/21.6BEBRG. Desconhece-se jurisprudência maioritária em sentido inverso, nem tal foi alegado pela Caixa Geral de Aposentações. […] Logo verificam-se os requisitos de que depende a extensão de efeitos da sentença proferida no processo principal. […]” Fim da transcrição Como assim deflui da Sentença recorrida, para efeitos de apreciação da questão decidenda por si identificada [no sentido de saber, em suma, se a situação do Autor em relação à CGA é idêntica àquela que deu origem à decisão proferida no âmbito do processo n.º 485/19.1BEPNF], o Tribunal a quo fixou a factualidade que entendeu por relevante [por provada, e não provada, e que o foi, essencialmente, a partir do acervo documental constante dos autos e do Processo Administrativo], tendo depois prosseguido pela sua submissão ao direito que julgou ser convocável, e que passava por saber, essencialmente, se o Autor podia requerer que efeitos jurídicos produzidos por uma sentença em cujo processo não era parte, também se pudessem aplicar na relação jurídica material em que é parte, ou seja, se o mesmo podia aproveitar os efeitos jurídicos produzidos por uma sentença em cujo processo não foi interveniente, e para esse efeito, saber se se verificavam os pressupostos determinantes da extensão a seu favor dos efeitos apreciados e decididos a que se reporta a Sentença proferida no Processo n.º 485/19.1BEPNF, ao abrigo do disposto no artigo 161.º do CPTA, quanto ao que o Tribunal a quo julgou pela procedência da pretensão do Autor, com amparo em jurisprudência de Tribunais Superiores desta jurisdição administrativa, e por ter julgado verificados todos os requisitos de tanto determinantes. O assim julgado pelo Tribunal a quo não é merecedor da censura jurídica que lhe vem apontada pela Recorrente, pois que não padece a Sentença recorrida dos sustentados erros de julgamento, a qual vai assim ser confirmada. Neste conspecto, salientamos que no recente Acórdão deste TCA, datado de 04 de abril de 2025, proferido no Processo n.º 714/20.9BEPRT-T, em que o ora Relator interveio na sua formação em julgamento, como 1.º Adjunto, foi apreciada e decidida questão de fundo em tudo idêntica à que ora está sob recurso, cuja fundamentação aqui damos por enunciada [com as adaptações que se mostrem devidas, designadamente em torno da matéria de facto], a fim ser prosseguida e obtida, em consonância com o disposto no artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil, uma interpretação e aplicação uniformes do direito, como segue: Início da transcrição “[…] A decisão recorrida mostra-se irrepreensível não logrando a Recorrente rebater qualquer dos seus fundamentos. Estava em causa no julgado cuja extensão aqui se requer a questão – e apenas esta – de determinar o sentido e alcance da expressão “iniciar funções”, nos termos e para os efeitos do artigo 2º da Lei nº 60/2005. Concluindo-se aí que quando o funcionário cessa o vínculo laboral de natureza pública e celebra um novo com a mesma natureza, não está, neste segundo contrato, a “iniciar funções”. Sendo a norma perfeitamente aplicável ao caso concreto da Requerente, sem qualquer necessidade de adaptação ou acrescento interpretativo. O mesmo sucedendo com as decisões judiciais que foram invocadas pela Requerente para cumprir o requisito das 5 sentenças transitadas em julgado, no mesmo sentido. Os factos essenciais dos quais resulta a identidade de casos, ao contrário do que sustenta o Recorrente, foram alegados e ficaram provados, por acordo. A Requerente iniciou funções como professora no ensino público, na Escola Básica ..., ..., em 31.05.2001 e foi admitida nessa data como subscritora da Caixa Geral de Aposentações. E foi indevidamente inscrita no Regime Geral da Segurança Social em 15.10.2013. Sendo que tem exercido funções do docentes em várias escolas públicas - factos provados sob o n.º 3. Pelo que está em situação jurídica idêntica à dos autos principais, iniciou funções antes de 31.12.2006, nos termos e para os efeitos do disposto no nos termos e para os efeitos do artigo 2.º da Lei n.º 60/2005 e do artigo 161º do Código de Processo nos Tribunais administrativos. Concretamente iniciou funções públicas em 31.05.2001. A questão do hiato temporal não foi abordada, de forma relevante, em qualquer dos apontados casos, para se decidir como decidiu. Quanto ao acórdão invocado pela Caixa Geral de Aposentações, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06.03.2014, no processo n. 0889/13, não está em oposição com a invocada jurisprudência. Primeiro porque também não aborda de forma essencial a questão da existência ou não de hiato temporal entre os diferentes contratos de natureza pública celebrados. Segundo porque decide exactamente no mesmo sentido, de não ser aplicável ao caso o disposto no artigo 2.º da Lei n.º 60/2005, de 29.12, em conjugação com o disposto no artigo 22.º n.º 1 do Estatuto da Aposentação. Quanto à invocada existência de acto administrativo consolidado na ordem jurídica que seria afastado pela decisão recorrida- n.º 2 do artigo 38.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos -, também improcede esta argumentação da Recorrente. Desde logo porque não foi praticado qualquer acto administrativo no sentido oposto ao pretendido pela Requerente que se pudesse ter consolidado na ordem jurídica. O que se verificou foi a operação material de substituir os descontos para a Caixa Geral de Aposentação pelos descontos para a Segurança Social no processamento de vencimentos da Requerente. Depois porque esta norma invocada pela Recorrente, ainda que houvesse acto administrativo consolidado na ordem jurídica em sentido contrário à pretensão da Requerente – e não há – é afastada do caso concreto pelo disposto no artigo 161º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Aí se prevê a extensão do julgado anulatório a terceiros “quer tenham recorrido ou não à via contenciosa”, exigindo-se apenas que “não exista sentença transitada em julgado”. Resumindo: pode haver ou não acto administrativo consolidado na ordem jurídica. O que não pode é haver sentença transitada em julgado quanto ao caso a que se pretende estender os efeitos do julgado anulatório, o que se compreende, para evitar a repetição ou a contradição de decisões judiciais. Termos em que se se impõe manter integralmente a decisão recorrida, na improcedência do recurso. […]” Fim da transcrição Revemo-nos na jurisprudência assim fixada [acessível em www.itij.pt], fundamentação que aqui damos por enunciada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 663.º, n.º 5 do CPC, o que pela desnecessidade de apresentação de fundamentação adicional, julgamos ser bastante para efeitos de dar como improcedente a pretensão recursiva deduzida pela Recorrente CGA, tendo assim, forçosamente, de ser confirmada a Sentença recorrida. * E assim, formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO: Descritores: Extensão dos efeitos da sentença; Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro; Direito de inscrição na Caixa Geral de Aposentações. 1 – Para efeitos de pedido formulado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 161.º do CPC, é pressuposto que estejam em causa situações que tenham na sua base actos administrativos com idêntico conteúdo ou em que o demandante esteja colocado numa situação jurídica idêntica, e que não exista já sentença transitada em julgado quanto a ele, e bem assim, que tenham sido proferidas 5 sentenças pelos Tribunais Superiores transitadas em julgado no mesmo sentido, e outro tanto, que não tenha sido proferido número superior de sentenças, transitadas em julgado, em sentido contrário, e mais ainda, que tendo sido apresentado requerimento dirigido à mesma entidade administrativa que havia sido demandada no processo judicial em referência, o mesmo haja sido indeferido ou sobre ele não tenha incidido qualquer resposta. 2 – Como resulta da letra da lei [Cfr. artigo 2.º da Lei n.º 60/2005, de 29 de dezembro, conjugado com o Estatuto da Aposentação], o legislador dispôs que o cancelamento da inscrição de subscritor só ocorre quando venha a cessar, de forma definitiva, o exercício do cargo que vinha exercendo e que por si era determinante da inscrição do trabalhador na CGA, sendo que, assiste-lhe o direito de tornar a ser inscrito, quando venha a ser investido em cargo ou em função a que correspondia, à data da entrada daquele normativo, o direito de inscrição. 3 - O cancelamento da inscrição de um subscritor só ocorre, e com a sua consequente eliminação do sistema previdencial da CGA, em conformidade com o disposto no artigo 22.º, n.º 1 – primeira parte - do EA, quando o trabalhador/beneficiário deixe de exercer funções, a título definitivo, sendo que, já não será eliminado o subscritor – o que é o caso do Autor -, que vem a ser investido noutro cargo, a que também correspondia o direito de inscrição [cfr. artigo 22.º, n.º 1 – 2.ª parte – do mesmo EA]. *** IV – DECISÃO Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Subsecção Administrativa Social da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pela Recorrente Caixa Geral de Aposentações, IP, confirmando assim a Sentença recorrida. * Custas a cargo da Recorrente CGA, IP – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC. ** Notifique. * Porto, 09 de maio de 2025. Paulo Ferreira de Magalhães, relator Rogério Martins Fernanda Brandão |