Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01283/16.0BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/13/2020
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:AÇÃO POPULAR; ANTECIPAÇÃO DA CAUSA PRINCIPAL; LEI N.º 83/95; FALTA DE INTERESSE EM AGIR, INCONSTITUCIONALIDADE.
Sumário:1 – Numa Providência Cautelar, tendo sido decidida a antecipação do juízo da causa principal, nos termos do artigo 121.º do CPTA e ordenada a apensação da ação principal, tal constitui “decisão final desse processo”, sem prejuízo da possibilidade de interposição de recurso.

2 – Está assim vedado ao tribunal a quo, continuar a discorrer sobre a verificação dos pressupostos da Providência Cautelar, e ainda mais introduzir, a final, um segmento decisório, relativamente à Providência Cautelar, ainda que a título supletivo.

3 - O «interesse em agir» constitui pressuposto processual, e traduz-se na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer seguir a ação.

4 - Não tendo tido o Tribunal necessidade de se pronunciar relativamente ao mérito da Ação, em decorrência da declarada falta de interesse em agir, mal se compreenderia, que, ainda assim, fossem ouvidas inutilmente as testemunhas arroladas, designadamente para fazer prova dos cheiros exalados da exploração agropecuária, questão que não chegará a ser apreciada.

5 – Circunscrevendo-se o pedido principal predominantemente a uma ação de condenação à prática de ato legalmente devido, sempre teria de estar preenchido o pressuposto essencial, consubstanciado na necessidade de prévia formulação de idêntica pretensão junto da entidade administrativa competente, nos termos do Artº 67º do CPTA, o que, a não ocorrer, determina a verificação de falta de interesse em agir.

6 – Uma vez que o encerramento da controvertida exploração agropecuária não se consubstancia num ato vinculado, antes dependendo de um conjunto de apreciações que se façam, não só quanto ao sentido da decisão, mas também e principalmente quanto ao momento dessa eventual efetivação, não está excluída a necessidade de prévia apresentação da pretensão junto da Entidade Administrativa competente, não sendo assim aplicável a exceção constante do nº 4 do Artº 67º CPTA.

7 - Como tem vindo a ser reconhecido pela generalidade da Jurisprudência, não é de conhecer por omissão de substanciação no corpo de alegação, a violação constitucional de qualquer norma, se o Recorrente se limita a afirmar a referida desconformidade de interpretação e de aplicação, sem apresentar, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a modalidade a que reverte o vício afirmado.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Recorrente:Município de (...)
Recorrido 1:Ministério da Agricultura
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar para Adopção duma Conduta (CPTA) - Rec. Jurisdicional
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
O Município de (...), devidamente identificado nos autos, tendo vindo a “requerer, como preliminar da ação administrativa que intentará sob a forma da Ação Popular, a intimação a Entidade requerida, na pessoa da Direção Regional da Agricultura e pescas do Centro, a decidir o encerramento provisório e a encerrar provisoriamente a exploração agropecuária da contrainteressadas S., Lda., mais tendo apresentado a correspondente Ação Principal sob a forma de Ação Popular, ambos os processos contra o Ministério da Agricultura, não se tendo conformado com a Sentença proferida em 24 de agosto de 2020, no TAF de Aveiro, na qual se decidiu:
“1. Absolvo o Requerido da instância, por se verificar a exceção dilatória de falta de interesse em agir,
2. E, caso assim se não entenda, indefiro a providência requerida, por não se verificar o pressuposto do “fumus boni iuris”, de que depende o seu decretamento e improcedente a presente ação, por não provada”, veio interpor recurso jurisdicional da referida Sentença, em 15 de setembro de 2020, no qual concluiu:
Cap. I – Transversalmente: prova e audiência prévia
Primeiro:
1) Existe óbvia contradição entre o juízo de desnecessidade de (mais) prova contido nos despachos recorridos de 20/11/2019 e de 24/08/2020 e o juízo contido na sentença, a final, para afastar o conhecimento e a procedência da segunda causa de pedir da ação, a da violação do direito ao ambiente.
2) Como é óbvio, os maus cheiros alegados não podem comprovar-se sem o recurso a meios de prova como a prova testemunhal ou a prova pericial, que o Tribunal a quo entendeu não serem necessárias, pois o PA e os documentos juntos aos autos não permitem, naturalmente, a prova de cheiros.
3) O que nos leva a concluir pela nulidade dos despachos e da sentença recorridos, ao abrigo do art. 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, ex vi arts. 1.º e 140.º, n.º 3, do CPTA, por contradição entre fundamentos decisórios e decisão, ou até por contradição entre juízos decisórios (aplicação da norma a fortiori), à qual acresce erro de julgamento por violação de lei, mormente dos arts. 118.º e 90.º do CPTA, a impor a revogação das decisões recorridas.
Segundo:
4) Na sequência do exposto, considerando a evidente necessidade de produção de prova testemunhal (no mínimo) e até pericial, temos que concluir que, afinal, o juízo de antecipação da decisão da causa principal padece de erro de julgamento, pois, ao contrário do decidido pelo Tribunal no despacho datado de 20/11/2019, os autos cautelares não contêm todos os elementos necessários para o efeito, nos termos exigidos pelo art. 121.º, n.º 1 do CPTA.
5) Deste modo, ocorre erro de julgamento, por violação do art. 121.º, n.º 1, do CPTA, que comina de ilegalidade quer a decisão de 20/11/2019 que determinou a aplicação do art. 121.º, quer o despacho de 24/08/2020, quer a sentença recorrida, estes últimos consequentes, a nível processual, daquele primeiro.
Terceiro:
6) A pronúncia do MP foi perfeitamente desconsiderada pelo Tribunal a quo, que nem sequer a refere no Relatório da sentença, sendo que, também aos olhos do MP, atuando no âmbito dos seus amplos poderes de intervenção conferidos pela LAP, era evidente a necessidade da produção de prova no que diz respeito ao julgamento da segunda causa de pedir da ação – os maus cheiros e a violação do direito dos Munícipes da (...) ao ambiente (cfr. pronúncia a fls. 201 do sitaf, autos principais).
7) Aliás, atentos os fundamentos da sentença, mormente a matéria de exceção, e, assim, que o Ministério Público poderia até, face aos poderes do art. 16.º da LAP, continuar os termos da ação, uma vez que, ainda que tal fosse devido no caso (que, veremos, não é), sobre si não recai a obrigação de dirigir requerimento para a prática de ato devido à Administração, temos mesmo que concluir que os Autos foram decididos à revelia do Ministério Público, que não foi chamado sequer a pronunciar-se sobre a possibilidade de antecipação ao abrigo do art. 121.º, n.º 1, do CPTA.
8) Deste modo, ocorre nulidade processual de todo o processado posterior ao despacho de 20/11/2019, este inclusive, pois que, sem ouvir o MP, o Tribunal a quo determinou a aplicação do art. 121.º ao caso, nos termos dos arts. 195.º e 615, n.º 1, al. d), ambos do CPC, aplicáveis ex vi arts. 1.º e 140.º, n.º 3, do CPTA;
9) Bem como, no mínimo dos mínimos, ocorre nulidade da sentença que decide sem considerar a pronúncia do MP, ao abrigo dos arts. 195.º e 615, n.º 1, al. d), ambos do CPC, aplicáveis ex vi arts. 1.º e 140.º, n.º 3, do CPTA;
10) Para além de que, caso se entenda não existirem as nulidades assacadas, ocorre erro de julgamento que emana das decisões recorridas, por violação dos arts. 118.º, 90.º e 121.º, n.º 1, do CPTA (quanto à prova), a impor a revogação das três decisões recorridas;
11) A que se soma o erro de julgamento por afronta aos arts. 13.º e 16.º da LAP, 9.º, n.º 2, e 121.º, n.º 1, todos do CPTA e dos direitos e interesses substantivos que o MP aqui representava também (arts. 52.º, n.º 3, e 66.º, n.º 1, da CRP), tudo a impor a revogação da sentença recorrida.
12) Erro este, ainda, agravado pelo teor do art. 17.º da LAP, que concede uma especial amplitude ao princípio do inquisitório, com amplos e especiais poderes ao juiz no que diz respeito à recolha da prova nos autos, saindo esta norma, também, violada, sempre no sentido do erro de julgamento e da revogação da sentença.
Quarto (e por fim):
13) As decisões recorridas padecem também de nulidade por preterição da audiência informada e concretizada que é a plasmada no art. 121.º, n.º 1, do CPTA, e, ainda, de nulidade por preterição da audiência prévia prevista nos n.ºs 1 e 2 do art. 87.º-B do CPTA, ambas ao abrigo do art. 195.º, n.º 1, do CPC, ex vi art. 1.º do CPTA;
14) No mínimo, a entender-se não existirem as referidas nulidades, as decisões recorridas incorrem em erro de julgamento por violação dos arts. 121.º, n.º 1, 87.º-B, n.º 2, do CPTA e, duplamente, do princípio da proibição de decisões-surpresa, já que, para além de ter faltado a audiência informada ao abrigo do art. 121.º, n.º 1, do CPTA, as Partes nunca foram notificadas dos fins concretos a que a dispensada audiência prévia se destinaria, como se exige, jamais podendo, assim, as decisões recorridas manter-se na ordem jurídica.
Cap. II – Do objeto da decisão (sentença)
Primeiro:
15) A procedência da exceção dilatória da suposta falta de interesse em agir, com a consequente absolvição da instância, deixa de imediato prejudicado o conhecimento de qualquer razão de mérito, esgota de imediato o poder jurisdicional do Tribunal a quo, razão pela qual existe nulidade por excesso de pronúncia, de acordo com o art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, ex vi arts. 1.º e 140.º, n.º 3, do CPTA, não podendo a sentença recorrida manter-se na ordem jurídica.
– Segundo, sem nunca conceder quanto ao que vimos de alegar:
16) O Tribunal a quo, tudo misturando e parecendo querer decidir ambas as ações, com uma só decisão, decide, de fundo, numa ótica cautelar, isto é, decide materialmente a ação cautelar, julgando os respetivos requisitos consagrados no art. 120.º do CPTA, mormente o fumus boni iuris, quando não podia fazê-lo ao enveredar pela aplicação do art. 121.º do CPTA, de acordo com o qual se opera a convolação da ação cautelar em ação principal, para decisão da pretensão esgrimida nesta última. Deste modo, a sentença recorrida incorre em erro de julgamento, viola o art. 121.º, n.º 1, do CPTA e não pode manter-se na ordem jurídica.
17) Aliás, uma interpretação do mecanismo do art. 121.º, n.º 1, do CPTA diversa da que fazemos é ilegal e concretamente inconstitucional, por violação do princípio da tutela judicial efetiva (art. 268.º, n.º 4, da CRP), dos direitos processuais especiais previstos em matéria de ambiente e que aqui se aplicam (cfr. art. 7.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2014), do direito de ação popular consagrado no art. 52.º, n.º 3, al. a), da CRP e, bem assim, do direito substantivo fundamental invocado nos autos (segunda causa de pedir), que é o direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado plasmado no art. 66.º, n.º 1, da CRP, titulado pelos Munícipes da (...), tudo isto porque se decide a pretensão principal de uma forma perfunctória e sumária e sem as exigíveis garantias, próprias de uma ação principal, quanto ao conhecimento sério e profundo da pretensão.
Cap. III – Da falta de interesse em agir
Primeiro:
18) O Tribunal a quo julgou com fundamento no n.º 1 do art. 67.º do CPTA, como se o n.º 4, al. a), da mesma norma não existisse, quando é precisamente esse o aplicável no caso vertente, uma vez que o encerramento imediato das explorações da Contrainteressada decorre diretamente da lei, em concreto, decorre do art. 8.º, n.º 8 do DL n.º 165/2014;
19) Sendo que, quando a ação principal entrou em juízo (em 17/02/2017), estavam ostensivamente ultrapassados os prazos definidos na norma para a Administração decidir, e, no caso, findos os prazos a que se refere o normativo, diz a lei que a Administração tem de encerrar imediatamente, repetimos imediatamente, a exploração.
20) Acrescendo a isto mesmo, o que torna o erro mais cavado e sério, que o Município alegou isto mesmo, expressamente, por diversas vezes e a vários passos nos processos: nos arts. 36.º a 45.º da pi., a fls. 1 do sitaf dos autos principais; nos arts. 20.º a 22.º da réplica, a fls. 210 do sitaf dos autos principais; nos arts. 47.º a 51.º do ri., a fls. 1 do sitaf dos autos cautelares; entre outros, nos arts. 3.º a 6.º do requerimento a fls. 242 do sitaf dos autos cautelares; no art. 17.º da resposta a fls. 268 do sitaf dos autos cautelares.
21) Nesta conformidade, não existindo dúvidas sobre a natureza direta da ação omitida pela Administração (o encerramento), não se revela necessário levar a efeito o requerimento para a prática de ato devido, sendo assim que a sentença sofre de erro ostensivo de julgamento, por afronta ao art. 67.º, n.º 4, al. a), do CPTA e ao art. 8.º, n.º 8, do DL n.º 165/2014, impondo-se a sua revogação.
Segundo:
22) A causa de pedir é dupla e integra (segunda causa de pedir esgrimida na ação) a violação do direito ao ambiente e, nesta sede, por força dos princípios que no seu âmbito regem, não há requerimentos prévios a apresentar, e muito menos quando existe uma ação popular e quando o Ministério Público aderiu à tutela do concreto direito invocado através da mesma ação, como vimos, o que faz com que a sentença incorra em erro de julgamento, por violação conjugada dos arts. 67.º, n.º 4, al. a), 68.º, n.º 1, al. b), 9.º, n.º 2, do CPTA, 16.º da LAP e, materialmente, do art. 66.º, n.º 1, da CRP, exigindo-se a respetiva revogação.
Terceiro:
23) As normas processuais especiais que tutelam o direito ambiental, decorrentes que são dos princípios da prevenção e precaução, in casu, a al. c) do n.º 2 do art. 7.º da Lei n.º 19/2014, consagra o direito, reconhecido a todos e inerente ao direito geral de tutela plena dos direitos e interesses ambientais, a pedir a cessação imediata da atividade causadora de ameaça ou dano ao ambiente – repise-se, a lei, em conformidade com a sobredita principiologia, basta-se com a mera ameaça de dano para que possa pedir-se a cessação imediata da atividade (potencialmente) danosa!
24) Ora, se o direito tutela, em especial, a cessação imediata, tal imediatismo não se compadece com requerimentos prévios e, portanto, fosse como fosse, a normal geral do CPTA sempre teria aqui que ceder perante a norma especial de índole ambiental, que sempre se invocou nos autos – estamos no âmbito da tutela de direitos fundamentais, recorde-se, enformada ademais pelos princípios da prevenção e da precaução e tudo a fazer com que a sentença incorra em erro de julgamento, desta feita por violar os arts. 1.º, 3.º, al. c), e 7.º, mormente o seu n.º 2, al. c), da Lei n.º 19/2014, e os princípios da precaução e da prevenção inerentes a tais disposições, bem como, sempre e materialmente, o art. 66.º, n.º 1, da CRP, exigindo-se a respetiva revogação.
Quarto:
25) À atuação omissiva em que a pi. assentou sucedeu o ato que declarou a deserção do procedimento, datado de 03/02/2017 (cfr. ponto 10 dos factos provados na sentença) e a apresentação, pela Contrainteressada, em 13/04/2017, de novo pedido de regularização ao abrigo do mesmo DL n.º 165/2014 (cfr. ponto 11 dos factos provados);
26) Assim, por um lado, face à deserção do procedimento, a obrigação de imediatamente encerrar decorrente do art. 8.º, n.º 8, do DL n.º 165/2014, ou o ato devido diretamente da lei que alicerça o interesse em agir previsto no n.º 4 do art. 67.º do CPTA, só resulta mais clara e inequívoca, tal como o erro de julgamento da sentença que supra assacámos, por afronta ao art. 67.º, n.º 4, al. a), do CPTA e ao art. 8.º, n.º 8, do DL n.º 165/2014, impondo-se a sua revogação;
Em quinto, por outro lado:
27) Quanto ao segundo pedido de regularização requerido pela Contrainteressada em 13/04/2017, o A. apresentou nos autos principais Articulado Superveniente a esse propósito (a fls. 274 do sitaf), tal como deduziu requerimento em conformidade na ação cautelar (a fls. 698 do sitaf), mas a admissão de um tal Articulado Superveniente nunca foi decidida nos autos (tal como nem do Relatório da sentença consta), logo, esta matéria não integra sequer o objeto da ação e não pode ser decidida pelo Tribunal, razão pela qual a sentença incorre em nulidade, agora por excesso de pronúncia, ao integrar tal matéria na fundamentação de facto provada e ao ajuizar acerca da mesma – cfr. art. 615.º, n.º 1, als. d) e e), do CPC, ex vi arts. 1.º e 140.º, n.º 3, do CPTA –, o que impõe a respetiva revogação.
Sem jamais conceder quanto ao que vimos de alegar:
Cap. IV – Do fumus boni iuris (sem nunca conceder)
Primeiro:
28) O PA. referente ao segundo pedido de regularização da atividade da Contrainteressada foi junto aos autos, por ordem do Tribunal, em 20/05/2019 (fls. 743 e ss. do sitaf dos autos cautelares), há mais de um ano a esta parte; portanto o Tribunal a quo, julgando agora a pretensão e ajuizando acerca desse procedimento com base nos elementos juntos, julga desfasadamente da realidade, pois desconhece tudo quanto se passou a partir daquela data (tal como o A., que não tem obrigação de conhecer nem de carrear tais elementos para os autos), sendo que o conhecimento de tais factos é relevantíssimo, atentos os prazos (apertados) constantes do DL n.º 165/2014 para a tramitação do procedimento (cfr., determinantemente, art. 9.º, n.ºs 1, 4, 5, 9, art. 10.º e art. 11.º, n.º 1) e, assim, a apreciação material que do procedimento possa e deva ter lugar e respetivas consequências a retirar.
29) Por outras palavras, o (suposto) título provisório concedido pelo Requerido à Contrainteressada (em ilegalidade, quanto a nós, pelas razões expostas nos articulados apresentados nos autos), consubstanciado no recibo comprovativo do pedido de regularização, não vale nem pode valer indefinidamente, pois o procedimento tem de ser tramitado dentro dos apertados prazos legais (mormente nos termos dos arts. 9.º, 10.º e 11.º do diploma), sob pena da sua violação, e sempre e a final, impondo o encerramento da exploração.
30) A sentença incorre, portanto, em erro de julgamento, designadamente, por violação do diploma legal (arts. 9.º, 10.º e 11.º do DL n.º 165/2014) e do princípio da verdade material e da justa decisão da causa, não podendo manter-se na ordem jurídica.
Segundo, sem nunca conceder quanto a tudo o alegado, agora quanto aos concretos fundamentos da sentença, a este passo:
31) O argumento de que o Município não agiu em termos de legalidade urbanística é um argumento inócuo, pois inexiste norma, princípio ou instituto que façam com que a falta de ação do Município no que concerne à legalidade urbanística legitime o incumprimento de uma outra lei que, por razões distintas, implica o encerramento da exploração, nem o disse o Meritíssimo Juiz, como lhe cabia. Bem assim, dizer-se que a atitude do Município é ou não consentânea com o que quer que seja é um nada jurídico, que não pode inculcar qualquer razão que corporize ou implique a falta de razão do A..
32) Por outro lado, quanto ao mais, a autorização da RAN a que se reporta o ponto 8 do probatório e a sentença a pp. 22 data de 13/09/2000 (tem 20 anos!), refere-se apenas a instalações pecuárias, sem se poder saber concretamente quais, além de que, de todas as desconformidades urbanísticas constantes desse parágrafo da sentença, nenhuma se refere à ocupação da RAN, tudo a pugnar pelo erro decisório e mesmo pela falta de sentido lógico-jurídico da decisão.
33) O mesmo sucede quanto ao facto de o A. pedir o encerramento parcial, porque existe uma (pequena) parte da exploração que está licenciada (há anos) e contra essa o A. nada tem nem pode ter a opor; um tal pedido não é ilegítimo (pelo contrário), é mesmo consentâneo com o dever de cumprir a legalidade e nada tem a ver com o título provisório (o Tribunal a quo tudo mistura, num juízo destituído de sentido lógico-jurídico…).
34) Não se sabe a que diversas diligências e pareceres concretos se refere o Tribunal a quo no terceiro parágrafo da p. 22 da sentença, para concluir de forma absolutamente genérica que os mesmos são tendentes à conformação da exploração com as normas de funcionamento, nem se pode perceber o que tem tudo isso a ver com o art. 16.º (referente à AIA)…
35) É, assim, patente a absoluta fragilidade dos dizeres constantes da sentença, que decide em erro de julgamento, para não dizermos que nenhum sentido se vê nos dizeres e juízos feitos, sendo certo que não pode nunca, jamais, manter-se a sentença recorrida na ordem jurídica, porque é, a este passo, nula por infundada e infundamentada e mesmo ininteligível (art. 615.º, n.º 1, als. b) e c), do CPC, ex vi arts. 1.º e 140.º, n.º 3, do CPTA), além de incorrer em erro de julgamento por violar as normas do diploma da regularização que parece querer aplicar (DL n.º 165/2014).
– Terceiro e agravadamente – inconstitucionalidade:
36) Refletindo minimamente sobre o regime legal que aqui é equacionado, não podemos deixar de invocar a inconstitucionalidade em concreto do art. 7.º, n.ºs 1 e 3, do DL n.º 165/2014, que permite, ademais num ciclo infindável que se repete historicamente há dezenas e dezenas de anos através de regimes jurídicos idênticos que assim permitem o funcionamento de indústrias sem nenhum controlo administrativo material, a obtenção de título provisório pela aqui Contrainteressada, esta que tem inúmeras queixas contra si (estão nos autos), laborando ou levando a cabo a sua atividade numa extensão que nunca foi sujeita a qualquer prévio controle administrativo, por força de meras atuações de secretaria (passagem de um mero recibo que atesta a mera entrega de um pedido);
37) Tudo isto em violação do princípio do Estado de Direito e da proibição do arbítrio (art. 2.º da CRP), do próprio direito ao ambiente constante do art. 66.º da CRP, dos princípios da prevenção e precaução inerentes e até do princípio da igualdade (art. 13.º), já que não há fundamento material legítimo para um tal regime diferenciador (positivamente) de atividades mais poluentes em relação a outras, menos impactantes a todos os níveis, mormente ambiental.
38) Note-se, quanto a esta alegação, que o que se sustenta por se revelar dentro dos limites da razoabilidade e proporcionalidade, sendo posição consentânea com o interesse público e o Estado de Direito, é a existência de autorizações provisórias, sim, mas, pelo menos, com um controlo liminar, coisa que a entrega pura e simples de documentação não integra! Numa palavra, deve, em último termo, desaplicar-se a norma do art. 7.º, n.ºs 1 e 3 do DL n.º 165/2014 ao caso concreto, por inconstitucionalidade, nos termos expostos.
Sem nunca conceder quanto a todas as razões expostas:
Cap. V – Da pretensão ou causa de pedir ambiental
39) Para que dúvidas não existam a este passo: a não apreciação da causa de pedir referente ao direito ao ambiente nada tem a ver com o licenciamento da exploração e nada tem a ver com o facto de a mesma deter ou não deter qualquer título que legitime a laboração, definitivo ou provisório, ou seja, a causa ambiental vai além da questão da licença, podendo um estabelecimento que detenha um título provisório ou definitivo para laborar ser encerrado, por força da violação ambiental. Posto isto:
40) O Tribunal a quo esquece o essencial e escusa-se a decidir, com seriedade (mesmo que fosse em cognição sumária, que nem assim), uma das causas de pedir esgrimidas na ação, talvez a essencial, aquela que determina a configuração das ações como ações populares: invocou-se, pois, a violação do direito ao ambiente, rectius, a violação do direito dos Munícipes da (...) a um ambiente sadio e equilibrado, constitucional e legalmente consagrado nos arts. 66.º, n.º 1, da CRP e 5.º da Lei n.º 19/2014 (Lei que define as Bases da Política de Ambiente).
41) O Tribunal a quo limita-se a despachar a questão com a suposta não comprovação dos maus cheiros (quanto à nulidade e erro de julgamento referentes à prova, já alegámos e assacámos tudo supra), olvidando que a causa de pedir ambiental tem, inclusive, um regime processual próprio e que foi invocado, também já o vimos, para além das especificidades esmiuçadas e que decorrem do regime da ação popular (da LAP), tudo alegado, invocado, explicitado na pi. (e, até, no ri.) e perfeita e agravadamente esquecido pelo Tribunal.
42) A este passo, o art. 66.º, n.º 1, da CRP consagra o direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, o qual, na sua estrutura negativa, mas com incidências positivas, assume-se como direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, diretamente vinculativo de entidades públicas e privadas por força do regime do art. 18.º (ex vi art. 17.º da CRP), tendo como contrapartida o respeito, a abstenção, o non facere, e como escopo a conservação do ambiente, consistindo na pretensão de cada pessoa a não ter afetado o ambiente em que vive e em obter os meios de garantia indispensáveis, para esse efeito.
43) A Lei n.º 19/2014, em cumprimento expresso da CRP (cfr. art. 1.º), subordina a atuação pública em matéria de ambiente aos princípios materiais da prevenção e precaução (cfr. art. 3.º, al. c.), e o art. 7.º do diploma consagra “Direitos processuais em matéria de ambiente”, entre os quais o direito à tutela plena e efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos em matéria de ambiente (n.º 1) e, em especial (n.º 2) e entre outros, o direito a pedir a cessação imediata da atividade causadora de ameaça ou dano ao ambiente (al. c.).
44) Neste enquadramento, a situação dos cheiros nauseabundos alegada impõe, diretamente e por força dos princípios da prevenção e, sobretudo, da precaução, o encerramento da exploração pecuária em causa, independentemente de títulos existirem ou não e face à invocação e aplicação direta das normas constitucionais e da violação do direito fundamental.
45) Ademais, a referida principiologia impõe-se inelutavelmente e de forma evidente e claríssima no sentido do encerramento, quando temos um estabelecimento que não tem licença para laborar; diríamos que, neste caso, inexistindo título a certificar minimamente a conformidade da laboração com as normas ambientais e outras, coisa que um título provisório e de secretaria não faz, torna-se clara a atuação dos princípios, a ditar o encerramento.
46) Em último termo, ditam os referidos princípios, se dúvidas existirem quanto à ameaça e danos que a atividade da Contrainteressada comporta em relação ao direito fundamental que se invoca e, bem assim, ao interesse público, que seria sobre aquela, que opera em ilegalidade (repise-se, sem título definitivo, que, a entender-se esse válido, um mero título provisório e de secretaria não pode suprir), que recairia o ónus da prova da inexistência de ameaça e de danos, coisa que não logrou provar nos autos, tudo a impor o encerramento peticionado.
47) Em suma, a este passo, a sentença recorrida incorre em nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, ex vi arts. 1.º e 140.º, n.º 3, do CPTA; acrescendo, a não se entender pela nulidade, novo erro de julgamento por violação dos arts. 66.º, n.º 1, e 18.º da CRP, 5.º e 7.º da Lei n.º 19/2014, dos princípios da prevenção e da precaução, enfim, tudo a impor a expurgação da sentença recorrida da ordem jurídica.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, por provado, para todos os efeitos legais, só assim se fazendo a costumada, JUSTIÇA!”

O Contrainteressado/S. veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 29 de setembro de 2020, aí tendo concluído:
1ª O recorrente jurisdicional formulou 47 longas conclusões, que se limitam a reproduzir o que dissera anteriormente e que não são sintéticas nem respeitam o preceituado no nº 1 do arfo 639º do CPC, razão pela qual deve ser convidada a corrigir as conclusões apresentadas (v, nº 3 do artº 639º do CPC). Para além disso,
2ª O recorrente jurisdicional insurge-se contra o despacho de 20/11/2019, que antecipou a decisão da causa, por entender que havia prova a produzir e se tratar de uma decisão surpresa, não estando, como tal, preenchidos os pressupostos de que o artº 121º do CPTA faz depender a antecipação da decisão da ação principal.
3ª Salvo o devido respeito, a decisão de antecipação da causa principal constante do despacho de 20 de Novembro de 2019 não enferma de qualquer erro de julgamento. tendo efetuado uma correta interpretação do artº 121º do CPTA, podendo-se dizer que a tese sustentada pelo recorrente jurisdicional revela não só má fé processual - pois discorda da antecipação quem antes expressamente a peticionara e considera estar- se perante uma decisão surpresa quem foi convidado para se pronunciar sobre essa antecipação e nem sequer respondeu ao convite - como é claramente errada - uma vez que a decisão a tomar era simples (saber se estavam preenchidos os pressupostos da ação de condenação à prática de ato devido) e para esse efeito o processo já reunia todos os elementos necessários. Com efeito,
4ª A revisão de 2015 do CPTA converteu a faculdade concedida pelo artº 121° num "normal instrumento de agilização processual ... ", dependendo apenas do Tribunal se “sentir", em condições de decidir a questão de fundo, por dispor de todos os elementos necessários para o efeito ... “e de entender" ... dar resposta a situações apenas caracterizadas pela simplicidade na sua resolução ... " (cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, Comentário ao CPTA, 2017, 4° ed., págs, 989 e 990). Ora,
5ª Ora, o Tribunal a quo entendeu que a questão a decidir era simples e que já tinha os elementos de prova necessários para esse efeito no processo, revelando-se absolutamente correta para a decisão que o juiz a quo tinha de tomar - verificar o preenchimento dos pressupostos processuais da ação em causa - estarem Integralmente comprovados no processo os elementos probatórios necessários o esse efeito - sendo pacifico e nem sequer questionado que antes da propositura da ação, o Município de (...) não solicitara previamente ao Ministério da Agricultura o encerramento das instalações de contrainteressada.
6ª Refira-se, aliás, que toda a restante prova que o recorrente jurisdicional entende que deveria ser produzida - designadamente se havia ou não maus cheiros- era absolutamente irrelevante para a decisão da ação principal, uma vez que só se colocaria a necessidade de tal prova se e na medida em que estivessem preenchidos os pressupostos de que o arfo 67° do CPTA faz depender a propositura de uma ação de condenação à prática de ato devido.
7ª Consequentemente, não só estavam preenchidos no caso sub judicie os requisitos de que o arfa 121º do CPTA faz depender a antecipação da decisão principal como não incorreu o despacho de 20 de Novembro de 2019 em qualquer erro de julgamento, razão pela qual deve ser julgado improcedente o recurso jurisdicional contra ele interposto. Por outro lado,
8ª A sentença em recurso entendeu que a pretensão formulada pelo A. na ação principal era recondutível a uma ação de condenação à prática de ato legalmente devido e que se verificava a exceção dilatório de falta de interesse em agir, uma vez que estava comprovada a falta de um dos pressupostos de que o artº 67º do CPTA faz depender a propositura de uma ação de tal género - a prévia formulação de uma pretensão ao órgão administrativo legalmente competente.
9ª Ao longo das conclusões 15° a 27º o recorrente jurisdicional considera que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, uma vez que no seu entendimento a formulação de tal prévia pretensão não era necessário por o encerramento das instalações - pedido formulado nos presentes autos - ser um ato estritamente vinculado que resultava da lei, razão pelo qual a ação de condenação seria admissível independentemente de qualquer prévio requerimento, ex vi do disposto no nº 4 do artº 67° do CPTA.
10ª Salvo o devido respeito, o aresto em recurso não incorreu em qualquer erro de julgamento ao julgar procedente a exceção de falta de interesse em agir decorrente da não verificação do pressuposto processual previsto no nº 1 do arfo 67° do CPTA - a prévia formulação da pretensão perante o órgão administrativo competente. Com efeito,
11ª O recorrente jurisdicional não impugnou a facfologia dada por assente no ponto 13 da sentença em recurso, pelo que é por demais evidente que a contrainteressada estava autorizada a manter as instalações e a prosseguir a sua atividade e, como tal, nunca o encerramento de tais instalações resultava diretamente da lei, de forma a justificar a propositura da ação de condenação sem a prévia formulação da pretensão perante a Administração. Acresce que,
12ª É a própria lei a determinar que o recibo comprovativo da apresentação do pedido de regularização"... constitui título legítimo para a exploração provisória do estabelecimento ou para o exercício da atividade, até à data em que o requerente seja notificado da deliberação final sobre o pedido de regularização ... " (v. art° 7º/1 do DL nº 165/2014), razão pela qual é verdadeiramente caricato que se sustente que o encerramento do estabelecimento ou da atividade decorre diretamente da lei quando é essa mesma lei a determinar a legitimidade para se prosseguir a atividade. Assim sendo,
13ª É inegável que o encerramento das instalações e da atividade da contrainteressada não eram um ato que resultasse diretamente da lei - antes dela resultando a legitimidade para se manterem tais instalações e prosseguir a atividade -, pelo que em caso algum a propositura da presente ação de condenação à prática de ato devido estava dispensada da comprovação de um dos seus pressupostos essenciais - a demonstração da prévia formulação da pretensão perante a Administração " razão pela qual bem andou a sentença em recurso ao julgar procedente a exceção e ao absolver o requerido da instância por falta de um pressuposto processual essencial ao conhecimento do mérito da ação. Por fim,
14ª O erro de julgamento imputado pelo recorrente jurisdicional à sentença em recurso nas conclusões 28º a 47° das suas alegações é não só absolutamente irrelevante para o presente recurso - pois a pronúncia do Tribunal a quo sobre o fumus bani iuris foi feita a título meramente hipotético e subsidiário, não contendendo em nada com a decisão de Julgar verificada a exceção dilatória de falta de interesse processual - como, em qualquer dos casos, se revela absolutamente correta - uma vez que resultando da lei que com a apresentação do pedido de regularização a contrainteressada ficava ex vi legis autorizada a manter em funcionamento as suas instalações e a continuar a sua atividade até à decisão final do processo de regularização, dificilmente se pode admitir que enquanto tal processo não estivesse concluído pudessem ser encerradas as instalações e imposta a cessação da atividade.
Nestes Termos, Deve ser julgado improcedente o recurso interposto pelo recorrente, com as legais consequências; Assim será cumprido o Direito e feita Justiça. “

O Recurso Jurisdicional foi admitido por Despacho de 13 de outubro de 2020, no qual, simultaneamente, se sustenta a decisão proferida atenta a nulidade suscitada.

O Recorrido/Ministério não veio a apresentar contra-alegações de Recurso.

O Ministério Público junto deste Tribunal, veio a emitir Parecer em 23 de outubro de 2020, no qual, a final, concluiu que O recurso deve ser julgado improcedente por não verificação dos pressupostos de propositura de ação à condenação de prática de ato devido, ou, se assim, se não entender deve a mesma ser julgada nula por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615, nº 1, al. d), do CPC.
Com dispensa de vistos prévios (art.º 36º, nº 2, do CPTA), cumpre decidir.

II – Fundamentação de Facto

O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade, a qual aqui se reproduz.
“Em face das posições assumidas pelas partes, dos documentos juntos com os articulados e do processo administrativo estão provados os seguintes factos suficientes para a discussão e a decisão da causa:
1. Com data de 27/07/2016, o Requerido notificou o Requerente de o pedido apresentado pela contrainteressada S. para legalização da sua atividade de pecuária, que deu lugar ao Dossier de Regularização NREAP n.º 16401/02/C, se encontrava em fase de convite ao suprimento de deficiências do requerimento inicial – cfr. Docs. n.ºs 1 e 5 junto com o requerimento inicial
2. Com data de 05/01/2016, o Requerente dirigiu à contrainteressada ofício pelo qual a notificou de em sua reunião de 21 de dezembro de 2015, deliberou propor à Assembleia Municipal da (...), o não reconhecimento do interesse público municipal na regularização do interesse público municipal na regularização do estabelecimento da mesma contrainteressada – cfr. doc. n.º 3 junto com o requerimento inicial.
3. Com data de 16 de outubro de 1992, foi concedido à contrainteressada Título de Exploração de Suínos, com 8 varrascos e 122 porcas reprodutoras – cfr. Doc. n.º 1 junto com a oposição da contrainteressada.
4. Com data de 07 de maio de 1993, o requerido notificou a contrainteressada notificada da alteração do título de exploração para 138 reprodutoras – cfr. doc. n.º 2 junto com a Oposição do Requerido.
5. Com data de 18 de setembro de 1992, o Requerente emitiu declaração pela qual declarava não ver inconveniente no início de funcionamento da exploração antes identificada – cfr. Doc. n.º 2 junto com a oposição da contrainteressada.
6. Com data de 03 de maio de 2006, o Requerente emitiu a favor da contrainteressada Alvará de Utilização com o nº 69/2006, pelo qual autoriza a utilização de edifício sito em (...), freguesia de (...), (...), para exploração pecuária completa-instalação de bovinos para adultos, recria, ordenha e sala de leite - cfr. Doc. n.º 3 junto com a oposição da contrainteressada.
7. Com data de 31 de dezembro de 2014, o Requerido concedeu à contrainteressada a Licença de Exploração n.º 1673/2014, para bovinos/produção de leite – cfr. Doc. n.º 4 (folha 2) junto com a oposição da contrainteressada.
8. À contrainteressada foram concedidas autorização para utilização e espaço classificado como Reserva Agrícola com vista a ampliação e regularização da sua atividade de pecuária – cfr. Doc. n.º 9 junto com a oposição da contrainteressada.
9. A Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro concedeu à contrainteressada licença para exploração subterrânea de água - cfr. Doc. n.º 10 junto com a oposição da contrainteressada.
10. Com data de 03/02/2017, o Requerido notificou a contrainteressada de que o processo de regularização n.º 16401/02/C relativo à exploração pecuária havia sido declarado extinto por não terem sido supridas as deficiências ao requerimento inicial – cfr. Doc. junto pelo Requerido em 10 de fevereiro de 2017.
11. Com data de 13/04/2017 a contrainteressada apresentou novo pedido de regularização da exploração em causa nos autos, ao abrigo do Decreto lei n.º 165/2014 – cfr. doc. apresentado pelo Requerido em 02/05/2017.
12. Com data de 14/05/2019, o Requerido remeteu à contrainteressada a seguinte comunicação, pela qual, concedia prazo para suprir deficiência no processo de regularização n.º 23689/C, relativo à exploração em causa nos autos, bem assim, de que havia solicitado esclarecimentos ao Requerente – cfr. fls. 262 e 261 do PA junto pelo requerido.
13. Em 18 de março de 2019, o Requerido notificou a contrainteressada de que o processo de regularização apresentado por esta, relativo à exploração em causa nos autos, se encontrava devidamente instruído, e emitiu o recibo comprovativo do pedido de regularização, constituindo título legítimo para o exercício da atividade, até à data em que a contrainteressada for notificada da deliberação final sobre o pedido de regularização ou ocorra alguma das situações previstas no n.º 7 do artigo 7.º do Decreto Lei n.º 165/2014, de 5 de novembro – cfr. fls. 241 a 247 do PA junto aos autos pelo Requerido.
14. Em 21/12/2016, o Requerente apresentou o requerimento da presente providência – cfr. fls. 1 dos autos.
Factos não provados:
Que o Requerente haja dirigido ao Requerido petição solicitando o encerramento da exploração em causa nos autos”


III - Questões a apreciar
As questões a apreciar e decidir prendem-se predominantemente com a necessidade de verificar o “interesse em agir” do Autor da Ação, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Do Direito
Por Despacho proferido em 1ª instância em 20 de novembro de 2019, foi decidida a antecipação do juízo da causa principal, nos termos do artigo 121.º do CPTA e ordenada a apensação aos presentes autos dos da ação principal (Procº n.º 149/17.0BEAVR), estando aqui predominantemente em causa, por via de Ação Popular, a vontade do Municipio de proceder ao encerramento da exploração agropecuária da contrainteressadas S., Lda.

No referido Despacho de 20 de novembro de 2019, e no que aqui releva, discorreu-se e decidiu-se o seguinte:
“(...)
O artigo 121.°, n° 1 do CPTA estabelece que “Quando, existindo processo principal já intentado, se verifique que foram trazidos ao processo cautelar todos os elementos necessários para o efeito e a simplicidade do caso ou a urgência na sua resolução definitiva o justifique, o tribunal pode, ouvidas as partes pelo prazo de 10 dias, antecipar o juízo sobre a causa principal, proferindo decisão que constituirá a decisão final desse processo.”
Do predito artigo resulta ser possível proferir, no processo cautelar, uma decisão sobre o mérito da causa principal, dirimindo o litígio subjacente, desde que estejam reunidos os pressupostos para o efeito.
Ora, os dois primeiros requisitos previstos no artigo 121° do CPTA têm uma natureza eminentemente processual. Portanto, para que possa ser antecipado o juízo da causa principal, o processo principal tem que estar intentado e têm também de constar do processo cautelar todos os elementos necessários para que seja proferida a decisão final.
No caso concreto, verifica-se que os referidos requisitos se encontram efetivamente preenchidos. Concretizando, o processo principal, ao qual foi atribuído o n.° 149/17.0 BEAVR, foi instaurado em 20 de fevereiro de 2017, que já se mostra contestada. Por outro lado, também decorre dos autos, para efeito do preenchimento do segundo requisito, que se encontram juntos com os presentes autos todos os elementos necessários para a decisão da causa principal, designadamente os processos administrativos.
Quanto ao último requisito, a lei consagra que o julgador pode optar por antecipar a decisão do mérito da causa sempre que a questão nos autos seja de manifesta simplicidade ou sempre que a situação se revele de manifesta urgência. Na verdade, no caso dos autos, a questão sub júdice reveste-se de manifesta simplicidade em face da causa de pedir e do pedido, na medida em que em causa está a legalidade do funcionamento de um estabelecimento explorado pela contrainteressada, que alega o Município/Requerente estar a funcionar sem licença de exploração.
A ação cautelar, foi intentada em 21/12/2016, permanecendo ativa desde então por efeito das diversas tentativas de entendimento das partes, que jamais foi alcançada.
Também por tais circunstâncias é aconselhável, de modo a se regular definitivamente a pretensão da requerente, a antecipação do juízo da causa.
Nestes termos, consideram-se preenchidos os pressupostos substantivos contidos na parte final do artigo 121.°, n.° 1 do CPTA, pelo que se determina a antecipação do juízo sobre a causa principal, operando-se a convolação dos presentes autos em processo declarativo, de natureza urgente.”

Aqui chegados, cumpre sublinhar que nos termos do nº 1 do referido Artº 121º do CPTA, decidida que foi a antecipação do juizo sobre a causa principal, tal constitui “decisão final desse processo”, sem prejuizo do recurso interposto.

Assim, mal se comprende a razão pela qual o tribunal a quo foi, ainda assim, discorrendo sobre o preenchimento dos pressupostos da Providência Cautelar, o que culminou com a decisão “alternativa” de considerar que não obstante ter optado decisoriamente pela “absolvição do Requerido da instância, por se verificar a exceção dilatória de falta de interesse em agir”, ter acrescentado que “caso assim se não entenda, indefiro a providência requerida, por não se verificar o pressuposto do “fumus boni iuris”, quando é certo que inexiste já providência cautelar, em face do que tal segmento decisório terá de ser revogado.

Refira-se desde já, sem necessidade de desenvolvida ou particular argumentação, que se não vislumbra ou reconhece a suscitada “contradição entre o juízo de desnecessidade de (mais) prova contido nos despachos recorridos de 20/11/2019 e de 24/08/2020”, pois que ambos os despachos são complementares, sendo que o teor de ambos se mostra perfeitamente, compatível, coerente, e complementar, mormente em função da decisão que veio a ser proferida, a final.

Em presença de Ação Popular, enquadremos sintética e normativamente a controvertida questão:
O artigo 52º, nº3 alínea a), da CRP, sob a epígrafe «Direito de petição e direito de ação popular», refere o seguinte:
«É conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de ação popular nos casos e termos previstos na lei, incluindo o direito de requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização, nomeadamente para:
a) Promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infrações contra a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida e a preservação do ambiente e do património cultural».
Já o artigo 2º, nº1, da Lei nº83/95, de 31.08, com as sucessivas alterações [LAP - Lei da Ação Popular], refere que:
«São titulares do direito procedimental de participação popular e do direito de ação popular quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e as associações e fundações defensoras dos interesses previsto no artigo anterior [designadamente a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, a proteção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público], independentemente de terem ou não interesse direto na demanda».
Correspondentemente, refere o artigo 31º do CPC [CPC/2013] que «Têm legitimidade para propor e intervir nas ações e procedimentos cautelares destinados, designadamente, à defesa da saúde pública, do ambiente, da qualidade de vida, do património cultural e do domínio público, bem como à proteção do consumo de bens e serviços, qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos, as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias e o Ministério Público, nos termos previstos na lei».

O artigo 9º, nº2, do CPTA estabelece que «Independentemente de ter interesse pessoal na demanda, qualquer pessoa, bem como as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público, têm legitimidade para propor e intervir, nos termos previstos na lei, em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais».

A ação popular é caracterizada por uma extensão da legitimidade processual, a qual deixa de ser aferida em função da titularidade de um interesse direto, pessoal e legítimo na demanda. Como refere Mário Aroso de Almeida, o artigo 9º/2 CPTA consagra um alargamento da legitimidade processual ativa a quem não alegue ser parte na relação material controvertida. Para o referido académico, o artigo 9º/2 CPTA desempenha duas funções:
i) dar expressão ao direito de ação popular no âmbito do contencioso administrativo e
ii) atribuir legitimidade ativa a determinados sujeitos.

As autarquias podem exercer o direito de ação popular sempre que a violação dos bens ocorra no seu espaço geográfico, independentemente de a matéria em causa estar dentro das atribuições da autarquia.
Finalmente, o Ministério Público é titular do direito de ação popular, através da qual esta entidade defende a legalidade e o interesse público a título institucional, competindo-lhe a defesa, nos termos da lei, dos interesses coletivos e difusos (artigo 3º/1 e) do Estatuto do Ministério Público (EMP).

Enquadrada sumariamente a questão controvertida do ponto de vista normativo, vejamos agora, como ponto de partida, e no que aqui releva, o que ficou afirmado na decisão recorrida, no que ao “direito” concerne:
“(...) Da falta do pressuposto de apresentação de requerimento pelo Requerente junto do Requerido, solicitando o encerramento da exploração:
Na ação cautelar, que depende da ação principal apresentada sob a forma de Ação Popular, pretende o Requerente ver antecipada a decisão de encerramento da exploração pecuária que a contrainteressada leva a efeito.
Consequentemente na Ação Principal o pedido subsumir-se-á à condenação à prática de ato devido, como resulta, aliás, do pedido nesta formulado.
O artigo 113.º, n.º 1, do CPTA, determina que - O processo cautelar depende da causa que tem por objeto a decisão sobre o mérito, podendo ser intentado como preliminar ou como incidente do processo respetivo.”
A Ação de condenação à prática de ato devido, encontra o seu objeto no artigo 66.º do CPTA, segundo qual:
1 - A ação administrativa pode ser utilizada para obter a condenação da entidade competente à prática, dentro de determinado prazo, de um ato administrativo ilegalmente omitido ou recusado.
2 - Ainda que a prática do ato devido tenha sido expressamente recusada, o objeto do processo é a pretensão do interessado e não o ato de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta diretamente da pronúncia condenatória.
3 - A possibilidade prevista no artigo seguinte da dedução de pedidos de condenação à prática de ato devido contra atos de conteúdo positivo não prejudica a faculdade do interessado de optar por proceder, em alternativa, à impugnação dos atos em causa.
Como resulta do disposto no artigo 67.º, n.º 1, do CPTA, constitui pressuposto da ação de condenação à prática de ato devido que, tendo sido apresentado um requerimento que constitua o órgão competente no dever de decidir, (i) se verifique uma situação de inércia/silêncio da Administração (alínea a) do n.º 1), (ii) esta se tenha recusado a apreciar o requerimento (segunda parte da alínea b) do n.º 1) ou (iii) tenha praticado um ato administrativo, seja de indeferimento, seja de deferimento apenas parcial da pretensão do administrado (cfr. primeira parte da alínea b) do n.º 1 e alínea c) do n.º 1).
Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha, in Comentário do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, 4ª Edição, Almedina, págs. 460 e ss. referem, em anotação ao artigo 67.º do CPTA:
“Apesar da epígrafe, o artigo 67.º não se refere a todos os pressupostos específicos de que depende a admissibilidade da dedução de pretensões dirigidas a obter a condenação à prática de atos devidos, na medida em que a matéria também é regulada pelos subsequentes artigos 68.º e 69.º, no que diz respeito aos pressupostos processuais da legitimidade e da tempestividade. O presente artigo refere-se, assim, a um pressuposto em particular, que é concretização do interesse processual ou interesse em agir (a necessidade de tutela judiciária), que depende da existência de uma situação concretizada de incumprimento do dever de decisão por parte da Administração ou de decisão ilegal de pretensão dirigida à prática de um ato administrativo.
(…)
O n.º 1 tem em vista as situações em que o reconhecimento ao autor de interesse processual na propositura da ação de condenação à prática de ato devido depende da prévia apresentação de "requerimento que constitua o órgão competente no dever de decidir".
Resulta, pois, do proémio do n.º 1 que não basta que interessado tenha apresentado um requerimento, é ainda necessário que esse requerimento tenha constituído o órgão competente no dever de decidir. O preceito remete-nos, desse modo, para o artigo 13.º do CPA, que rege sobre a matéria.
Resulta do artigo 13.º do CPA que, em regra, os requerimentos apresentados aos órgãos administrativos em matéria da sua competência têm o efeito de os constituir no dever de decidir.
Estabelece, no entanto, o n.º 2 do artigo 13º que não existe o dever de decisão "quando há menos de dois anos, contados da data da apresentação do requerimento, o órgão competente tenha praticado um ato administrativo sobre o mesmo pedido, formulado pelo mesmo particular com os mesmos fundamentos".
(…)
Na verdade, o n.º 1 do presente artigo só tem em vista as situações em que, através do incumprimento do dever de decidir ou da prática de um ato total ou parcialmente negativo, há insatisfação da pretensão do interessado que apresentou o requerimento. É nessas situações que ele tem interesse processual, necessidade de tutela judiciária, para o efeito de ser admitido a propor uma ação de condenação à prática de ato devido.”
Não está em causa, pois, a legitimidade do Requerente/Autor para a pretensão dirigida nos autos, mas o interesse em agir, por falta do pressuposto a que alude o n.º 1 do artigo 67.º do CPTA, que no âmbito da Ação Cautelar, quer, ainda no âmbito da Ação Principal, atenta a relação de instrumentalidade que há entre ambas.
Com efeito, na ausência de pretensão que lhe devia ser dirigida pelo Requerente/Autor, o Requerido/Réu não se constitui na obrigação ou no dever de decidir, acrescendo que estando em desenvolvimento o procedimento de regularização que concede à contrainteressada, como foi concedido e isso resulta do da factualidade levada ao probatório, não se encontram reunidos os pressupostos de condenação à prática do ato devido, que, no caso dos presentes autos, pretende o Requerente/Autor ver antecipado com o decretamento de intimação que determine ao Requerido/Réu a prática de ato que o Requerente/Autor reconhece ser da competência do requerido para o encerramento da exploração pecuária que a contrainteressada, e que este não lhe solicitou, como devia.
De resto, como infra se verá, o procedimento de regularização da exploração pecuária que a contrainteressada leva a efeito tem, efetivamente, o efeito obstar a que seja tomada decisão de encerramento da exploração sem que, perante a pretensão apresentada pela contrainteressada de regularização da exploração, haja uma decisão final, pelo que não é automático imperativo que ao Requerido / Autor se imponha uma decisão de ordenar o encerramento sem mais.
Consequentemente o Requerente não tem interesse em agir.
À luz do disposto no artigo 89.º, n.ºs 2 e 4, a falta de interesse em agir de qualquer das partes, constitui exceção dilatória que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal
Sendo que, à luz da causa de pedir e do pedido, tal como configurados pelo Requerente, na falta do preenchimento dos pressupostos processuais antes identificados, cujo suprimento de mostra inviável, a Requerida terá que ser absolvida da instância.
(...)”

Se nos abstrairmos da apreciação indevida que foi feita em 1ª instância relativamente à verificação do fumus boni iuris, que se não transcreveu, atenta a sua desnecessidade, resulta que a Ação foi singelamente julgada em função da falta de interesse em agir por parte do Autor da Ação
No que aqui releva, decidiu-se pois em 1ª instância:
“Pelo exposto, absolvo o Requerido da instância, por se verificar a exceção dilatória de falta de interesse em agir”-
Como se sumariou no Acórdão do STA nº 1351/15, de 16-12-2015 “O «interesse em agir» constitui pressuposto processual, e traduz-se na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer seguir a ação”

O «interesse em agir», também designado por interesse processual, não tem estado expressamente previsto na nossa lei processual. Não obstante, a jurisprudência e a doutrina há muito que vêm entendendo que se trata de um pressuposto processual e que se traduz na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer seguir uma ação [ver, entre muitos outros, AC STJ de 10.05.2000, Rº00A3277; AC STA de 17.12.2014, Rº01348/14; AC STA de 07.01.2015, Rº01477/14; AC do STA de 18.06.2015, Rº037/14; Antunes Varela e outros, in «Manual de Processo Civil», Coimbra Editora, 2ª edição, páginas 180 e 181].

O interesse em agir deve reportar-se, portanto, ao proveito ou ao prejuízo que o deferimento da pretensão deduzida em tribunal proporciona ou evita. Daí que o momento que releva para a sua constatação seja o momento em que o autor ou requerente deduz o respetivo pedido.

Trata-se, pois, de um «pressuposto processual», isto é, de elemento necessário para que o tribunal possa e deva pronunciar-se sobre a procedência ou não do pedido formulado, e não de uma «condição da ação», ou seja, de um requisito indispensável para que o pedido proceda ou se considere fundado.

A «necessidade» de usar a via judicial, que constitui substrato do interesse em agir, deve ser justificada, razoável, fundada, o que significa que nem se exigirá que seja absoluta nem se poderá diluir num mero interesse subjetivo, seja de ordem moral ou académica [ver Antunes Varela e outros, in «Manual de Processo Civil», Coimbra Editora, 2ª edição, páginas 181].

Revertendo ao caso concreto, refira-se que o recurso jurisdicional interposto pelo Município incide sobre o despacho de 20 de Novembro de 2019, o qual antecipou a decisão da causa principal e a sentença de 24 de Agosto de 2020, que absolveu o requerido da instância por falta de interesse em agir decorrente de não ter previamente formulado o pedido de condenação à prática de ato legalmente devido.

Não tendo o Tribunal podido pronunciar-se relativamente ao mérito da Ação, em decorrência da declarada falta de interesse em agir, mal se compreenderia, que, ainda assim, fossem ouvidas inutilmente as testemunhas arroladas, designadamente para fazer prova dos cheiros exalados da exploração agropecuária.

Refira-se desde já que, salvo relativamente ao segundo segmento decisório da Sentença Recorrida, não se vislumbra que as decisões recorridas mereçam censura.
No que concerne ao Despacho de 20 de novembro de 2019, que antecipou a decisão da causa, não pode deixar de se sublinhar que foi o próprio Autor quem, na sua PI, suscitou desde logo aquela antecipação, mal se compreendendo que venha agora Recorrer de uma decisão que foi ao encontro da sua pretensão, ao que acresce que se vem “queixar” que se tratou de uma decisão surpresa, quando foi notificado previamente para se pronunciar, prerrogativa que não utilizou.

Com efeito, o Município que agora recorre da antecipação da causa principal, afirmou paradoxalmente na sua PI (Artº 4º) que “existindo certeza sobre o direito que se equaciona, parece-nos que estão reunidos os pressupostos para antecipar a decisão da causa principal no processo cautelar, nos termos do Artº 121º, nº 1 do CPTA”.

Por outro lado, de realçar que, tendo sido entendido estar em causa uma ação de condenação à prática de ato devido, importava desde logo verificar se se mostravam preenchidos os pressupostos de que dependia a instauração de tal ação, e não chamar a depor testemunhas arroladas quanto ao objeto da Ação.

Tendo o Tribunal a quo considerado que não estavam reunidos os pressupostos para o prosseguimento da Ação, decidindo-se o seu objeto, a antecipação da decisão da causa visava pois singelamente tirar as ilações decisórias de tal circunstância, reconhecendo-se assim, a falta de interesse em agir por parte do Município.

No que respeita já ao Recurso da Sentença, apenas importa verificar o mesmo relativamente à procedência da exceção dilatória de falta de interesse em agir em decorrência do facto do Município não ter previamente formulado perante a administração a pretensão que agora solicitou em juízo, do que só se pode queixar de si próprio, pois é isso que resulta expresso do normativo aplicável (Artº 67º nº 1 CPTA).

Resultando da matéria de facto dada como provada, o que não vem recorrido, que a Contrainteressada dispunha de título que lhe permitia funcionar transitoriamente com a atividade controvertida (Facto 13), naturalmente que não se mostra aplicável a exceção constante da alínea a) do nº 4 do referido Artº 67º do CPTA, que permite a apresentação de ação sem prévia apresentação da pretensão à entidade Administrativa competente.
Mas recentrando de novo a questão no Despacho de 20 de novembro de 2019, no que concerne à antecipação da causa principal, refira-se que a insistência do Recorrente/Município em afirmar que haveria prova a produzir quanto ao objeto da Ação, é despicienda e surpreendente, pois que não estando reunidos os pressupostos para dar continuidade à tramitação da Ação, de que serviria ouvir as testemunhas, entendimento que vale igualmente para o referido pelo Ministério Público no seu Parecer.

Reafirma-se que, tendo o Recorrente sido notificado para se pronunciar, o que não fez, não pode legitimamente vir “queixar-se” de uma qualquer decisão surpresa, tendo aliás o tribunal de 1ª instância, no seu despacho de sustentação, supra transcrito, cujo teor aqui se ratifica, demonstrado a inverificação de qualquer nulidade

Há igualmente que não esquecer que foi exatamente o Município quem, logo na sua PI (Artº 4º), primeiro requereu a antecipação da causa principal. Mesmo que o Município não tivesse sido chamado a pronunciar-se relativamente à eventual antecipação da causa principal, o que não foi o caso, nunca poderia invocar que essa antecipação constituiria para si uma decisão surpresa, quando foi ele exatamente quem primeiro o requereu.

Pode o Município legitimamente discordar da antecipação da decisão. O que não poderá é afirmar que se tratará de uma decisão surpresa.

Como referem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, (Comentário ao CPTA, 2017, 4° ed., págs, 989 e 990), em anotação ao referido Artº 121º do CPTA, a faculdade de antecipação decisória consiste num “... normal instrumento de agilização processual ...", dependente do Tribunal se sentir "... em condições de decidir a questão de fundo, por dispor de todos os elementos necessários para o efeito ... e de entender "... dar resposta a situações apenas caracterizadas pela simplicidade na sua resolução ...".

Com a reforma de 2015, a antecipação da causa principal depende pois apenas do julgador se sentir em condições de decidir logo a causa, por esta se revelar simples de decidir e já ter os elementos de prova necessários para esse efeito, o que foi expressamente afirmado pelo tribunal a quo.

Com efeito, o Despacho aqui Recorrido, que antecipou a decisão da causa, fê-lo na convicção, que o Recorrente não logrou infirmar, que dispunha dos elementos de prova necessários e suficientes para decidir como decidiu, e que a contenda se mostrava de fácil resolução, o que se mostra manifesto, atento o sentido decisório adotado, ao entender que faltava um dos pressupostos para a instauração de ação de condenação à prática de ato legalmente devido.

Face ao entendimento do tribunal, impunha-se singelamente verificar se o Município de (...) havia previamente requerido ao Ministério da Agricultura o encerramento das instalações da contrainteressada.

Não tendo o Município logrado demonstrar que teria efetuado previamente tal diligência, a decisão a proferir mostrava-se linear, dispondo o Tribunal dos elementos probatórios necessários à tomada da decisão na ação principal e à absolvição do requerido por falta de um pressuposto essencial à propositura da ação principal.

É pois patente que a almejada prova, nomeadamente quanto aos mau-cheiros, se mostrava inútil e sem qualquer relevância para o sentido da decisão a proferir.

Não podia pois o tribunal ignorar a falta de um pressuposto essencial tendente ao prosseguimento da tramitação processual, sob pena de poder ser acusado de tomar partido por uma das partes na Ação.

Como se afirmou já, dispondo a Contrainteressada de um titulo legitimo que lhe permitia transitoriamente prosseguir a laboração da sua atividade (Facto Provado 13), mostra-se inaplicável a exceção constante do nº 4 do Artº 67º CPTA, no que diz respeito à necessidade de prévia apresentação de requerimento ao órgão competente.

Em face do que precede, não se vislumbra nem reconhece pois qualquer vício na decisão adotada de antecipar a decisão relativa à causa principal, constante do despacho de 20 de Novembro de 2019, mormente qualquer erro de julgamento, uma vez que foi cumprido o estatuído no artº 121º do CPTA.
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No que concerne já especificamente ao Recurso relativo à Sentença, como já sobejamente afirmado, entendeu a mesma que a pretensão formulada pelo Município na ação principal se subsumia a uma ação de condenação à prática de ato legalmente devido, em face do que se verificava a exceção dilatória de falta de interesse em agir, uma vez que faltava um pressuposto essencial, consubstanciado na falta de prévia formulação de idêntica pretensão junto da entidade administrativa competente, nos termos do Artº 67º do CPTA.

Entende o Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, pois que embora confesse que nunca apresentou previamente idêntica pretensão ao Ministério da Agricultura de encerramento da exploração da contrainteressada, ainda assim considera que se não mostrava necessário essa prévia apresentação, uma vez que o encerramento se consubstanciava num ato estritamente vinculado, em face do que operaria a exceção prevista no nº 4 do mesmo artº 67º do CPTA, o que se não reconhece.

Com efeito, e como ficou já expresso, resulta do facto provado 13 que "Em 18 de março de 2019, o Requerido notificou a contrainteressada de que o processo de regularização apresentado por este, relativo à exploração em causa nos autos, se encontrava devidamente instruído, e emitiu o recibo comprovativo do pedido de regularização, constituindo título legítimo para o exercício da atividade, até à data em final sobre o pedido de regularização ou ocorra alguma das situações previstas no n.º 7 do artigo 7.º do Decreto-lei n.º 165/2014 de 5 de novembro - cfr. fls. 241 a 247 do PA junto aos autos pelo Requerido".

Assim, é inultrapassável a circunstância da contrainteressada possuir título que a legitima a prosseguir transitoriamente com o funcionamento da sua exploração, pelo menos, até ao encerramento do processo de regularização constante do DL nº 165/2014, de 5 de Novembro, pelo que, não tendo a Recorrente sequer questionado a referida factualidade dada como provada, mal se compreende como pretende fazer crer que o almejado encerramento constitua um ato vinculado, designadamente para efeitos da aplicação da exceção constante do nº 4 do Artº 67º do CPTA.

Independentemente dos transtornos que a controvertida atividade possa causar, é incontornável que o artº 7° nº 1 do DL nº 165/2014, estabelece que "...constitui título legítimo para a exploração provisória do estabelecimento ou para o exercício da atividade, até à data em que o requerente seja notificado da deliberação final sobre o pedido de regularização...".

É assim questionável que o encerramento da atividade do contrainteressado constitua um ato vinculado diretamente decorrente da lei, sendo antes um ato discricionário, não só quanto ao sentido da decisão, mas também e principalmente quanto ao momento dessa eventual efetivação, sendo patente, tal como decidido em 1ª instância, que previamente à apresentação da presente Ação, sempre o seu Autor teria previamente que ter apresentado idêntica pretensão à entidade administrativa competente, pois que assim não sendo, não há qualquer incumprimento a carecer de intervenção judicial.

Efetivamente o encerramento da exploração agropecuária em presença por parte do Ministério da Agricultura, consubstancia-se num ato discricionário e não vinculado, na medida em que aquele sempre terá de ponderar a situação concreta, podendo optar entre o encerramento ou não da exploração, em função da apreciação que faça e, se for caso disso, em que momento deverá ser efetivada a medida mais drástica de encerramento (Cfr. Acórdão STA de 24-10-2002, Processo n.º 783/02 e Acórdão STA de 13-02-2003, Processo n.º 839/02).

Mostra-se assim verificada a falta de interesse em agir do Autor, decorrente da falta do pressuposto de que o nº 1 do artº 67º do CPTA faz depender a admissibilidade da sua propositura, a saber, a prévia formulação da pretensão perante a Administração, não se vislumbrando assim o suscitado erro de julgamento.

Já no que concerne ao preenchimento, ou não, do fumus boni iuris, entende-se que neste aspeto, errou o tribunal a quo, pois que a decisão antecipada da causa principal, absorveu, por assim dizer, o processo cautelar, pondo assim fim ao mesmo, não se justificando pois a verificação do preenchimento dos correspondentes pressupostos.

Assim sendo, sem necessidade de acrescida argumentação, julgar-se-á parcialmente procedente o Recurso nesse aspeto, revogando-se o correspondente segmento decisório, sem quaisquer consequências relativamente ao primeiro segmento, que se manterá.
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Suscita ainda o Recorrente “(...) a inconstitucionalidade em concreto do art. 7.º, n.ºs 1 e 3, do DL n.º 165/2014, que permite, ademais num ciclo infindável que se repete historicamente há dezenas e dezenas de anos através de regimes jurídicos idênticos que assim permitem o funcionamento de indústrias sem nenhum controlo administrativo material (...)”

Em qualquer caso, a inconstitucionalidade suscitada mostra-se meramente conclusiva, o que impede a sua verificação.

Com efeito, não basta invocar a verificação em abstrato de qualquer inconstitucionalidade, importando que a sua verificação seja densificada e demonstrada, o que não ocorreu.

Como tem vindo a ser reconhecido pela generalidade da Jurisprudência (Vg. o Acórdão do TCA - Sul nº 02758/99 19/02/2004) “(...) não é de conhecer por omissão de substanciação no corpo de alegação, a violação dos princípios Constitucionais, designadamente por interpretação desconforme mormente à Lei Fundamental, se o Recorrente se limita a afirmar a referida desconformidade de interpretação e de aplicação, sem apresentar, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a modalidade a que reverte o vício afirmado.”

No mesmo sentido aponta, igualmente, o Acórdão do Colendo STA nº 00211/03 de 29/04/2003, onde se refere que “por omissão de substanciação no articulado inicial e nas alegações de recurso, não é de conhecer da questão da inconstitucionalidade e/ou interpretação desconforme à CRP de normas de direito substantivo …, na medida em que a Recorrente se limita a afirmar, conclusivamente, a referida desconformidade sem que apresente, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a que modalidade reverte o vício afirmado”.

Assim, até por falta de concretização e densificação do alegado, não se vislumbra que se verifique a suscitada inconstitucionalidade.
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O Recorrente aponta ainda um outro argumento e que assenta no entendimento de que “A causa de pedir é dupla e integra (segunda causa de pedir esgrimida na ação) a violação do direito ao ambiente” o que determinaria que não haveria requerimentos prévios a apresentar, em face do que a decisão recorrida terá incorrido em erro de julgamento.

A questão colocada é artificiosa, e incipiente, não permitindo, no entanto, infletir o sentido da decisão proferida.

Com efeito, a ação principal só residual e marginalmente aponta no sentido da defesa do ambiente, quando refere, designadamente, que a controvertida exploração violará o direito “dos munícipes da (...) a um ambiente sadio e equilibrado”, afirmação que se mostra conclusiva.

O que é incontornável é que a pretensão do município se cinge e desemboca no pedido de condenação do Ministério “a decidir o encerramento, da exploração agropecuária da Contrainteressada S. a que os autos se reportam...”, o que constitui manifestamente, como decidido em 1ª instância, um pedido que se subsume na prática de ato devido, devendo, como tal, cumprir as regras aplicáveis ao correspondente regime legal.
Não se reconhece pois igualmente o invocado vício.
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Relativamente à pronúncia do Ministério Público, se é certo que se já demonstrou a inutilidade de inquirição de testemunhas, atento o sentido da decisão proferida, importa reafirmar que aquela entidade concluiu o seu Parecer afirmando que “o recurso deve ser julgado improcedente por não verificação dos pressupostos de propositura de ação à condenação de prática de ato devido, ou, se assim, se não entender deve a mesma ser julgada nula por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615, nº 1, al. d), do CPC.”

Assim, uma vez que se optará pela improcedência do Recurso no sentido pretendido pelo MP, mostrar-se-ia inútil e redundante uma pronúncia face à supletiva nulidade invocada, sendo que a pronúncia do MP não foi ignorada, antes não foi atendida a pretensão manifestada de se proceder à inquirição das testemunhas arroladas pelas partes, pela singela razão que tal se não justificava, atenta a decisão final proferida que não carecia da realização de tal diligência.
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Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, julgar parcialmente procedente o Recurso:
a) Confirmando-se o Despacho de 20 de Novembro de 2019;
b) Revogando-se o segundo segmento decisório da Sentença Recorrida.
c) Confirmando-se o primeiro segmento da Sentença Recorrida
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Custas a cargo da Recorrente, sem prejuízo da isenção de que goza nos termos da alínea g), n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais.
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Porto, 13 de novembro de 2020
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Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa